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Full text of "Relatorio ácerca do serviço de saude publica na provincia de S. Thomé e Principe no anno de 1869; contendo as informações necessarias para o exacto conhecimento do estado de salubridade actual e as providencias mais urgentes e mais altamente reclamadas"

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! • 



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RELATÓRIO 



ACERCA DO 



SERVIÇO DE SAÚDE PUBLICA 



NA 



província de s.thomé e príncipe 



<. 



RELATÓRIO 



SERVIÇO DE SAÚDE PUBLICA 

NA 

PROVÍNCIA DE S.TB0MÉE PRÍNCIPE 

NO 

ANNO DE 1869 



Informações necessárias para o exacto conhecimento do estado de salubridade actual 
e as providencias mais urgentes e mais altamente reclamadas 

COORDENADO FOR ORDBM DA 

JDHTi DE S1DDE PUBLICA Di PROTMGU DE S. THOIÉ E PRÍNCIPE 

MANUEL FERREIRA RIBEIRO 

Facultativo de f . a disse do quadro de sandí da mesma província 



LISBOA 

Imprensa Nacional 

• J87J 



S>cu £ bo%, lo 



* 



No § 8.° do artigo 38.° do regulamento de saúde das províncias ultramarinas, 
approvado por decreto de 2 de dezembro, de 1869, lê-se o seguinte: 

« As juntas de saúde publica têeru por dever — fazer ann uai mente um relatório 
circunstanciado do serviço de saúde no anno findo, e sobre tudo que possa convir 
para inteiro conhecimento do estado de salubridade do paiz, e propor quaesquer pro- 
videncias que para tal fim julguem necessárias.» 



JUNTA DE SAÚDE EM 1869 

Dr. José Correia Nunes, presidente. 
Manuel Ferreira Ribeiro, seoretario. 



j 



índice das matérias 



Observações preliminares XI 



CAPITULO I 

Gteographia 1 

Considerações geraes i 

Archipelago dos Mafras no mar de Guiné 1 

Limites do golfo dos Mafras 5 

Enumeração dos rios que desaguam no golfo dos Mafras, segundo Lopes de 

Lima 8 

Enumeração dos rios que desaguam no golfo dos Mafras, segundo A. Tar- 

dieu 10 

Delta do Niger, segundo Thomás Hutchinson 12 

Delta do Niger, segundo Alexandre de Castilho J2 

Viagens a S. Thomé e ao delta do Niger 13 

Posição geographiea da jlha de S. Thomé : J5 

Opinião acerca do livro de Dutroulau Doenças dos euraftus nos paizes quen- 
tes (nota 1) 16 

Topographia da ilha de S. Thomé 17 

Aspecto geral da ilha 17 

Descripçâo de uma trovoada 18 

Aspecto da cidade vista do mar (nota 1) 19 

Aspecfo da ilha de S. Thomé, segundo Lopes de Lima 21 

Enumeração dos portos que ha na costa da ilha de S. Thomé 22 

Povoações que existem em S. Thomé 25 

Descripçâo da cidade de S. Thomé, segundo Lopes de Lima 27 

Descripção da cidade de S. Thomé, segundo o dr. Lúcio Augusto da Silva.. 29 

Descripçâo da cidade de S. Thomé, segundo o dr. José Correia Nunes 29 

Casos de morte succedidos na cidade de S. Thomé, segundo a informação de 

J. Lind 30 

Yillas, freguezias e principaes roças ou fazendas agrícolas da ilha de S. Thomé 31 

Villa da Santíssima Trindade 32 

Villa de Guadelupe 32 

Villa da Magdalena 33 

Villa de Santo Amaro 34 

Villa de Santa Anna 35 



VI ÍNDICE DAS MATÉRIAS 

Villa de Nossa Senhora dos Angolares 36 

Villa de Nossa Senhora das Neves 36 

Enumeração das cordilheiras, montes e picos mais notáveis de S. Thomé 37 

Rios, praias e ilhéus da ilha de S. Thomé 38 

Gosta do norte '. 38 

Gosta de oeste 40 

Gosta do sul 40 

Gosta de leste 41 

Ilhéu das Rolas 44 

Ilhéu das Gabras 44 

Exportação progressiva do café 45 



CAPITULO II 

Condições physioas e moraes dos habitantes de S. Thomé 47 

Considerações geraes 47 

Evolução da colónia, século por século, até ao anno de 1869 47 

Descoberta da ilha de S. Thomé 49 

Ultimo quarto do século xv Si 

Século xvi 53 

Século xvn 59 

Século jíviii 63 

Observações acerca dos acontecimentos do século xvnr, sob o. ponto de vista 

da saúde publica 68 

Século xix — Considerações geraes 69 

Primeiro período do século xix . 70 

Segundo período do século xix 74 

Instrucções aos facultativos que vão em serviço publico para as possessões 

. portuguezas do ulifemar, por Bernardino António Gomes. 70 

Terceiro período do século xix 78 

Decreto para a transferencia da capital da ilha do Príncipe para a de 

S. Thomé 79 

Petição para se publicar o Boletim official na ilha de S. Thomé 80 

Considerações a respeito da instituição do Boletim official 81 

Considerações a respeito de uma carreira regular de vapores-paquetes .... 83 

A epidemia de bexigas e a população da S. Thomé no período de dez annos 84 

Estatística dos governadores de S. Thomé desde 1860 a 1869 (nota 2) 89 

Entrada do actual governador, Pedro Carlos de Aguiar Craveiro Lopes ... 94 

Informações a respeito dos angolares 94 

Questão propriamente dita 96 

Descripção dos habitantes da ilha de S. Thomé, segundo o dr. José Correia 

Nunes 96 

Descripção dos habitantes da ilha do Principe, segundo o mesmo (nota 1) 96 

Alimentação dos habitantes de S. Thomé 98 

Alimentação dos naturaes, segundo Lopes de Lima 98 

Considerações a este respeito 98 

Bananas 99 

Mandioca , 100 



índice das matérias vn 

Reixe 101 

Pimenta. 102 

Vinho de palmeira 102 

Azeite de palmeira 103 

Manjares mais estimados pelos naturaes . 103 

Tartarugas na ilha de S. Thomé (nota 1) ' 104 

Alimentação dos libertos 105 

Alimentação dos soldados 105 

Alimentação dos empregados públicos, dos negociantes e dos europeus em 

geral 108 

Vestuário dos habitantes de S. Thomé 109 

Descripçáo do vestuário, segundo Lopes de Lima 109 

Usos e costumes dos habitantes de S. Thomé 111 

Religião dos habitantes de S. Thomé 113 

Linguagem dos habitantes de S. Thomé 116 

Padre nosso,^ segundo a pronuncia dos habitantes de S. Thomé 117 

Ave Maria, segundo a mesma pronuncia. 117 

Amostra da poesia dos habitantes de S. Thomé 117 

Medicina entre os habitantes de S. Thomé. 118 

Longevidade dos habitantes de S. Thomé 119 

Caracter moral dos habitantes de S. Thomé 120 

Epilogo 120 



CAPITULO III 

Hygiene publica 123 

Salubridade absoluta da cidade 123 

Causas locaes de insalubridade 123 

Falta de lazareto 124 

Depósitos 126 

Mercados 126 

Venda do peixe 126 

Matadouros 126 

Lojas 126 

Ruas da cidade 126 

Limpeza das ruas 126 

Praia 127 

Obras publicas ". 127 

Enterramentos 127 

Causas geraes de insalubridade 128 

Ribeira que atravessa a cidade 128 

Agricultura. 129 

Terrenos da ilha 130 

Salubridade relativa entre as ilhas do archipelago de Guiné e as principaes po- 
voações próximas ás praias banhadas pelas aguas do mar de Guiné 133 

Considerações geraes 133 

Ehas do golfo dos Mafras 135 

Povoações maritimas nas praias banhadas pelas aguas do mar de Guiné ou pe- 
los principaes rios que n'elle têem a sua foz 143 



vai índice das matérias 

Hygiene publica propriamente dita 147 

População 148 

Alimentação 151 

Endemias 152 

Desinfectantes 153 

Profissões . '. 158 

Hygiene privada 161 

Vestuário 161 

Chapéu, bonet, guarda-sol 162 

Calçado 1 63 

Quarto de cama 163 

Conselhos hygienicos de Griesinger 164 

Conselhos hygienicos de Dutroulau 164 

Conselhos hygienicos de Thomas Hutchinson 166 



CAPITULO IV 

Hospitaes 167 

CAPITULO V 

Pharmaoias , 177 



CAPITULO VI 

Facultativos e pharmaoeutioos 181 

Facultativos 181 

Pharmaceuticos 184 



CAPITULO VII 

Quartéis, prisões, oemiterios e prédios da oidade 189 



• 



CAPITULO VIII 

Doenças 195 

Doenças da ilha de S. Thomé, segundo o dr. José Correia Nunes 196 

Classificação das doenças da ilha de S. Thomé 199 

Evolução das doenças que acommeltem os indivíduos que desembarcam em 

S. Thomé no fim do mez de outubro 199 

Estações pathologicas na ilha de S. Thomé 202 

Instrucções praticas para o tratamento das doenças na costa occidental de 

Africa. 205 

Febres inter mi ttentes 205 

Febre perniciosa 207 



ÍNDICE DAS MATÉRIAS [X 

Febre typhoide 208 

Dysenteriâ e diarrhéa 209 

Hepatite 209 

Splenite 209 

A pathologia nas cidades das ilhas de S. Thomé e Príncipe é sui generis . 1 210 
Flora pathologica das ilhas de S. Thomé e Príncipe. — Primeira e principal ar- 
vore. —Doenças paludosas 212 

Necessidade do ensino de pathologia colonial (nota 1) 221 

Regras para a applicação do sulphato de quinina como preventivo 225 

Opinião de Fonssagrives 226 

Opinião de João Francisco Barreiros 226 

Opinião de Thomás Hutchinson 226 

Segunda arvore pathologica. — Doenças biliosas 227 

Differentes formas das doenças biliosas j 228 

Febre biliosa ephemera % 230 

Não ha contagio nas febres biliosas (nota 1) 230 

Caracteres differenciaes entre a febre perniciosa ictérica e a febre amarella 232 

Terceira árvore pathologica. — Cachexias 235 

Quarta arvore pathologica. — Dysenteriâ endémica 236 

Epilogo ." 239 

Therapeutica 241 

Doenças paludosas 242 

Doenças biliosas 246 

Anemia e cachexia 249 

Dysenteriâ endémica 251 

Bronchite e pneumonia 252 

Rheumatismo 254 

Ulceras 254 

Moléstias de aclimação 254 

Gengivite 255 

CAPITULO IX 

Drogas medioinaes próprias do paiz 257 



CAPITULO X 

Historia natural *. 261 

Reino animal 262 

Reino mineral 264 

Reino vegetal 266 

Reino nominal 272 



CAPITULO XI 

Meteorologia e climatologia 

Observações meteorológicas do dr. Lúcio Augusto da Silva 281 

Excursão meteorológica ao Monte Café 284 



índice das matérias 



CAPITULO XII 

Resumo das providencias hygienieas 287 



Moléstias observadas no hospital da ilha de S.Thomé, em 4869 289 

Resumo das moléstias observadas no hospital da ilha de S. Thomé, em 1869. . . 293 

Mappa necrologico do hospital da ilha de S. Thomé, em 1869 294 

Mappa estatístico, por freguezias, da ilha de S. Thomé, referido ao dia 31 de de- 
zembro de 1868 297 

Mappa dos óbitos que se deram durante o anno de 1868, nas freguezias da ilha 

de S. Thomé 298 

Resumo das moléstias observadas nó hospital de S. Thomé, em 1865 300 

Mappas do movimento do hospital de S.Thomé, por mezes, desde 1865 a 1869 301 
Mappas do movimento do hospital militar de S.Thomé, por trimestres, desde 

1865 a 1869 305 

Mappa estatístico e chronologico da maior parte dos governadores de S. Thomé 

e Príncipe, durante 283 annos, de 1586 a 1869. . ; 308 



OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 



Salus popali soprcma lex est. 

O relatório acerca do serviço de saúde da ilha de S. Thomé não é um 
livro destinado a desenvolver um ou outro assumpto pertencente áhygiene 
publica ; é a coordenação de factos clínicos e historico-hygienicos obser- 
vados na ilha de S. Thomé ou colhidos nos livros dos escriptores que se 
têem occupado dos climas quentes. Á obrigação de informar o governo 
de Sua Magestade a respeito das necessidades do serviço de saúde publi- 
ca, correspondia o dever de ser útil aos colonos é empregados públicos, 
e o de esclarecer todas as auctoridades que são encarregadas de velar 
pela saúde e pela felicidade dos habitantes da mais fértil e formosa ilha 
do golfo dos Mafras. Era portanto triplicadamente difficil o fim a que tinha 
de satisfazer. 

Na execução do plano que adoptei talvez se me censure a reproduc- 
ção de alguns excerptos dos livros dos médicos estrangeiros e a abun- 
dância das notas que ajuntei; mas não ha rasão que justifique essa cen- 
sura. 

Á imparcialidade procurei reunir a exactidão, tanto nas informações 
scientificas, como n'aquellas que se referem aos usos e costumes dos ha- 
bitantes da ilha de S. Thomé, ás causas de insalubridade da ilha, e aos 
meios de as destruir ou attenuar. Para as minhas asserções não causarem 
a menor duvida, ou para não ser tido em conta de utopista, acerquei-me 
da auctoridade de todos os mestres que pude ouvir ou consultar. 

Extractei dos livros francezes e inglezes muitas verdades hygienicas 
e muitos factos clínicos ; comparei-os e tirei as illações que me pareceram 



XII OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 

rigorosas ; no capitulo III, hygiene privada, deixei a prova indestructivel 
da necessidade de similhante comparação e estudo. A reproducção dos 
trechos em francez e em inglez não é tão abundante que faça interromper 
a leitura corrente do meu trabalho, e exija a sua traducção em linguagem 
vulgar, e a sua publicação em notas. 

Os francezes e inglezes dão importância ás suas colónias, e adoptam 
os conselhos hygienicos que os médicos apresentam, emquanto nós, 
sendo a segunda nação colonial do mundo e a mais antiga, não fizemos 
ainda a classificação das colónias, segundo o seu grau de salubridade, não 
distinguimos as palustres das não palustres, não temos, finalmente, uma 
colonisação regular, fecunda e illustrada. 

A distribuição das matérias obrigou-me a repetir algumas verdades 
e muitos conselhos médicos, que á primeira vista parecem desnecessá- 
rios, mas não o são realmente. Muito de industria insisti n'essa repetição, 
porque, apesar de serem muito vulgares aquelles principios, têem sido 
sempre esquecidos nas ilhas de S. Thomé e Príncipe. As notas que ad- 
dicionei explicam muitos factos, modificam ou ampliam alguns assum- 
ptos, e mostram claramente que eu nunca perdi de vista a minha posição 
de relator. 

Não fiz a descripção particular de algumas individualidades mórbidas 
que observei, a doença do somno por exemplo, porque me cumpria ape- 
nas dar conta do estado da ilha de S. Thomé em 1869, e enumerar as 
doenças reinantes n'aquelle anno, segundo o diagnostico e observação 
dos médicos que ali exerceram clinica. Seria talvez de muita utilidade 
dar a copia textual das observações clinicas dos médicos do hospital mi- 
litar, escolhendo as que correspondem ás doenças endémicas mais gra- 
ves, e têl-o-ía feito se as papeletes estivessem completas. Não foram es- 
criptas n'ellas as analyses das urinas, do suor, as alteraçães do pulso, 
nem se encontra ali a descripção de observações microscópicas, de aus- 
cultações, etc. 

Em alguns mappas nosologicos, referidos a differentes annos, figura 
a cólica secca, a febre intermittente quarta dobre, terçã dobre e a febre 
remittente, etc; mas até 1869 não se fallou da febre perniciosa ictérico, 
da cachexia tropical, do lichen europeu, da febre biliosa grave, etc. 

Nunca pude convencer-me que apparecessem casos de febre amarella 
esporádica ou espontânea em Benguella e na cidade de Angola ; esta idéa 



OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 



XIII 



induziu-me a fazer o estudo comparado da febre amarella e o das doen- 
ças biliosas, que se desenvolvem na cidade de S. Thomé. No meu tiroci- 

» 

nio de dois annos na ilha de S. Thomé e Príncipe não se me deparou 
doença alguma que se podesse diagnosticar febre amarella, mas pude 
observar numerosos casos de doenças biliosas e de icterícia. 

Não pude fazer a analyse das urinas e do suor e outras observações 
complementares para apresentar uma monographia acerca da hilis como 
causa ou complicação nas doenças endémicas da ilha de S. Thomé; mas a 
importância do assumpto auctorisa-me a insistir n'este ponto de patholo- 
gia tropical, que desejo tornar bem saliente e conhecido. Ganha com isso 
o commercio e evitam-se incommodos inúteis, como aquelles que appare- 
cem quando n'uma carta de saúde se inscreve como febre amarella uma 
doença que não tem com ella ponto algum de contacto. 

O quadro symptomatico de M. Dominique Daullé, que transcrevemos 
n'este relatório, deve chamar a attenção de todos os médicos coloniaes 
para se verificar a exactidão dos symptomas indicados. Com a sua leitura 
adquirem os habitantes das ilhas de S. Thomé e Príncipe a certeza de que 
ali não ha febre amarella, moléstia quasi endémica no Rio de Janeiro. 



Garaoteres differentes entre a febre amarella 
e a febre perniciosa ictérica 



Febre perniciosa Ictérica 
Symptomas 

Icterícia . — Desenvolve-se no 
primeiro accesso ; é sempre pronun- 
ciada. 

Cephalalgia. — Total, cresce até 
ao fui* do accesso ; falta algumas ve- 
zes. 

Dores.— Nos hypocondrios, es- 
tendendo-se para a parte posterior; 
cercam a cintura e são pouco inten- 
sas. 

Vómitos. — Biliosos, constantes, 
apparecem durante quasi toda a evo- 



Febre amarella 
Symptomas 

Icterícia . — Desenvolve-se so- 
mente no terceiro dia ; falta quando 
a cura é rápida. 

Cephalalgia. — Supra-orbitaria, 
intensa, gravativa; cede prompta- 
mente ao primeiro tratamento. 

Dores. — Nos membros, e prin- 
cipalmente nos gemellos ; dor parti- 
cular aos rins (coup de barre). 

¥ 

Vómitos.— Sobrevem depois do 
terceiro dia, se a doença é grave; cin- 



XIV OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 

lução de cada um dos accessos. zentos ao principio, tornám-se de- 
pois escuros e por ultimo negros co- 
mo ferrugem. 

Diarrkéa. — É ordinariamente ' Constipação. — É a regra, 
biliosa. 

Língua. — Húmida, saburras es- Língua. —Húmida e muito con- 

branquiçadas ; não está vermelha spurcada; está vermelha nos bor- 

nem nos bordos nem na ponta. dos. 

Urinas. — Vermelhas, escuras, Urinas.— Vermelhas, raras, ex- 

côr Málaga, características, muito cretadas em pequenas quantidades, 
abundantes. 

Pulso.— Pequeno e frequente no Pulso.— Cheio, regular ; no pri- 

frio, cheio no calor. meiro período 108, molle, abatido, 

sem frequência no segundo período. 

Marcha. — Accessos intermit- Marcha. — Continua, prolonga- 

tentes com apyrexia bem patente ou se quasi por setenta e duas horas, 

remittente, e quasi nunca contínuos ; se a evolução da doença tende a ter- 

a duração do accesso é de dezoito minar; apparecem symptomas diffe- 

horas ; á apyrexia seguem sympto- rentes dos primeiros se a doença se- 

mas idênticos aos primeiros. gue o seu curso ; a temperatura abai- r 

xa e a icterícia manifesta-se. 

Tratamento.— Cede aos prepa- Tratamento.— É antiphlogistico 

rados da quina, methodo fundamen- no principio; as preparações da 

tal do tratamento ; nunca se devem q U ina não têem acção contra a doen- 

empregar os antiphlogisticos, nem ça , salvo se ella estiver complicada 

ao principio nem durante a evolu- pe la infecção paludosa, 
ção da doença. 

Aclimação.— É a causa predis- Aclimação. — Dá segurança, 
ponente mais activa. 

Recidivas. — São communs e Recidivas. — Só excepcional- 

tanto mais graves e imminentçs, mente se declaram, 
quanto maior for o numero de ve- 
zes que ella acommetter um indivi- 

« 

duo. 

Os symptomas da febre perniciosa ictérica estão fielmente designa- 
dos ; os da febre amarella são admittidos por muitos pathologistas ; são 



OBSERVAÇÕES PRELIMINARES XV 

portanto duas individualidades mórbidas independentes, que toem as 
suas localidades próprias ; são infectuosas, provenientes de miasmas phy- 
to-hemicos, podendo ser destruídos pelo emprego dos differentes meios 
que a sciencia tem aconselhado. 

Á falta dos preventivos nos logares reconhecidamente palustres é a 
causa da enorme mortalidade que ali se observa. Sob applicação dos 
meios prophylacticos e hygienicos e pela acção anti-miasmatica do sul- 
phato de quinina reputa Thomás Hutchinson possível a cultura das| terras 
palustres de Africa, pelos europeus. Até ao presente tem sido muito con- 
testada a aclimação entre os trópicos, e tem sido negada especialmente 
nos logares em que apparecem as doenças paludosas. 

A proposição do naturalista inglez deve ser examinada, colligindo-se 
todos os factos que demonstrem a sua realidade. As ilhas de S. Thomé e 
Príncipe são boas para estas experiências hygienico-scientiíicas. 

Aos soldados do batalhão de caçadores 2 da costa occidental de Africa, 
que se acham nas ilhas de S. Thomé e Príncipe, dêem-se terrenos para 
elles cultivarem, sendo o seu rendimento para o rancho, que deve melhorar 
com o addicionamento de hortaliças e de outros vegetaes. Nenhum sol- 
dado ou degradado irá para o trabalho sem ter comido alguma cousa e 
sem tomar o sulphato de quinina, etc. 

A infecção palustre tem um heróico antagonista no alcalóide extrahido 
da casca das chinchonas, cuja cultura promove com muito empenho o 
dr. Bernardino António Gomes. São realmente muito úteis as plantações 
de taes arvores, e em poucos annos constituirão para algumas colónias 
um ramo de riqueza publica importante. Ninguém diria em 1800, vendo 
plantar algumas arvores de café, que ellas dariam no fim de cincoenta 
annos tão grande producção e riqueza. 

Thomás Hutchinson procurou divulgar o uso do sulphato de quinina, 
como preventivo, e aconselhou aos negociantes que frequentam as praias 
de Africa, que o dessem aos marinheiros e a todas as pessoas, obrigadas 
a passar as noites em terra. Alguns facultativos da armada portugueza 
fizeram observações n'este sentido e abonam o emprego do sal de Pelletier 
para prevenir os effeitos do envenenamento palustre. A seguinte narração 
de Thomás Hutchinson tem sido verificada por muitas vezes por médicos 
francezes e portuguezes. Repetimol-a aqui, porque factos doesta importância 
medica deviam ser repetidos constantemente, para que ninguém os ignore, 



XVI OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 

quando for obrigado por qualquer circumstancia a permanecer em terras 
palustres, como a cidade da ilha do Príncipe e a de S.Thomé. 

«Ministrei o sulphato de quinina diariamente aos europeus que iam 
a bordo entregues aos meus cuidados médicos, durante o período de 
cento e quarenta dias. A sua acção preventiva nunca falhou. 

«Quando alguns dos officiaes, que o não tomavam regularmente, 
adoeciam com febres remittentes, empregava eu as seguintes substancias 
medicamentosas com bom resultado : calomelanos, coloquintidas, tara- 
xaco e 10 grãos de quinina, segundo os differentes casos. A formula as- 
sim composta é um purgante muito activo. 

«Debellada a febre, recorria de novo á dose preventiva. 

«Por este simples methodo explorámos o delta do Niger sem haver 
caso algum de morte. As febres remittentes foram leves. v 

«A bordo do Pleyades iam 66 homens, sendo 12 europeus e 54 afri- 
canos. > 

«A preservação da saúde" da tripulação e dos officiaes do Pleyades foi 
devida principalmente ás duas causas seguintes : 

«l. a Entrámos o Niger na estação menos doentia, quando as suas 
aguas subiam rio acima. 

«2. a Obriguei os europeus a tomar uma solução do sal de quinina, 
embora se não manifestassem signaes da infecção palustre.» 

Thomás Hutchinson voltou a Fernão do Pó, tendo-se demorado sobre 
as aguas do Niger cento e dezoito dias j aquelle foco de infecção palustre, 
onde foram sacrificados tantos martyres da sciencia, deixou passar im- 
punemente uma dezena de europeus,, que admiraram as margens do Ni- 
ger. 

Contra as febres miasmaticas é portanto um bom preventivo o sul- 
phato de quinina, convenientemente applicado. 

A funcção hepática sob a acção dos climas quentes tende a exagerar- 
se e é a causa de graves moléstias e complicações. Obrará o calor só de 
per si, ou será necessária a acção dos miasmas palustres ? 

O exame dos differentes climas das nossas vastíssimas terras de Africa 
é o único meio de se poder avaliar em separado cada uma d'aquellas cau- 
sas de moléstias e cujos effeitos simultâneos produzem a febre perniciosa 
ictérica. 

Faltam os agentes preventivos das doenças biliosas ou um especifico 



OBSERVAÇÕES PRELIMINARES XVH 

que as debelle. Muitos médicos aconselham os banhos frios e M. H. Gen- 
tin referiu os seguintes factos : 

«As pessoas que sustentam cautérios e vesicatórios são raras ve- 
zes acommettidas das febres biliosas, salvo se a suppuração não conti- 
nua. 

«O nosso collega, M. Chassaniol, que residiu por muito tempo em 
Madagáscar, falia dos habitantes de Maurice e de Bourbon, que percorrem 
a costa de Madagáscar e têem o costume de trazer um vesicatório em 
cada braço, sustentando-o emquanto se demoram tfaquellas paragens. 
Por este meio popular arrostam impunemente a insalubridade das praias 
de Madagáscar e reputam-no muito eíQcaz. » 

A ilha Reunião é muito salubre, e os seus habitantes não conhecem as 
febres biliosas, nem lá reinam as doenças miasmaticas. Quando deixam 
esta ilha salubre e vão ás doentias praias de Madagáscar fiam-se n'aquelle 
preventivo e não receiam os effeitos das emanações paludosas. 

Não deve haver somente o empenho de empregar os meios hygieni- 
cos e preventivos para se aniquilar a acção dos miasmas dentro da eco- 
nomia humana, ou para se regular a acção da bilis; é preciso também tra- 
tar do saneamento dos terrenos palustres ; é este um assumpto impor- 
tante da hygiene publica. 

No Ânnuario scientifico de Luiz Figuier (1868) deparou-se-me o se- 
guinte artigo, cuja leitura interessa muito aos habitantes da cidade da ilha 
do Príncipe e de S. Thomé ; reproduzi-o aqui, para mostrar a importân- 
cia que lhe dou, e para que se façam tão vantajosos ensaios n'estas ci- 
dades e com especialidade no pântano da fortaleza de S. Sebastião, na ci- 
dade de S. Thomé. O intelligente e activo governador Pedro Carlos de 
Aguiar Craveiro Lopes fez aterrar mais de 30:000 metros quadrados d'este 
pântano, havendo já entre o quartel dos soldados e as aguas encharcadas 
um lindo retiro ajardinado. 

O artigo a que me refiro é do teor seguinte : 

cN'uma memoria apresentada á sociedade de therapeutica de França, 
mr. Martin referiu as observações com que se tem procurado demonstrar 
que o girasol (heliantus annuas), cultivado em larga escala, absorve os 
miasmas paludosos e saneia os logares em que elles produzem febres. 
Têem sido feitas experiências em França, principalmente em Rochefort- 
sur-Mer, e, segundo a opinião de muitos médicos (Testa localidade, a pre- 

B 



XVHI OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 

sença do girasol aniquila a influencia miasmatica. Os miasmas paludosos 
deixariam ha muito tempo de infectar esta cidade, se os trabalhadores 
que desconhecem a utilidade d'esta planta não a arrancassem constante- 
mente. Todavia, os ensaios que se fizeram em Rochefort para o sanea- 
mento por meio da cultura do girasol não têem sido inúteis, porque hoje 
as febres paludosas não são tão frequentes como outr'ora. 

«Mr. Martin não falia dos ensaios que se fizeram em França; demon- 
stra apenas que as propriedades do girasol são admittidas sem contesta- 
ção pelos hoUandezes, e que o observatório de Washington está livre das 
febres intermittentes desde que ali se renovam todos os annos as plantar 
ções do girasol. 

«De que modo obrará o girasol para sanear os logares infectados 
pelos miasmas paludosos? 

cTerá a influencia que tem toda a planta de crescimento rápido, ou 
possuirá uma propriedade especial contra os miasmas ? 

«Segundo as idéas que tendem a entrar na sciencia, os miasmas palu- 
dosos seriam devidos aos microphytos e microsoarios, que se encontram 
por toda a parte, mas que só introduzem no ar propriedades prejudiciaes, 
quando a sua proporção passa alem de uma certa medida. Estes animal- 
culos morrem sob a influencia de certas emanaçõeà ou n'uma atmosphera 
fortemente carregada de ozone. 

«A cultura do girasol produz talvez, assim como as arvores coníferas, 
muito ozone, e esta circumstancia explicaria as suas propriedades prophy- 
laticas dos miasmas palustres.» 

Ás camarás municipaes das cidades d'aquellas ilhas cumpre tomar a 
iniciativa d'estes e de outros trabalhos que têem por fim immediato pro- 
teger a saúde dos seus constituintes. 

A largos traços expuz a importância dos estudos medico-hygienicos, 
não só para se procurarem os agentes que se devem oppor á acção dos 
miasmas nas nossas colónias palustres, mas para o saneamento dos ter- 
renos miasmaticos. Em dois annos de residência colonial, fiz quanto etn 
mim coube para conhecer e avaliar cada uma das causas que tornam insa- 
lubres as cidades das ilhas que possuímos no golfo doâ Mafras* Encarre- 
gado pela junta de saúde publica da província de S. Thdmé e Príncipe 
para fazer um relatório acerca do serviço de saúde publica da provinda* 
resolvi coordenar tudo o que podesse esclarecer e auctorisar os verda* 



OBSERVAÇÕES PRELIMINARES XIX 

deiros princípios da coloirisação. Teria de ser muito mais extenso se me 
fosse permittido tocar em todos os assumptos que são essenciafes á boa 
colonisação ; deixei os delineamentos para trabalho de maior alcance, e 
bom seria que se fizessem iguaes escriptos a respeito de cada um dos 
centros de população que temos nas terras de Africa ao oriente e ao oo 
ridente, ao norte e ao sul do equador. 

Para terminar as minhas considerações preliminares devo consignar 
aqui o meu profundo agradecimento ao ill. mo e ex. 010 sr. José de Mello 
Gouveia, nobre e honrado ex-ministro da marinha e do ultramar, por ter 
tomado em consideração o relatório acerca do serviço de saúde da ilha 
de S. Thomé, permittindo a sua publicação, e ao actual ministro das co- 
lónias, Jayme Constantino de Freitas Moniz, tributo sincero respeito. 
S. ex. a approvou a ordem do seu antecessor, e concedeu-me licença para 
me demorar em Lisboa, a fim de fazer a revisão do meu trabalho. Foi 
para mim subida honra e mais uma occasião de me illustrar. 

Ao digno chefe da repartição de saúde naval e do ultramar, em quem 
reconheço muito saber e competência em assumptos médicos coloniaes, 
agradeço sinceramente o cuidado que teve em examinar o relatório, con- 
correndo com os seus conselhos e lições para elle sair o mais correcto 
que foi possível. Sei avaliar a consideração que s. ex. a me dispensou e o 
precioso tempo que lhe roubei, por ter observado o insano trabalho que 
se emprega na resolução de muitos assumptos de saúde publica do ul- 
tramar, que s. ex. a traz entre mãos. 

Ao sr. João Francisco Barreiros deve-se a instituição de um melhora- 
mento importante, cujos salutares effeitos se devem sentir em poucos an- 
nos. A publicação da estatística medica dos hospitaes militares das nos- 
sas possessões ultramarinas serve de base para se fazer a classificação 
das colónias em palustres e não palustres, e para se determinar o tempo 
que cada empregado pôde residir em cada uma d'ellas. 

O digno chefe da repartição de saiide naval e do ultramar tomou co- 
nhecimento das faltas que havia no hospital de Si Thomé e conseguiu que 
se dessem ordens ajunta de fazenda publica n'aqtiella ilha, não só para ella 
fornecer os meios necessários para se comprarem reagentes chimicos, ap- 
parelhos eanstrumentos necessários ás observações medicas, mas obteve 
para o hospital de S. Thomé alguns livros de sciéncia e de hygiene publica* 
cuja falta era ali muito sentida. O sr; João Francisco Barreiros que pro* 



XX OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 

moveu estes melhoramentos e o nobre ministro que os mandou realisar 
são dignos de todo o louvor. 

Creio firmemente que se acha aberto um largo futuro de progresso 
para os nossos domínios do ultramar; do saber, da justiça e da imparcia- 
lidade do joven ministro portuguez esperam os colonos da Africa por- 
tugueza medidas protectoras e fecundas, que os tirem das trevas em que 
vivem no meio de vastos terrenos abandonados e incultos onde jazem en- 
terrados valiosos thesouros. 

A colonisaçao das possessões portuguezas em Africa sob a acção de 
uma vontade enérgica e de um talento superior como o do sr. Jayme Mo- 
niz deixará de ser um mytho; os reinos de Angola e de Moçambique, as 
províncias de S. Thomé e de Gabo Verde darão á mâe-patria cento por 
um dos benefícios e melhoramentos que d'ella receberem. 

Lisboa, 29 de novembro de 1871. 



Oáf. 3*. gfyteà». 






RELATÓRIO 



ACERCA DO 



SERVIÇO DE SAÚDE PUBLICA 

NA 

província de s. thomé e príncipe 



CAPITULO I 

Greograpliia 



La géographie médicale de chaqae région oa centre principal habite 
par une population de race européenne me semble se lier à 1'histoire de 
ces maladies comme la canse à 1'effet. 

(A. F. Dntroniau, Maladies des europémnes dans Ut pay$ ckêuds, pa- 
gina 1.) 



Considerações geraes 



Se tomarmos uma carta hydrographíca da costa Occidental de Africa, 
e tirarmos uma linha recta entre o cabo das Três Pontas e o cabo Lopo 
Gonçalves, veremos entre essa linha e a costa firme uma vasta extensão 
de mar, que muito impropriamente se denomina golfo ', e sem funda- 
mento denominam os inglezes a sua parte meridional golfo de Biafra. 



1 A palavra golfo não se deve applicar, attenta a sua significação, á extensão 
de mar que fica entre o cabo das Três Pontas e o cabo Lopo Gonçalves. O recôn- 
cavo cheio pelas aguas do mar de Guiné não está em relação com a abertura que elle 
apresenta. Impropriamente se diz também golfo de Leão, golfo de Gasconha, e passam 
sem reparo estas denominações. A constituição d'estes golfos não é complexa, como é 
a do mar de que nos occupâmos. No mar de Guiné existem ilhas, golfos e bahias que 
chamam a attenção do observador. 

A posição doestas ilhas e golfos deve ser determinada com exactidão, e para isso 
não devem empregar-se, sem necessidade, palavras menos rigorosas na sua significa- 
ção. Em todo este trabalho escreveremos sempre mar de Guiné, em logar de golfo de 
Guiné, e para não sermos tidos em conta de demasiado escrupulosos, damos por copia o 
seguinte trecho de um livro escripto por Alexandre de Castilho: «Formam os golfos 
de Benim e de Biaffra o chamado golfo de Guiné, que mais arrazoadamente se devera 
denominar Mar de Guiné.» (Rateiro da costa occidental de Africa, volume n, pag. 94.) 

i 



1 CAPITULO I 

Deve esta parte do mar de Guiné ter o nome de golfo dos Mafras, e não 
o de Bight of Biafra, como vem escriplo em algumas cartas e memorias 
inglezas, que tivemos occasião de consultar 1 . • 

As ilhas do pequeno archipelago do golfo dos Mafras sao as seguintes, 
Mon<Joleh> Fernão do Pó, Príncipe, Corisco, S. Thomé e Aqno Bom, co- 
meçando a contar por aquella que fica mais ao norte, e admittindo a ilha 
de Anno Bom n'este archipelago, embora esteja fora das aguas do golfo 
dos Mafras, e collocada ao sul da linha equinocial. 

Não estão estas ilhas mui distantes do continente africano. É muito 
importante conhecer com exactidão, não só a distancia a que fica cada uma 
d'eslas ilhas da terra firme, mas examinar com todo o escrúpulo as- con- 
dições meteorológicas e geológicas dos principaes logares do continente. 
Tiram-se d'ahi muitos elementos para o estudo da salubridade relativa e 
absoluta da ilha de S. Thomé. 

A disposição de todas estas ilhas è singular, não só em relação umas 
ás outras, mas em relação á constituição de cada uma d'ellas em parti- 
cular. 

Seguem-se as principaes ilhas umas após outras, podendo dizer-se que 
se acham na mesma linha recta que se tirar da ilha de S. Thomé para a 
ilha do Príncipe. Prolongando esta recta para o sul vae passar sobre a ilha 
de Fernão do Pó, Mondoleh, e sobre as grandes serranias dos Camarões. 
A constituição geológica da ilha de S. Thomé mal se pôde estudar sem o 
conhecimento geológico d'esta cordilheira submarina, em cujas cumeadas, 
à flor da agua, vivem alguns povos colonisadores. 



1 Bight of Biafra está traduzido em vulgar por golfo de Biaffra. As cartas ingle- 
zas e algumas memorias acerca da costa occidental de Africa usam de denominações 
arbitrarias, e que não quadram com o que se quer designar, e atem disso muda- 
ram os nomes de rios, de montes, de cabos e de muitos logares notáveis, que os por- 
tuguezes descobriram e conheceram primeiro que as outras nações. Não podemos 
deixar de escrever estes nomes, que recordam os nossos descobrimentos e são padrões 
indeléveis da nossa gloria. 

Bight of Biafra será em todo este trabalho substituído por golfo dos Mafras. Fi- 
zemos um exame bastante rigoroso a tal respeito, e tivemos occasião de ler : golfo de 
Biafára, golfo de Biafra ou golfo de Biaffra, golfo dos Mafras, das Mafras ou Maffras. 
Que discordâncias ! 

A porção de mar que fica entre o cabo Lopo Gonçalves e o cabo Formoso deve 
chamar-se golfo dos Mafras. 

A porção de mar que fica entre o cabo Formoso e o cabo de S. Paulo tem o nome 
de golfo de Benim. 

O distincto escriptor Alexandre de Castilho formou uma longa lista de nomes 
portuguezes que os estrangeiros alteraram ou substituíram por outros; Apresentaremos 
n'este relatório as denominações que aquelle sábio geographo corrigiu e tàmbem ou- 
tras que julgámos necessário empregar para maior exactidão* 



GEOGRAPHIA 3 

À maior ilha (Teste archipelago é Fernão do Pó; em segundo logar 
está S. Thomé; seguem-se na ordem descendente a ilha doPrineipe, Ahno 
Bom, Corisco, e finalmente Mondoleh. Todas estas ilhas s5o muito pro* 
ductivas, e estão actualmente habitadas. 

Em toda a costa fronteira nada nos pertence ; alem de não termos os 
menores dados para poder avaliar a salubridade relativa dos pontos mais 
notáveis da costa vizinha, nem ao menos os possuímos a respeito das ilhas 
que por tantos annos foram portuguezas f 

De um archipelago todo portuguez, de uma costa toda portugueza, 
que nos resta hoje?... 

Do archipelago do golfo dos Mafras possuímos apenas as ilhas de 
S. Thomé e Príncipe, separadas do continente africano por uma extensão 
de mar de cerca de 105 milhas de largura entre S. Thomé e a costa do 
Gabão, e de 84 entre o rio de S. Bento e o Príncipe. 

É pequena a distancia que separa a ilha de S. Thomé da do Príncipe, 
avalia-se em 73 milhas. De S. Thomé a Fernão do Pó 4 contam-se 173 mi- 
lhas e á ilha de Anno Bom cerca de 110. 

Importa muito conhecer estas distancias, assim como a que separa 
S. Thomé do delta do Niger, da foz de alguns rios caudalosos, e das terras 
adjacentes á costa do Gabão e do Galabar. 

Desde o cabo Lopo Gonçalves até ao cabo das Três Pontas sô possuí- 
mos o estabelecimento de S. João Baptista de Ajuda *. Fica na costa ba- 



1 Por muitos annos foram nossas as ilhas de Fernão ^lo Pó e Anno Bom. Na ilha 
do Corisco houve uma feitoria portugueza. Pela ratificação do tratado de aHiança ce- 
lebrado entre Portugal e Hespanha a 11 de marco de 1778 deixaram estas ilhas de 
pertencer á coroa de Portugal. O tratado foi inserido no Boletim do conselho vttra* 
marino, volume n da legislação antiga, e no seu artigo 13.° se estabelece a cedência 
dos nossos direitos áquellas ilhas. A natureza (Teste trabalho não nos permitte dar por 
copia o referido artigo. 

* Tivemos feitorias no cabo Lopo Gonçalves, no Gabão, Rio de El-Rei, Velho Ca- 
labar, Novo Calabar, Rio de Oére, Gosta da Mina, etc. 

Os inglezes e francezes esforçam-se por demonstrar que os portugueses não foram 
os primeiros navegantes que chegaram á costa do golfo de Benim e dos Mafras; e ne- 
gam-nos os nossos incontestáveis direitos ao Zaire, que é hoje porto franco. A causa 
doestas e de outras injustiças provém principalmente da nossa pouca attenção em tornar 
bem conhecidos os logares que percorremos. O visconde de Santarém, em 1841, com- 
batendo todos aquelles que negavam a prioridade dos nossos descobrimentos em toda a 
costa occidental de Africa, fez um grande serviço ao paiz. Pierre Magry do seu livro 
publicado em 1867, esforça-se por coordenar uma Historia dos marinheiros norman~ 
dos, suppondo que elles visitaram primeiro que os portuguezes a Senegambia ea costa 
domar de Guiné. Foram inúteis o» esforços de mr. Magry. Passa hoje por fabulosa a 
narração de Villaut; é porém incontestável que a propaganda dos eseriptore» franceae» 
tem sido prejudicialissima ás colónias portuguezas. Não oppozemos a verdade ao erro; 



4 CAPITULO I 

nhada pelas aguas do golfo de Benim, fronteiro ao porto de Ardra, no 
grande reino de Dahomé. É a única e improductiva pertença da província 
de S. Thomé e Príncipe, embora occupe um importantíssimo ponto com- 
mercial da costa occidental de Africa í 

Ao nosso estabelecimento de Ajuda correspondem os portos portu- 
guezes de Ajuda e Jaquem. 

A ilha do Corisco, que acima mencionámos, é muito pequena, e não 
fica longe da costa continental. Está, por assim dizer, sob a influencia di- 
recta das causas de insalubridade da costa do Gabão. Nomeâmol-a aqui 
por ella se achar lançada no golfo dos Mafras, formando um grupo com 
as restantes ilhas d'este golfo ' . 

A ilha de Mondoleh fica na bahia de Ambozes ; é mais pequena que a 
do Corisco, e ha n'ella admirável riqueza. 

Sem estatísticas bem feitas, sem factos clínicos competentemente ob- 
servados, podemos nós escrever acerca da salubridade relativa, quer das 
nossas colónias do mar de Guiné, quer dos pontos commerciaes e povoa- 
dos que lhes ficam mais próximos ? . . . 

Nada se pôde dizer em tão importante assumpto com exactidão ; mas 
não deixaremos por isso de mencionar as opiniões a tal respeito de alguns 
escriptores e viajantes. Não assentam em dados seguros, mas foram es- 
palhadas no mundo, e têem acarretado péssima fama a estas paragens. 

O trabalho de que nos occupámos abrange somente o estudo da ilha 
de S. Thomé em relação ao anno de 1869, mas seria incompleto se não 
se tratasse de fazer passar as tradições pela fieira da verdade. A ilha de 
S. Thomé tem fama de muito insalubre ; a costa do Gabão, as -ilhas do 
golfo dos Mafras, a costa do Calabar, o delta do Niger, a costa de Benim, 
a costa da Mina, emfim as terras tropicaes que se estendem ao norte e ao 
sul do equador até 6 */« graus de latitude serão absolutamente insalu- 
bres ? . . . Não temos nada a esperar do poder da hygiene ? . . . Nota-se em 



erigimos a incúria em systema. Não occupámos a colónia do Cabo ; o Zaire, que nos 
pertence de direito, não o occupámos de facto, e tem o seu porto franco, com o que 
muito perdemos. As nossas feitorias desde o cabo Lopo Gonçalves até ao das Três 
Pontas desappareceram, e com ellas a historia e a geographia das nossas terras de 
Africa!! E tendo olhado sempre com pouco interesse o estudo dos climas de entre os 
trópicos, somos a este respeito a nação mais atrazada da Europa. 

É isto que lastimámos sinceramente. 

1 Em geral falla-se e escreve-se a respeito das cousas de Africa com pouco es- 
crúpulo. Pretende-se mais escrever que observar; e por isso, entre outras muitas falsi- 
dades, apontaremos a de haverem collocado ilhas no golfo de Benim, e a de assegurarem 
que o sr. Mann explorou os montes da ilha de S. Thomé, como se lé no opúsculo que 
trata da cultura das plantas que dão a quina, capitulo 4.°, pag. 98. 

Adiante voltaremos a este importante assumpto. 



GEOGRAPHIA 8. 

todas o mesmo grau de insalubridade ? . . . Não haverá um ou outro logar 
salubre, que, por se achar sob a influencia de focos miasmaticos vizinhos, 
tenha adquirido fama de mau clima ? . . . 

Todas estas perguntas nos assaltam ao procurar as causas de insalu- 
bridade na ilha de S. Thomé. E para não deixar uma lacuna n'este assum- 
pto, tomámos a resolução de examinar a origem de cada uma das tradi- 
ções, quer existam dentro da ilha, quer fora d'ella. Percorremos toda a 
costa do mar de Guiné ; escutámos com attenção as narrações dos via- 
jantes e exploradores da Africa central, tendo sempre por fim colher al- 
gumas informações acerca das questões de salubridade relativa. 

Que têem sido muitos os debates em tal matéria, mostra-o a historia 
d'estas terras, onde cada escriptor se esforça por demonstrar ser mais 
saudável o paiz de que se occupa ! Uns dão a Fernão do Pó o pomposo 
nome de Madeira da costa occidental de Africa, e querem outros attri- 
buir á inveja a má fama que se lançou com fins reservados sobre as ter- 
ras adjacentes á costa do mar de Guiné ! Dá-nos por melhor, em objecto 
de saúde publica, um escriptor hespanhol a ilha de Anno Bom, e a con- 
tenda travada entre os povos da ilha do Príncipe e de S. Thomé merece 
chronica especial 

Não é porém tfeste capitulo o logar próprio para fallar [acerca da 
salubridade destes e de outros logares da zona tórrida, onde se toem im- 
plantado muito a custo as colónias de europeus. 

£ do nosso dever finalmente ao dar conta exacta do estado de salu- 
bridade da ilha de S. Thomé em 1869, examinar com toda a minuciosi- 
dade os logares insalubres que possam, por meio dos ventos, enviar ele- 
mentos de insalubridade a esta ilha. Vamos por esta rasão passar ao exame 
da costa do mar de Guiné, e muito especialmente tomar em consideração 
o delta do famoso e envenenador rio Niger ou Quorra. 

Assignemos em primeiro logar os limites da costa do golfo dos Mafras. 
Ficam nas aguas d'este golfo todas as ilhas do archipelago dos Mafras. 
São também os rios que n'elle lançam as suas aguas os que se devem no- 
mear. 

II 

O golfo dos Mafras tem sido limitado de maneiras diversas. Segundo 
Thomás Hutchinson 4 : 

1 Thomás Hutchinson, medico e naturalista, foi a bordo do vapor inglez Pleyadet, 
na viagem que este vapor féz ao Niger, reconhecendo as suas margens e chegando até 
Binué ou mãe de aguas. Em outubro de 1854 achava-se o Pleyades na foz do rio Nun, 
ramificação mais oriental do rio Niger ou Quorra. Thomás Hutchinson em 1858 pu- 
blicou um interessante livro a respeito das cousas de africa. Paliaremos d'elle por 
muitas vezes. 



6 CAPITULO I 

c O golfo dos Mafras estende-se desde o cabo Formoso, que fica a 4° 
e 5' de latitude norte, e a 6 o de longitude leste, até ao cabo de S. Joio, 
á I o 15' de latitude norte, e a 9 o e 3<y de longitude, tendo de recôncavo 
pela costa firme 400 milhas e em linha recta perto de 94 léguas.» 

Não nos conformámos com a designação dos limites feita por Hutcbin- 
son ; temos fundadas rasões para isso, tiradas do interessante livro d'este 
mesmo sábio. 

< A ilha do Príncipe, diz Hutchinson, está situada a I o e 25' de lati* 
tude norte, e a 7 P e 20' de longitude leste, ficando por esta rasão quasi 
fronteira ao cabo de S. Joio.» 

D'este modo a ilha de S. Thomé estaria fora da linha divisória do golfo 
dos Mafras, o que não pôde ser. O próprio auctor declara que não só a 
ilha de S. Thomé se encontra nas aguas deste golfo, mas também a ilha 
de Ânno Bom 4 . 

Pelo mappa geographico que temos presente 9 , reconhece-se que o 
extremo meridional d'aquelle golfo deve ser o cabo Lopo Gonçalves, que 
fica a 40' proximamente ao sul do equador, e a 9° e 45' de longitude 
(Greenwich). Se este é o seu limite natural, não está a ilha de Anno Bom 
nas aguas do golfo dos Mafras, como claramente se vê ; fica-lhe, porém, 
próxima ao sul do equador, e em frente da costa firme, entre o rio Diogo 
Vaz e o cabo de Santa Gatharina. Gontamol-a no archipelago do golfo dos 
Mafras por se achar a umas 410 milhas de S. Thomé sob a mesma linha 
que se estende desde S. Thomé até ás cordilheiras dos Camarões. 

Não são inúteis todas estas circumstancias para o fim a que nos pro- 
pomos chegar. 

A ilha de S. Thomé ainda não foi devidamente estudada. Ignora-se 
se algumas causas das suas moléstias lhe podem advir das terras que 
correm ao longo da costa do Gabão, do Calabar, do delta do Niger, e até 
das terras do Congo. Vêem-se apparecer n'ella moléstias graves em cer- 
tas e determinadas epochas, o numero de doenças augmenta, a mortali- 
dade em toda a ilha é maior* Estas endemo-epidemias serão devidas ao 



. 1 T. J. Hutchinson, a pag. 91, loc. cit, capitulo 6.°, marcou os limites do golfo dos 
Mafras eahi mesmo disse; 

«No golfo dos Mafras existem as ilhas de Fernão do Pó, Príncipe, 8. Thomé e 
Anno Bom.» Não falia aqui da ilha do Corisco nem da ilha de Mondoleh, talvez por 
serem muito pequenas, mas ó impossível deixar de examinar as bahias onde se encon- 
tram estas ilhas. Em objecto de salubridade relativa é, pelo menos, essencial o conhe- 
cimento da natura» do seu clima. 

* Carta da costa occidental de Africa, publicada em Londres por C. Wilson, na 
qual estio as ilhas de 8. Thomé e Príncipe com as designações de suas praias, portos 
e togares mais notáveis da sua eosta, em escala suficiente para formar um largo plano 
com pontas, bahias e enseadas bem distinctas. 



GEOGRAPHIA 7 

predomínio das correntes dos ventos que passam sobre o delta do Niger, 
oo sobre as terras adjacentes á costa do Gabão, ou sobre as que ficam 
vizinhas do grande rio Zaire?. . . 

Para se formularem pela primeira vez regras de bygiene publica, não 
só em relação ás povoações da ilha de S. Thomé, mas em favor da acli- 
mação individual e da família, é preciso haver tanto rigor como perfei- 
ção na enumeração de todas as causas das moléstias reinantes. 

Não se deve portanto olhar com indifferença a existência de um paiz 
paludoso ao pé da ilha de S. Thomé, embora se metta de permeio maior 
ou menor extensão de mar. 

É com pezar que não podemos nomear as correntes dos ventos, que, 
em relação i ilha de S. Thomé, predominam mais num sentido que em 
outro, já correndo da costa do Gabão sobre ella, já atravessando o delta 
do Niger, enorme centro productor de miasmas, e espalhando-se pelo 
golfo dos Mafras até chegarem a S. Thomé *. 

É pantanoso o paiz que fica defronte de S. Thomé na costa do Gabão? 
Que moléstias endémicas ali existem ?. . . 

Téem apparecido n'aquella região algumas epidemias de febre ama- 
relia, de typho ou de peste ? 

Não podemos dar uma resposta segura a cada uma das perguntas 
que ahi ficam formuladas. Faltam-nos dados rigorosos para as podermos 
fundamentar. 

Estamos na ilha de S. Thomé, e não podemos determinar a influencia 
dos ventos que correm da costa firme depois de atravessarem immensas 
regiões para caírem sobre ella 2 . 

Não será saudável a exposição das terras em S. Thomé, que ficam do 
lado opposto á direcção dos ventos que passam sobre o celebre delta do 
famoso Niger ?.. . 

É o que parece racional, mas em assumptos d'esta ordem só tem va- 
lor a lógica positiva dos factos, e esses factos^não são conhecidos por em- 
quanto. 

Dos rios que desaguam nas praias fronteiras á ilha de S. Thomé 



1 Na ilha de S. Thomé não ha observatório meteorológico. Em 1858 o dr. Lú- 
cio Augusto da Silva fez algumas observações que foram publicadas no Boletim oflí- 
ciai da província. Duraram apenas uma estação c parte de outra. 

Adiante trataremos d'este assumpto. 

2 Não se deve esquecer que os ventos podem levar muito longe as substancias 
que importaram da terra. Já vimos, estando a mais de 90 léguas ao largo do Sahará, 
o vento trazer areia e muitos gafanhotos; é assim que o pollen é algumas vezes tran- 
sportado ainda a maiores distancias, e que finalmente os germens infectuosos podem 
igualmente ser levados muito longe sem perderem a sua nocividade. (Fonssagrives, 
Bygiene naval 3 traducção de J. F. Barreiros, pag. 244.) 



8 CAPITULO I 

pouco se pôde receiar, mas já assim não acontece a Fernão do Pó, que, 
parece, muito deve padecer por effeito das causas da insalubridade re- 
sultante da sua posição. 

O canal que a separa da terra tem umas 20 milhas, e o rio dos Ca- 
marões tem a sua foz na mesma distancia. 

Passámos a enumerar os rios que desaguam no golfo dos Mafras» É 
útil conhecer aquelles que têem a sua foz a 300 milhas ou mais ; podem 
ser prejudiciaes á ilha de S. Thomé. 

Ouçamos n'esta parte hydrographica da costa Occidental de Africa a 
Lopes de Lima, e comecemos a contar os rios na costa do Gabão do sul 
para o norte. 

Rio Gabão — tem a sua foz a umas 105 milhas da ilha de S, Thomé. 
É um rio notável. 

Bahia do Corisco — onde vem desaguar dois rios que Lopes de Lima 
não denomina. Fica entre a ilha de S. Thomé e Príncipe. 

Rio de S. Bento — tem a sua foz a umas 84 milhas da ilha do Prín- 
cipe. 

Ato do Campo (Pau da Nau, Rio Borno) antes do grande rio dos Ca- 
marões. Fica entre Fernão do Pó e a ilha do Príncipe. 

Quasi fronteiro a Fernão do Pó desagua o rio dos Camarões. 

Segue-se um rio sem nome, o rio de El-Rei e o velho Calabar, pri- 
meiro ramo do Niger, segundo Lopes de Lima. 

Seguem-se depois o rio Done, Novo Calabar (ou rio Real), Sombreiro, 
S. Bartholomeu (ou dos Mafras), que deu o nome ao golfo, e contam-se 
em seguida o rio de Santa Barbara, o de Santo Ildefonso (ou Tilana), e 
finalmente o rio de S. João. 

Segundo a carta hydrographica de Lopes de Lima, o Niger tem cinco 
bocas, sendo o Novo Calabar, rio [dos Mafras, rio de João Dias, e outro 
ramo visível na carta, mas sem nome, ficando entre o rio de Santo Ilde- 
fonso e o de João Dias. 

A mesma carta hydrographica, grosseiramente feita, não dá a menor 
idéa da posição do cabo Formoso, e muito menos das ramificações do 
celebre rio Niger. / 

Por esta carta não se pôde adiantar nada em tão importante assum- 
pto, por estar deficiente e errada * . 



1 Náo nos admira que Lopes de Lima fosse pouco exacto na sua carta hydrogra- 
phica. Temos presentes cartas francezas peiores que a do nosso escriptor, como é 
aquella que A. Tardieu ajuntou á memoria sobre a Guiné, publicada no Universo pit* 
toresco, volume m, 1847, e a que deu á estampa Dufour em 1867. O chorographo por- 
tuguez tomou para guia os roteiros portuguezes, cuja existência os chorographos fraq? 
cezes parece até ignorarem. Preferimos q trabalho de Lopes de Lima. 



GEOGRAPHIA 9 

Não merecemos censura por fazer a enumeração dos rios do golfo 
dos Mafras e do delta do Niger, segundo um escriptor que não nos me- 
rece, n'esta parte, confiança alguma, havendo outros escriptores moder- 
nos que escreveram com mais conhecimento da matéria 4 . 

Sabemos que depois de 1844 têem apparecido escriptores que fatia- 
ram acerca da costa do mar de Guiné com muita minuciosidade, não só 
em portuguez, mas em francez e em inglez 2 . Tomaram sobre si esta ou 
aquella especialidade, que muito interessa, não só á pathologia tropical, 
tão pouco conhecida entre nós, como á geographia, á historia e ao com- 
mercio das colónias de Africa. Os' seus trabalhos comtudo não auctori- 



• í Não sabemos a rasão por que Lopes de Lima não nos quiz fallar das viagens 
dos irmãos Lander ao Niger, limitando- se apenas a dizer: «A ilha de Fernão do Pó 
é a chave de todos os rios da costa do Calabar e sobretudo do grande Niger, de cuja 
exploração os inglez es se promettem tamanhas vantagens». É a nosso ver gravíssima 
a sua falta, e com ella coincidiram as lacunas, que se encontram na execução do plano 
traçado para a estatística da província de S. Thomé, Príncipe e suas dependências, 
assumpto do segundo volume dos seus escriptos acerca da costa occidental de Africa. 

Os irmãos Lander encetaram em 1830 uma viagem ao Niger, e conseguiram alcan- 
çar este rio em Iaoury e exploral-o. Entraram no mar de Guiné, descendo o Niger 
pelo seu ramo Nun. A expedição dos irmãos Lander foi escripta em inglez e tradu- 
zida em francez por mr. Louise Sw Belloc (1832). 

A estas viagens seguiram-se outras, e foram escriptas memorias e traçadas algumas 
cartas hydrographicas, em que se enumeraram as bocas do Niger, e se pintaram com 
negras cores os terríveis effeitos das moléstias endémicas do delta que elle forma. 
Divulgaram- se estas memorias, e custa por isso a conceber, não só as lacunas que Lo- 
pes de Lima deixou na sua carta hydrographica do delta do Niger, mas com especia- 
lidade o fundamento com que aconselhava os portuguezes «a ir affrontar, por uma 
vez somente, uma febre aguda, para depois gosarem por annos dilatados de todas as 
vantagens do homem rico e poderoso, sem mais receio pela sua existência do que se 
vivessem na Europa». 

N'esta parte commetteu um erro imperdoável, indo contra os factos que se apre- 
sentavam todos ós annos, não só em Bissau, Cacheu, Senegal, Rio Grande, mas em 
Ajuda., no Niger, em S. Thomé, Príncipe e Fernão do Pó. Todos os acontecimentos 
que se passavam eram assas notáveis para chamar a attenção de um escriptor nas cir- 
cumstancias de Lopes de Lima, o.qual foi encarregado de escrever a estatística de todas 
as possessões portuguezas no ultramar em portaria de 15 de maio de 1844, e tratando da 
estatística da província de S. Thomé, Príncipe e suas dependências, não podia deixar 
de estudar a historia dos povos que habitam as terras adjacentes ao nosso estabeleci- 
mento de 'Ajuda, a fim de indagar a sua importância commercial. N'esse resumo esta- 
tistico-historico não lhe seria difficil corrigir os erros e falsas narrações de alguns via- 
jantes menos escrupulosos, ou, como elle mesmo declara «de estrangeiros improvisa- 
dores, que menos curam de ver bem e relatar a verdade, do que de excitar o interesse ■ 
da gente de espirito pelo lado do ridículo exagerado ou do maravilhoso». 

2 Enumerámos os rios do golfo dos Mafras e os do delta do Niger segundo Lopes 
de Lima, M. A. Tardieu, Thomás J. Hutchinson e Alexandre de Castilho, correspon- 
dendo ás epochas de 1844, 1847, 1858 e 186Ç. 



H> CAPITULO I 

sam a abandonar os escriptos de Lopes de Lima, embora em alguns pon- 
tos sejam menos exactos. O seu livro não tem sido esquecido. 

Pela contrario vemos que a sua estatística official serviu de base á 
memoria de M. Oscar Mac^Carthy 4 acerca das ilhas do Príncipe e S. Tho- 
mé. Pôde até dízer-se que o escriptor francez fez uma versío livre do tra- 
balho de Lopes de Lima, com todas as suas faltas e incoherencias e inex- 
actidões ; temos encontrado copias dos ensaios estatísticos, mais ou me- 
nos desfiguradas ; citam trechos d'elles. 

Pela nossa parte vemos n'este livro muitas indicações bibliograpMcas, 
que revelam certa erudição, e dão a este trabalho algum valor intrínseco, 
que se lhe não pôde negar. Tem sido um manancial de conhecimentos co- 
loniaes para nacionaes e estrangeiros; acham-lhe pouca originalidade, 
mas foi coordenado em presença de memorias portuguezas. Se tem er- 
ros, esses erros estão espalhados ; é preciso corrigil-os. Os factos e as 
narrações exactas devem ser vulgarisadas. Consultámos a sua estatística 
da província de S. Thomé, Principe^e suas dependências, de preferencia 
a todos os outros escriptores, d'onde só tirámos o que não se encontra 
na obra de Lopes de Lima. 

Continuemos finalmente com o assumpto de que nos desviámos e 
que se nos afigura de summo interesse não só para a pathologia tropi- 
cal, que urge divulgar entre nós, mas para a historia natural, geographica 
e commercial das nossas colónias do mar da Guiné. Não temos por fim 
estabelecer doutrina nova, coordenámos tudo o que pôde interessar á 
saúde publica, e archivámos o que se apresenta de mais importante, e 
passa por mais verosímil, a respeito do delta do Níger, a cujo respeito 
não se disse ainda em 1869 a ultima palavra. 

Pela ordem chronologica citaremos M. Tardieu. A sua enumeração 
dos rios do golfo dos Mafras e do delta do Niger é assas curiosa e cheia 
de interesse, não só sob o ponto de vista da insalubridade de similhante 
barathro, mas emquanto á geographia e historia (Testas regiões. Come- 
çaremos a enumeração dos rios, correndo a costa do Gabão, a do Calabar 
e a de Benim até ao rio Formoso. Assim o pede a natureza do nosso tra- 
balho 8 . 

Gabão ou M Pongo dos naturaes— É mais um grande esteiro do 



1 Foi inserta no Univers pittoresque, volume lies á" Afrique, por mr. d'Avezac. 

2 Para quem duvidar da necessidade d'este estudo diremos que as aguas dos rios 
de Africa acarretam do interior maiores ou menores quantidades de detritos vegetaes. 
Correm para o mar tendo o seu curso por entre terras virgens. Veja-se a informação 
de Alexandre de Castilho : « Os muitos rios que formam o delta do Quorra levam sub- 
stancias vegetaes, que tingem até muito fora as aguas do oceano, e sobrem estas de es- 
puma pardacenta j suja, fétida e nauseabunda». 



GEOGRAPHIA 11 

que um rio propriamente dito. Alexandre de Castilho diz que este rio 
entre os naturaes se chama Mpoongwho. «Divide-se em duas bacias, uma 
exterior e outra interior, cujas margens se revestem de vegetaçío e são 
retalhadas de esteiros, dos quaes, muitos, mormente os da direita, levam 
óptima agua para beber » . O Gabão é um braço de mar que entra pela 
terra dentro algumas 20 léguas perpendicularmente á costa ; a sua lar- 
gura media é de 3 léguas e a sua posição a meio grau ao norte do equa- 
dor ; escrevesse isto no vol. 1 .°, pag. 254, dos Annaes do conselho ul- 
tramarino. 

Bahia do Corisco — Tem 10 léguas de norte a sul, e 4 de leste a este, 
desaguando n'ella dois rios; ao nordeste o rio de Angra ou de Mooney, 
e ao sueste o rio Moondah. A bahia do Corisco, diz M. A. Tardieu, 
seria a mais bella da costa occidental de Africa, se não fosse semeada de 
ilhéus, ilhotes e de bancos, que a tornam quasi innavegavel sem práticos. 
São uniformes todos os escriptores a este respeito. 

Bio de S. Bento, rio do Campo e o rio Borea, que Alexandre de Cas- 
tilho denomina Boroa.— Na costa existe a enseada de Banoko e de Panna- 
via, que se deve chamar Pau da Nau. rio que Lopes de Lima deno- 
mina Pau da Nau é o rio de Panno. 

Rio dos Camarões , ou grande golfo salgado, servindo de receptáculo 
a muitos rios que n'elle entregam as suas aguas. — Tem aquella denomi- 
nação portugueza, diz Tardieu, dos muitos camarões que n'elle exis- 
tem. Sendo um rio notável, não se pode comtudo comparar ao celebre 
Niger. 

Entre o rio dos Camarões e o cabo Lopo Gonçalves corre a costa do 
Gabão, face oriental do golfo dos Mafras. 

Rio Bimbia, rio d'El-Reij Velho Calabar, Andony, Bony e Novo Ca- 
labar. — rio Andony é o rio Done, de Lopes de Lima. O rio Bimbia tem 
pouca importância. Quer a entrada do rio d'El-Rei, quer o canal do Velho 
Calabar são verdadeiros golfos, recebendo as aguas de muitos rios. 

Rio Sombreiro — Tem este nome para dar uma idéa do aspecto e for- 
ma das arvores que cobriam a sua foz. 

Rio de S. Bartholomeu, dos Mafras ou dos Três Irmãos. — A este 
rio dão os inglezes o nome de Biafra, e d'ahi vem o nome de Bight of Bia- 
fra, denominação que substituímos por golfo dos Mafras. 

Rio Santa Barbara, S. Nicolau e S. João. 

cabo Formoso separa o rio Nun, Quorra ou Niger do rio de S. João. 

Assignado este limite entre o golfo dos Mafras e o de Benim, conti- 
nua Tardieu a fazer a enumeração dos rios que formam o delta do Ni- 
ger. 

Rio Nun 9 ou primeiro rio Brass. 

Segundo Rio Brass ou grande ramo do Quorra. 



12 CAPITULO I 

Rio Sengana, Dodo, rio dos Ramos, rio dos Forcados ou de Oére> 
rio dos Escravos, e finalmente rio Formoso ou de Benim. 

Assim como ha faltas e lacunas no trabalho de Lopes de Lima, assim 
as commetteu M. A. Tardieu. 

Não temos a resolver questões geographicas ou históricas, attende- 
mos ao que passa por mais averiguado. 

Para nós reduz-se a questão a avaliar o estado do delta do Niger, a 
natureza dos seus terrenos de alluvião, tomando em consideração o nu- 
mero de rios que retalham aquellas terras. Limitando-nos a este ponto 
essencial passamos a inscrever o que em 1858 Thomás J. Hutchinson pu- 
blicou. Foi testemunha oculai* ; esteve em Fernão do Pó, e teve occasião 
de visitar a ilha do Príncipe. 4 Sob a sua direcção medica realisou-se em 
1854 a feliz viagem do Pleyades pelas aguas do Niger. 

«A communication may be made from Lagos to Old Kalabar by creeks 
leading from one to the other of the many rivers that constitute the Delta 
of the Niger, and this comprises a coast distance of nearly three hundred 
miles. According to captain Denham's survey, between Benin and the river 
Nun are the outlets of the Esclavos, Forcados, Ramosa, Dodo, Penington, 
Middleton, with two streams called the Winstanley Outfalls, and the Sen- 
gana branch of the Nun, ali flowing from the stream which is formed by 
the junction of the Kworra and Tshadda, at an inland distance of nearly 
300 miles from the sea. 

«The first named eight (Nun, Brass (or Bento) Sombrero, New Cala- 
bar, Bonny, Andony and Old Calabar) with the other rivers cxtending to 
Benin are known to have communication with the Kworra interiorly. » 

Thomás Hutchinson descreveu d'esta maneira o delta do Niger, sob o 
ponto de vista de geographia medica. Fizemos a transcripçâo d'este tre- 
cho para se fazer idéa dos conhecimentos que o alto medico possuia a 
respeito d'aquelle importante centro de explorações commerciaes e scien- 
tificas, no qual se contam já numerosas victimas. 

Para terminarmos estas considerações geraes, passámos a dar cabi- 
mento ao que um escriptor portuguez escreveu a tal respeito em 1866. 
Referimo-nos ao trabalho de Alexandre de Castilho, cujo merecimento é 
incontestável. 

«O Quorra, depois de receber as aguas de muitos aflluentes e de ter 
communicado com o grande Caspio africano, lago Tchadd, que tem de 
superfície 2:200 léguas quadradas, reparte-se nos seguintes rios: 



1 Temos presentes as memorias de Thomás J. Hutchinson publicadas em 1858. 
No livro d'este sábio, que citámos por muitas vezes, lêem -se elogios ao actual chefe do 
serviço de saúde da província, dr. José Correia Nunes, em serviço na ilha do Princir 
pe, n'aquelle tempo, como facultativo de l. a classe. 



GEOGRAPHIA 13 

«Para oeste da foz : 

«Rio da Lagoa, Formoso ou de Benim, dos Escravos, dos Forcados 
ou de Oére, dos Ramos, Dodo, Penington, Middleton Blind, Winstanley 
e Sengana. 

«Para este da foz : 

«Rio de S. Bento, de S. Nicolau, de Santa Barbara, de S. Bartholomeu 
ou dos Mafra s, do Sombreiro, Real ou do Calabar, de Bonny, de Done 
(Andoney) e Velho Calabar. » 

Tem, segundo aquelle escriptor, o rio Quorra 20 braços, cobrindo 
uma extensão de terra de perto de 90 milhas. Estes rios nas suas enchen- 
tes arrastam terra, vegetaes e toda a qualidade de matérias putrefactas, 
exhalando em muitos logares cheiro nauseabundo, e tornando aquelles 
paizes verdadeiramente insalubres. 

Quantas victimas e quantos martyres ali se têem feito até hoje 1 A quanto 
obriga o desejo ardente de saber ! 

Qual é a natureza de febres tão assoladoras?... Qual a sua origem? 

É importantíssimo este estudo. Nós procurámos as causas das febres 
malignas que por centenares de annos têem dizimado os europeus, não só 
dentro das ilhas do golfo dos Mafras, mas na costa do mar de Guiné. 

Na ilha de S. Thomé, de que especialmente nos occupâmos, foi dizi- 
mada em 1776 a tripulação de um navio inglez que ali foi tomar re- 
frescos 1 4 

Quem ler Jacques Lind a, respeito d # 'esta ilha espanta-se de tal morta- 
lidade, mas não deve tirar d'ahi conclusões para demonstrar a insalubri- 
dade absoluta e invencível da ilha de S. Thomé. As accusações feitas por 
Lind são gravíssimas, mas só provam que houve n'aquelle anno endemo- 
epidemias graves. E na verdade a permanência na cidade era impossível, 
o que attesta até onde pôde chegar a insalubridade de S. Thomé. Desem- 
barcar de noite era o mesmo que suicidar-se 1 1 Pois que significa a morte 
de tantas pessoas pelo simples facto de desembarcarem e ficarem de 
noite em terra? 4 . 

O acontecimento narrado por Jacques Lind, a respeito da ilha de S. Tho- 
mé, demanda seria attenção. De que natureza eram aquellas moléstias?... 

Os annos de 1830, 1841 e 1851 são epochas assignaladas por viagens 
scientifico-exploradoras ao delta do Niger. Os arrojados viajantes paga- 
ram um grande tributo de vidas! As febres dizimavam-nos continua- 
mente. Estes desgraçados acontecimentos não nos parecem suflicientes 
para se poder ajuizar com segurança da permanente insalubridade 



1 Em 1869 assistimos a alguns casos de mortes quasi instantâneas, que attribui- 
mos á insolação, a febres perniciosas comatosas, matando em três dias, e a casos de 
febres de que falleceram alguns degradados em quinze dias depois da sua chegada á ilha! 



14 CAPITULO I 

d'aquelle local, como fez o sábio allemão Griesinger. Referindo-se àepocha 
de 1841, apresentou a seguinte notável estatística : 

«Homens brancos eram 145, adoeceram 130, e 40 morreram ! 

«Homens pretos eram 185, adoeceram H, e não houve caso algum 
mortal. » 

Os resultados (Testa expedição patenteiam que os negros téem muito 
maior força de resistência aos miasmas que os brancos. Á mortalidade en- 
tre os europeus é grave, põe em evidencia a insalubridade da delta do 
Niger, mas não significa insalubridade absoluta e invencível. 

Com estes acontecimentos desastrosos vamos confrontar outros, pas- 
sados nos mesmos logares com feliz resultado. 

Em 1854 um vapor com 66 homens entrou o delta do Niger, demo- 
rou-se sob a acção deletéria do clima 118 dias e não perdeu um só ho- 
mem! 

Em 1858 um navio trouxe para a ilha de S.Thomé 12 passageiros. 
Desembarcaram e têem vivido na ilha até 1869, sem haver um caso único 
de morte. Temos conhecimento pessoal de todos elles. Vivem mais tempo 
em fazendas no interior da ilha que na cidade. 

Deixámos consignadas estas considerações geraes, com o fim de nos 
prepararmos para assistir á evolução da colónia da ilha de S. Thomé desde 
os tempos mais remotos até 1869. Golligimos tudo o que diz respeito á 
saúde dos colonos e á salubridade da ilha. 

Não é possível conhecer o estado actual da ilha com exactidão, nem 
dar conta das causas das suas moléstias e ensinar o modo de as destruir 
ou attenuar? 

Propomo-nos a estudar a ilha de S. Thomé, que adquiriu péssima fama 
emquanto á salubridade. Vejamos se todas essas causas geradoras das fe- 
bres estão somente dentro d'ella, ou se algumas existem longe d'aqui, e 
entregam aos ventos as suas producções assoladoras. 

Foi para se resolver a questão seguramente que procedemos a este 
pequeno esboço de geographia comparada. Não deixámos um trabalho 
completo, mas damos conta do mais essencial para chegar ao nosso fim, 
e chamámos a attenção dos médicos hygienistas para um assumpto tão im- 
portante. 

É incontestável que a existência de um paiz mais ou menos próximo 
ao equador, ao norte e ao sul d'esta linha, recebendo os ventos de uma 
ou de outra região continental, ficando-lhe mais ou menos distante a foz 
de um rio caudaloso, não pôde ser indifferente ao medico que deseja pro- 
por os meios de sanificar qualquer paiz tropical, mostrando a natureza das 
febres endémicas, e os logares mais salubres. 

Será possível a aclimação individual e de família na ilha de S. Thomé ?. . . 
Vamos aplanando as dificuldades para dar uma resposta bem segura . 



GEOGBÀMHÀ IS 



Posição geographica da ilha de S- Thomé 



Procurando n'um mappa geographico da terceira parte do mundo, 3 lati- 
tude de 3' ao norte do equador, e a longitude de 15° e 41' a leste do me- 
ridiano de Lisboa, e seguindo as respectivas linhas parallelas ate ao seu 
encontro, vemos o ponto de intercepção sobre a parte meridional de uma 
porção de terra, cercada de mar por todos os lados 1 . 

É a famosa ilha de S. Thomé, illustre para o nosso épico *, e bem cu- 
bicada em Lisboa no século xvi t 

Esta ilha visitada frequentemente pelos portuguezes ha perto de qua- 
trocentos annos, acha-se em uma posição excellente da costa accidental 
de Africa. Collocada a 105 milhas do Gabão, tem ao sul o vasto reino de 
Angola na distancia de 160 léguas, e ao norte o archipelago de Cabo Verde 
a umas 440 léguas, e a Senegambia pela mesma distancia, pouco mais ou 
menos. 

É portanto muito vantajosa a posição geographica d'esta ilha em re- 
lação ás nossas riquíssimas possessões da costa occidental de Africa. 



1 A ilha de S. Thomé acha-se passados os 6 graus de longitude, este, de Greenwich 
entre 30 / a 45'. Tirando d'estes pontos dois meridianos parallelos, váfo passar na costa 
de leste e de oeste da ilha. As intercepções das parallelas tiradas de y e 9& êe fefr* 
tude, norte, do equador, com estas primeiras linhas indicadas formam um quadrilongo 
circumscripto á circumferencia da ilha de S. Thomé, traçado no mesmo plano. 

2 Camões fechou a 12. a estancia do canto 5.° do seu immortal poema, com dois 
versos que designam a ilha de S. Thomé. Damos a estancia na sua integra, e» consi- 
deração a esta ilha, única d'este golfo que figura nos Luziadas. 

Sempre emfím para o Austro a aguda proa 

No grandíssimo golfão nos mettemos, 

Deixando a aspérrima Serra Leoa 

Co'o cabo, a quem das Palmas o nome demos : 

O grande rio, onde batendo sôa 

O mar nas praias notas que ali temos 

Ficou, co a ilha illustre que tomou 

O nome d' um que o lado a Deus tocou. 

Que rio seria aquelle a que o poeta chama grande, enumerando-o entre es pontos 
notáveis alem dos quaes a armada de Vasco da Gama ia passando? Nâo nos parece ra* 
soavel ser o rio Zaire, como quer Faria e Sousa, commentador de Camões, nem o Rio 
Grande, como asseguram outros. O rio a que se refere Camões é o Niger, que fica nas 
aguas do mar de Guiné, e justifica a ordem em que se apresentam os togares, mm o» 
menos approximados, mas mmca com a difierença enorme de 9, IO ou 42 graus. 



,16 CAPITULO I 

«A ilha de S. Thomé, como diz Lopes de Lima, está lançada no 
golfo de Guiné (mar de Guiné) de nordeste a su-sueste, desde o morro 
Carregado j ao norte, até á ponta da Baleia, na sua parte meridional. Es- 
tendesse desde 3' até 30', ficando-lhe ao sul, mesmo debaixo da linha equi- 
nocial, o ilhéu das Rolas, que tem pouca importância.» 

A maior largura da ilha é desde o ilhéu de Santa Anna, a leste, até á 
Ponta Furada, na costa do oeste. Tem. na sua maior extensão 6 léguas 
de largura ; não as conserva para a parte do norte, onde termina n'uma 
costa de cerca de 3 léguas, nem para a parte do sul, onde fecha quasi em 
ponta. 

Vê-se pois que esta ilha representa approximadamente uma ellipse, 
cujo maior diâmetro é de 9 léguas e o menor de 6, formando, por assim 
dizer, o seu eixo maior com a linha equinocial, traçada no mesmo plano, 
um angulo de 62°, cuja abertura olha para o continente africano, costa do 
Gabão, ficando o vértice do angulo sobre o equador, e que esse diâ- 
metro prolongado passa por Anno Bom, Príncipe, Fernão do Pó, etc. 

A sua superfície quadrada facilmente se calcula, achando-se a área da 
figura geométrica que as cartas apresentam, tomando-se em consideração 
a respectiva escala. 

Não sabemos se foi este processo que Lopes de Lima seguiu para nos 
dizer que a superfície da ilha de S. Thomé é de 270 milhas quadradas, 
e a sua circumferencia de 72 milhas. 

São estes algarismos os mais geralmente adoptados. Damol-os aqui 
por copia do livro de Lopes de Lima. 

n 

Sob a epigraphe geographia devíamos reunir muitas outras secções 
d'este relatório, que vão em capítulos separados. Estão n'este caso os ca- 
pítulos 2.°, 6-°, 9.° e 10.° Alem da clareza teríamos brevidade, precisando 
apenas de dividir este trabalho em três partes, geographia* meteorologia 
e pathologia especial da ilha de S. Thomé. Foi d'este modo que procedeu 
Dutroulau para o estudo das colónias francezas, que fez e apresentou com 
tal concisão e saber medico, que mal se pôde imitar *. 



1 O livro de Dutroulau é um trabalho especial para as colónias francezas: Senegal, 
Guyana, Antilhas, Cochinchina, Mayota, Reunião, Taiti, Nova-Caledonia. 

Do estudo de cada um dos seus climas em particular passou o auctor á sua com- 
paração, d'onde deduziu princípios de salubridade absoluta e relativa, que sem esse 
trabalho preliminar não teriam importância alguma. 

O seu livro não tem somente importância como livro colonial ; vae muito mais 
longe, pois se eleva a um estudo geral acerca de muitas moléstias, desenvolvendo, sob 
a luz da sua esclarecida pratica, a pathologia geral dos climas quentes. 



GEOGRAPHIA 17 

As nossas colónias da costa occidental de Africa se estão estudadas, 
existem dispersos todos os trabalhos, e não constituem doutrina corrente 
e regulai'. É realmente uma lacuna que o progresso colonial exige que se 
preencha, e as colónias bem merecem qualquer trabalho n'ésse sentido, 
como base da sua colonisação, progresso e prosperidade. 

O nosso trabalho relata o estado de saúde publica, procura as causas 
das moléstias endémicas na ilha de S. Thomé, examina as condições de 
salubridade absoluta e relativa, mas não constitue systema pathologico 
scientifico. É um relatório, não é um livro. Não tem divisões arbitrarias, 
recebe as que a lei apresenta, e dá conta do objecto de cada uma delias 
segundo os dados que existem para bem o desenvolver. 

Topographia da ilha de S. Thomé 

I 
Aspecto geral da ilha 

A ilha de S. Thomé offerece ao observador estudioso panoramas tão 
surprehendentes quanto variados e que mal se podem descrever e pintar a 
quem não tem frequentado estas regiões equatoriaes. Citaremos um de en- 
tre os muitos que se podem mencionar ; referimo-nos ao esplendido quadro 
que se desfructa da fortaleza de S. Sebastião, na bateria que olha para o 
sul da ilha. É realmente notável e mui digno de se ver ; causa admiração, 
e ao mesmo tempo infunde certa tristeza e saudade, pelo que se torna 
mais pittoresco e cheio de encantos. 

A fortaleza de S. Sebastião, o largo que lhe fica próximo, e a corda 
de terra á beira do mar até ás minas do forte de S. Jeronymo, são o pas- 
seio predilecto dos habitantes da cidade. 

Quem sair da cidade ao cair da tarde, e for passear para os lados 
da fortaleza, sente muita differença no ar que respira. Ali a atmosphera 



É porém limitado o seu quadro nosologico, e por elle não se pôde avaliar a pa- 
thologia endémica das nossas colónias de Africa portugueza. São variadíssimas as suas 
condições de salubridade, e as regras hygienicas que se applicam em S. Thomé devem 
variar em Mossamedes, em Moçambique, em S. Thiago e em muitas outras colónias. 

Ouçamos as palavras do próprio Dutroulau, cujo saber e competência n'este as- 
sumpto ninguém poderá contestar. 

« Contre les influences morbides, les indications hygiéniques et prophylactiques 
se tirent de la connaissance des localités et des maladies endémiques qui leur sont 
propres.» 

Quando teremos exacto conhecimento de cada. uma das nossas colónias em par- 
ticular? 

2 



Ifc CAPITULO I 

está cortada de brisas, <}ue a refrescam e tomam agradável. Aos pés 
do. observador vem quebrar-se as vagas umas após outras em innumeras 
pedTâs, parecendo dar um elemento de desinfecção ao ar, tornando-o 
alais puro. Uma pessoa sente-se ali melhor que em qualquer parte da 
cidade, aindaque não saiba dar a rasão ; e se, subindo ás baterias da 
fortaleza, attentar na amplidão dos mares, que parecem lá ao longe 
confundfr-se comi o firmamento, ou no panorama de variegadas cores 
quê de terra se desenrola á vista, não poderá acreditar que a alguntas 
milhas d^quelle logar 4 vive-se uma vida enfezada, e que a muito custo 
pôde resistir ás causas que constantemente a deprimem! 

Não se explica facilmente o que sé sente, quando se procura observar 
a massa informe que se apresenta ante o espectador, que da fortaleza de 
S. Sebastião em um raio de 4 léguas olha para a ilha na direcção norte, 
noroeste, sul. 

Descobre-se uma vegetação compacta, variadíssima, immensa, cobrin- 
do planícies extensas. Por uma parte elevam-se outeiros, no cume dos 
quaes as arvores se tornam magestosas, por outra parte são cerros ves- 
tidos de verdura até ao seu ponto mais elevado. 

Mãís ao longe erguem-se montes e montes que se contiriuam, for- 
mando uma cordilheira, cortada aqui e alem, correndo de norte ao sul 
quasi em semicírculo. 

Névoas constantes de formas variadas e de cores diversas, desde o 
branco mais puro até ao negro mais carregado, e de aspecto medonho, 
pairam sobre as encostas e cumeadas das montanhas cobertas de matas 
seculares. 

• N'aquellas montanhas, que pareceiii perder-se nas nuvens, passam-sè 
ás vezes scenas surprehendentes. Temos assistido a algumas dignas de 
se verem. 

As névoas d'aquelles montes continuados desprendem-se da vegeta- 
ção ; agrupam-se, levantam-se, encastellam-se e tornam-sé negras, me- 
donhas. O observador olha attonito para aquelle manto immenso, que pã- 



1 Conhecemos uma família que viveu na fortaleza pof muitos mezes, escapando 
ás febres intermittentes. E o que mais digno é de notar é que uma menina de tenra 
idade (de um a dois annos) ali passou muito bem, parecendo antes creada n'um clima 
temperado, que em um logar tSo próximo ao equador ! 

É prova evidente de que ali nâo ha infecção miasmatica, apesar do extenso pântano 
que Ibe fica próximo. Não será. este pântano miasmatico? Em parte é, e em parte nâo. 

Na estreita porção de terra, coberta de relva, que jaz entre o mar e as aguas en- 
charcadas do pântano, não se sente mau cheiro; mas já assim náo acontece na parte 
opposta: ha cheiro mau e nauseabundo, obrigando a andar depressa quem passa por 
esse lado, e a tapar o nariz com um lenço. Custa a conceber que se conservassem, por 
tantos annos, ao pé d'este local infecto, os soldados e addidos da bateria f! 



GEOGRAPHIA 19 

rece mover-se e approximar-se da cidade, encobrindo uma borrasca 
immensa. 

Clarões vivíssimos e scintillantes percorrem a atmosphera ao sol e ao 
norte ; fazem-se e desfazem-se, offuscando a vista, que dé modo nenhum 
os pôde encarar. Fortissimos trovões, tirando da terra echo estupendo 
seguem-se a esses frequentes relâmpagos, e um sussurro forte annuncia o 
vento intenso, que vem percorrendo montes e valles, pretipitando-se im- 
petuosamente por entre arvores seculares, abalando umas, derribando 
outras, e pondo tudo em constante movimento. 

A borrasca está imminente ! 

Chuvas torrenciaes vem completar este pavoroso quadro, que se for- 
ma sobre os montes, desenvolve, cresce, desce e avança, parecendo.sub* 
mergir a cidade, não deixando o menor signal das obras dos homens. 

Não se pôde assistir ao desenlace d'este esplendido espectáculo da 
natureza. O curioso deixa o seu posto de observação por algum tempo, 
e recolhesse ás salas da fortaleza, receiando o desapparecimento de al- 
gumas dezenas de casas que ficam nas faldas d'aqueUas montanhas 1 

A cidade parece estar prestes a submergir-se no meio de um pavo- 
roso cataclysmo ! . . . 

Passaram duas horas. A tormenta acalmou. O observador vem apres- 
surado á muralha e procura n'um relancear de olhos os estragos da tem- 
pestade. Não existem. 

A cidade lá se ostenta risonha, parecendo fugir da vegetação immens* 
que a cerca, e parando na praia, junto ao mar, cujas ondas vem esten- 
der-se em lençoes de espuma até seus pés. 

É então cheia de encantos aquella vista. O grupo das casas no sopé 
de alguns montes sobresae por entre as arvores sempre verdes, que par 
recém empetihar-se em envolvêl-as, e algumas casas brancas de ricos pro- 
prietários, disseminadas aqui e alem, mostram-se a meio das encostas d'a- 
quelles montes, formando um contraste singular com a vegetação que as 
rodeia e por entre a qual a custo se descobrem. 

É a fraqueza do homem ante a omnipotência da natureza em todo o 
seu esplendor ! 

Tal é o aspecto que offerece a ilha a quem algumas vezes a observa, 
collocando-se, como dissemos, na bateria da fortaleza de S. Sebastião 
que olha para o sul da ilha*. 

i Em outubro de 1869 fundou-se na ilha de S. Thomé um jornal, semanário, a 
que nos referimos por algumas vezes n'este trabalho, e n'elle se publicou um esboço 
da cidade de S. Thomé, que nos parece ter cabimento aqui. É do teor seguinte: 

« A cidade de S. Thomé, onde habitámos, offerece ao observador uma perspectiva 
animadora para quem deseja ou ê obrigado pela sorte a viver no seu recinto. 

«Vimol-a pela primeira vez em um dia brilhante de luz, sem xima nuvem sô a per- 



se CAPITULO I 

Desde outubro a junho as trovoadas são frequentes, havendo dias em 
que se contam duas ou três. 

Raras vezes se apresentam sem serem acompanhadas de chuvas dilu- 
viaes, que arrastam por entre aquella grandiosa vegetação grande quan- 

correr o espaço, sem sombra alguma que occultasse o colorido variado dos seres ina- 
nimados ou animados que a constituem e cercam. Estávamos a bordo do vapor ingiez 
Norfolk, que acabava de ancorar a pequena distancia da restinga próxima á fortaleza 
de S. Sebastião. 

«Á nossa direita os dois morros do ilhéu das Cabras pareciam os batedores da co- 
mitiva real, cuja magestade se desenrolava em galas intermináveis de verdura. Na 
frente víamos em forma circular a praia ornada de casas por entre as quaes se notava, 
como a espreitarem, por cima dos telhados, os ramos alongados do quime, as folhas 
espaçosas das bananeiras, e, como se fossem bandeiras do mato, as ramas finas e agu- 
das das palmeiras. Outras appareciam invadindo os muros, trepando as alturas, cer- 
cando, estreitando, afogando a pobre cidade de S. Thomé, estendendo- se compacta 
pelos campos d'alem, e subindo ás cumeadas dos montes, onde campeiam risonhas e 
formam um horisonte animado de formas caprichosas. Ama-se forçosamente uma ilha 
assim, como se ama o joven rico, bello e generoso. Deseja-se adoptar por terra natal 
a que nos deixa contemplar, como esta, a prodigalidade inexgotavel da natureza amiga, 
a que nos desperta segredos mysteriosos de alma ardente, esperanças indefinidas de 
amor, prazer e fé. Mas não confieis cegamente nos sonhos dourados da vossa imagi- 
nação viva. Ao pisardes ligeiro as areias que formam as folhas prateadas (Teste ves- 
tido magnifico; ao contemplardes as casas de madeira esboracadas, pendentes, pobres 
de gosto; ao atravessardes as ruas formadas de ubás, isto é, de tábuas delgadas de 
madeira terminando em ponta, caiadas em geral; ao sentirdes os encommodos de um 
calor suffocante, que a refracção (Testas tábuas vos envia de um e outro hào—ubas 
sem graça, que fazem suppor uma cidade inteira em construcção, ou antes em ruina; 
ao sentirdes nas fossas nasaes certo contacto de átomos que a rosa não exhala; ao 
verdes, sentirdes, notardes, ouvirdes o que nós vimos, sentimos, notámos e ouvimos, 
por Deus, que pedireis para ver só de longe a ilha de S. Thomé... 

«Mas ainda assim a cidade de S. Thomé não deixa de ter praças guarnecidas de 
alguns prédios bons, ruas largas, direitas, com muitas lojas e armazéns de commercio. 
Tem algumas igrejas onde as festas se fazem ás vezes com certa pompa. Corre-lhe aos 
pés um rio manso e humilde, desenvolvendo meandros graciosos em todo o seu curso, 
assombreado pelos arbustos de mil formas, que se enroscam, entrelaçam, ligando-se 
em um e outro ponto com os ramos dos arbustos da margem opposta. 

« A cidade estende -se ao longo da praia, mostrando á direita de quem entra no 
porto o cemitério, conhecido pelo nome de Picão, e á esquerda a fortaleza de S. Sebas- 
tião. Entre estes dois emblemas da força e do nada, existem as obras dos homens e 
da natureza, unidas a capricho, variadas sem arte e sem gosto. 

« A cidade apinba-se junto ao oceano, parecendo medrosa de se banhar nas aguas, 
c desejosa de fugir do amplexo enorme e suffocante da imponente vegetação que a 
persegue, ou também dos males a que está sujeita. » 

Desejámos ser imparciaes, e recorremos por isso a todas as fontes que nos possam 
corroborar na opinião que formámos da ilha de S. Thomé. 

O esboço da ilha de S. Thomé d'onde tirámos os períodos que ahi se lêem é de 
pessoa estranha á redacção do Equador, semanário a que nos referimos. Está publi- 
cado em o n.° 2, de i de novembro de 1869. 



GEOGRÂPHIA 21 

tidade de destroços de vegetaes e de animaes, que se amontoam por uma 
e outra parte, apodrecem e infestam os logares baixos com terríveis febres 
miasmaticas, cujo estudo nos propomos determinar. 

A ilha, vista na sua totalidade, causa admiração, não inferior á que 
experimenta o viajante ao embrenhar-se por entre a sua espessa vegeta- 
ção, percorrendo-a do norte ao sul e de leste a oeste. 

Procuremos pois penetrar essas matas virgens e seculares, abrindo 
caminho até onde nos for possível; — percorramos toda a costa, contando 
os portos e as bocas dos muitos rios que no século xvi serviam de motor 
a dezenas de engenhos de assucar; — cheguemos até ás povoações princi- 
paes, existindo quasi asphyxiadas entre matos, que se prolongam em todas 
as direcções; — assistamos á fundação de algumas roças ou fazendas de 
café, e demos uma conta approximada das que actualmente existem. 

Constitue este trabalho a parte topographica da ilha de S. Thomé ; 
não o desenvolveremos com tanta extensão como queríamos, porque não 
é esse o nosso fim. Ainda assim, diremos quanto julgarmos necessário 
para boa intelligencia e clareza do estado actual de salubridade d'esta ilha. 

Antes porém de passarmos a enumerar um por um os portos da ilha, 
as villas, freguezias e logares mais notáveis, pedimos licença para repro- 
duzir o seguinte trecho do livro de Lopes de Lima. É verdadeiro em 
1869, como o era em 1844. O progresso ainda não chegou á agricultura 
de modo a fazer-se sentir pela sua benéfica e salutar influencia. 

Eis-ahi o trecho i a que nos referimos, e que temos visto copiado algu- 
mas vezes sem referencia ao seu auctor. 

« Montes altíssimos, cerros encadeiados, picos pyramidaes, penhascos 
salientes, de mil formas variadas e fantásticas, dão á ilha de S. Thomé um 
aspecto pittoresco, e Mo menos aprazível pela vestidura de copadissimo 
e agigantado arvoredo (tão antigo como o mundo) de que as seiras são 
cobertas, e o verde matiz que esmalta os prados do norte, e os férteis 
valles e aberteiras das montanhas, aonde a vegetação é perennemente 
mantida pela lympha de innumeraveis e ricas ribeiras, cujo cabedal se 
engrossa durante oito mezes de cada anno com os córregos que se des- 
penham pelas quebradas da serrania, unindo as aguas do céu ás que bro- 
tam das entranhas das serras. 

«Nem a inspecção no interior d'esses solos tão pingues é menos 
agradável á vista do forasteiro, ou mesmo ao calculo interesseiro do es- 
perto colonisador, do que a perspectiva externa d'esta ilha verdejante, 
não poucas vezes afogada em um ambiente de neblina ; assim não fora 
tão diflicultoso transitar em um paiz sem caminhos nem avenidas, a não 
serem as escabrosas trilhas das villas e das roças, abertas e calcadas pelos 

1 Lopes de Lima, loc. cit., pag. 83. 



22 CAPITULO 1 

pés dos homens e das bestas, que ha três séculos e meio perpassam sem 
cessar nas mesmas azinhagas dos valles, nas ásperas ladeiras das encos- 
tas, ou nos alcantis dos outeiros : felizmente porém as costas que se abrem 
a miúdo em bahias e enseadas facilitam por mar a communicação para 
aquelles pontos, para onde se reputa impraticável 1 o caminhar por terra 
no estado primitivo em que se acha o paiz.i 



II 

Enumeração dos portos que ha na costa 
da ilha de S. Thomé 

« O porto mais frequentado é o da cidade *, constituído pela bahia de 
Anna de Chaves, aberto ao nordeste entre aponta d'este nome, onde em 
outro tempo esteve edificado o forte de S. José e a fortaleza de S. Sebas- 
tião, erigida na ponta meridional do dito porto, ficando estas duas pontas 
na direcção de noroeste ao sueste. 

« Outro porto aberto ao sueste é a angra de S. João, o melhor de 
toda a ilha, entre a ponta Agua, ao nordeste, e o pico de Macurú ao su- 
doeste. Tem meia légua de bôcca e quasi uma milha de recôncavo, podendo 
fundear n'elle até quinze navios de qualquer lote, ao abrigo dos ventos 
mais violentos. Desembarcando-se n'esta bahia vê-se um extenso areial, 
coberto de coqueiros, aonde vem precipitar-se duas grandes ribeiras de 
boa agua. 

« Toda a costa que corre de sueste ao sudoeste é muito fértil e formosa ; 
e é onde o café produz com mais prodigalidade. Os ventos dominantes 
tfesta parte e que correm sobre a cidade são quasi sempre o sudoeste e 
sueste. 

« A costa do norte, sendo mais abrigada d'aquelles ventos e das tro- 
voadas, é a mais cultivada. Ê esta parte que os navios estrangeiros de- 
mandam, especialmente os de guerra, para ali fazerem aguada e tomarem 
refrescos, 



1 Tendo de assistir a um corpo de delicto ao pé da villa de SanfAnna, tivemos 
de ir pelo interior por caminhos tortuosos, psssando rios sem pontes, atalhos cobertos 
de troncos de arvores, que em occasião de tempestade haviam caído, ficando ali até 
apodrecerem! Caminhos d'esta ordem põem a vida em perigo !I 

2 Este porto não é o melhor que a ilha possue, e o sitio em que está assente a 
cidade também não é bom. Ha porém muito por onde alargar, ou seguindo pela es- 
trada da Madre de Deus, ou procurando as terras adjacentes á margem esquerda da 
bahia. O pântano que fica ao pé da fortaleza tem impedido que a cidade se alargue 
n'esta direcção, que é uma das melhores que offereoe a cidade. 



GEOGHAPHIA 23 

«N'esta costa ha diversos ancoradouros. O mais frequentado é o que 
fica entre o ilhéu das Cabras, ao norte, e a praia Fernão Dias, aonde vem 
ter a deliciosa agua da ribeira denominada Bio de Ouro, de que se refazem 
os navios estrangeiros 1 .» 

Ao que se acaba de ler vamos ainda ajuntar algumas palavras, copiando 
também um trecho da obra de Lopes de Lima, que reputámos muito di- 
gno de ser lida; por elle se pode ajuizar do estado da costa da ilha fie 
S. Thomé, e quanto a sua constituição concorre, não só para dar valor ao 
seu commercio interno e á sua agricultura, mas para se melhorarem as 
suas condições de salubridade actual. 

É verdadeiro o que ahi se lê. 

d Em torno da ilha de S. Thomé ha muitas calhetas e portinhos de fácil 
e commodo accesso para lanchas, balandras, pequenas escunas e embarca- 
ções de remos, por meio das quaes se fazem a maior parte das comjnu- 
nicações e transportes; porém navios de alto bordo não téem senão dois 
portos na costa que olha para o continente africano e quatro fundeadouros 
na costa do norte. » 

Depois da leitura d'este trecho pôde fazer-se idéa da utilidade que 
resulta para a ilha de S. Thomé, de uma costa de tão fácil e commodo 
accesso ; e também se pôde imaginar o modo por que os senhores de al- 
gumas roças e os habitantes de algumas villas communicam com a ci- 
dade. 

O mar, em geral, é brando e facilmente navegável na costa do norte. 
Não pôde haver viagem mais agradável e útil, do que em um dia claro 
sair da cidade em uma boa canoa e ir costeando a ilha até á praia Lagarto, 
Diogo Nunes, Fernão Dias, Praia das Conchas 2 , Ribeira Funda e outras 
praias da costa do norte. 

O mar levanta um pouco no canal que fica entre o ilhéu das Cabras 
e a terra firme, mas é somente em occasião de vento forte. Em geral pôde 



1 Dr. José Correia Nunes, relatório inédito já citado. 

* Passando oito dias na roça do abastado proprietário Joaquim António Bahia, 
tive occasião de fazer esta viagem de dia e de noite por muitas vezes. 

JSa excellente bahia da Praia das Conchas embarcava eu ás três horas da noite 
n'uma canoa. Seis pretos d'aquella fazenda, empunhando fortes remos, de pé, no meio 
da canoa, davam-lhe tal impulso e infundiam-me tal confiança que me entregava nas 
mãos d'elles, sem pensar que poderia ir ter a qualquer parte da costa vizinha, no con- 
tinente de Africa, ou á ilha de Anno Bom. 

As canoas sSo seguras e commodas, feitas, a machado, do tronco de uma só arvore. 
O seu preço é de 20 a 30 libras, sendo das melhores, e de 15 libras as medianas. Fazem* 
nas os angolares em grande numero. N'ellas se entregam os naturaes da ilha á pesca 
e chegam a ir ao Príncipe, á costa firme e Anno Bom, como tivemos occasifio de no- 
tar por muitas vezes, (Nota do relatm\J 



24 CAPITULO I 

calcular-se em terra o estado do mar na restinga, e procurar o tempo 
favorável para effectuar aquella excursão. 

Para os lados do sul o mar está sujeito a frequentes temporaes, 
que infelizmente já têem feito algumas victimas i . 

Sopram os ventos de sueste e sudoeste com muita força, mas, ao 
poente, passados os ilhéus da costa do oeste, depois da celebre ponta 
Furada, o mar torna-se chão, e pôde navegar-se de umas praias para as 
outras. 

É de grande proveito para a prosperidade agrícola conhecer bem o es- 
tado do mar junto ás praias. Convém estabelecer por mar todas as com- 
municações possíveis, quer de algumas roças para a cidade, quer de umas 
roças para as outras. Em toda a costa do norte, n'uma grande parte da 
costa do oeste e a leste existe este excellente meio de communicacão. 

Deve porém ter-se em muita consideração a viagem da cidade, por 
mar, em toda a costa de leste para o sul. Téem havido muitas desgraças 
por falta de cuidado. 

Os práticos aconselham que se façam estas viagens com toda a cau- 
tela, procurando sempre as horas em que os ventos costumam ser mais 
bonançosos e saindo da villa de SanfAnna, de madrugada. 

Servem estes conselhos para os angolares, que ficam a sueste da 
ilha, e dão o maior contingente de victimas por falta de previdência, e 
para os europeus evitarem algumas desgraças, e não tornarem odiosos 
estes excellentes meios de communicacão. 

Os angolares encanecidos na vida da pesca apparecem na cidade quando 
lhes convém; pouco lhes importa o tempo. Tornam-se bem curiosas as 
suas canoas e o modo por que elles as tripulam, e atravessam sem o menor 
cuidado um mar tão sujeito a encapelar-se. Vê-se passar defronte da for- 
taleza de S. Sebastião uma canoa com uma esteira amarrada a um pau 
por única vela, são os angolares que passam, são os habitantes das 
terras de Santa Cruz, nossos fieis alliados, que se dignam de vir á cidade, 
conduzindo tábuas, conhecidas pelo nome de peralto, fios para rede e ou- 
tros objectos da sua industria, e também porcos, gallinhas, etc. 

Para conducção de madeiras é realmente esta via marítima muito van- 
tajosa. Seis a oito remadores trazem á cidade em algumas horas o que 
não seria possível transportar por outra qualquer via em muitos dias e 
com muito custo. 



1 É bem recente o triste naufrágio da canoa em que um rico proprietário «festa 
ilha se dirigia para o ilhéu das Rolas, levando em sua companhia um filho, um amigo, 
libertos seus e soldados da bateria, ao todo umas vinte e seis pessoas, das quaes lo* 
graram salvar-se somente onze ! 

Foi este um dos mais tristes acontecimentos do anno de 1868, 



GEOGRAPHIA 28 

Alem dos portos que acima deixámos enumerados, lembrámos o porto 
de Anna Ambó, onde desembarcaram os primeiros povoadores da ilha, 
na costa do norte, e a enseada de Santa Catharina, a oeste. 

Foi concedida licença ao brigue Diana, que faz carreiras regulares 
para esta ilha, a fim de elle ir carregar café á Praia Rei, na costa de leste, 
em uma fazenda notável. N 

Para enumerarmos os rios que vão descarregar as suas aguas no mar, 
temos de nomear as praias, e por isso não vamos mais adiante, para não 
sermos obrigados a fazer repetições ou a deixar de contar as praias em 
relação á foz dos rios que lhes dão importância. 

Não sabemos se houve alguém que circumnavegasse a ilha com o fim 
de estudar a sua costa ; é porém certo que as suas praias são conhecidas 
e as planícies que lhes ficam contíguas estão cultivadas. O interior da ilha 
está inculto e na máxima parte por conhecer ; é todavia provável que com 
o progresso agrícola essas matas immensas e seculares se tornem fazen- 
das productivas e agradáveis, como muitas que hoje fertilisam e embel- 
lezam a ilha. 

Ill 
Povoações que existem em S. Thomé 

i 

Compõe-se esta ilha da cidade propriamente dita e de diversos loga- 
res indevidamente denominados villas. 

Ha também não só no interior da ilha, mas junto á costa, differentes 
fazendas agrícolas, sendo algumas d'ellas muito importantes. 

Para descrever as principaes povoações, devemos começar pela cidade, 
como sede principal de todo o movimento commercial e agrícola da ilha. 
Parece-nos conveniente transcrever as descripções que alguns escriptores 
têem feito d'ella, evitando assim qualquer suspeita de exageração. 

Em primeiro logar daremos a palavra a Lopes de Lima. Escreveu em 
1844, e por isso pode servir de ponto de partida, aferindo-se pela sua 
descripção os melhoramentos moraes e materiaes que n'ella se têem ef- 
feituado desde 1844 a 1869. 



Descripção da oidade de S. Thomó 

«No fundo da bahia de Anna de Chaves, em terreno arenoso, que 
corre do pé da fortaleza de S. Sebastião para oes-noroeste, está assen- 
tada em uma baixa, a cidade de S. Thomé, lavada pelas aguas do oceano 
atlântico desde o norte até les-nordeste ; fica-lhe a leste um terreno ala- 
gadiço, onde restam as ruínas do forte de S. Jgrpnymo, e onde eatra o 



M CAPITULO I 

mar nas grandes marés, e abi deposita o sal. Pelo lado do sul se estende, 
cerca da cidade, um paul espaçoso, o qual no tempo das chuvas se con- 
verte em uma lagoa de aguas encharcadas e infectas, que em pouco tempo 
ali apodrecem de envolta com corpos estranhos vegetaes e animaes; é 
porventura que de tal corrupção vem a principal insalubridade áquella 
povoação, e, para ainda augmentar a pestilência, outros dois pântanos 
exhalam de continuo seus pútridos miasmas, um ao sudoeste em um to- 
gar denominado Arrayal, e outro a oeste junto á ponte de Locume : assim 
de qualquer parte que soprem os ventos, a não ser do norte (o que é pouco 
frequente n'estas paragens) trazem sempre aos miseros moradores um 
ambiente de vapores nocivos. 

«Apesar de taes desvantagens tem a cidade uma apparencia alegre e 
agradável á vista ; estendida n'aquella planura verdejante forma um pa- 
raUelogramo de milha e meia de comprido, e uma milha de largo ; as suas 
ruas são bem abertas, largas, limpas e perfeitamente alinhadas, guarne- 
cidas de umas novecentas casas, quasi todas de madeira (mal lavrada, 
mas bôa e forte) da própria ilha e cobertas de telha, que se fabrica na 
ilha do Príncipe * ; d'entre estas casarias surgem os campanários de muitas 
igrejas, e d'ellas algumas de pedra, grandes e sumptuosas, taes como a 
sé, a igreja da Conceição, a misericórdia, os hospícios de Santo Agosti- 
nho, Santo António, etc. ; e fora da cidade em uma pequena eminência a 
igreja da Madre de Deus. Vê-se também a antiga casa de residência dos 
governadores, edifício de pedra, vasto e commodo, e até magestoso, a 
cadeia civil também de pedra e bem construida, uma decente casa da ca- 
mará edificada ha vinte annos, e uma mui commoda e boa casa da alfan- 
dega, junto a qual se começou em tempo do governador J. M. Xavier de 
Brito, um cães de que tanto carece, mas não se pôde ainda concluir por 
falta de meios *. Ha ahi também edifícios particulares assas nobres, e entre 
estes alguns de pedra. 

«A melhor condição d'esta cidade èser cortada pelo meio por uma 
ribeira chamada Agua Grande, sobre a qual passa uma ponte de grossas 
vigas que communica as duas margens. A excellente agua d'este regato 
bem merece os elogios que d'ella faz o piloto portuguez na passagem se- 
guinte : 

«Pelo meio da povoação (a cidade de S. Thomê) corre um regato de . 



1 Não se fabricam ali presentemente telhas. 

? N'esta ultima parte foi o auctor muito mal informado, e, como nunca desem- 
barcou na cidade de S. Thomé, merece desculpa. 

O principio do cães reduziu-se a pôr a esmo uma porção de pedra defronte da 
porta da alfandega. Um montão de pedras nem podia custar muito dinheiro nem ter 
nome de qualquer cousa que não fosse montão de pedras. 



GEOGHAPHIA *? 

agua claríssima muito espraiado e pouco fundo, da qual dão a beber ao» 
doentes, por ser muito ligeira e delgada, e é opinião constante dos habi- 
tantes, que se não fosse a excellencia e bondade d' este regato não se po- 
deria viver em S. Thomé 4 , e é porventura o único elemento da salubri- 
dade que esta povoação possue 2 emquanto os seus ares não forem puri- 
ficados pelo dessecamento dos balseiros vizinhos, a cultura nestes de 
plantas benéficas e aromáticas, como a canella, o cacau, o gengibre,* e 
mesmo o algodão, e a arborisação regular das ruas da cidade'para mitigar 
os ardores do sol e derramar fresquidão. 

«Ha n'esta cidade mercado diário, aonde se vendem gallinhas, inha- 
mes, legumes, hortaliças, fructas, sal, azeite de dendô em proporção do 
consumo. Vendem também os pescadores muita variedade de pescado, 
de que tão ricos são esses mares. 

a Em lojas bem abastecidas, mas pouco aceiadas se vendem á mistura 
fazendas, utensílios, moveis, louçainhas, comestíveis, vinhos, aguardente 
que lá levam os navios da Europa e da America.» 

Esta descripção topographica da cidade de S. Thomé feita em 1844, é 
notável pelos pormenores que fornece, exageraado apenas as condições 
em que estavam alguns edifícios públicos. 

De 1844 a 1858 pouca alteração houve. Damos a descripção da ci- 
dade feita por um medico em 1860. 

«A cidade de S. Thomé está collocada na bahia de Anna de Chaves e 
estende-se pelos dois terços da concavidade da sua margem, approximan- 



1 O auctor refere-se certamente á cidade de S. Thomé e não á ilha, pois em qual- 
quer das suas muitas praias ha ribeiras de boa agua, e é até difficil encontrar um an- 
coradouro onde uma ou mais ribeiras não venham desaguar. 

Emquanto á bondade da agua temos a fazer uma observação importante; a 
d'aquelle rio é má, embora accidentalmente; nunca se deve apanhar e beber directa- 
mente, pois corre-se o risco de adoecer ! As gravíssimas dysenterias que grassam na 
cidade toem em boa parte a sua origem na agua do rio, quando se bebe sem ser filtra- 
da, pelo menos. 

É assumpto muito grave de que adiante nos occuparemos. 

2 Não ha rasão alguma para dar a esta ribeira tantos louvores por causa da sua 
agua. Para se ver a opinião em que a tem o dr. José Correia Nunes, qup vive na pro- 
víncia ha mais de dezeseis annos, veja-se o seguinte trecho do seu relatório : 

« Na bahia de Anna de Chaves desagua uma ribeira extensa, e ás vezes caudalosa, 
chamada Agua Grande, e que em maré cheia admitte lanchas; é d'esU agua que se 
abastece a cidade e de que fazem aguada as embarcações que saem d'este porto, apesar 
de não ser a melhor que existe em S. Thomé, porque as copiosas chuvas tornam-na lo- 
dosa e impregnada de detritos vegetaes.» 

As chuvas duram oito mezes em S. Thomé. As partículas que se destacam con- 
tinuamente dos detritos vegetaes em todo o curso d'este rio, nem todas serão preju- 
diciaes nem sempre arrastadas na mesma quantidade, mas a agua apresenta-se turva, 
seja qual for a hora em que se apanhe. Não se deve beber assim. 



28 CAPITULO I 

do-se mais da ponta do sul, onde está edificada a fortaleza de S. Sebastião, 
de modo que ella olha para o norte, emquanto que a bahia se abre para o 
nordeste. 

«Com similhante disposição a cidade e o porto ficam expostos a todos 
os ventos, desde o norte até ao sueste, vindo-lhes este ultimo e o les- 
sueste por sobre a terra baixa e rasa que corre da referida fortaleza para 
o sul. Todos estes ventos, bem como o nor-noroeste, noroeste, e oes-no- 
roeste chegam á ilha depois de atravessarem as vastas regiões do conti- 
nente africano. Os ventos de oeste a sul são todos do alto mar, e d'estes 
acha-se a cidade abrigada por uma cinta de montanhas, que começam 
a crescer não longe d'ella. Entre estas montanhas e a cidade, que fica em 
um local baixo e húmido, ha grandes depressões de terreno, para onde, 
alem da chuva que cae directamente, correm as aguas dos pontos mais 
elevados, formando paúes, cobertos de hervas, arbustos e arvores, cujas 
folhas ali se putrefazem de mistura com as immundicies e animaes mor- 
tos que os habitantes da cidade lá vão depositar. 

« A maior parte d'esses paúes seccam completamente no tempo das 
ventaniasj excepto o que fica a leste, o qual communica com o mar, e 
constitue mais propriamente uma lagoa, cujo fundo fica em grande parte 
descoberto nas vasantes e exposto aos raios do sol. Os ventos mais fre- 
quentes caminham d'esses focos de infecção para a cidade, emquanto que 
poucas vezes sopram os do sentido contrario, os quaes são de mais a mais 
retardados na sua marcha pelo immenso arvoredo e pelas montanhas, cuja 
posição indicámos. 

«Alem d'estas causas de insalubridade, muito importantes, outras 
existem no centro da própria cidade, a maior parte das quaes podia facil- 
mente ser removida. N'este caso estão os innumeros depósitos de im- 
mundicies que se encontram na margem da ribeira que atravessa a cidade ; 
a maior parte das casas, já de per si pequenas e accumuladas; e os seus 
quintaes, onde densas matas de bananeiras não só obstam á ventilação, 
mas ali caem muitas d'estas e apodrecem. 

«N*este mesmo caso estão as sinuosidades da mesma ribeiràj o seu 
curso lento, retardado nas enchentes do mar e a inundação ri essas con- 
juncturas de um grande espaço de terreno próximo e por detrás da sê*.* 



1 Está pois demonstrado que a ribeira que atravessa a cidade de S. Thomé é uma 
das causas de insalubridade que convém remover com toda a urgência. 

O piloto portuguez a que se refere Lopes de Lima, e que fez adquirir certa cele- 
bridade á agua d'esta ribeira, baseou-se talvez em informações pouco escrupulosas. 
É arriscado beber agua apanhada no rio, e nem sempre é possivel encontral-a com a 
limpeza necessária para nâo repugnar á vista, e de mais a mais nas marés cheias sáe 
fora do leito, mistura-se com agua salgada, e forma charcos immundos bem ao pé da 
cidade. 



GEOGRAPHIA 29 

A descripção do dr. Lúcio Augusto da Silva é exacta. Conta este 
auctor muitas outras causas de insalubridade da cidade, que nós não tran- 
screvemos por brevidade. 

As condições de salubridade da cidade de S. Thomé são más. Ahi fica 
o testemunho de duas auctoridades, que são de certo insuspeitas. 

A opinião da junta de saúde publica apresentada ha cinco annos, pouco 
mais ou menos, merece também muita attenção. 

Escrevemos detidamente acerca da cidade de S. Thomé, attenta a im- 
portância do assumpto. Na cidade vivem as primeiras auctoridades ; estão 
ahi as principaes repartições publicas ; é também a cidade o principal e 
único centro do movimento commercial e agrícola de toda a ilha; por isso 
merece muita attenção, quer da parte da junta da saúde publica, quer das 
auctoridades administrativas provinciaes, e até do governo da metrópole. 

Os meios que propomos para a sanificação da cidade seriam infructi- 
feros se não assentassem em factos bem estudados. 

Entendemos portanto que devemos ajuntar ás duas descripções acima 
apresentadas, alem da nossa opinião, em 1869, a que encontrámos no 
relatório do dr. José Correia Nunes, em 1865. 

É do teor seguinte : 

« A cidade de S. Thomé assenta em um terreno arenoso e baixo, la- 
vado pelas aguas do oceano, em uma praia que corre desde o norte até 
les-sueste, ficando-lhe n'esta extremidade um terreno pantanoso, por onde 
entra o mar nas grandes marés, depositando ahi grande quantidade de 
sal, que os indigenas extrahem e purificam por meio da evaporação ao 
fogo, para os seus usos culinários. Ao sul da cidade jaz outro pântano em 
um vasto campo coberto de relva e capim, próximo ao muro do antigo cemi- 
tério na cerca do extincto hospício de Santo António até á vizinhança da 
igreja de S. Miguel, constituindo uma verdadeira fonte de exhalações no- 
civas á saúde publica. 

«Para remover os males causados por este foco de infecção e outros 
similhantes que existem na povoação, a junta de saúde publica da pro- 
víncia (de que eu fazia parte) dirigiu em 1862 ao governador de S. Thomé 
um relatório, no qual se apresentaram as considerações que um assumpto 
de tanta magnitude suggere, e se propozeram os meios de remover taes 
males ; mas os governos até hoje (fins de 1865) têem descurado comple- 
tamente de taes ramos de serviço publico, aliás de tão alta transcendência, 
tendo-se unicamente conseguido a mudança do cemitério para outro ponto 
mais conveniente, com exposição ao norte. 

« Como querem pois que melhorem as condições de salubridade em 
um paiz onde se desconhecem os preceitos de hygiene publica, e onde as 
auctoridades administrativas, em geral, pouco curam do melhoramento 
material e intellectual de seus habitantes ? 



10 CAPITULO I 

a Qtfê&am-se da grande mortalidade que ha no paiz, pedem médicos, 
mas não applicam os meios que estes aconselham, 

« Que serviço esperam, pois, que os médicos prestem?» 

As descripções que deixámos exaradas mostram claramente o estado 
da cidade de S* Thomé desde 1844 a 1865. 

Às causas locaes e geraes de insalubridade que se conhecem devem 
ajuntar-se algumas outras de não menor importância. Estão nas próprias 
ruas, nàs casas, na falta de regulamentos hygienicos, que se façam exe- 
cutar e finalmente na posição e exposição da cidade. 

A posição da cidade é má e a sua exposição péssima. 

A primeira providencia seria fafcer a mudança, para outro sitio conve- 
niente, das repartições publicas. Com o andar dos tempos deixariam de 
existir casas nos togares onde hoje se vão construindo. 

Como é sabido, não foi o local em que hoje assenta a cidade o primeiro 
escolhido; passou da praia Anna Ambó, a umas 4 léguas da cidade 
actual, na costa do norte, para o logar que occupa presentemente ; para 
o melhorar é preciso ao menos tentar alguma cousa. A cidade de Loanda 
tem parte alta e parte baixa : n'esta trata-se do commercio durante al- 
gumas horas do dia; n'aquella vive-se, passa-se a noite. Para S. Thomé 
aftonselhâmos a mesma cousa. 

As principaes repartições publicas devem estar em posição vantajosa. 
Pelo menos o palácio do governo, o hospital, o observatório meteoroló- 
gico, á cadeia civil, etc. , devem ser feitos em boas condições de salu- 
bridade. 

A cidade de S. Thomé é susceptível de se melhorar muito. A descri- 
pção topographica que nos cumpre fazer deixâmol-a para o capitulo III. 
Ao passo que notarmos as causas de insalubridade, proporemos os meios 
de as attenuar ou destruir. 

Terminámos a descripção topographica da cidade com a narração do 
seguinte gravíssimo facto. Chamámos para elle a attenção das respectivas 
autoridades e dos médicos hygienistas. Damol-o aqui para pôr bem em 
evidencia a importância do estudo que nos propomos fazer acerca da ilha 
de S. Thomé. 

« Dans un voyage que le Phénix, vaisseau de guerre de 40 canons, 
fit à la cote de Guinée en 1766, les officiers et plusieurs autres personnes 
furent en parfaite santé jusqu'au moment ou, retournant en Angleterre ils 
abordèrent a 1'isle de Saint Thomas. Malheureusement le capitaine y débar- 
qua, a fin de passer quelques jours dans une maison du gouverneur por- 
tuguais. Cétait le temps de la saison pluvieuse ; c'est'-à-dire, celle des ma- 
làdies. Le frère et les domestiques du capitaine, le chirurgien du vaisseau 
et quelques contre-maitres logèrent sous le même toít. II y avait fòrt peu 
de jours qu'ils étaient à terre quand le capitaine, son frère, le chirurgien 



GE0GHAPH1A SI 

et toutes les personnes, au nombre de sept, qui avaient couché dans cette 
maison, tombèrent malades ; une seule en réchappa 1 ! 

«Le Phénioc resta víngt-sept jours à Pancre dàns cet eiidl*ôit s pen- 
dant cet ititervalle, trois contre-maíttes, cinq homfcrôs et Un jeutfê gftr<joh 
passerent douze nuits à terre pour garder les tonneaux d'êMi, dont ílfe 
imagíttaient que les insulaires voulaient s' empara, totls ttetaxMôi ftittètot 
aussi malades et Pon n'en put conservar que dèux 11» 

A narração singela d'este gravíssimo acontecimento acaflrétota peséfchã 
fama á cidade de S. Thomé. 

Entre os francezes e inglezes não podia deixar esta ilha dô àé? tldaiem 
conta de muito insalubre. O acontecimento narrado por Jacqties Línd e 
diviilgàdo em França por Thion de la Ghàume, aftesta bem â vefdftde 
da nossa asserção. 

4 À morte que feria os governadores da ilha, empregados fe Colonos, 
nãò deti oecasião â proceder-se á indagação das causas dèftenftinairtfes 
de tão malignas moléstias até 1836. Desde está epotiia tem-sé pfõctt- 
rado promover melhoramentos máteriaes e moraes, com o flm de modificai- 
as condições de salubridade, mas parece não ter havido flexo riefti har- 
monia em taes disposições. Da legislação promulgada pâfecè tofèrtMte 
que se reputa a ilha absolutamente insalubre, e hâ hlsso Um gràVissímo 
erro. 

Nem a cidade de S. Thomé representa ó veitfaàefrò graii de salubri- 
dade a que a ilha pôde attingir, nem os togares do interior, âlgiiàs tios 
quaes estão em boas condições hygienicàs, são tomados em côttta tjilàtidto 
se trata de um assumpto de tal magnitude. 

Villas, freguezias e prinoipaes roças ou fazendas agrícolas 

da ilha de S. Thomé 

Passámos a fazer a descripção topographica das pequenas povoâfçftêã 
que se encontram, quer no interior da ilha, quer nas proximidades da sua 
costa. 

O interior da ilha está quasi todo desaproveitado ; de 270 milha6 qua- 
dradas que a ilha tem de superfície, estão talvez cultivadas 90. A parte 
do norte da ilha tem as principaes fazendas agrícolas, e n'ella existem 
também as quatro villas ou freguezias interiores. A leste ha algumas tsrras 
cultivadas e muito poucas a oeste 4 . 



1 Em 1869 havia em S. Thomé umas sessenta roças ou fazendas agrícolas, tendo 
algumas d'ellas abundantes colheitas de café. O cacau, mandioca, milho, azeite de palma 
e madeiras sSo exportados em maior ou menor quantidade. Um terço dos terrenòâ 4a 
ilha está inculto, outro terço occupado pelos angolares, e dò terço cuftivàào nSò sè tira 



32 CAPITULO I 

Villa da Santíssima Trindade 

Distante da cidade fica a igreja da Santíssima Trindade cerca de 5 
a 6 milhas. Ao pé d'esta igreja edificaram-se casas, formando algumas ruas. 
Pela posição agradável em que se acha, começou a ser concorrido este 
logar, adquirindo o honroso nome de villa, que, apesar de ser o melhor 
da ilha, não passa de uma freguezia. Foi sempre o mais considerado de 
todos os logares de S. Thomé. 

Entre este logar e a cidade deu-se principio a uma estrada, que está 
por concluir ! 

A respeito da villa da Santíssima Trindade, para empregarmos a de- 
nominação que se lê nos documentos officiaes, diz o dr. José Correia 
Nunes (loc. cit.) o seguinte : 

« No interior da ilha, sobre um monte que domina a cidade, na distan- 
cia de 2 léguas, fica a villa da Santíssima Trindade. Tem igreja decente, 
muitas lojas de commercio, e numerosas roças circumvizinhas, que pro- 
duzem a maior parte do café, que se exporta de S. Thomé. » 

Parece-nos portanto mais próprio dizer o logar da Trindade, para 
designar o sitio em que está a igreja e as poucas casas commerciaes que 
lá existem, e a freguezia da Santíssima Trindade, quando quizermos desi- 
gnar os 900 fogos que ha sob a dependência da igreja. 

N'esta freguezia ha logares salubres e roças tanto productivas quanto 
ricas e agradáveis ; perto do logar passa o rio Agua Grande, que vae des- 
aguar no mar depois de percorrer de mais de 3 léguas. 

É urgentíssimo fazer a estrada que deve ligar aquelle logar com a 
cidade de S. Thomé. Ganha com isso o commercio, e a saúde publica 
muito mais. Não ha enfermaria ali, nem os médicos que estão na cidade 
podem fazer visitas a 2 léguas de distancia sem grande sacrificio. Uma 
população de 5:000 almas bem merece que se attenda ás suas necessi- 
dades. 

Villa de Guadalupe 

Ao noroeste da cidade estende-se, em uma planura rodeada de outeiros 
de altura mediana e aspecto risonho, a villa de Nossa Senhora de Guada- 
lupe, villa no nome, dizia em 1844 Lopes de Lima ao escrever a respeito 
d'ella essas poucas palavras que se acabam dê ler, villa em nome, repeti- 
mos nós, em 18691 Fica esta pretendida villa na região septentrionál da 
ilha. Não está muito distante da costa, parecendo existir no regaço dos 



metade do resultado que se deveria obter; e apesar de tudo isto a alfandega obtém 
cerca de 40:000*000 réis de receita publica! 



GEOGRAPHÍA . 33 

# 

outeiros que lhe ficam sobranceiros. Daremos, como para a freguezia da 
Santíssima Trindade, o nome de logar ao sitio onde estão a igreja e algu- 
mas cubatas velhas e arruinadas, e designaremos por freguezia os ter- 
renos em que se acham espalhados uns 160 fogos. 

São notáveis as fazendas que ha n'esta freguezia, merecendo especial 
menção a roça — Rio d'Ouro. 

Entra-se no logar de Guadelupe pela parte do sul, passando um charco 
immundo ; ha ali um largo com um grande tamarindeiro no meio. Este 
largo é rodeado de casas de madeira, velhas, a cair, e mostrando a po- 
breza e o desleixo dos seus habitantes. 

O morro Monquinquí, como lhe ouvimos chamar, eleva-se quasi a 
pique, e assombra o logar de Guadelupe da parte do nascente. 

Arvores seculares formando espessas matas rodeiam o logar de Gua- 
delupe ; perto da igreja passam no tempo das chuvas as enchurradas que 
se despenham dos montes próximos em tal quantidade, que formam um 
riacho. 

O Rio d'Ouro passa a meia légua de distancia pouco mais ou menos. 

Villa da Magdalena 

Segue-se a villa da Magdalena, mais pequena que a precedente, dizia 
em 1865 o dr. José Correia Nunes, ao fazer o seu relatório. É realmente 
pobre e insignificante, em 1869, dizemos nós, e, embora a sua posição 
seja central, não lhe tem vindo por isso melhor resultado que á de Gua- 
delupe ; e apenas se conta n'ella uma casa de madeira com o seu sobrado 
e loja, mas ainda por acabar. Algumas cubatas arruinadas cercam a igreja t 

Pôde chamar-se a similhante logarejo, villa ? . . . 

Communica o logar da Magdalena com a cidade por meio de uma es- 
trada, que, comparada com outras que ha na ilha, pode reputar-se boa; 
foi feita a expensas particulares; ha n'ella algumas pontes, sendo 
mais notável a que se acha lançada entre dois despenhadeiros; co- 
meça na roça Santa Cruz, passa ao pé de lindas fazendas, atravessa 
o logar, e vem entroncar na porção de estrada que o governo provin- 
cial fez na extensão de 2 kilometros. É realmente o melhor pas- 
seio da ilha. A estrada ao sair da cidade torna-se em uma verdadeira 
rua cercada de lindas arvores e de muita verdura; passa junto á igreja 
da Madre de Deus, e vae em lanço direito até á fazenda Rlublú. 

Quem deseja ver a queda da agua do rio Agua Grande, atravessa 
parte d'esta roça até chegar á margem do rio, que se deslisa brandamen- 
te por entre margens cheias de verdura ; vae costeando a margem esquer- 
da até chegar á queda da agua. Recommendâmos este agradável pas- 
seio, que se pôde concluir em duas horas. 

3 



U CAPITULO I 

Ao pé do logar da Magdalena corre um ribeiro que vae atravessar a 
fazenda Allemanha, e se despenha em cascata a uma grande altura, sendo 
digna de ser vista ; fica muito perto da casa da fazenda Allemanha, ao 
pé da qual passa a estrada. 

Não é o nosso fim fallar de todos os logares amenos e salubres que 
se acham desde a cidade até á fazenda Santa Cruz. Esse trabalho seria 
mais próprio de uma chorographia da ilha, e por isso nos demorámos 
mais, mencionando aqui e ali um ou outro sitio aprazível. 

Villa de Santo Amaro 

Mais para baixo, a légua e meia da cidade, encontra-se o logar de San- 
to Amaro, que regula em grandeza e importância pelo da Magdalena. 
Correm perto, d'elle dois confluentes do rio João de Mello, que desemboca 
na praia Lagarto. 

Ás duas ribeiras que correm a par e formam os limites entre esta fre- 
guezia e a de Guadelupe deu o povo o nome de Agua Casada 1 . Estas duas 
ribeiras, correndo a par uma da outra por muito tempo, ajuntam-se por 
. fim, e vão entregar as suas aguas ao rio Diogo Nunes . 

No numero 3 do Equador lêem-se as seguintes linhas a respeito da po- 
sição de Santo Amaro, que dá boa idéa d'este e de outros logares da ilha: 

« Eu fui sempre embebido 2 n'estes pensamentos até Santo Amaro, 
« uma pequena aldeia internada na verdura, e que ainda de quasi ao pé 
« é preciso espreitar-lhe as casas por entre as arvores para apanhal-as de 
«súbito, que parece fugiriam se presentissem um estranho mesmo de 
« perto. 

« N'esta ilha accidentada não se vêem alvejar entre a verdura sombria 
« as paredes dos casaes. Depara-se ao estranho inopinadamente uma roça, 
« sem elle imaginar sequer que ali possa existir construcção humana. 

« A natureza quer ser senhora, e até onde a mão do homem implan- 
« tou o signal da cultura, os olhos costumados ás vegetações modestas e 
« sóbrias das zonas temperadas, julgam ver perfeito mato virgem. » 



i Estas duas ribeiras serviram de assumpto ao sr. Alfredo Troni, intelligente se- 
cretario do governo de S. Thomé, para um interessante folhetim, que foi publicado no 
n.° 5 do Equador de 22 de novembro de 1869 sob o titulo — Agua Casada. Náo o damos 
por copia para nâo sermos muito extensos em um assumpto alheio ao nosso intento. 

* Em o n.° 3 do Equador foi publicado um folhetim do sr. Alfredo Troni em que 
elle descreve a inauguração de uma ponte lançada sobre as margens do Rio d'Ouro. 
O intelligente escriptor descreve ali com poéticas phrases a conducção em redes, que se 
usa muito em S. Thomé. «Eu amo a rede; amo- a, quando no balancear cadente me 
embala os sonhos que eu faço mesmo acordado ; quando me leva ao passado desper- 
tando-me idéas da pátria, que quem vive em outros climas e estranhas paragens tem 
horas ás vezes de intensíssima mas suave tristeza». 



GEOGRAPHIA 33 

De Santo Amaro para a cidade ha um caminho regular. Fica-lhe perto 
uma das primeiras fazendas que se abriram na ilha, e que se conhece por 
Bella Vista. 

É este outro passeio agradável. 

Quer a villa da Magdalena, quer a de Santo Amaro, não estão nas con- 
dições da mais humilde aldeola do Minho. Não ha n'ellas animação algu- 
ma, parecem perder cada vez mais a importância e acabarem por inanição! 
Nem uma só casa se tem ali construído, não se observa n'ellas um único 
melhoramento hygienico. 

O logar da Magdalena offerece boa posição para se estabelecer uma 
easa de saúde para os convalescentes. £ recommendação inútil, bem o 
sabemos, mas não o devia ser, porque bem rica é a ilha para satisfazer a 
todas as despezas que se fizerem em favor dos seus melhoramentos mo- 
raes e materiaes. 

Ahi deixámos um limitado esboço dos logares que se acham espalha- 
dos pelas planícies adjacentes á costa do norte da ilha. Não nos cumpre 
ir mais alem. 

Como estes quatro logares do interior estão os logares mais próximos 
á costa, vamos dizer algumas palavras a respeito de cada um d'elles. 

Villa de Santa Anna 

A villa de Santa Anna, collocada na costa de leste, fica muito perto do 
mar ; é a terceira povoação emquanto ao numero de fogos. As suas ca- 
sas têem melhor aspecto que as de Guadelupe e da Magdalena ; a da escola 
fica em -logar alto sobre um terreno, que se torna declive até á base da 
collina, onde se vêem algumas casas bem arranjadas. Esta disposição de 
terreno é boa para as casas que ficam no alto, mas tem inconvenientes 
para quem vive na parte mais baixa. É porém necessário examinar as 
condições (festa villa, que parece salubre em relação á cidade. 

Passando a villa de Santa Anna, depara-se-nos a celebre fazenda do 
barão de Agua-Izé, fallecido a 18 de outubro de 1869. 

Para se ir da cidade á villa de Santa Anna seguem-se atalhos tortuosos; 
vadeia-se o rio Manuel Jorge, e muitos riachos, regatos e ribeiras ; passa-se 
por meio de um extenso e cerrado óbó (matos) ; deixam-se os matos 
e cbega-se a uma praia, fazendo-se caminho entre as ondas que vem que- 
brar-se aos pés dos viandantes e uma vegetação compacta, que lhes seria 
impossível entrar se o mar encapelado lhes chegasse aos joelhos. O fragor 
é medonho, quando a onda se quebra, e vae rolando sobre uma infinidade 
de pequenas pedras I 

Pôde dizer-se que se entra na villa com intima satisfação, por se ter 
escapado ás aguas do Manuel Jorge, ou a algumas arvores altas, velhas, 



36 CAPITULO I 

pendentes, que se despenham ao menor vento. Attestam este perigo os 
troncos que entupem o caminho, achando-se alguns cortados a machado, 
tornando difficil a passagem. 

E quem escapa d'estes perigos * julga-se porventura são e salvo? 

Vill* de Santa Crus dos Angolares 

A freguezia de Santa Cruz dos Angolares é pouco ou nada conhe- 
cida; nem nos consta que se tenha procurado com exactidão formar a : 
estatística dos seus fogos e população, e não podemos dar credito a boa- 
tos ou a narrações feitas por pessoas pouco interessadas em fallar ver- 
dade. 

Aferindo o que lemos nos escriptores que se têem occupado de S. Tho- 
mé, com mais conhecimento de causa, pelas tradições e informações a que 
temos procedido, chegámos a uma tristíssima verdade : a maior parte da 
superfície d'esta ilha está occupada pelos semi-selvagens angolares, for- 
mando uma pequena republica f 

Esta é a verdade. 

Nem conhecemos os terrenos, nem os costumes dos habitantes de Santa 
Cruz ; a mortalidade que ha n'esta freguezia mal se pôde avaliar. 

É portanto inteiramente inútil demorarmo-nos em considerações a 
similhante respeito. 

Entraram aqui os angolares muito depois de possuirmos a ilha, de 
estabelecermos n'ella povoadores e auctoridades. Um navio que deu á 
costa deixou-lhes aquelles hospedes, que durante um século os incom- * 
modaram 1 ! 

Villa de Nossa Senhora das Neves 

Esta villa fica no extremo norte da ilha perto do mar. Foi n'esta pa- 
ragem que se lançaram os primeiros alicerces da çolonisação da ilha de * 
S. Thomé. Ha por ali algumas roças, e é muito regada. Sendo pouco 
conhecida, e ficando a umas 4 léguas da cidade, pouco caso se faz 
d'ella. 

Sem dados positivos e informações exactas não é possível escrever a 
verdade. 

Os médicos poucas vezes podem sair da cidade. Embora desejem ir 



1 Passando no logar a que nos referimos, na companhia do ex.™ juiz de direito 
António Ferreira Lacerda, em occasiSo de tempestade, podemos observar pessoalmente 
o perigo que offerece a praia Almoxarife, coberta pelas ondas encapeladas e a agua da 
ribeira Clara Dias, que é preciso atravessar para deixar esta praia e poder achar a ve- 
reda que existe por entre a vegetação I ! (Nota do relator.) 



I 



GEOGRAPHIA 37 

observar um ou outro ponto da ilha, ou queiram oficialmente ir fazer a 
visita medica ás respectivas villas ou povoações, não obtêem meios de 
transporte I Negam-lh'os até para irem assistir aos corpos de delicto feitos 
no interior da ilha a longas distancias! 

A lei e o regulamento de saúde em vigor ordenam que a auctoridade 
administrativa dê meios de conducçâo aos facultativos que vão em serviço 
publico, mas em S. Thomé são letra morta as determinações da leif 

As communicações da cidade pelo interior com qualquer das villas 
junto á costa são muito más. Atalhos tortuosos e difficeis de transitar 
são as únicas vias de communicação, que as prendem umas ás outras e á 
própria cidade. 

Quando veremos proceder-se á viação publica? 

Que desastres, mortes e prejuízos para o commercio resultam da 
falta de boas estradas! ! 



IV 



Enumeração das cordilheiras, montes e picos 
mais notáveis de S. Thomé 

Assim como infelizmente nos faltam todos os dados para estabelecer 
a salubridade das villas, quer absoluta quer relativa, assim também não 
temos os menores elementos para conhecer os montes ou picos que se 
acham espalhados em S. Thomé. Requer este estudo viagens ao interior 
da ilha demoradas e muito repetidas, e é exactamente o que nós não po- 
demos fazer nas circumstancias actuaes do serviço de saude publica da 
ilha, nem nos consta que alguém as tenha feito. 

% No meio da ilha de S. Thomé, para os lados da costa de oeste, quasi 
em frente da enseada de Santa Catharina, jaz o celebre 4 pico de S. Thomé. 
Fica a 17' ao norte do equador e a 15° e 45' a leste do meridiano de Lis- 
boa. D'este pico para o sul a ilha é montuosa e, a menos de uma légua, 
um pouco para o sul e para leste, eleva- se o cume pyramidal denomi- 
nado Anna de Chaves. D'ali correm duas cordilheiras de serras altas, 
uma para leste, que finda em despenhadeiros na costa oriental da ilha, e 
outra para sueste da ilha até ao pico de Maria Fernandes e pico Mo- 
condom. 



1 Chamámos celebre ao pico de S. Thomé e temos muita rasáo para isso. Altos 
escriptores faliam cTelle, dando-nos descripções mais ou menos minuciosas, segundo 
as» informações que poderam alcançar, e até parece haver quem assevere ter subido á 
sua parte mais alta! Procurámos informações a similhante respeito, e"sâo todos con- 
formes em negar tal asserção, 



38 CAPITULO I 

Combinando o que nos diz Lopes de Lima com os planos da ilba de 
S. Thomé, publicados em Inglaterra, parece verdadeira a descripção das 
serras desta ilha ; estão dispostas da maneira seguinte : 

Pico de S. Thomé, de Ãnna de Chaves, Mocondom, e Maria Fernan- 
des, ficam na parte central da ilha de oeste a leste. Vêem-sc ali os mon- 
tes mais altos. 

Para o sul da ilha contam-se Pico Macurú, Cão Pequeno, Cão Grande, 
Praia Lança, Ponta Preta, etc. 

Para o norte estão o Monte Café e os montes de Guadelupe. 

Nas terras adjacentes ás praias estão as planícies, e ao passo que se 
caminha para o interior vão apparecendo serros, outeiros e elevações 
de terras mais ou menos notáveis. Esta disposição é singular, e merece 
muita attenção pelo que diz respeito á bygiene publica. 

Os logares mais baixos, nos sopés dos montes, são os mais doentios, 
e a 2 milhas e 3, e com especialidade a 2 léguas da costa ha logares sa- 
lubres, frescos e agradáveis. 

O interior da ilha offerece logares próprios para estabelecimentos 
de casas de saúde, onde os habitantes achem um refugio contra as febres 
paludosas, que nos logares baixos se mostram rebeldes ao tratamento. 

Até ao presente nada se tem feito n'este sentido ; mas o progresso 
colonial exige que se façam os estudos necessários para se avaliar o grau 
relativo de salubridade de alguns pontos da ilha que passam por salubres, 
o que, alem de ser verdadeiramente philanthropico, seria de muita eco- 
nomia para a fazenda publica. 



Y 



Rias, praias e ilhéus da ilha de S. Thomé 

Costa do norte 

Passámos finalmente, para terminar a parte topographica da ilha de 
S. Thomé, a enumerar os rios que a fertilisam. São muitas as dificulda- 
des que temos a vencer para tornar este trabalho o mais completo pos- 
sível, aindaque deixe muito a desejar. 

«Dos seios de todas as montanhas encadeadas que encerram nas suas 
vastas aberturas extensos e fecundíssimos valles, brotam por toda a 
parte fontes, as quaes engrossando o seu cabedal na sua queda, vem des- 
penírar-se nas planícies e restituir ao solo a humidade que de continuo 
lhe rouba a acção dos raios solares. » 

É d'este modo que escreve Lopes de Lima acerca das fontes das ri- 
beiras que serpenteiam por aqui e por ali em tão productiva ilha. Se a 



GEOGRAPHIA 39 

enumeração de taes ribeiras parece á primeira vista destituída de inte- 
resse para a hygiene e a salubridade da ilha, não o julgámos nós assim. 

É sempre de grande vantagem que a sitio escolhido para uma povoa- 
ção abunde em agua potável e de boa qualidade, escreve um hygienista 
portuguez, referindo-se aos climas temperados. Em paizes como o de 
S. Thomé, deve haver grande escrúpulo em tão grave assumpto. Os pri- 
meiros povoadores da colónia não attendiam a esta e a outras necessida- 
des. Não colonisavaín ; vinham por aqui de passagem f 

A cidade de S. Thomé tem uma ribeira abundante de agua. É urgente 
tratar de a pôr em condições de satisfazer aos usos ordinários da vida. 

Segundo Lopes de Lima, contam-se em toda ilha de S. Thomé vinte 
e nove rios que desaguam no mar. São os principaes, pois é certo que 
aquelle numero pôde talvez chegar ao dobro, sendo todos mais ou me- 
nos importantes no tempo das chuvas, que, como se sabe, duram oito 
mezes n'esta ilha. 

Na bahia ou enseada de Anna de Chaves desagua um rio, conhecido 
pelo nome de Agua Grande. Falíamos já a respeito d'elle, e agora só di- 
zemos que elle toma, entre os naturaes, nomes diversos segundo os lo- 
gares em que passa. 

Na praia Lagarto tem a sua foz uma ribeira, a que se dá o nome de 
João de Mello. 

Contam-se depois, seguindo para o norte, a ribeira Diogo Nunes, e o 
Rio d'Ouro, que é muito notável ; ha no seu curso, segundo dizem, al- 
gumas quedas de agua. Não está ainda bem conhecida a sua origem, e 
passa em algumas roças, tendo uma d'ellas o nome d'este rio. Consta haver 
furnas que o Rio d'Ouro atravessa, escondendo-se á vista dos curiosos. 

Tivemos occasiao de observar este rio n'um logar em que elle se des- 
penha de rocha em rocha com profundo sussurro, perdendo-se no meio 
de despenhadeiros alcantilados. Apresentava um quadro surprehendente. 

Nas praia das Conchas desagua uma pequena ribeira, que em outro 
tempo serviu para um engenho de assucar. Hoje apenas ha ali os alicer- 
ces e um muro de pedra e cal, vestígio do engenho, como nós mesmos 
tivemos occasiao de observar. 

Esta ribeira corre junto a um estabelecimento agrícola dos mais im- 
portantes da ilha ; ha tfelle uma boa serraria de madeiras, as quaes são 
conduzidas para a cidade em canoas. 

Antes da ponta Figo, extremo norte da ilha, e onde desembarcaram 
os primeiros povoadores, depara-se a foz de um extenso rio, cujo nome 
ignorámos. 

É este o ultimo rio que se conta na costa do norte. 

Os rios que desaguam no mar, na costa do norte, fecundam planícies 
fertilissimas que se acham actualmente bem cultivadas. 



40 CAPITULO I 

Enumeramos os principaes rios que têem a foz no mar ; os seus coc- 
fluentes e os pequenos regatos que existem em grande numero não Me- 
recem especial menção. 

Costa de oeste 

São seis os rios principaes que têem a sua corrente para a costa ie 
oeste, podendo dizer-se que não ha praia onde não termine um ou mais 
rios, depois de terem refrescado as planícies vizinhas. 

Na enseada de Santa Catharina, á qual parece ficar sobranceiro o 10- 
tavel Pico de S. Thomé, vão entregar ao mar as suas aguas duas ritei- 
ras. Ha bons prados de pastagens e extensas planícies, que ficam vizinhas 
a esta bella enseada, para nos servirmos do mesmo epitheto de que usou 
Lopes de Lima. 

Ao norte da enseada de Santa Catharina desaguam duas ribeiras, 
entre a ponta Prainha e a ponta Gadão. Não têem denominação conhecida. 

Antes da ponta Aliemanha, vindo do sul para o norte, ha uma ribeira, 
descendo das rochas. Não lhe sabemos o nome. 

O mar ali não costuma estar agitado. 

Os ilhéus que jazem junto a esta costa são dignos de menção. 

A partir da celebre Ponta Furada, dando passagem a canoas pela sua 
abertura, nota-se o ilhéu de Joanna de Sousa, que tem uma caverna onde 
o mar bate com sussurro forte. Contam-se mais quatro ilhéus, apresen- 
tando-se os dois primeiros, partindo do sul, em posição de formar en- 
seada, livre dos ventos, que tão braviamente sopram de sul e sueste. 



Costa do sul 

Para o sul correm poucos rios ; a ilha termina quasi em ponta. 

Encontram-se alguns regatos ao sul da notável angra de S. João, e as 
ribeiras que n'ella têem a sua foz também correm para o sul. 

A costa do sul da ilha é singularmente constituída. 

Um canal com uma milha de largo separa da terra um ilhéu, que to- 
mou o nome de ilhéu das Rolas, ficando o seu extremo sul sob a linha 
equinocial. Um braço de mar, simulando um rio, atravessa a ilha de lado 
a lado, e parece que com o decorrer dos tempos se virá a formar um 
ilhéu mais pequeno que o das Rolas. 

Aindaque não se refira á costa do sul, não deixa de ter cabimento 
aqui a narração do seguinte conto, que passou da tradição á historia, "e da 
historia veiu até nós. É digno de attenção. 

Referimo-nos ao conto narrado pelo chorographo d'esta ilha, R. J. da 
Cunha Matos, e repetido com as mesmas palavras por Lopes de Lima e 



GEOGRAPHIA 4i 

pelo dr. José Correia Nunes. Seguimos nós também o mesmo exemplo, 
pedindo que se apure a verdade. 

Eis o celebre trecho por tantas vezes repetido. 

«Uma caverna atravessa a ilha de um a outro lado, correndo de norte 
a sul ; entra n'ella o mar pelo lado sul junto á ponta do ilhéu Grande, ao 
sul da angra de S. João, onde forma um sorvedouro, que attrahe tudo 
quanto passa ao alcance do redomoinho, e dizem que vae sair da banda do 
nor-noroeste, na ponta Diogo Vaz, na qual o mar arrebenta em um recife 
de pedras.» 

A tradição dá este phenomeno como certo, a historia archivou-o, 
como veiu da tradição, mas a critica pede que se exhibam provas irrecu- 
sáveis a similhante respeito. É preciso prestar homenagem á verdade. E 
nós tão somente para que esta se indague é que reproduzimos aqui o que 
acima se lê. 

Ao que temos ouvido dizer e ás provas com que nos querem fazer 
convencer da existência d'este singular canal subterrâneo, não podemos 
dar credito. 

Dizem que fazendo passar uma tábua, por exemplo, no redomoinho, 
que a agua faz á entrada do sorvedouro, que ella se some, e chegam a 
asseverar que sáe do outro lado I 

Não é possível acreditar sem ver, tendo, como dizem, este canal 
umas 6 léguas de extensão. 

Parece-nos porém digno de exame o phenomeno, e não deve conti- 
nuar a existir rodeado de mysterios, como está presentemente. Não é in- 
felizmente só n'este caso que isto acontece. Ninguém dirá que esta ilha 
só tem 270 milhas quadradas de superfície I 

Costa de leste 

Na costa de leste contam-se as seguintes praias até chegar á fortaleza 
de S. Sebastião, de ao pé da qual começámos agora a enumeral-as. 

Praia Pequena — tem um regato. O passeio desde a fortaleza de 
S. Sebastião até esta praia é agradável. Vêem-se as ruinas do forte de 
S. Jeronymo, tristemente nomeado nas chronicas de S. Thomé 1 

Praia Fantufa — encontra-se n'ella um regato. 

Praia Melão — A agua da ribeira, que a percorre, não passa por boa. 
Cunha Matos attribue a má qualidade da agua á sua passagem por entre 
mangues, singularissimos palétuviers, de que tanto nos faliam Dutroulau 
e T. Hutchinson. 

Passada a ponta do sul da praia Melão ha uma boa enseada com praia 
accessivel e agua de uma boa ribeira. Para Cunha Matos é a melhor da 
ilha. É este o celebre rio Manuel Jorge? 



m capitulo i 

Enseada de Santa Anna — Tem um ilhéu, cortado em duas porções 
desiguaes e coberto de arvores. 

A praia correspondente a esta enseada fica adjacente á villa de Santa 
Anna,' cujos habitantes tiram agua de um regato, e de uma fonte que não 
ficara longe. 

Antes de se chegar á villa de Santa Anna encontra-se a praia Almoxa- 
rife, onde vem desaguar o rio Clara Dias. É notável esta ribeira, porque 
serve de baliza ás terras da fazenda agrícola do fallecido barão de Agua- 
Izé. 

Meda Alves — esta praia nao tem rio? 

Praia Rei, Agua Toldo e Engobô — são praias que jazem n'esta cos- 
ta, aonde vem desaguar alguns rios formando no seu curso caxoeiras. 

Angra de S. João — tem algumas ribeiras. Nas terras vizinhas vivem 
os angolares. 

Ilhéu Grande— Notámos este ilhéu, como baliza para se procurar a 
abertura do canal subterrâneo que, segundo dizem, atravessa a ilha. 

Seguem-se algumas praias com os seus rios até se deparar a praia de 
Martins Mendes, a qual tem um rio que forma uma catadupa. R. J. da 
Cunha Matos em 1800 propoz-se ir vel-a, e esteve em perigo á entrada 
da barra. 

Da praia de Martins Mendes para o sul ha ainda outras praias e alguns 
rios, sendo o maior de todos a Ribeira Peixe. 

Muito em resumo e segundo o tempo e a natureza d'este trabalho o 
permittiram, falíamos dos rios de S. Thomé f , fazendo a sua enumeração 
a começar do rio Agua Grande, que despeja as suas aguas na bahia de 
Anna de Chaves, seguindo pela costa do norte, costa de oeste, do sul e 
de leste. O que dissemos porém é sufficiente para dar idéa da abundân- 
cia de ribeiras que existem n'uma área de 270 milhas quadradas. 

No tempo das chuvas saem todas as ribeiras fora dos seus leitos, en- 
charcam-se ás suas margens, que depois se podem tornar em outros tan- 
tos focos de infecção, mais ou menos prejudiciaes, segundo a natureza 
do solo e da vegetação nos logares em que as aguas estagnarem e forma- 
rem charcos. 

Depois do que deixámos dito, é bem fácil de conhecer que a il6a de 
S. Thomé abunda em agua potável. Pôde beber-se sem receio da agua 



1 Retirámos averiguar qual era o maior rio da ilha, e não o podemos saber com 
certeza. Querem uns que seja o rio Agua Abbade, que corre para a angra de Mecia 
Alves; -dão outros preferencia ao Manuel Jorge e ao Agua Grande. Cunha Matos refere, 
como tradição, que o maior rio da ilha desemboca na praia Rei. Parece que as deno- 
minações Manuel Jorge e Agua Abbade são de data posterior a 1815 e até a 1844, 
porque nem Cunha Matos nem Lopes de Lima faliam em taes nomes. 



GEOGHAPHIA «3 

de qualquer ribeira, sendo apanhada em hora conveniente e bem filtrada. 
Citámos por exemplo a agua do rio Agua Grande, e a do Rio d'Ouro. 

Os habitantes abastecem-se de agua no rio que atravessa a cidade, e 
vão buscada de noite para nâo apanharem agua quando as lavadeiras es* 
tão a lavar no rio f 

É triste, mas é verdadeiro f 

N'este rio lavam-se as roupas, fazem-se despejos de lixo e de immun- 
dicies, levam-se os animaes a beber, e tira-se agua para usos domés- 
ticos. 

Não é só na cidade que isto se observa ; vé-se o mesmo em muitas 
outras partes. 

Com as primeiras chuvas o húmus é arrastado pelas enxurradas para 
o rio, que se carrega de partículas vegetaes e animaes, e as conduz até á 
sua foz. As chuvas duram oito mezes, e portanto o curso do rio é quasi 
sempre muito perigoso á saúde. 

N5o nos admira que appareçam as tristemente celebres earneiradas, 
as dysenterias malignas e as febres de mau caracter logo depois das chu- 
vas. 

A agua do rio Agua Grande é passada por filtros de pedra, importa- 
dos de Loanda, e fica limpa. 

São muito convenientes estes filtros, todavia não se encontram onde 
são mais necessários, como nos quartéis, nas prisões e em outros logares 
sujeitos á acção do governo. 

Gastar-se-ía na acquisição de um filtro, mas não se deèpenderia na 
botica e no hospital com remédios e dietas ! 

Ao fechar este capitulo, que desenvolvemos sob o titulo geographia, 
parecia natural notar os melhoramentos que as boas condições de salu- 
bridade demandam ; deixámos porém esse assumpto para outra secção, 
attenta a divisão das matérias que adoptámos, em conformidade com a res- 
pectiva lei. 

Não fazemos a descripção especial de algumas quedas de aguas que 
se notam em varias partes da ilha, e cuja existência não admira, se atten- 
tarmos na forma que ella apresenta na sua superfície, pois é montuosa na 
sua parte central, os seus terrenos formam declives, contêem planícies, 
aberturas e encostas, e ha n'elles cumeadas habitáveis. Imagine-se uma 
enorme montanha cuja base assente nas profundidades do mar, appa- 
rccendo á superfície d'elle na circumferencia de 72 milhas, e subindo 
desde ahi até uns 3:200 metros, e far-se-ha idéa da ilha de S.Thomé. 

Desde o fcivel do mar até á sua parte mais alta, nas encostas doestas 
montanhas, existem nascentes de agua que vão descendo, formando ca- 
choeiras, cascatas, catadupas e quedas de agua de todos os tamanhos e 
feitios. 



H CAPITULO I 

O rio Agua Grande forma perto da cidade a queda de agua conhe : 
cida pelo nome de Blublú; o Rio d'Ouro dá origem a cascatas e cachoei- 
ras ; o que passa no logar da Magdalena vae formar na fazenda AUemanha 
uma linda queda de agua. Em algumas praias alguns rios precipitam-se de 
grandes alturas. 

Ha ilhéus notáveis em torno da ilha. 

O ilhéu das Rolas não tem tido agua doce. Dizem que ha, no meio 
quasi, dois olhos de agua que communicam com o mar. Hoje não pertence 
ao estado. 

Tem um poço de agua, vivem n'elle libertos e um feitor, e pertence 
a um proprietário da ilha 1 . 

É notável este ilhéu por ficar a sua extremidade sul debaixo da linha 
equinocial; dista da ilha meia milha, e separa-o um canal de 6 a 10 bra- 
ças de proftindidade. A sua circumferencia tem cerca de uma milha. . 

O ilhéu das Cabras, cellado no meio, não é habitado. Fica ao norte da 
ilha, defronte de Fernão Dias 2 . 

Entre o ilhéu das Cabras e a ilha fica um canal navegável por canoas. 
Faz ali o mar alguma arrebentação ; e se dermos credito ao que nos conta- 
ram, parece que houve o projecto de se fazer uma communicação da costa 
da ilha fronteira para o ilhéu. Com este fim foram lançadas muitas pedras 
no canal, o que hoje lhe causa damno pelo muito mar que ali se levanta. 

Este caso revela bem a vaidade dos homens opulentos da ilha no tempo 
passado, os quaes hem um só melhoramento nos legaram, mas tentaram 
por capricho muitas obras inteiramente inúteis. 

Todas estas minuciosidades e outras não menos importantes mere- 
cem attenção para um estudo especial da topographia, que não podemos 
fazer aqui ; mas não fecharemos este capitulo sem transcrevermos alguns 
extractos do livro de Lopes de Lima, que merecem ser repetidos mil ve- 
zes. Com elles temos por fim estimular os commerciantes de Portugal, e 
provar que os capitães devem dirigir-se para aqui, poisque merece pro- 



1 Procurámos informações (Teste ilhéu. Soubemos que abunda em coqueiros, tem 
porcos e cabras. A sua terra é fértil. 

, % Tivemos sob o nosso tratamento medico um europeu que esteve no ilhéu algum 
tempo. Vinha em miserável estado, apresentando algumas vinte ulceras atonicas, assas 
largas, por todo o corpo. 

2 Tentou-se uma viagem de recreio ao ilhéu das Cabras. Para isso mandaram-se al- 
gumas pessoas reconhecer o logar de desembarque, escolher o sitio para se passar o dia 
e levantar algumas barracas para se fugir do calor. 

Os mensageiros chegaram, desembarcaram, mas nâo poderam demorar-se, em 
consequência da multidão enorme de mosquitos que os assaltaram! Foram obrigados 
a retirar, e a viagem de recreio effectuou-se na formosa praia Fernão Dias. 

(Notas do relator.) 



GEOGRAPHIA 45 

tecção e preferencia esta ilha, que na sua suprema decadência apresentava 
as condições seguintes, as quaes em 1869 centuplicaram! 

«Tal é a fertilidade d'esta preciosa ilha, que o pouco de seu solo actual- 
mente (1844) cultivado, alem de alimentar seus habitantes, abastece, quan- 
tos navios ali aportam, de mantimentos de matalotagem, taes como fari- 
nha de mandioca (de que vae também alguma para Angola), milho, feijão, 
inhames, batatas, etc. , mesmo de fructas, hortaliças, e também de gado 
vaccum e lanígero (de que ha muito na ilha, sem comtudo ser barato) e 
gallinhas, porcos e cabras, que se compram a muitos bons preços, afora ou- 
tras creações e refrescos, e ainda exporta para os mercados da Europa 
cerca de 10:000 arrobas de café pilado e umas 800 a 1:000 arrobas de 
cacau *. 

«A ilha de S. Thomé possue um dos mais pingues torrões xlo uni- 
verso, que nunca careceu nem carece de estrumes, banhada de copio- 
sas ribeiras, assombrada de frondosos arvoredos, e na posição mais inve- 
jável para n'ella se aclimarem todas as preciosas plantas equatoriaes, 
alem d'aquellas que tão bem tem produzido ; faltam-lhe porém as gran- 
des emprezas ruraes, braços e cabedaes ; » e nós acrescentámos : boa 
vontade para a elevar á consideração, riqueza e salubridade de que ella 
é capaz». 

Os esforços dos poderes do estado devem convergir todos para pôr 
em segurança a vida dos empregados, dos colonos, dos negociantes e dos 
soldados. Isso bastará para o commercio se animar, a agricultura flores- 
cer, e para os capitães procurarem uma terra tão productiva. 



1 A exportação de café e de cacau em 1869 foi muito lisonjeira, e mostra bem até. 
onde esta fertilissima ilha pôde chegar. Não são para "aqui longas considerações e es- 
tatísticas (Testa ordem, aliás verdadeiramente úteis e importantes, e por isso apenas 
mencionaremos o seguinte : 

No anno de 1869 a alfandega da ilha de S. Thomé rendeu 30:612^075 réis, cor- 
respondentes ao capital de 320:783^860 réis em géneros de exportação. Cumpre notar 
que a ilha está somente cultivada em um terço da sua área, pouco mais ou menos, e 
que se perde muito café por falta de trabalhadores. 

O capital que representa o movimento commercial da alfandega foi de 453: 583 #407 
réis, deixando o rendimento de 43:827^040 réis. 

Os rendimentos públicos da ilha, reunidos todos, chegam a 80:000^000 réis por 
anno, não se tendo promulgado em favor do commercio, agricultura e da saúde pu- 
blica medida alguma fecunda que concorresse para trazer a ilha a este estado. Gomo 
são eloquentes estes dados! Em 1844 exportaram da ilha 10:000 arrobas de café. 
Note- se isto bem. 

Dez annos depois, pouco mais ou menos, exportava-se o triplo. De 1858 a 1861 
sabiram da ilha 50:000 arrobas! 

Em 1869 exportaram-se muito mais de 80:000 arrobas ! ! 

Que espantosa fertilidade ! , 



46 



CAPITULO I 



Emquanto finalmente o estado da saúde publica da ilha for o actual ; 
emquanto a vida dos empregados e dos colonos estiver exposta ás conti- 
nuas causas de doenças malignas, que ainda em 1869 fizeram tantas vi- 
ctimas, não será possível mudar o estado de cousas n'esta ilha. 

É bem digna de melhor sorte! 



capitulo n 

Condições physica.s e moraes dos habitante» 

de S. Thomé 



Les róis et leurs ministres ne sont pas les senis qai paissent th*er âes 
conoaissances d'an tableau de popolation. On y troar* lwdkfttiôn des 
époqnes, des saisoas, des móis climateriqaes, de la darée de la vie hn- 
maine, selou les ages, le sexe et les eontrées, des causes apparentes de 
mortalité, de 1'inflaence qae peavenc avoir le dimat, les alifltóots, les 
lois, les mcears, les professions, les nsages, snr l'accólération ou le re- 
tard da dernier terme; enfia des progrès oa des pertes de la popolation. 

(Moheau, citado por A. Tardien, Diccionario de hygtine e de saUéri- 
dude publica, artigo «População».) 



■ 

I 

Considerações geraes 

Vamos descrever a largos traços as condições physicas e moraes dos 
habitantes da ilha de S. Thomé. É este um dos assumptos importantes, 
que serve de base ao estudo da hygiene publica e da salubridade d*es*a 
ilha, cujo estado actual pretendemos mostrar com toda a exactidão 4 . 

Ha duas questões muito importantes a estudar para cabal desenvolvi- 
mento do assumpto d'este capitulo. N'uma trata-se das raças, com o fim 
de determinar se o género humano tem uma única origem, ou origens 
differentes ; outra occupa-se dos indivíduos que habitam o mesmo paiz, 
vindo de um ou de outro ponto do universo. Estas questões auxiliam-se 
por tal forma, que não se pôde desenvolver uma sem conhecer profunda- 
mente a outra. 

Subdivide-se cada uma d'ellas em questões secundarias e importan- 
tes,- de qué sábios escriptores se têem occupado. Não nos é permittido 
de modo algum demorar-nos em divagações, quando não podemos adian- 
tar cousa alguma em presença das discussões dos homens da sciencia. 



1 Em tudo quanto se contém no capitulo II não nos referimos á população am- 
bulante. As condições que a respeito d'ella temos de fazer pertencem aos capítulos III 
VI e VIII, e ali as desenvolveremos com a circumspecçáo que exige tão importante as- 
sumpto. Sob a denominação população ambulante queremos abranger somente as pes- 
soas que vem á ilha para cumprir certas commissões de serviço publico òu particu- 
lar, em tempo determinado. É uma população de passagem. Ha para ella as regras de 
conservação pessoal e não de família. Esta classe de indivíduos corre muito risco, e 
precisa de boa direcção hygienica. 



48 CAPITULO H 

Não entrámos por isso na primeira questão, a que acima alludimos, sem 
deixar comtudo de mostrar as nossas idéas, unindo a nossa voz á d'aquel- 
les que proclamam o reino hominal como tendo uma única origem. 

No que diz respeito ao estudo de uma população, ha muitos pontos 
a determinar. Propõem-se uns a examinar a influencia das condições 
physicas e moraes de um povo sobre a sua longevidade, estudam outros 
a natureza de um clima em relação aos seus habitantes, ou a influencia 
do trabalho sobre a prolongação da vida ; seja porém qual for o thema a 
desenvolver, esforçam-se todos em investigar bem as leis que regem os 
movimentos da população de qualquer paiz. Essas leis, diz Tardieu, não 
podem ser desconhecidas do hygienista, porque estão estreitamente liga- 
das ás condições da vida humana, a diversas circumstancias morbificas 
ou a outras quaesquer que porventura possam abreviar-lhe a duração ; 
e claro está que sem o conhecimento das condições physicas e moraes 
de um povo não se podem fazer regimentos hygienicos praticamente 
exequíveis. 

Ao dizermos algumas palavras acerca da população d'esta ilha, ou 
antes ao esboçarmos as condições physicas e moraes dos seus habi- 
tantes, julgámos vantajoso respigar nas folhas da sua historia alguns ele- 
mentos que nos sirvam de base ao fim que procurámos attingir. Este 
methodo, reunindo a imparcialidade á exactidão, tem a vantagem de nos 
fazer assistir á evolução da população de S. Thomé em todos os períodos 
da sua existência —no seu estado primitivo, no seu augmento, prosperi- 
dade, decadência, rehabilitação e estado actual — 1869. 

Na ilha de S. Thomé não havia habitantes na occasião da sua desco- 
berta. Attesta-o a historia. É forçoso por conseguinte ir procurar os pri- 
meiros povoadores da ilha, assignar-lhes com exactidão a sua procedência, 
e seguil-os depois século por século, já que o não podemos fazer anno por 

anno. 

Fixemos finalmente bem o assumpto d'este capitulo. 

As condições physicas de um povo, isto é, o seu temperamento e 
constituição media, a sua longevidade ou a sua maior ou menor duração 
da vida, problema fundamental tanto para um individuo como para uma 
nação, estão directamente ligadas ao estudo das profissões, da alimenta- 
ção, vestuário, habitações, etc, d'esse povo, assim como também as suas 
condições moraes requerem o estudo da sua religião, costumes, lingua- 
gem, caracter social, intellectual, etc. Ahi ficam indicados alguns dados 
particulares para a resolução da questão principal, a salubridade absoluta 
da ilha de S. Thomé. 

Não faremos um trabalho completo; traçaremos apenas os delinea- 
mentos para outros estudos de maior alcance. 

Differentes escriptores se têem occupado de descrever esta ilha:— um 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 49 

4 

piloto portuguez em 1550, Raymundo José da Cunha Matos em 1815, 
José Joaquim Lopes de Lima em 1844. Não nos permitte a nossa espe- 
cialidade escrever com a proficiência de taes chronistas; mas em objecto 
de saúde publica é este o primeiro trabalho que se publica acerca da im- 
portante ilha de S. Thomé. 

II 

Evolução da colónia, século por século, 
até ao anno de 1869 

A descoberta da ilha de S. Thomé data do ultimo quarto do século xv. 
Marca-se, como mais provável, o dia da sua descoberta em 21 de dezem- 
bro de 1471, diá do apostolo S. Thomé*. 

N'este dia, João de Santarém e Pêro de Escobar, tendo passado alem 
do golfo de Benim, entraram no golfo dos Mafras, e a 21 de dezembro 
avistaram uma ilha alta, grande e coberta de arvoredo. Pensando em alar- 
gar e estender os seus descobrimentos, os navegantes portuguezes do sé- 
culo xv não deram grande valor á ilha de S. Thomé, e só quinze annos 
mais tarde se começou a mandar para aqui povoadores. Pelo seguinte 
trecho se pôde avaliar bem o modo e as circumstancias em que os man- 
davam: 

« Com filhos de judeus de Hespanha, baptisados antes de saírem de 
Lisboa, e negros (idolatras ou mahometanos), que se baptisavam apenas 
chegavam á povoação, foi principalmente povoada, no principio, a ilha de 
S. Thomé, alem dos degradados que se mandaram lá cumprir sentença, 
aos quaes se mandou dar a cada um uma escrava para a ter e se d'élla 
servir, havendo o principal respeito ase a dita ilha povoar * » . 

Aos europeus ajuntaram-se portanto os negros que foram obrigados 



1 Não é nosso empenho escrever a historia da ilha de S. Thomé ; mencionámos os 
factos e as epochas conhecidas; coordenámos o que nos interessa segundo o plano do 
nosso trabalho. 

2 Tirámos estas poucas linhas da estatística de Lopes de Lima, a pag. 53 da pri- 
meira parte, e a pag. 4 da segunda. 

Custa a acreditar o que ali se lé t 

Fazia-se passar um grande numero de indivíduos de um clima temperado para 
outro não temperado, e ás vezes em péssimas condições de salubridade, como a da ilha 
de S. Thomé, e não se tomavam as menores precauções para proteger a vida d'elles ! 

Só se attendia ao numero, mas caía-se no gravíssimo erro de não se cuidar da 
saúde geral e ainda menos da individual ! 

Uma colonisação assente em similhantes bases, não era colonisação, era a conde- 
mnação a uma morte certa! 

4 



50 CAPITULO II 

a sair da costa continental * para esta ilha. A raça etbiope pura reunindo-se 
á raça branca 3 devia dar pelo cruzamento uma nova geração importante; 
devia constituir a geração predominante da ilha de S. Thomé. 

N'esta ilha porém estes elementos téem sido por tal modo heterogé- 
neos, que no espaço de quatro séculos não chegaram a dar origem a orna 
variedade da familia portugueza, com linguagem clara, intelligivel e capaz 
de ser aperfeiçoada. 

A perfeição da linguagem de um povo é, como diz um hygienista 
portuguez, o thermometro verdadeiramente seguro para se avaliar a sua 
civilisação e progresso. E que poderemos nós dizer da linguagem dos 
habitantes de S. Thomé?. . . 

Sem linguagem própria não pôde haver communicação de idéas; não 
pode haver nexo nem harmonia; não pôde haver associação; falta por 
conseguinte a força e a capacidade, ou para se abraçarem as maravilhas 
do progresso, ou para se receberem com fé as promessas da civilisação. 

Habitam os S. Thomenses um paiz fertilissimo e vivem pobres, vivem 



1 Nos foraes de S. Thomé concede-se aos seus moradores resgatar escravos êfquaes- 
quer outras mercadorias que aver poderem nos cinco rios dos escravos que são além da 
nossa fortaleza de S. Jorge da Mina. . . e na terra firme tee o rio Real e ilha de Fer- 
nam do Poo. (Lopes de Lima, introducção ao volume n, pag. vn, nota 3, referindo-se 
ao livro das ilhas existente na Torre do Tombo.) 

2 Não devemos envolver-nos em assumptos alheios a este trabalho, mas também 
não julgámos dever empregar palavras sem definir o sentido em que as tomámos. Di- 
zendo raça, não queremos dar a entender que o reino hominal tivesse origens diversas. 

A este respeito temos principios definidos, e em coherencia com elles publicámos 
a nossa these para acto grande, precedida de uma extensa introducção, onde expozemos 
as nossas idéas. 

Escrevemos então : 

« O homem está collocado na grande e extensíssima cadeia dos seres organisados. 
É facto admittido por todos. Não se confunda porém com nenhum dos seres creados. 
Pela força que os anima e vivifica tornam-se os homens inteiramente differentes de 
todos os outros seres; constituem um grupo com caracteres distinctos e exclusivos, 
devendo por isso formar um reino á parte: o reino hominal. 

«O reino hominal, repito, não tem espécie vizinha nem consanguínea.* 

Foi a these que então procurámos demonstrar. 

Para nós o europeu, o mongol e o preto são individuos de um mesmo reino, vi- 
vendo em paizes diversos. Assim como estes differem na sua constituição geognostica 
e meteorológica, dando caracteres exteriores aos individuos dos outros reinos da na- 
tureza: animal, vegetal e mineral; assim o homem que vive em Africa recebe diversas 
modificações do clima, a sua natureza accommoda-se ao meio em que vive, adquire al- 
gumas formas exteriores differentes das do europeu, mas sem isso querer dizer que a 
origem do preto e do branco sejam differentes uma da outra. O individuo que existir 
na Ásia, America, Oceania, Africa ou Europa, occupando um clima excessivo, quente, 
temperado ou frio, ha de ter caracteres exteriores segundo innumeraveis circumstan- 
cias que o modificam, como adiante veremos. (Nota do relator.) 



CONDIÇÕES PHYSICAS E IlfORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 51 

sem luz ! Amam os naturaes a su^ cubata, que transportam de um para 
outro Iqgar ^ e ignoram completamente os benefícios que lhes resultaria 
de possuíram bons prédios. Ha cem annos, ha dois secujps, eram assim ! 

E se o grapdp aijgípento de população ^rve para provar que um paiz 
é fejrtil e #huRd?i$e, pQfJpria djzer-se que 3 ilha de S. TJiojpé nem é fértil 
nem abundante, em presença do estacionamento ou da diminpjçãQ do 
pupiero dos spus h^tantes. É q qjje se pbserva na apparenpja? 

A população d'esta ilha não corresponde ap seu grau de riqueza e de 
fertilidade t 

Qual será a causa de tão est^pho acontecimento?... 

A historia nos d^rá ? rasao, e ? estatística e os factor. 

Ultimo quarto do seoulo XV 

Nps fim do século xy foi este iljia erjgúja ,efla capitania, sendo p seu 
primeiro ppvo?dor Jpãp de Paiy$. PfEerec£ram-se hrgqs isppções <e pij- 
viiegjps ás ppsso^s que cpr# ,ell,e yj.essem povoar est^ ilha. ]É o qu>e se 
acba í^eíArminadQ por carta regia 4e 24 de setembro de i 483, sendo esta 
a primeira que sp expediu a respeitp da colopisação em S. Thomé *. 

N'esse mesmo anno, uns vipie ,e dois dias depois, foi dadp aos colo- 
nos o seu primeiro foral, nptayei pelas vantagens e liberdades que lhes 
concedia, ppdepdo elles resgatar escrayps e outras quaesquer mercado- 
rias na costa banhada pel^g agpas do golfo d,e Benim. 

Tem este foral a d#a de 4.6 de dezembro de 4485. Ainda bem não 
tinham passado vinte e sete dias, novas vantagens e regalias erain conce- 
didas em particular ao primeiro povoador João de Paiva e á sua família. 

Não foram porém felizes os primeirps povoadores. O próprio João de 
Paiva pagou com a vida o tributo que esse dragão terrível, a infecção pa- 
ludosa, vomitando as mais graves moléstias qup infestam esta ilha, tem 
feito pagar a centenares e ceptengres de portuguezes, cujo único criuje 
é o desejo de procurarem os inexhauriveis thesouros d'estes terrenos tão 
pingues ! ! 



1 Por algumas vezes assistimos á mudança de cubatas e á de casas de madeira, 
que podiam receber uma família de seis a oito pessoas, tendo quartos, saleta e corre- 
dores. Também assistimos ao trabalho de as erguer, quando por acaso começavam a 
inclinar-se. Umas são de madeira totalmente, outras s$o cobertas de telha, e algumas 
ha tão pequenas, estreitas e baixas, que mais parecem habitações de animaes que de 
homens ! Estão cobertas de folhas de bananeiras, e algumas são somente feitas del- 
ias ! N£o sç devem pexmitjtir na cidade nem nas vijlas; as casas de madeira devem ser 
feitas segundo todas as regras da hygiene. 

2 São concordes n'esta data R. J. da Cunha Matos e Lopes de Lima, que cita o 
celebre livro das ilhas, folhas 109, na Torre do Tombo. 



52 CAPITULO II 

João de Paiva morreu; muitos outros caíram com elle. 

Oito annos depois/de João de Paiva, foi para S. Thomé João de Ca- 
minha, a quem a morte poupou por alguns annos. Foi este povoador 
quem lançou as bases de uma colonisação feliz, fazendo augmentar a ri- 
queza, producção e importância da ilha a tal ponto, que se tornou cobi- 
çada em Lisboa. 

No ultimo quarto do século xv foram estes os dois povoadores mais 
notáveis que entraram n'esta colónia. . 

Os primeiros colonos construíram algumas barracas de mesquinha 
apparencia na praia Anna Ambó, junto á ponta Figo na costa do norte. 
Álvaro de Caminha passou a povoação para o sitio em que hoje está, 
attenta a capacidade que apresenta a bahia que actualmente se denomina 
Anna de Chaves, nome que tomou uns cincoenta e três annos 1 depois 
da fundação da nova povoação, hoje cidade. 

Em tudo o que levámos dito referimo-nos aos historiadores da ilha 
de S. Thomé, Raymundo José da Cunha Matos e José Joaquim Lopes de 
Lima, e por mais attenção que empregássemos, não podemos ler n'estes 
auctores uma única palavra que desse a entender o estabelecimento da 
colónia em presença dos princípios da hygiene, da rasão, e da conve- 
niência de alargar o commercio e augmentar a agricultura, sacrificando o 
menor numero de colonos que fosse possível. 

«Entregaram-se a Álvaro de Caminha os filhos dos judeus captivos, 
que se haviam separado dos pães, e baptisado, para que com elles e com 
muitos degradados, que para lá iam cumprir sentença, povoasse a terra 
de gente miúda 2 . » 

Eis-ahi a base da colonisação primitiva de S. Thomé. 

Era incompleta e de péssimas consequências, e só á força de muitos 
sacrifícios se podia obter algum resultado. 

Não tendo lido as cartas regias, foraes e regimentos que se fizeram e 
expediram da metrópole no ultimo quarto do século xv, não podemos dar 
a esta parte do nosso trabalho o desenvolvimente que desejávamos. 

que conseguimos averiguar foi o seguinte : 

Serem admittidos escravos a trabalhos forçados ; fundarem-se roças 
ou granjas ; dar-se principio á plantação da canna do assucar, vindo as pri- 

1 « Álvaro de Caminha morreu ao cabo de seis annos de uma administração be- 
néfica e creadora.» Foi elle quem fez transferir a povoação da praia Anna Ambó para 

o logar onde hoje está! A bahia da cidade devia ter o nome de Álvaro de Caminha e 
não de Anna de Chaves, nome conhecido só meio século mais tarde ! 

Não ha uma lapide, não existe um logar que nos faça recordar o nome de João 
de Paiva ou de Álvaro de Caminha! 

Parece ser esta a terra do esquecimento í 

* Lopes de Lima, parte 2. ã , pag. 4, volume da ilha de S. Thomé. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 53 

meiras da ilha da Madeira ; edificarem-se muitos engenhos de assucar, 
em que se aproveitaram as ribeiras que existem na ilha ; ser construída 
a igreja matriz ; o commercio augmentar e alargar a sua acção pela costa 
vizinha; lançarem-se finalmente, vivendo ainda Álvaro de Caminha, as ba- 
ses da colónia de S. Thomé, a qual foi sempre a mais notável do golfo dos 
Mafras, como fundadamente escreveu o minucioso Lopes de Lima. 

Em tudo o que diz respeito ao século xv não se falia em hospital, em 
casa de misericórdia e em pharmacias ! Não se offerece um único melho- 
ramento acerca da salubridade* da ilha em geral, nem ao menos da po- 
voação I 

Não agradou a localidade em que estava a povoação na costa do norte, 
na praia Anna Ambó, e por isso tratou^se da sua transferencia para um lo- 
gar junto á bahia de Anna de Chaves, ou antes de Álvaro de Caminha. Os 
terrenos que lhe ficavam ao pé eram baixos, húmidos e alagadiços (como 
ainda o são hoje) e tinham aguas encharcadas, lagoas e pântanos; todavia 
em nada disto se attentou ! 

Houve durante a vida de Álvaro de Caminha grandes commettimen- 
tos coloniaes, e nem uma só tentativa se fez em favor da saúde publica ! 

Tratou-se de edificar prédios, formar ruas, abrir praças ; tudo era azá- 
fama na nova colónia, mas ficara totalmente olvidada a salubridade. Todos 
os melhoramentos que a humanidade, a prudência, a boa fama da ilha 
mais altamente estavam reclamando, foram esquecidos. 

Terminou d'este modo o século xv, e nós para concluir estas conside- 
rações, notaremos que entre os habitantes da ilha, nem os padres, nem 
os militares figuraram então como revolucionários. Nos séculos posterio- 
res representaram elles um tristíssimo papel. 

A ilha de S. Thomé por aquelle tempo rendia cada anno 100$000 réis I 
Sabe-se que os capitães não avultavam como hoje ; ainda assim estabe- 
lecida a proporcionalidade, vê-se o pouco que lucrava o estado em rela- 
ção ao que devia lucrar. 

Século XVI 

Se o século xvi * foi o século de oiro para a ilha de S. Thomé, foi tam- 
bém n'elle que principiou a serie de fatalidades e desastres que a fizeram 
descer tanto, que ainda hoje se conserva abatida ! 

Se em 1504 se construiu o hospital da misericórdia e estabeleceu a 
sua confraria, que el-rei D. Manuel dotou com muitos privilégios, sendo 
os últimos concedidos pouco tempo antes da sua morte; se esse feliz mo- 
narcha promulgou para esta ilha muitas e benéficas providencias, dignas 

1 Grande foi o commercio (Testa possessão portugueza nos princípios do século xvi, 
mantido pela avultada grangearia de seus assucares e pelo grosso trato de ouro, mar- 



S4 CAPITULO II 

dos séculos mais illustrados ; também um fatal incêndio destruiu um 
grande numeti) de casas em 1512, e em 1817 appareceu a primeira conl- 
mocao interna ! 

a» 

Á cidade foi reedificada Sem ter sido niui Sensível íao notável perda. 
Tal era a sua riqueza e poder I ! 

Passou também èsla òccasião seni sé effectuarem alguns ihfelhciramen- 
tôs erii favor da saúde publica. 

Seria já n'essa epocha de graride beneficio a constnicçab de novos 
bairros rios logdres inais altos e ihatè proxiííios á báhiâ, como são atjuelles 
que ficam ao norte em excellentes posições. Nada se fez. Foi sempre nià 
a âòrte d'esta colónia f * 

E como se este desleixo pela salubridade publica n5o fosse siifficiente 
para retardar o progresso da colónia, começaram de apparècer manifes- 
tações de descontentamento, motins é revoltas, de que se encontra notí- 
cia no Hvro de R. J. da Cunha Matos : 

«No dia 20 de janeiro de 1517 sentiu-se a primeira cbmmoção intes- 
tina n'esta ilha : os mulatos e pretos escravos das fazendas de uns fulanos 
Lobatos, immensamente ricos, amotinaram-se e cbmmetteram (àjtidaddS 
de outros) grandes destruições. » 

Òs revoltosos foram obrigados a entrar na ordem, porém ficaram 
impunes, e os desastres e prejuízos que causaram não servifam de lição 
aos habitantes da cidade e aos capitães donatários para se prepararem, e 
não se acharem despercebidos no caso de novas lutas, quer internas quer 
externas. 

Para se fazer idéa da paternal solicitude com que os monarchas por- 
tuguezes attendiam ás necessidades dos habitantes d'esta ilha, procurando 
melhorar a sua posição, damos por copia 6 seguinte trecho : 

«Succedeu que das escravas houveram alguns filhos dos colonos a 
quem as distribuíram, e porque òs ofliciaes da fazenda já a esse tempo 

fim, escravos, pimenta, malagueta e pau vermelho, que os portuguezes n/esse tempo 
faziam nos vizinhos rios do Gabão, Camarões, rio de El-Rei, Galabar, na ilha de Fer- 
não do Pó, no cabo de Lopo Gonçalves, etc, etc, e S. Thomé era o empório de todo 
este trafico. (Lopes de Lima, pag. 25, parte i.*) 

i Em 1777 escrevia com justíssima rasão Jacques Lind na sua introducção ao En- 
saio sobre as moléstias dos europeus nos climas quentes (de que temos fallado), a 
pag. 5\ 

«On ri'est pas moins convaincu de leur profonde ignorance (referindo-se aos por- 
tuguezes) súr les vraies causes des maladies dàris ces climats quand on considere la 
mauvaise situation des lieux qu'íls avaient choisis pour y sonder leurs établissements. » 

Jacques Lind fallou verdade, e para prova d'esta asserção attente-se na posição 
da cidade de Santo António da ilha do Príncipe. Se a cidade de S. Thomé é má, pelo 
menos tem por onde alargar; ha excellentes posições bem próximas. Citaremos para^ 
exemplo a estrada da Madre de Deus. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DÉ S. THOMÉ 58 

estabelecidos queriam mostrar a exacção do fisco, procuraram tomar como 
escravos todos os pardos havidos das e'scravas. Chamaram os pães ao so- 
berano, e este logo se mostrou segundo pae, libertando muito generosa- 
mente*. » 

A carta regia de 9 de janeiro de 1515 e outra de 24 de janeiro de 
1517, declaram que as escravas fiquem livres com toda a sua descendência, 
e nunca possam ser demandadas, ellas, nem seus filhos e filhas, como ca- 
ptivas de el-rei nem de pessoa alguma, e este mesmo beneficio se esten- 
deu aos escravos machos, ficando declarados forros elles e seus descen- 
dentes a . 

Seguiu-se depois D. João III, e logo no principio do seu reinado pas- 
sou esta ilha a ser governada em nome de el-rei. É esta uma das epochas 
notáveis na historia da ilha de S. Thomé ; a sua administração começou 
a ter nova face. 

Deram occasião a esta mudança vários excessos e violências pratica- 
dos pelo seu capitão donatário, João de Mello, o qual em castigo d'esses 
malefícios perdeu todos os seus bens, que foram encorporados nos pró- 
prios da coroa em 1522. 

Treze annos depois foi a povoação de S. Thomé elevada á categoria 
de cidade 3 , tendo já no anno anterior a sua igreja matriz sido erigida 
em cathedral. Foi no reinado de D. João III que a ilha de S. Thomé che- 
gou ao seu máximo grau de prosperidade, importância e riqueza. 



1 Historia da ilha de S. Thoméj R. J. da Cunha Matos, pag. 3. Transcrevemos este 
trecho na sna integra, porque jelle deve ter para os portuguezes summa importância. 

2 José Joaquim Lopes de Lima acrescentou as seguintes palavras ao que se lô 
no texto (volume 11, 2. a parte, pag. 7) : 

« Isto prova que os reis de Portugal seguiam desinteressadamente os dictames de 
uma útil e sensata philanthropia em seus domínios, três séculos antes que uma poli- 
tica interesseira ensinasse essa virtude a nações que n'aquella epocha faziam vergar 
sob o jugo de um duro feudalismo os escravos brancos seus conterrâneos, e que por- 
ventura ainda hoje traficam em homens e mulheres da sua própria côr.» 

Temos visto accusar os portuguezes de negreiros nas Memorias que estão publi- 
cadas no Univers Pittoresque, volume m. Ahi deixámos uma idéa do modo por que 
os reis de Portugal legislavam em tal assumpto no século xvi. 

3 Parece que um facto de tal importância merecia alguma commemoração no dia 
22 de abril, por haver sido com esta data que em 1815 se expediu tão honrosa carta 
regia, passada em Évora. 

Tudo aqui fica esquecido ! 

Não ha um único monumento publico, não se vé na casa da camará municipal 
um único signal de recordação!! Não se festeja um só acontecimento, por mais impor- 
tante e vantajoso que possa ser á prosperidade e consideração da ilha. 

Em todas as cidades de Portugal trabalham com prazer para celebrar os faustos 
acontecimentos dos seus municípios; as camarás municipaes em S. Thomé não seguem 
este exemplo. 



56 CAPITULO II 

O titulo de cidade foi-lhe concedido expontaneamente pelo rei de Por- 
tugal, e a este respeito diz Cunha Matos : 

«Erigido o bispado d'estas ilhas tratou o sr. rei de ennobrecer a po- 
voação de S. Thomé com o titulo de cidade, do mesmo nome, e isto do 
seu motu próprio e sem que os moradores lh'o pedissem, mas só em re- 
conhecimento dos seus muitos serviços no provimento das naus da índia 
e armamentos contra os corsários. » 

Não se limitaram a estes os benefícios que os habitantes de S. Thomè 
receberam de el-rei D. João III. Contam-se muitos mais. 

Foram revistos e examinados os privilégios antigos d'esta ilha, e, 
depois de grandes alterações a beneficio do povo, se formou o ultimo 
foral. 

Foram determinadas as côngruas do prelado, dignidades e cónegos 
da cathedral. 

Determinou-se que se lançassem os alicerces de uma nova igreja ca- 
thedral em sitio mais commodo que o da primeira *. 

Não se pode duvidar da attenção que todos os reis de Portugal sem 
excepção davam a esta ilha. É com prazer que se assiste á leitura das 
cartas regias, dos foraes e alvarás que se expediram da metrópole para 
S. Thomé. Não se assentava a colonisação em principios verdadeiros e 
úteis, mas resolviam-se as questões segundo a sciencia económica d'aquelle 
tempo. 

A historia patenteia-nos finalmente o estado de prosperidade a que 
tinha chegado a ilha antes do fatal anno de 1580, em que Portugal caiu 
sob o jugo de Hespanha. Foi o seu século de oiro, e o máximo grau da 
sua riqueza, em relação á sua decadência futura e aos principios em que se 
assentava a sua colonisação. 

Esta ilha pôde elevar-se a muito maior grau de riqueza e prosperidade 
do que se elevou no século xvi, antes da terrível catastrophe da metró- 
pole ; pôde triplicar o seu estado de riqueza actual e até chegar a uma po- 
sição muito mais prospera. 

Não exageramos ; falíamos em presença de boas estatísticas. São con- 
siderações para outro logar. Aqui temos a deixar os tópicos principaes 
por onde se possa avaliar bem o caracter dos habitantes de S. Thomé; só 
assim se poderá formar idéa do modo por que toem sido encarados os as- 
sumptos de saúde publica e as cousas de interesse geral. 

Parece-nos ter cabimento a breve exposição das desgraças que caíram 
sobre esta ilha durante o captiveiro de odiosa memoria, em que Portugal 
soffria e com elle as suas colónias. Inclue-se n'este período o ultimo quarto 
do século xvi, e quasi os dois primeiros quartos do século xvii ; mas isso 

* Historia da ilha de £, Thomè, R, J. da Cunha Matos, pag. 5 e 6, 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 57 

não prej adiça a nossa distribuição dos acontecimentos. Os que mencio- 
narmos aqui não os repetiremos em outro logar. 

O anno de 1580 foi verdadeiramente fatal. Prende-se n'elle o primeiro 
elo da cadeia das desgraças que sobrevieram a esta ilha, e que se tem pro- 
longado até nós. 

Succederam-se as calamidades publicas por tal forma, que não se pôde 
contemplar sem amarga dor a exposição dos acontecimentos. 

O fogo destroe a cidade, e as ruínas s5o presa dos hollandezes. Lan- 
çam-se excommunhões a torto e a direito para tomar represálias e mos- 
trar valentias. Apparecem revoltosos ao lado do preto Amador, e os habi- 
tantes vêem as suas fazendas em risco de serem destruidas, e as suas vi- 
das em perigo. Escapam ás devastações de um revolucionário sanguinário, 
e vão cair sob as dos angolares. Não podem socegar um só dia t 

É assassinado na presença das auctorídades o deão, e lançam-se pre- 
gões annunciando a pena de morte a quem ousasse contar tão horrendo 
crime ! Os mais ricos proprietários são obrigados a acarretar pedras pelas 
ruas da cidade, e um governador finge accidentes mortaes * para ouvir a 
opinião dos que o cercavam ! 

Depois de um incêndio, as assolações do Amador ; as destruições dos 
angolares * são acompanhadas dos ataques de esquadras inimigas, que em 
menos de quarenta annos aqui entraram duas vezes. A guerra interna, os 
estragos praticados pelos perversos, as crueldades e, perseguições atrozes 
dos governadores e as devastações feitas por estrangeiros, tal é em resu- 
mo o quadro que offerece a historia à nossa contemplação durante os ses- 
senta annos do captiveiro da mãe pátria — 1580 a 1640— duas epochas 
notáveis: lançaram-se n'uraa as algemas que n'outra se despedaçaram! 

Apartemos a vista d'este quadro que deixámos como um parenthesis 



1 R. J. da Cunha Matos, loc. cit.,pag. 18, escreveu: «Os mais distinctos moradores 
carregavam pedras por castigo. Fingia o governador accidentes mortaes para ouvir a 
opinião dos que o cercavam, e quando realmente falleceu, ainda todos o duvidavam, 
apesar dos signaes decisivos da corrupção». 

2 Os angolares começaram os seus ataques e correrias antes do fatal anno de 1580. 
Eis o que se lô em Lopes de Lima, parte 2.», vojume n, pag. 8. « Foi no anno de 
1574 que os chamados angolares, negros bravos das montanhas do sul, fizeram sentir 
aos descuidados moradores de S. Thomé quanto perigo havia para elles na indifferença 
com que trinta annos antes haviam visto dar á costa nas Sete Pedras um navio de 
Angola carregado de escravaria, salvar- se esta a nado nas inhabitadas praias da Angra 
de S. Joáo, acolher-se aos matos vizinhos, construir os seus quilombos nos alcantis 
das montanhas e propagar entre aquellas brenhas com toda a fecundidade africana; fo- 
ram estes negros, já conhecedores de todos os passos das serranias, com seus filhos 
selvagens, robustos, na força da mocidade, os que no dito anno de 1574, de repente 
saindo pelas terras de Mecia Alves, invadiram as roças vizinhas, talaram os cannaviaes 
de assucar, queimaram os engenhos, e levaram a audácia até acommetter a cidade!!» 



58 CAPITULO II 

no restttno histórico que escrevemos. Voltemos aos annos de 1550. Con- 
solemo-nos com as lisonjeiras narrativas das grandezas (Testa ilha. 

«Em 4550 contava a cidade de S. Thomé de 600 a 700 fogos, afora a 
moita gente que residia nos seus 60 engenhos de assucar, os quaes pro- 
duziam 150:000 arrobas de assucar e mais, e esta conta se tira da dizima 
(Jtié se pagava a El- Rei, a qual de ordinário importava em 13:000 a 14:000 
arrobas, apesar de serem infinitos aquelles que a não pagavam por in- 
teiro, e era a terra de tanta valia, que n'ella habitavam muitos commer- 
ciantes portuguezes, castelhanos, francezes e genovezes 4 .» 

Tudo aqui respirava fausto, ostentação, grandeza e opulência, e para 
o hospital da misericórdia somente havia uma tença de 100000 réis an- 
ntiaes ! ! 

Era o caracter d'aquella epocha. Do que menos se tratava era da sa- 
lubridade da ilha, da saúde publica e do que a humanidade ensinou em 
todos os tempos. 

Em nada se attendia á hygiene publica, e apesar de tão grave falta, 
prosperava a colónia. Deram-se de certo circumstancias, que nos abstemos 
de discutir e apresentar aqui ; presentimol-as, a sua revelação está na tra- 
dição e nas chronícas d'esta ilha, mas não é nosso empenho escrever a his- 
toria dos acontecimentos públicos, e avaliar a sua influencia sobre o com- 
mercio e agricultura da ilha no século xvi. O nosso fim é mui diverso; e 
para terminar o que temos a dizer a respeito do século xvi, fazemos os 
seguintes extractos das obras publicadas pelos historiadores d'esta ilha. 

«Já por este tempo (1519) os povos se queixavam das violências dos 
governadores, tanto assim que se dirigiram ao throno, d'onde emanaram 
varias providencias a favor dos filhos dos judeus e seus descendentes *. 

«Já a intriga n'aquellas idades (1540 a 1544) vomitava a infernal pe- 
çonha com que inficionou os novos colonos e os seus successores, tanto 
assim que repetiam queixas sobre queixas aos pés do real throno, accu- 
sando-se reciprocamente dos mais atrozes crimes. Elles nao só se consti- 
tuíram soberbos e intratáveis, mas também queriam affectar independên- 
cia e soberania á testa dos immensos escravos de que dispunham. 

«Mortes, incêndios, assaltos, raptos, roubos, forças contra officiaes 
públicos, desprezo contra os r governadores ou capitães, tudo era posto 
em pratica pelos poderosos habitantes de S. Thomé, verdadeiros régulos 
e tyrannos do seu paiz. As suas riquezas lhes fizeram commetter inaudi- 
tas crueldades e actos de rebellião, que só a cobardia ou interesse deixa- 
riam fecar iínpunes 3 . 

1 Lopes de Lima, loc. cit., pag. xix, introducçáo. 
1 R. J. da Cunha Matos, loc, cit., pag. 5. 
* ttódeto, pag. 7. • 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MCÍRÀÈS DOS HABITANTES DE S. THOMÉ SÍÍ 

«Não só os particulares commettiarri excessos: os mesmos dtficiads 
públicos foram d'isso accusados, principalmente os escHvãés e tabelliitès, 
que abusavam dos autos, livros e mais papéis, para beneficiarem Oâ 
seus amigos e perderem òs seus contrários 4 . 

«A honestidade andava ííiuito em desuso n'esta ilha (1558), e astíiais 
egrégias pessoas ãrrastaVam um trem de concubinas tfti CtínserVávám o 
seu harém 2 . » 

A população de S. Thomé estava composta de escravos, fle forros, de 
pardos, de europeus ou brancos e de pretos iiithisos constituídos ein 
republica. E no meio de tudo isto o elemento padre, em logai* de ser tiiíi 
meio de paz, de concórdia, de utiião, afastava, repellia e excómmtm- 
gava! 

Uma população assim torna va-se lealmente refractária 3 ao progresso 
e á civilisação ! 

Ao fecharmos as nossas considerações t-elativafflehte á historia do sé- 
culo xvi da ilha de S. Thomé, diremos que o estado tirava d'ellá réis 
14:O00#00O em cada anno. Podia receber maior quantia, se a fiscalisaçao 
fosse regular, assim o diz um chrônista contemporâneo. 

Século xvn 

Pelos primeiros annos d'este século começaram a ter nome e adquirir 
importância os estabelecimentos colonisadores do Brazil, e ao passo que 

1 R. J. da Cunha Matos, loc. cit., pag. 7. 

2 Ibidem, pag. 9. No Boletim do conselho ultramarino, volume i da legislação antiga, 
que tão poucos documentos contém a respeito da ilha de S. Thomé, lê-se o seguinte: 

« E porque he S. A. informado que algfis homês casados são amancebados, & al- 
gtias molheres solteiras estão por mancebas d'elles, & assi de clérigos & que há nisso 
grande dissolução na dita cidade & jlha entre os moradores delia...; ha por bem e 
manda que daqui em diante os taes amancebados . . . pague . . . dez cruzados. (Estabe- 
lecem differentes penas pecuniárias e por ultimo o degredo.) E outro si ha por bem 
& manda que as molheres da dita jlha, de qualquer sorte & qualidade que sejão não 
tragão daqui em diante as saias e pannos abertos por diante da cintura para taxo, - 
como até agora algúas delias os costumãó" vestir & trazer a modo de gentias. (Por um 
alvará de 9 de novembro de 1559 — Vol. i, pag. iiO). 

3 Procurámos destacar da historia os acontecimentos principaes e mais frisantes, 
que nos mostrem bem em relevo o caracter moral e intellectual dos habitantes de 
S. Thomé. Nem perdemos de vista as provas de protecção dadas pelos monárchas por- 
tuguezes, nem deixámos passar um facto que mostre a índole da povoação. E por isso 
transcrevemos o seguinte trecho de R. J. da Cunha Matos, Historia de S. Thomè, 
pag. 7: 

«Entre outros arbitrários procedimentas conta-se o da rejeição de um governador 
a quem entregaram (pro rata) todos os soldos e interesses que podia fazer no decurso 
de seu governo, e o despediram com affectada urbanidade e verdadeiro desprezo, como 
muito moço para governar homens tão barbados como os moradores de S. thomé.» 



60 CAPITULO II 

tudo ali prosperava, na ilha de S. Thomé pouco podiam as íeis coercivas 
contra o abuso das auctoridades, e contra os motins dos habitantes, pre- 
dominando sempre a intriga que uns moviam aos outros. Para cumulo 
de tantas desgraças, ás lutas fratricidas e internas, reuniam-se os saques 
feitos pelos estrangeiros, em cujo numero se devem contar os angolares ! f 

Repetiu-se então a emigração para o Brazil, já começada no século xvi 
pelos annos de 1574, em que succedeu a primeira correria dos angolares, 
na qual foram destruídos e queimados muitos engenhos «cujos proprie- 
tários se passaram logo ao Brazil com as riquezas que lhes restavam, e 
bem depressa foram estes seguidos por muitos outros desgostosos e atter- 
rados pelas successivas calamidades que acommetteram aquella miseranda 
colónia desde que começou a fatal dominação dos Filippes 1 .» 

A emigração tornou-se geral e quasi continua. Não havia obstáculos a 
oppor-lhe *. É incontestável que a primeira causa da decadência da ilha 
é devida á fatal cegueira de emigrar. Iremos a pouco e pouco apreciando 
esta influencia sobre os destinos da ilha. Assistamos com paciência ao 
desenvolvimento dos acontecimentos. 

No século xvn os padres querem ser dominadores, e apparecem as 
mais tristes scenas que pôde archivar a historia de um povo. 

«O cabido era turbulento, e ou porque o prelado estendesse a sua ju- 
risdicção a mais do que devia, ou o cabido quizesse usurpar ao bispo a 
que lhe tocava, houve grandes altercações entre os súbditos e o prelado, 
de forma que este embarcou para Lisboa a queixar-se ao soberano 3 .» 

Por o que ahi se lê, avalie-se o estado do clero entre si á entrada do 
século xvii. D'este centro de paz saiu a guerra, a morte e a destruição. 
Não se podia degenerar mais de tão sagrada missão ! ! 

O partido do clero não tolerava a auctoridade do governador, e «este, 
em logar de proceder pelos meios legaes, mandava formar autos con- 
tra os ecclesiasticos 4 ». D'aqui provinham questões vergonhosas e conti- 

1 Lopes de Lima, introducção ao seu livro sobre S. Thomé, pag. li. 

Note-se bem o elevado numero de habitantes que havia na ilha em 1550. A su- 
perfície da ilha é de 270 milhas quadradas. Gomo se poderá conceber a existência 
destes republicanos em tâo grande numero, que chegava a assustar todos os habitan- 
tes da ilha? 

2 Com o fim de atalhar este inconveniente (desgraça immensa, diríamos nós) o so- 
berano, entre outras graças, concedeu aos ditos moradores os privilégios dos cidadãos 
de Evorcij por alvará de 16 de janeiro de 1606. Esta graça pouco effeito produziu. 
(Cunha Matos, loc. cit., pag. 13). O perigo era grave e precisava de certo de medidas 
enérgicas e fecundas. Quem as havia de promulgar em 1606, vinte e seis annos de- 
pois da fatal epocha de 1580? 

3 R. J. da Cunha Matos, loc. cit., pag. 13. 

4 Ibidem, pag. 14. O governador perseguiu os ecclesiasticos, e o§ ecclesiasticos 
excommungaram-n'o! 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 61 

nuas, e por vezes sanguinolentas ; e desmoralisava-se o povo com taes 
exemplos. 

d 11 de julho de 1617 celebrou-se synodo diocesano. O governador 
assistiu ao synodo, mas, por se persuadir que a prudência e a benignidade 
de que usava fazia atrevidos os seus subordinados, caiu em innumeraveis 
desatinos, e tornou o tempo do seu governo uma epocha de calamida- 
des 4 . » 

É portanto evidente que o elemento padre e militar se repelliam con- 
stantemente, dando occasião a scenas tristíssimas. Torna-se curioso pela 
sua minuciosa narração o livro de Cunha Matos. 

Em 1626 aconteceu a fatal tragedia do assassinato do deão, cujos 
pormenores julgámos do nosso dever passar em silencio, não só para ser- 
mos breves, mas por ser melhor lêl-os no original a . 

Á vista d'esta triste exposição e das revoluções dos angolares que se 
repetiam de vez em quando, estando bem recente o assalto dos hollande- 
zes, era fácil prever a ruina total da colónia, e a moralidade dos habitan- 
tes não podia ser boa, attentos os maus exemplos. 

Saíam da ilha os fazendeiros poderosos e amigos da tranquillidade, e 
outros seguiam-nos por causa de maior lucro que se lhes antolhava nas 
terras de Santa Cruz. 

Por um lado vemos a desanimação publica, e por outro as contendas 
constantes que os padres e militares fomentavam. E scenas d'esta ordem 
incutem por força no animo dos povos a falta de respeito aos superiores, 
acarretando sentimentos de vingança e de ódio. 

Não duvidámos de asseverar que estes rancores e ardentes desejos de 
vingança que havia na ilha tinham influencia directa sobre a saúde publica. 
Desenvolveremos este ponto em outro logar. Aqui deixaremos tão so- 
mente consignado, que os bons sentimentos, a moral e a dignidade própria 
não existiam; havia só idéas de vingança, de rebellião e de malvadez. 
Taes mestres, taes discípulos ! 

Não descemos á exposição chronologica dos acontecimentos históricos 
anno por anno. Tomámos os que se tornam mais salientes, e que servem 
para pôr em relevo o caracter moral dos habitantes da ilha de S. Thomé 
no século xvii. 

Os hollandezes retiraram-se da ilha por capitulação quatro annos de- 
pois da expulsão dos Filippes do reino de Portugal. Foi o acontecimento 
de que mais se falia até 1673, em que a historia da ilha não é explicita. 

Sabe-se que o governador que estava na ilha em 1673 foi excom- 
mungado ! ! 

1 R. J. da Cunha Matos, loc. cit, pag. 15. 

2 Ibidem, pag. 15, 16 e 17. 



fi2 (LWTimOIJ 

E^a esta a anua predilecta do partido enricai. 

A entrada do novo governador poz termo ás contendas, e abrandou 
um pouco qs ânimos. 

]}fa§ par? P mal ser aqui perpetuo havia sempre dissensões a lamen- 
tar entre q puvidor e o slmowife, ou entre o cabido e o bispo ; e para 
se generaljsar ftsfó v^d^ desregrada rem)e-se-lhes também a camará que 
em 1783 tomou conta do governo da ilha. Desde então até ao fim do 
Sfttyilp foram lamentáveis qs actos de rppresalias que os governadores, ca- 
bido, câmara e bispo tomaram uns contra os outros 4 . Para o nosso fim 
limitâmo-nos a fazer o segujjite extracto, ppis resume tudo o que diz 
respeito ao século xvii. 

«O arbitrário e despótico modo de governar é o favorito (Testa i>ha. 
Amor ou ódio são as molas que de ordinário dirigem os passos de quasi 
tot|as as autoridades ; aqui não s/e consultam as regras de justiça nem se 
pesa o íner,ecim£Dto da caus?. Qijem primeiro falia ou dispende tem a ra- 
são da si?? parte. No mesmo dia, em que se apresenta um libello ainda 
o mais cerebrino e desarraso^do, e muitas vezes antes de se apresentar, 
£onc£J)&-$e a senlpnça, que com effeito se lança nos autos sem reflexão e 
sem piedade. Fiados #a pobreza dos homens ou na distancia do throno, 
commettem-se aqui as mais cruéis e prepotentes semrasões por aquelles 
qp# são obrigais <a sustentar a lei, defender os povos e reprimir os des- 
acertos; os miseráveis gemem no fundo de negras masmorras sem baver 
juizes que se lembrem d'elle$. Os homens livres são acorrentados sem 
processo e sem motivo : as capturas multiplicam-se á vontade dos injus- 
tos captores ; a intriga reina entre todas as ordens ; a innocente palavra 
zelo jcobre os mais loucos e ferozes planos, em que só interessa quem 
os inyeitf.3 ; a pbrase comera ao real serviço é usada a torto e a direito 
n^quellas operações, em que só reina ódio ou capricho ou a lisonja ; fi- 
pglme&te, n'esta i&a a despótica e arbitraria administração de alguns 
agentes públicos podia mettel-os na ordem dos mais insolentes bachás, e 
a yarços governadores na classe dos mais perversos grão-vizires*.» 

Que podia aprender o poyo com similhantes lições?. .. 

— £alt?v# q amor á pafcria. 

Fugiam os principaes habitantes da ilha, levando os seus cabedaes e 
alayibhgueçj deixando as terras ao abandono e as casas dos engenhos até 
$em tplliados. 

— Não havia humanidade. 

Um monarch? portuguez funda a irmandade da misericórdia, e sob 
os seus auspícios edifica-se um hospital. Os habitantes olham para isto 

. 1R.I, da Cunha Matos, loc. cit., pag. %i a 27. 
2 Ibidem, pag. 18. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MDRAE» POS HABITANTES DE S. THOMÉ 63 

com indifferença. Para elles a existência d& hospitais e <te casas de sgujle 
é completamente indifferente ! 

— Não ha respeito aos superiores, não se toma por elles o flaeiwr 
interesse. 

Os governadores, os altos funccionarios morrem apenas chegam á 
ilha, ou pouco tempo duram ; e factos (Testa ordem não impressiauam 
os habitantes. Nao ha uma voz que se levante, erigindo que se âshictem 
as causas de similhante mortalidade, 

Véem-se com prazer as lutas dos poderes públicos. Raoeiam-se as 
correrias dos angolares; ninguém resiste, fogem todos, levando tmio 
que podem t 

Vêem os seus parentes, amigos e pessoas mai6 gradas sar fulmfoadas 
por mortes repentinas, e não procuram quem as estude e indique o modo 
de destruir ou attenuar as suas causas : pelo contrario n'essas desgraças 
acham o meio de se saciarem, e investem-se logo na posse dos cargos dos 
seus amigos, ou entram na posse dos seus haveres uo meio de aggres- 
sões, de insultos e de represálias de toda a casta I 

Não ha exemplos de vida assim I 

Em todas as cidades, em todas as províncias de Portugal, ha nos seus 
habitantes aspirações á gloria, amor á terra natal, á pátria. Os exemplos 
de beroismo sao frequentes, quando as necessidades publicas 0x#eip o 
sacrifício de seus habitantes. 

Se os cercam os inimigos, reunem-se para a defeza, auxiliam-se reci- 
procamente. Criam-se heroes. Em S. Thomé, pelo contrario, estes cida- 
dãos de Évora não se unem, fogem ; não se auxiliam, desamparafli qi terra 
que os viu nascer I Odeiavam-se uns aos outros, e i$o acrftdijtayai# ,em 
dedicações, em amor á família ou ao seu paiz. Nunc$ se assobiaram p??a 
o bem commum f 

A historia da ilha de S. Thomé no século xvn mostra com evidencia 
o que se poderia esperar dos seus habitantes no século xvni, que passá- 
mos a estudar. 

Estas dissensões internas, esta desanimação geral tf az após si a mi- 
séria, a pobreza, a fome e as doenças. A ilha de S. Thomé chegou no sé- 
culo xvin á extrema pobreza e à extrema insalubridade ! 

Apresenta-se-nos rendendo uns 100$000 réis annuaes, progride, au- 
gmenta em riquezas e offerece ao estado uns 14:OOO#00O réis, e4'ahi 
desce no principio do século xvn, até render somente 9:0000000 réis! ! . . . 

Século XVIII 

O século xvn tão fértil em rixas internas, em desavenças, vingai^ e 
perseguições passou, mas deixou os ânimos exaltados, asidéasjdesgb- 



64 CAPITULO II 

versão incutidas no espirito dos poderosos e dos grandes a ponto de se 
armarem contendas entre os governadores e os ouvidores, tão ridículas 
que mal se podem acreditar. Estes lamentáveis acontecimentos podem 
ler-se no curioso livro de R. J. da Cunha Matos. Este escriptor a res- 
peito dos factos occorridos no século xvm tem o cunho da verdade, como 
historiador coevo. Conta o que elle mesmo observou, e n'esta parte, como 
no resta da obra, merece todo o credito. Lopes de Lima, referindo-se 
ao seu opúsculo, faz-lhe elogio 1 , e cita-o por muitas vezes. 

O principio do século xvm representa as consequências das dissen- 
sões passadas. É característico o trecho seguinte * : 

« Os successos (Testes tempos foram amontoados de intrigas entre os 
membros do corpo capitular. Houve o requerimento dos cónegos pardos* 



1 Julgámos necessário dizer algumas palavras acerca de Raymundo José da Cunha 
Matos, por isso que tomámos o seu livro como base do nosso trabalho antes do século 
actual. Eis-ahi o que sabemos: 

A historia de S. Thomé por Cunha Matos foi inserta na Revista Utteraria, que se 
publicava no Porto. Vemn o volume xiii e ix. Constitue também um opúsculo de 133 
paginas, impresso na typographia da Revista, em 1842. Lopes de Lima, referindo-se a 
este opúsculo, diz p seguinte : « Esta obrinha (concisa e mal polida, mas interessante e 
verídica) abunda em factos e noticias colhidas em boas fontes, e por isso não duvida- 
rei cita-la mais vezes, comquanto no que respeita ao século xvi as suas datas nem 
sempre se combinem com os registos da Torre do Tombo, que eu tenho seguido fiel- 
mente ». 

Para se avaliar o tempo que este escriptor se demorou na província faremos as 
seguintes observações. 

A 15 de agosto de 1797 chegou a esta ilha uma divisão naval portugueza com- 
posta da nau Vasco da Gama e da fragata Cisne. N'esta fragata esteve Raymundo José 
da Cunha Matos, de guarnição, como furriel da companhia de artilheria. A 12 de se- 
tembro foi para terra tomar conta do commando da fortaleza de S. Sebastião. Residiu 
na ilha até 1804, como elle confessa a pag. 45, dizendo que a 2 de fevereiro d'este 
anno partira para Lisboa. Em 1805 entrou em S. Thomé, e ahi se demorou até 1815, 
como declara a pag. 48 e 132 do seu livro. 

Um escriptor francez, J. Sigaud, publicou em 1844 um importante livro acerca 
do clima do Brazil e das suas moléstias. N'este livro falia por varias vezes do mare- 
chal Raymundo da Cunha Matos, citando com elogio uma outra obra sua, Itinerário 
do Rio de Janeiro ao Pará. Deve ler-se a obra de Sigaud a pag. 73, especialmente. 

Pela nossa parte em S. Thomé procurámos a família d'este escriptor, pedindo-lhe 
esclarecimentos para nos habilitarmos a continuar o seu trabalho histórico -geogra- 
phico desde 1811 até 1869. Mandaram-nos escrever para o Brazil, ponderando que só 
ahi podíamos encontrar os esclarecimentos que pedíamos. Não esmorecemos no em- 
penho, a fim de dotar esta ilha com uma historia completa, precedendo-a com a bio- 
graphia do seu primeiro historiador. 

2 R. J. da Cunha Matos, loc. cit., pag. 32. 

3 «Por alvará de 10 de agosto de 1520 se declara que os mulatos podem servir 
quaesquer offieios como os brancos, e isto foi confirmado por alvará de 27 de agosto 
de 1546.» 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 65 

que não queriam que entre elles se admittissem pretos, e o (Testes contra 
aquelles, mostrando que não cumpriam os seus deveres, e que todos eram 
bastardos.» 

Por aqui se pôde avaliar da relaxação a que o clero havia chegado. 

Ao ler-se a historia d'este século vêem-se as commoções internas suo 
cederem-se umas após outras, e concatenarem-se constantemente de um 
modo verdadeiramente tétrico. Não se pôde acabar a leitura sem derra- 
mar lagrimas de dor sobre a sorte da ilha, que caminhava a passos agi- 
gantados para a sua ruina completa. 

Em 1709 surge em frente d^lla uma esquadra franceza; toma a for- 
taleza ; saqueia o cofre real, e exige 20:000 cruzados aos habitantes da 
ilha!) 

Os negros Minas amotinam-se e praticam cruéis hostilidades. 

Levantam-se guerras e perseguições entre a camará e o desembarga- 
dor por causa do governo da ilha ! 

A camará queria governar só, e, sabendo que o ouvidor ia para as 
bandas da fortaleza, acompanhado por dois officiaes da fazenda real, man- 
dou disparar tiros de rebate ; acudiram os moradores parciaes da camará, 
e o ouvidor vendo-se em perigo metteu-se em casa, disposto a defen- 
der-se*. 

O partido clerical excommungando a torto e a direito, a camará fo- 
mentando intrigas, os governadores ameaçando o ouvidor, e o ouvidor 
retribuindo-lhe iguaes ameaças, foram os entretenimentos favoritos de to- 
das as auctoridades superiores da ilha de S. Thomé, até que no anno de 
1741 um governador desesperado ameaçou os potentados de S. Thomé, 
jurando-lhes que deixaria o governo, mas a capital seria mudada para a 
ilha do Príncipe *. 

O alvará 3 de 15 de novembro de 1753 mostrou que o vaticínio do 
governador assentava em boas bases. 

Foi pois a capital da província de S. Thomé, Príncipe e suas depen- 
dências estabelecida na ilha do Príncipe em 1753 ! No alvará que manda 
mudar a capital da província allude-se á pouca salubridade da cidade de 
S. Thomé e a um facto gravíssimo* que mais valia não ser lembrado do 
que fallar-se n'elle ! 

Sabe-se que a morte de alguns governadores e de outros empregados 
é rápida na cidade de S. Thomé, e a providencia que se tomou foi a mu- 
dança das auctoridades superiores para a cidade de Santo António da 
ilha do Príncipe, então yilla, a qual não era menos insalubre í 

1 Cunha Matos, loc. cit., pag. 37. 

2 Ibidem, pag. 33. 

3 Boletim do conselho ultramarino, legislação antiga, pag. 426, volume i. 

5 



66 CAPITULO II 

Acceita-se o facto, tal como elle se apresenta*. Expliial-o é impossível. 

A' mudança da capital, nem foi remédio para tantos males, nem cas- 
tigo para os facciosos. Foram as auctoridades superiores para a ilba do 
Príncipe 9 , mas o systema de vida que se empregava em S. Thomé persis- 
tiu do mesmo modo. 

Os ânuos que decorreram até 1770 foram assignalados por intrigas, 
enredos e desordens entre o cabido e mais ecclesiasticos, camará, capitães 
mores, ouvidores e povo 3 . 

Quando os membros da camará não estavam em guerra aberta mm 
as mais auctoridades, atacavam-se uns aos outros; os ecclesiasticos ti- 
nham igual procedimento. Não havia tréguas possíveis ; era ^continua a 
luta entre governadores, camará, bispo, ouvidores e cabido ! ! ! 

Estes cinco factores da ruína e da desgraça da ilha de S. Thomé, cada 
um delles mais perverso, intriga vam-se sempre para alcançar o poder ! 
Se a camará queria governar procurava entre o povo quem a auxiliasse, 
e não descansava emquanto não supplantava os seus antagonistas ! 

Estar no governo era o fim principal dos partidos. 

Um (Testes colossos foi aniquilado ; o senado da camará nunca mais 
succedeu no governo da província. As muitas delapidações, concussões 
e peculatos que commetteu durante dois séculos foram vingados por de- 
creto de 23 de julho de 1770 4 . 



1 «A serie não interrompida de desordens, intrigas e desconcertos moveram talvez 
o animo de El -Rei D. José, ainda mais do que a allegada differença de salubridade* a 
transferir a capital de S. Thomé para o Príncipe.» 

Lopes de Lima procurou dar esta explicação da mudança da capital, a qual náo 
satisfaz; é impossível haver um só homem de boa fé que diga se? a cidade da ilha do 
Príncipe menos insalubre que a de S. Thomé. 

O alvará de que se trata resa assim : 

« Eu El-Rei faço saber que, por me ser presente que a situação pouco sadia da ci- 
dade de S. Thomé faz que se não possa conservar n'ella a cathedral e o governo, sem 
prejuízo do serviço de Deus e meu; porque os bispos, governadores e ministros, ou vi- 
vem muito pouco tempo ou estão enfermos sempre, que não podem cuidar com a de- 
vida e necessária applicação nas obrigações dos seus empregos. . . e pelo desejo que 
tenho de melhorar a dita conquista, e evitar aos vassallos que n'ella me vão servir os 
encommodos que até agora experimentavam : Fui servido e hei por bem ordenar que 
o governo se mudasse de S. Thomé para a ilha do Príncipe, etc, etc.» 

2 Esteve a capital na ilha do Príncipe até 1852, em que passou para S. Thomé, 
depois de ser revogado o alvará de 1753; foi necessário um século para a expiação 
das culpas dos seus governadores e das auctoridades geraes ! 

3 Cunha Matos, loc. cit., pag. 38. 

4 Ibidem. «Esta determinação, acrescenta este historiador, lançou por terra os 
interesses e a reputação do senado da camará, que d'ahi por diante ficou considerado 
um corpo morto, um objecto inconsequente.» 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MQÍUBS Wi HABITANTES DE S. THOMÉ 67 

O nosso domínio já enfraquecido n'estas paragens reduziu-se a estrei- 
tos limites no anno de 1788. As ilbas de Fernão do Pó e de Anno Bom 
passaram para a Hespanha. Se S. Thomé estava aniquilada, as outras ilhas 
eram para nós como se não existissem t 

Os acontecimentos apresentam-se por tal modo encadeados, e dando 
sempre em resultado tantas desgraças para os nossos riquíssimos domí- 
nios do mar da Guiné, que compunge fazer a sua exposição, e por isso 
não nos demoremos a descrever os insultos e scenas vergonhosas passa- 
das entre os governadores e os capitães mores. A relaxação havia tocado 
o seu ultimo termo 1 . Fechemos os olhos sobre o que se passou até ao 
fim do século. O que fica dito é sufficiente para dar idéa do caracter mo- 
ral da gente de S. Thomé. 

E que diremos dos seus rendimentos ?. . . 

A decadência ia tocando o limite extremo. Era de esperar isto mes- 
mo. 

Vemos esta ilha sair do nada e subir ao cumulo da riqueza, mas ri- 
queza material, infructifera, que não serve para infundir na alma o amor 
á pátria e á família, e as aspirações nobres e elevadas, que levam o homem 
a dar a vida em defeza da terra que o viu nascer, e em pró do que lhe é 
mais caro no mundo. 

E ainda não era passado o século xvi, depois de subir tão alto em ri- 
queza e consideração, vemol-a descer, descer até ao extremo do abati- 
mento, da pobreza, sem deixar no decurso de duzentos annos exemplos 
de valor e dedicação. 

Todos os povos attestam aos vindouros por exemplos de valor quanto 
se deve amar a gloria, e deixam relíquias venerandas do seu passado. São 
estimulo a novos feitos; na ilha de S. Thomé, porém, não existe um único 
padrão de gloria, de recordação, de saudade, só apparecem aqui os effei- 
tos da desunião e do egoísmo ! 

Não existe um único engenho de assucar de tantos que houve no se- 
cjuIq xyi 1 

Qmm percorrer a ilha não encontra um único vestígio d'esses estabe- 
lecimentos tão celebres no século xvi, e tomaria de certo por fabula o que 
ouve dizer, se a historia escripta por pessoas coevas não deixasse exacta 
informação a tal respeito. 

No decurso do século xvi, xvn e xvm não appareceu um único ho- 
mem natural da ilha, que se desse ao trabalho de escrever as bellezas da 
sua terra, ou a historia do seu passado, ou os feitos dos seus patrícios ! 



1 Veja -se Cunha Matos, pag. 39 e 40. É impossível assistir á exposição de sce- 
nas mais vergonhosas do que as que se passaram entre os governadores e os capitães 
mores dentro das próprias igrejas!! 



68 CAPITULO II 

Vamos terminar as nossas considerações a respeito do século xvm, 
completando-as com as seguintes observações, pelas quaes se poderá 
aferir o caracter dos habitantes de S. Thomé nos séculos passados. A his- 
toria auctorisa-as sem outra demonstração. 

— Na epocha de maior prosperidade d'esta ilha não se formou asso- 
ciação alguma entre os seus habitantes, quer com o fim de proteger a 
agricultura, o commercio e as artes, quer com o de sustentar os pobres, 
acudir aos enfermos e soccorrer os infelizes. 

— Nunca houve aqui a caridade christã ! 

— Não se edificaram casas de saúde, nem se construiu outro hospi- 
tal alem do que pobremente existia por conta da santa casa I 

— Nunca houve aqui estabelecimento algum humanitário. 

— Não se tratou da construcção de cães junto á alfandega, nem de es- 
tradas para o interior da ilha, nem de lançar pontes sobre os rios, nem 
do esgotamento dos pântanos. 

— Nunca se emprehendeu obra alguma de utilidade publica ! 

— Não se crearam aulas publicas de bellas artes, de sciencias natu- 
raes, ou ao menos de primeiras letras e de compiercio ! 

— Não se chamaram médicos para estudarem as causas das terríveis 
moléstias que tantas victimas faziam, e proporem os meios de as destruir 
ou attenuar. 

No praso de trezentos annos não se aperfeiçoou a linguagem ou dia- 
lecto luso-ethiope, como se devia aperfeiçoar *, nem se aprendeu a lingua 
portugueza ! 

9 

1 Não ha modernamente nação alguma, povo, família ou ramo de qualquer famí- 
lia que não tivesse por origem a combinação de elementos de diversa procedência. 
Exemplifiquemos. 

A família lusitana constituiu-se sob a influencia de alguns elementos que se po- 
dem denominar greco-phenicio, ibero- céltico, e em parte carthaginez. Achando-se con- 
stituída esta família, não deixou de receber a impressão dos romanos que pareciam 
elemento negativo. Foram repellidos por muitos annos, até que finalmente subjugaram 
á força ou pela astúcia os lusos, modificando -os em parte. O typo primitivo conser- 
vou-se inalterável em presença de taes embates, tornando-se mais perfeito e mais 
illustrado. 

O império romano desmembrou-se ; novos povos vieram incutir n'aquella familia 
outros elementos, e d'ahi provieram differentes modificações ao povo lusitano, que se- 
ria luso-latino-godo. O seu typo primitivo ficou firme, inalterável sob as diversas 
modificações que lhe vinham de fora, e assim foi atravessando os séculos, embora es- 
tivesse em contacto com os mouros e os judeus. 

A familia portugueza é o producto de cinco factores differentes (os mais sensí- 
veis) ; a sua linguagem organisa-se, toma uma forma; no principio rude e tosca, passou 
gradualmente do período da formação ao da perfeição; appareceu emfim uma lin- 
guagem nobre, digna e apropriada a todos os grandes commettimentos litterarios. 

Por circumstancias inesperadas a lingua portugueza começou a decair; um circulo 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 69 

Os conselhos da metrópole foram sempre recebidos com indifferença, 
e por muitas vezes a boa vontade do governo em melhorar a sorte da ilha 
foi illúdida pelos próprios interessados ! 

Nada mais triste que attentar nas successivas mortes de tantas pessoas 
de elevada hyerarchia, e não se tomar uma única medida com o fim de 
modificar as causas das carneiradas, endemo-epidemias, tão mortíferas 
como susceptíveis de serem attenuadas. 

Deixemos porém o passado, e vamos assistir á evolução de uma nova 
colónia. É para ella que escrevemos, e em favor d'ella diremos sincera- 
mente a verdade em presença de factos e á luz da sciencia e da rasão. 

Século XIX 
Considerações geraes 

O século xix vae declinando para o seu ultimo termo. Importantes 
seriam as considerações relativas ao tempo decorrido d'este século, se este 
trabalho permittisse que nos alargássemos. Ainda assim tocaremos nos 
pontos mais essenciaes e que reputámos de maior interesse. 

Nos três quartos do século xix, quasi passados, devemos considerar 
alguns períodos, que epochas assas notáveis separam, e cuja serie de acon- 
tecimentos differe muito de uns para outros. Parece que a ilha desceu á 
extrema miséria para d'essa meta fatal começar a desenvolver-se a pouco 
e pouco, adquirindo algumas forças, e chegando ao estado em que hoje a 
vemos. Não é este o ultimo grau de prosperidade a que pode chegar, 



de ferro cingiu os portuguezes ; mas esse circulo foi quebrado, e a nação portugueza 
sáe brilhante de gloria, dando ã sua linguagem novo esplendor. 

Na ilha de S. Thomé apparece em primeiro logar o elemento portuguez; este 
aggrega a si o elemento ethiope. A raça ethiope e europêa, em presença uma da outra, 
por séculos successivos deviam necessariamente formar uma variedade da família portu- 
gueza luso-ethiope, predominando o primeiro elemento; mas é o que não aconteceu. 

Os dois povos que deixámos nomeados repellem-se por tal forma, que mais pa- 
recem estar em luta permanente, que constituírem harmonia, união e força. A res- 
peito do seu producto, ouçamos Macedo Pinto no seu livro de hygiene: 

« Esta raça ambígua, sem estado fixo, e talvez por isso mesmo prompta sempre 
para a revolta, despreza a raça negra, á qual se julga superior, e odeia a branca, talvez 
por a considerar superior a si; naturalmente indolentes e insubordinados, os mulatos 
téem-se tornado o flagello onde habitam.» 

Em geral o hygienista portuguez tem rasão. As contestações que os mulatos fize- 
ram por causa dos pretos, e os males que trouxeram á ilha vêem-se na historia. Em 
particular devemos estabelecer muitas excepções. Pede a justiça que assim o façamos. 

Conhecemos famílias illustradas e t£o socegadas, que igualam completamente as 
famílias européas. 



7f) CAPÍTULO I! 

mas brevemente terá á stia verdadeira idade de oiro, se a sdà agricultura, 
eommeròio e salubridade forem protegidas e efDcazmente auxiliadas. 

— O primeiro período deve comprehendèr os primeiros annos, desde 
1800 a 1824, em (Jtie o governador Jo3o Maria Xavief- de Brito vera to- 
mar ôonta do governo da província, achando-a em extrema thisèria t 

— O segundo abrange evidentemente as annos comprehendidos entre 
1824 a 1844, em que por decreto de 14 de setembro foi creada a repar- 
tição de saúde publica * n'esta ilha, melhoramento muito importante, e 
que a fará sair da barbárie em que sempre esteve desde o principio da 
sua colonisaçao ! 

—O terceiro período, finalmente, começa em 1844 e chega até 1869, 
que tomou conta do governo d'esta ilha Pedro Carlos de Aguiar Craveiro 
Lopes. 

Primeiro período do século XIX 

Nd primeiro período d'este século reprodúzeih-se as scenas dos dois 
sectilos anteriores, que tao fataes foraiii a esta ilha. Erá de esperai- isto 
rtiesmô. Os vergonhosos acontecimentos qúe se deram nos ultitoos slnnofs 
do século xvii! tinham lançado raizes, fe, como as más sementes, íatíí ger- 
minando e produzindo ds setís pessimofs frdctos. Servem paira envenenar 
o ihnocente ; os maus e os perversos têem senipré a ganhar no Édeiò de 
similhante corrupção. As victimás foram muitas ; os mártyres tí&ti fal- 
taram ! 

No anno de 1800 assistimos ás rixas entre o governador e o capitão 
mór, em qtre intervòiu o auctor 2 da Historia de S. Thome, Ctmha Matos. 
É tão ridículo como singularissimo o seguinte acontecimento. 

« O governador mandou tocar a rebate ; ajuntaram-se as tropas e o 
povo, que chegariam a 2:000 pessoas. Apenas o capitão mór avistou o 
governador, encaminhou-se para elle na frente da guarda. O governador 
sâiu-lhe ao enctffttrtf com as tropas e o povo para representarem um bello 
entremez. governador e ò capitão mór vinhaifí adiante das turbas, m- 



i «Na ilha de S. Thomé acha-se, pára seguir o costume antigo, a verba de réis 
240#000 para um cirurgião mór, que não ha. O decreto de 14 de setembro de 1844 
tornará real (e queira Deus que elle seja executado em toda a parte sem demora!) a 
existência de uma repartição de saúde, que motive, não só a dcspeza dos cirurgiões e 
boticários, mas também a de hospitaes, despeza abençoada que provará ao mundo in- 
teiro que Portugal começa a olhar para as sua colónias com carinhosa fraternidade.» 
(Lopes de Lima, loc. cit., parte i. a , pag. 67.) 

Os médicos em S. Thomé não podem satisfazer á sua missão, attenta a organisa- 
çâto interna do serviço e a falta áe pessoal. Têem apparecido muitas instrucções acerca 
de trabalhos médicos, mas têem faltado todos os meios práticos de os realisar. 

2 Cunha Matos, loc. cit., pag. 43 e 44. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 71 

crepando-se reciprocamente de ladroes, falta de subordinação, cruéis, 
avarentos, mal creados e outras delicadezas do mesmo toque. 

«Cheguei ao largo do palácio para ser espectador de tão brilhantes 
acções. 

« O governador, voltando-se para mim, disse : 

« —Sr. tenente, prenda este homem á ordem de Sua Magestade. 

« — Camaradas, observem as ordens do nosso governador; prendam 
o sr. capitão mór. 

« Os soldados tanto respeitavam as minhas vozes, como as do gover- 
nador. » 

Cunha Matos aproveitou a occasião de dar alguns conselhos ao go- 
vernador, e este conflicto resolveu-se sem virem ás mãos as duas par- 
cialidades. 

São d'esta ordem as scenas que se apresentam no principio do sé- 
culo XIX. 

A capital da província não estava em S. Thomé, e um dos elementos 
de discórdia havia sido abalado. 

senado dá camará não tinha força ; as outras parcialidades despre- 
zavam-no. Não podia subir ao poder ! Ainda assim persistiam os elementos 
turbulentos. 

No meio de tudo isto generalisava-se cada vez mais a miséria! 

«No anno de 1803 fundou em S. Thomé o negociante José António 
Peneira um estabelecimento rural e mercantil com feitorias na costa vizi- 
nha, onde os portuguezes são sempre bem acolhidos com preferencia a 
qualquer outra nação 1 .» 

Este emprehendimento foi mal succedido em consequência da guerra 
que em 1807 poz a Europa em sobresalto. A corte portugueza passou 
para o Rio de Janeiro. Soffreu a metrópole, como não soffreria esta e ou- 
tras colónias?! 

A ilha de S. Thomé contentava-se com os fornecimentos de matalota- 
gem ; recebia alguns contos de réis da Bahia de Todos os Santos, e a sua 
fertilidade e boas aguadas sustentavam a concorrência aos seus portos. 

Não eram riquezas para durarem muito. 

Em 1811 deixou-se de pagar o imposto dos escravos, e em 1822 aca- 
bou a receita que provinha do pagamento que fazia a Bahia de Todos os 
Santos. 

A miséria extrema não tardou a envolver com o seu manto de farrapos 
uma ilha tão soberba, tão rica e tão indifferente pelo seu futuro ! 

Os motores da discórdia, que tanto lhe apressaram a ruina, vão fal- 
tando um por um. 

1 Lopes de Lima, loc. cit., parte i. a , pag. xvi, introdueçSo. 



72 CAPITULO II 

O cabido extinguiu-se por si mesmo. Os bispos deixaram de vir a 
S. íhomé pelos fins do século xvm. O báculo, a grande cruz e as quatro 
massas foram mandadas recolher na casa da fazenda 1 . 

Vinha chegando a fome, acabavam as parcialidades sedentas do poder 
e de dinheiro. 

t A camará, o cabido, os bispos, os juizes e os governadores viam-se 
em permanente hostilidade, o paiz dividido em perigosas bandorías, 
mortes, desacatos, roubos e toda a casta de calamidades 2 ». 

Os auctores da ruina de S. Thomé foram acabando uns após outros. Á 
camará seguiu-se o cabido e os bispos. 

Ficam-nos os governadores e os capitães mores, mas os ânimos estão 
gastos. Vociferações de uns contra os outros tornam notáveis 3 os seus 
governos em S. Thomè, que está prestes a dar o ultimo signal de vida I 

Qual poderá ser o caracter intellectual e moral dos habitantes de uma 
terra, que tem sido theatro de taes calamidades ? . . . 

A depravação, a incúria, a preguiça e toda a qualidade de vicios. E 
no meio de tal cortejo existem as doenças malignas, as doenças que 
matam em poucas horas os viajantes, como nos contou Jacques Lind em 
1776! 

Passaram os primeiros vinte e quatro annos do século xix, estando a 
ilha arruinada, as facções aniquiladas. Havia miséria e doenças, vegeta- 
ção estéril, e um paiz fertilissimo. 

Cumpre-nos, ao terminar as considerações a respeito d'este primeiro 
quarto do século xix, fallar de dois acontecimentos, á primeira vista de 
pouca importância, mas que foram a salvação de S. Thomé. 

— Pelos annos de 1799 a 1800 foi introduzida n'esta ilha a cultura 
do café. 

— Em 1822 foi introduzida a cultura do cacau. 

Se nos propozessemos escrever a historia de S. Thomé, faríamos mi- 
riticiosas indagações para dar o nome dos introductores cios elementos da 
nova prosperidade d'esta afamada ilha. 



1 Lopes de Lima, loc. cit., parte i. a , pag. 55. 

2 Ibidem, parte i. a , pag. xn, introducção. 

3 Em 1811 o governador L. J. Lisboa procurou estudar o estado da ilha, e deu 
uma descripção circumstanciada de tudo. Foi um governador activo e diligente. Em 
um oflicio dirigido ao governo disse este governador « que um governador em S. Tho- 
mé mandara demolir um forte por estar em terras de um compadre seu! » 

Tendo nós apresentado a serie de irregularidades, de questões e de desacatos em 
que andaram sempre envolvidos os bispos, os governadores, a camará, o cabido e au- 
ctoridades administrativas da ilha de S. Thomé, pede a justiça que distinguamos as 
poucas mas honrosissimas excepções que se apresentaram. Nos capítulos competentes 
faremos especial menção d'ellas T ' 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 73 

a • 

A agricultura, tendo por base as plantações de cacau e do café, deve 
fazer-se em grande ou em pequena escala, sem esgotar as forças do agri- 
cultor; só assim taes plantações podem ser seguidas de um êxito bri- 
lhante. Não exigem grandes sacrifícios ao principio ; obtem-se o seu pro- 
ducto sem grande trabalho do lavrador. Era uma agricultura assim que 
convinha a esta ilha. 

Estava a população extenuada, poucos meios havia, ou com mais ver- 
dade, não havia meios alguns para se tentarem emprezas commerciaes 
de qualquer ordem ou natureza. Os pobres fizeram o ensaio; a cultura 
do café e do cacau faz-se com poucos gastos, pôde custear-se com pou- 
cos sacrifícios, e tem o condão de dar animo aos pobres. Alguns mil pés 
de uma e de outra arvore são o bastante para se sustentar uma família 
com decência. 

E que diremos nós d'estas culturas sob o ponto de vista de salubri- 
dade? 

É melhor que a da canna do assucar, para a saúde publica, a cultura 
do café, do cacau, do milho, dos coqueiros, das palmeiras, do algodão, 
eic, eic. 

A salubridade de que presentemente ha vestígios n'esta ilha é devida 
principalmente ao género de agricultura mais seguido. Temos boas ra- 
sões para assim o dizer. 

As causas de insalubridade da ilha são as mesmas .em 1869 que em 
1800, em 1776 ou em 1700, nem uma só tem sido removida, conside- 
rando minima a que se poderia dar, estando o cemitério no seu antigo 
local 4 . 

A ribeira que atravessa a cidade, formando um charco mixto, im- 
mundo, dentro da cidade, e expondo ao sol nas vasantes as suas mar- 
gens cheias de detritos vegetaes e animaes, acha-se no seu estado primi- 
tivo. 

— As ruas planas, cheias de depressões e a maior parte sem estarem 
limpas, e os quintaes sem cultura alguma, tendo bananeiras e vegetação 
prejudicial, existem hoje como nos annos passados. 

— As casas feitas sem as menores condições de salubridade são a imi- 
tação das que foram construídas ha muitos annos. 

— Os terrenos alagadiços, os pântanos, os charcos e as aguas represa- 
das existem hoje como sempre existiram. 

As doenças que tantas victimas fizeram na tripulação e officiaes do 
navio de guerra Phénix, em que veiu a S. Thomé, Jacques Lind, causa- 
ram ainda em 1869 alguns estragos, aindaque em menor escala e com 

1 Este importante assumpto faz objecto de uma Memoria publicada em 1861 pelo 
dr r Lúcio Augusto da Silva, da qual fallaremos em outro logar. 



74 CAPITULO II 

menor intensidade. Em 1862 foram terríveis as endemo-epidemias n'esta 
ilha! Desde 1865 ha mudança sensível na saúde publica. 

AKérou-se a constituição medica do ar nesta ilha? Donde provém 
esta mudança? 

Trabalhámos para dar uçfia resposta segara e bem documentada, 
mas não temos a menor duvida em dizer desde já que ao género de cul- 
ttíra mais geralmente adoptado se devem tao notáveis modificações. 

N90 ê assumpto para este logar. 

Não nos consta que n'este período houvesse facultativo, e o hospital, 
que era da misericórdia, achava-se em um logar muito insalubre. 

Devei íeputar-se este o período de maior abatimento e penúria em que 
caiu i ilha de 8. Thomé, durante o século actual. 

Segundo período do século XIX 

Nó segundo período, em que separámos o tempo decorrido do século 
iix, i ilha de S; Thomé deixou de ter receita publica de alguma impor- 

w 

tancia, e ficou entregue aos seus únicos e exclusivos esforços. E por este 
estado que nós queremos demonstrar claramente o seu valor intrínseco. 

O que deixámos dito baseia-se no seguinte trecho do livro de Lopes 
de Lima. 

< De então para cá (1822) os que conhecem a historia moderna da 
« nossa monarchia não poderão maravilhar-se que esta pequena colónia 
* tenha jazido por vinte annos deslembrada, inútil e na miséria, como 
« outras mais importantes, e conhecida apenas nos mercados da Europa 
ipelo eúceltente café igual ao de Moka *. 

Qtíem poderia suppor que depois d'esta ilha ter exportado géne- 
ros na importância de 240:0000000 réis, havia de chegar a tão grande 
miséria?!... 

fiesde 1824 a 1844 a ilha de S. Thomé não foi theatro de vergonho- 
sas sfcenas similhantes ás que se observaram no período anterior, e nos 
séculos passados, pois tinham acabado a pouco e pouco os elementos da 
discórdia. 

Os governadores, menos coactos, habilitavam-se a conhecer a ilha, e 
informavam o governo da metrópole com mais ou menos minuciosidade. 
Por essas informações nos devemos regular. 

Em 1824 veiti governar a província João Maria Xavier de Brito. A 
Sede dá capital era no Príncipe, mas os governadores vinham uma vez 
por outra a S. Thomé. Aquelle governador informou o governo de Sua 



Lopes de Lima, lòc. cit, parte l. a , pag. xvh, introdncção. 



L 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MOítAÉS í)0S HABITANTES DE S. THOMÊ 75 

Magestade do abatimento em que se achava! a agricultura, a industria 
e ó commercio, aconselhou os meios dè se remediarem tantdâ ttíales, è 
propoz algumas medidas de utilidade publica. 

Em 1828 pedia o mesmo funccionario « que se provesse melhor este 
« hospital (o da misericórdia), e que se ftíndásse um na ilha do Príncipe, 
« e que se mandassem dois boticários, um para cada ilha, com boticas 
t providas annualmente de remédios » . 

O profdndo estado de abatimento em que se achava a iífia de S. f htf- 
líiê nao era irremediável, e por isso' alguns governadores, ítíais solícitos, 
se empenharatíi, até 1834, em desenvolver os reetirsos da ilha. 

Aos primeiros symptomas de vida que se começavam á notar na flha, 
áppareceratíl as desordens promovidas entre às atictoWdádes. O gover- 
nador Jòaqílim Bento da Fonseca fòi preso. Os díscolos' òòtàeçáfram a ser 
castigados, a impunidade deixou de campear infrene. Passado poiicft tem- 
po definiram-se de uma veí para sempre as atífibúições dstè respectivas 
auctoridadès l . 

Devemos assignalar o decreto de 7 de dezembro de 1836, o de 28 de 
setembro de 1838, e o de 16 de janeiro de 1837. Em virtude tPestés de- 
cretos, as ilhas de S. Thomé e Príncipe formam uití governo particular, 
tendo sob a sua dependência o forte de S. Jofôo Baptista dé Àjudá * ; o go- 
vernador tem um ajudante de ordens e um secretário ; organisam-se e 
deflnem-se as repartições publicas ; os elementos de guerra interna aca- 
bam. Ficaram ainda as intrigas, invejas e malquerenças ; os habitantes da 
ilha levantavam-se por qualquer cousa em altos claSíiorfes,- e ás atictori- 
dades administrativas 3 davam-lhes o exemplo. 

A sede do governo era na ilha do Príncipe, e S. Thomé tinha um go- 
vernador subalterno. Esta grave injustiça também nao pôde prevalecer por 
muito tempo, pois está plenameníte coridemnada pèlá nattirezá das colisas. 



1 Boletim do conselho ultramarino, legislação novíssima, volume i. Não fendo nós 
por fim escrever a historia da ilha de S. Thomé, limitámo-nos ás poucas considera- 
ções que se lêem no texto. 

2 Segundo a carta constitucional da monarchia portngueza, § £.° do artigo I o 
as ilhas de S. TJiomé e Príncipe e suas dependências, estão na costa occidental de Afri- 
ca comprehendidas no território portuguez, e por isso deve ser assim denominada a pro- 
víncia em todos os documentos officiaes, sendo para censurar que não seja este o titulo 
do Boletim Official, que se publica actualmente, e digno de reparo foi o procedimento 
de um governador que nas suas portarias não fallava em Ajuda, como se Ajuda não 
estivesse sob a sua dependência! 

3 O decreto de 7 de dezembro de 1836, sobre a organisação administrativa da pro- 
víncia, cortou todas as causas de invejas entre as respectivas auctoridadès. Não que- 
remos dizer que não existam no animo de cada um dos pretendentes; pelo menos não 
se manifestam por actos vergonhosos, cfué enodoam á historia dós séculos passados! 



76 CAPITULO O 

 salubridade da ilha de S. Thomé e de todas as colónias começa a 
ser tomada em consideração. É com prazer que registámos a seguinte 
circular*. 

Instruoções aos facultativos que vão em serviço publico 
para as possessões portuguezas do ultramar 

1.° Deverão indicar e descrever a posição de cada localidade, sua ex- 
tensão, população, clima, estações, e o modo por que estas se succedem. 

2.° Quaes são as moléstias que costumam reinar nas differentes 
epochas do anno, quaes as causas prováveis que as produzem e alimen- 
tam, sendo estas procuradas nas differentes condições locaes, no género 
da alimentação, modo de vida, hábitos, etc. Por que forma se apresentam 
as ditas moléstias, qual é a sua terminação e os methodos de tratamento 
que se costumam empregar. 

3.° Deve-se fazer igual exame, relativamente ás moléstias que existem 
nas povoações dos naturaes do paiz, e examinar-se com cuidado que 
methodo de tratamento elles costumam empregar, indicando as substan- 
cias de que para isso se servem. 

4.° Os costumes, modo de alimentação e o mais que diz respeito á 
historia d'estes povos, merecem também particular menção. 

5.° Deverá indicar-se que meios poderão ser empregados para 'des- 
truir as moléstias endémicas das differentes localidades. 

6.° Indagações zoológicas, botânicas e mineralógicas deverão ter lo- 
gar na maior extensão possível, devendo tfellas ter-se em vista o seguinte: 

As plantas, animaes ou mineraes que são conhecidos, basta serem in- 
dicados, mencionadas as suas variedades e os sítios em que existem. 

Os animaes, plantas ou mineraes que não são conhecidos na Europa 
devem ser descriptos cuidadosamente; mencionar os sítios em que se en- 
contram, suas variedades, seus usos no paiz, e remetter com estas des- 
cripções bons exemplares d'estes objectos para Lisboa. As plantas devem 
vir em flor, convenientemente estendidas em papel e seccas ; sendo arvo- 
res devem mandar-se ramos em florescência e juntamente os fructos, por- 
ções de cascas ou raízes pertencentes ás mesmas plantas ou arvores. 

7.° Recommenda-se com particularidade o exame, descripção e re- 
messa competente dos exemplares da arvore que fornece o bálsamo de 
S. Thomé, que ainda não é bem conhecida na Europa; da que fornece 
certa casca com que se diz curarem os pretos as febres intermittentes, 
junto ao presidio de Ambaca, pertencente a Angola, e mesmo relativa- 
mente ás differentes arvores que fornecem a gomma copal e o euphorbio. 
8.° Alem d'estas informações se colherão todas as mais que possam 

1 Boletim do conselho ultramarino, legislação novíssima, volume i, pag. 8, 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 77 

interessar, relativamente áquellas differentes localidades, a historia geral 
dos povos e sciencias. 

Hospital da marinha, 11 de agosto de 1835.= Bernardino António 
Gomes, presidente do conselho de saúde naval e ultramar. 

Transcrevemos estas instrucções na sua integra, porque sobre ellas 
julgámos de absoluta necessidade fazer algumas considerações. Têem a 
particularidade de ser as primeiras, e todas as outras são, mutatis mutan- 
dis, uma reproducção das que deixámos transcriptas. 

Não sabemos se em S. Thomé se deu execução ao que n'ella§ se 
acha determinado *. 

Estas instrucções não se têem posto em pratica, porque nem se dão 
meios de conducção para o medico ir ao interior da ilha, nem se lhe abo- 
nam as despezas que se fizerem em taes estudos. As circulares são expe- 
didas sem irem acompanhadas das ordens necessárias para se tornarem 
exequíveis, e por isso ficam estéreis. Com este nosso trabalho queremos 
mostrar boa vontade, e damos conta do que nos é possível averiguar. 

As dificuldades que se nos apresentam e os meios de as resolver, 
serão sempre indicadas com toda a verdade. Temos todo o empenho em 
que se tornem perfeitos os trabalhos d'esta ordem. 

Demos idéa do estado do governo da província, que tende a melho- 
rar, e acabámos de dizer o que havia em relação á saúde publica. Veja- 
mos agora o estado do commercio e agricultura. 

Em 1832 exportavam-se 6:250 arrobas de café, e em 1842 produzia 
a ilha umas 12:000 arrobas *. 

A agricultura começava a dar alguns signaes de movimento ; faltava- 
lhe porém o verdadeiro estimulo. 

Os navios estrangeiros que passavam da costa do sul de Africa e os 
que vinham ao mar de Guiné para negociar procuravam esta ilha para 
tomar aguada e refrescos, e compravam o café. Era um meio precário 
para dar força e animação a este género de cultura. 

« Os moradores da ilha de S. Thomé estão vivendo hoje (1844) das 
« mealhas do estrangeiro, que ali se vae abastecer de agua e mantimentos, 
t e comprar pelo preço que quer o seu café e o seu cacau 3 . » 



1 Percorrendo o Boletim da província de S. Thomé e Príncipe, procurando com 
attenção na parte não official dos Annaes do conselho ultramarino, não encontrámos nada 
a similhante respeito, relativamente ás nossas possessões de Africa. Não nos consta 
também que se tenham feito publicações medicas acerca do clima da ilha de S. Thomé, 
da sua meteorologia, fauna, flora, etc. 

2 Lopes de Lima, loc. cit., parte i. a , pag. 9. 

3 Ibidem, pag. 26. O Ensaio estatístico de Lopes de Lima acerca da província 
de S. Thomé, Príncipe e Ajuda offerece dados e indicações curiosas a quem quizer 



7i» wwm u 

Tercefro çeriodo <fo século XIX 

Marcamos para este período o tempo decorrido ent^e o anuo de 1844 
e Ji$9. H? #'elje grandes apqntecimentos a archivar. 

Organisou-se ej# f 8£4 o serviço de saúde publica; — este importante 
assjpiptp tpvfi merecido a attenção dos governos da metrópole desde esta 
epo$# até Jioje. p n* verdade, é uma das necessidades de primeira or- 
dei# n'esj£S terrenas inhaspitos. 

O decreto de 14 jde setembro de {.844 contém as primeiras prescri- 
pfiyões f elativa$ á preação 4.as repartições d£ sajide n'esta e n'outras colo- 
nias) providencias apoucadas para as que o serviço reclama, pias impor- 
tais p^a um p^i? on^e n*d# bayi? feito a similhante respeito. 

JSsteS providencias primitivas foram melhoradas pelo decreto de 11 
de setembro de 1851, e pelos de {9 de novembro de 1855 e de 11 de 
agjosty 4@ tjBQO, no qual surgiu o pens^paento de se subsidiarem alguns 
abjjpjQS aspirantes a facultativos do ultramar. A todos estes seguiu-se o 
de 2 íje dezembw de 1869, cpje reuniu em ma só decreto as providen- 
cias que estavam respaldadas por todos os outrps que haviam sido publi- 
cados de {844 a 1869, con^pletaQdo-as com outras de incontestável utili- 
dade. Para se dar fiel comprimento ao que se acha consignado n'aqu$le 
decreto precisam ,os me.dicos de proceder a trabalhos tanto mais originaes 
quando h^js difficeis. N ? isto gastam tei#po, arriscam a vida e deixam de 
exercer clinica, que, segundo parece, é a ca^sa principal de não se haver 
tomado aiu4a , a 'guma resolução p^ais vantajosa aos médicos do ultramar 
e mais em harmonia com os serviços que elles prestam. 

Em outro jkjgar trajaremos d'esje assumpto com o desenvolvimento 
que merece. 

Os negócios públicos da província vão-se definindo melhor de anno 
paf a anno; as devidas resolvem-3e directamente de Lisboa ; as dificulda- 
des apjanam-se, e tudo emfim tende a progredir, aindaque morosamente. 

Para os governadores s^rem da sua respectiva província, precisam 
de (licença regia. Os ordenados dos differentes empregados são determi- 
nados. O serviço 4,e saúde publica começa a ser bem definido. 

Em 1846 expe#u-S£ uma portaria declarando que quando o gover- 
nador geral estivesse na ilha de S. Thomé, o governo da ilha do Príncipe 
fosse conferido ao oflicial militar de maior patente que se achasse na 
mesma ilha. 

JEm presença d'esta ordem de cousas não diria n'este tempo o coro- 
grapho Cunha Matos : 



ter bem desenvolvidas noticias d'esta província, e o decreto de 27 de dezembro de 
1938, mandando formar de novo as juntas dos melhoramentos de agricultura, mos- 
tra a boa vontade que o governo tem em acertar. 



\á. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DPS flABITANTES DE S. THOMÉ 78 

« Quasdo leio as memorias ide S. Tbofpé qo#si $mw$ obsepo R fatal 
jogQ de gentem contra gentem, ou seja entre ecclesiasíicps ou eqí^ sft&it 
lar,es. Parece que não se conheci*» n'aquell/e tejngp, sssfai WIBP #M* 
agora (antes de 1811) muitos não conhecem os justos liotftes 4#S ÍW* 
dicções, porque o governador queria ser prelado, o cabido qu#ia ser 
goy/eraador, o ouvidor queria ser sokfcdo, e todos $U$s queriam ser 
tudo 1 .» 

As jurisdicções vão estando definidas, as leis, regimentos pflrta- 
rias aplicam m»a por uma as dificuldades, cortam ps obstáculo, p dão 
a cada um a responsabilidade de seus actos 8 . 

A par das ordens para se resolverei cow acerto os ftegotips porcos 
da ilha de S. Thomé vão sendo enviadas outras concernentes ? jftfillfflpx 
a saúde publica. 

Em 1849 tratou-se de levar a effeito a construcçio ide mi cemitério 
em um logar próximo á cidade de S. Thomé, e foram promulgados ostros 
melhoramentos de muita utilidade. 

Reconheceu-se a necessidade de transferir a capital da província d* tf ha 
do Príncipe para a de S. Thomé, e assim se determinou por decreto (d£ § 
de outubro de 1852. Importa dar por copia este docunjyento vaUQ$o* 

«Attendendo ao que me representaram os habiUítfes 4a ilha de 
S. Thomé, e por vezes me têem representado wios governadores dg 
província de S. Thomé e Príncipe, para que a capital d'aqueUa proyipcia 
se restabeleça na ilha de S. Thomé, d'onde foi mudada para ? iU# 4fl 
Príncipe por alvará de 15 de novembro de 1753; 

ç Tendo em consideração que a ilha de S. Thomé, sendo muito $HP£ri#r 
á do Príncipe em extensão de território e população, lhe é igualmffA& 
superior em somma de productos agrícolas e na importância das rejaçôes 
comm^rciaes ; 

« Attendendo a que na ilha de S. Thomé existe ji uma habitação de- 
cente para o governador da provinda, circumstancia que se mo dá m 
ilha do Príncipe ; 

« Attendendo, finalmente, a que a principal consideração em q#e S£ 
fundou a mencionada mudança, a de maior salubridade da ilh# do Prín- 
cipe, se tem reconhecido, no espaço de quasi cem annos, não ter fujida- 
meuto solido, poisque a ilíw de S. Thomé ou é mais salubre que a do 
Príncipe, ou toe não é inferior a este respeito, como também o não é em 
nenhum outro ; 



1 Cunha Matos, loc. cit., pag. 19. 

2 Boletim do conselho ultramarino, volume 1, anno de 1848, portarias de 3 e 4 de 
agosto, 3 de outubro de 1848, e com especialidade a de 13 de dezembro d'este anno. 
Podem ali encontrar-se muitas outras. 



1 



80 CAPITULO n 

c Hei por bem determinar que a cidade de S. Thomé, na ilha d'este 
nome, seja a capital da província e a residência habitual do governador 
e mais auctoridades geraes d'ella, ficando assim revogado o alvará de 15 
de novembro de 1753. 

cPaço, 5 de outubro de 1852.» 

Fez-se finalmente justiça, tirando-se a capital da província de um char- 
co, de uma lezíria, como lhe chamou Lopes de Lima. 

A cidade de Santo António da ilha do Príncipe não admitte compara- 
ção alguma com a de S. Thomé. É assumpto de que tratámos em outro 
capitulo. 

Este notável acontecimento nem é festejado, nem ao menos memorado 
nesta ilha I 

D'onde provirá esta indifferença perante todos os acontecimentos pú- 
blicos verdadeiramente honrosos para a ilha? 

As calamidades publicas que os governadores, bispos, cabido, cama- 
rá, ouvidores e capitães mores constantemente promoviam, desappare- 
ceram de todo. Ás trevas vae succedendo a luz, e para nada haver a 
desejar vamos assistir á creação de melhoramentos muito importantes 
para a regularidade, do serviço publico na província. 

O conselho ultramarino, em consulta de 9tle novembro de 1855, leva 
ao rei a seguinte petição ' : 

t Senhor. — Não podendo deixar de considerar comprehensivo de to- 
das as províncias ultramarinas o pensamento com que foi redigido o ar- 
tigo 13.° do decreto de 7 de dezembro de 1836, vistoque as rasões que 
persuadiam da conveniência de se imprimir em algumas (Taquellas pro- 
víncias um Boletim de legislação e noticias, militam igualmente a respeito 
das outras; e sendo a província de S. Thomé e Príncipe a única onde 
ainda se não publica o alludido Boletim por não haver ali imprensa pró- 
pria do governo ; por isso este conselho para occorrer a similhante falta 
tem incluído nos dois últimos orçamentos da mencionada província as 
verbas que lhe parecem indispensáveis para as despezas e custeio da res- 
pectiva imprensa nacional. 

« O mesmo conselho vem representar a Vossa Magestade que será 
muito conveniente que o seu governo faça, quanto antes, uso d'esta au- 
ctorisação (lei de 1 de setembro de 1854, auctorisando estas despezas) 
mandando, na primeira occasião, para a província de S. Thomé e Prín- 
cipe uma imprensa completa com um compositor e director e um im- 
pressor; e dando ao mesmo tempo as precisas instrucções ao respectivo 
governador para a publicação do Boletim official d'aquelle governo emcon- 



1 Annaes do conselho ultramarino, parte official, serie l. a , pag. 372. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 81 

fonnidade com o citado artigo 13.° do decreto de 7 de dezembro de 1836. 

« Vossa Magestade ordenará o que houver por bem. » 

Esta consulta foi tomada em consideração, e em portaria de 20 de 
novembro de 1855 deram-se as convenientes ordens para o bom anda- 
mento de tão importante e salutar melhoramento publico 1 . 

Em 1857 saiu á luz o primeiro numero do Boletim official da provín- 
cia de S. Thomé e Príncipe ; foi datado de 3 de outubro do referido anno. 

A publicação do Boletim official produziu certa animação e estimulou 
os ânimos. O primeiro numero contém annuncios para aulas de latim e 
francez e até para uma academia musical ! 

Apontámos estas circumstancias, porque as temos por muito significa- 
tivas em relação ao estado moral e intellectual da colónia. 

Aos annuncios para se abrirem aulas de latim e de francez, e para se 
estabelecer uma academia musical, que ainda se repetiram em alguns 
números, seguem-se os discursos da abertura d'estas aulas e algumas 
correspondências, em que cada individuo descrevia a seu modo a riqueza 
da ilha 2 . 

Em o n.° 7 já se fallava de uma associação musical, theatral e choreo- 
graphica I 

Entre correspondências mais ou menos úteis, iam saindo algumas al- 
tamente reprehensiveis, o que deu occasião a regularem-se as matérias 
que deviam ser publicadas no Boletim ofíicial da província 3 . 

O mal foi cortado pela raiz; e hoje este importante melhoramento 
produz os seus salutares effeitos em toda a sua latitude. 

As jurisdicções estão finalmente definidas; as leis, regulamentos e 
portarias são patentes, e sabe cada um o que lhe compete fazer. 

Os padres, os empregados, os governadores, os juizes, todos sem ex- 
cepção alguma, tratam somente de satisfazer á lei; os governos pessoaes 
acabaram; as questões de força entre as auctoridades administrativas não 
têem rasão de ser. Ganha com isso a moralidade, e a saúde publica não 
soffre tanto, como no fim do século xvm e principio do xix. 

Houve auctoridades que padeceram e lutaram muito, e os desgostos, 
contrariedades e mortificações profundas arruinam tanto como o clima. 
As injustiças e as perseguições tinham tal cynismo e atrocidade, que fe- 
riam, como as febres, as almas nobres e bem formadas. Os martyres e as 
victimas não foram poucos : prelados e governadores muito dignos mor- 
reram no meio das suas attribulações moraes 1 1 



i Boletim do conselho ultramarino, legislação novíssima, portaria de 1856. 

2 Boletim oficial de S. Thomé, collecção de 1857 e 1858. 

3 Boletim oficial, 1858, n.° 23, portaria de 21 de dezembro de 1857; n.° 39, circu- 
lar de 15 de fevereiro de 1855; n.° 56, portaria de 18 de agosto de 1858. 

6 



8* CAPITULO II 

A instituição do Boletim ofíkial teve por conseguinte uma grande 
parte na regularidade de serviços, na harmonia dos poderes do paiz, in- 
fluindo bem na saúde publica. 

Alem (Teste melhoramento de maior alcance, em relação á saúde pu- 
blica, realisaram-se outros de não menor importância para o progresso cte 
ilha e do toda a província. 

Grearam-se cadeiras de inslrucção primaria para os doia sexos; deter- 
minou-se a construcção de uma estrada que fizesse communicar a villa da 
Trindade com a cidade '; mandou-se fazer um livro com o titulo de An- 
naes do município, onde a camará municipal fosse archivando o que acon- 
tecesse de mais importante no município ; regulou-se o processo eleito- 
ral da província *, e acudiu-se a todas as necessidades publicas com me- 
didas fecundas, salutares e justas. 

Só a enumeração de todos os melhoramentos de importância, que se 
foram realisando a pouco e pouco em toda a administração da ilha, nos 
levaria muito longe; e não devemos sair fora dos limites que traçámos. 

O progresso e civilisação que espalhavam em Portugal os seus fructos, 
não podiam deixar de se reflectir nas suas colónias, e é por esta rasão 
que nós vemos crear-se o mais poderoso, útil e vital melhoramento, com 
que a colónia podia ser dotada. 

O commercio, a agricultura e a salubridade, os três verdadeiros fau- 
tores da prosperidade, riqueza e consideração d'esta ilha, não ficarão 
paralysados emquanto houver communicações frequentes e regulares 
por meio de vapores entre Lisboa, S. Thomé e outras possessões portu- 
guezas da costa occidental da Africa 3 . 

Tinham decorrido muitos annos, e o século xix ia declinando sem 
que Portugal procurasse approximar de si as partes mais longiquas do 
seu território. Lutavam umas com a extenuação e fraqueza; outras esta- 
vam prestes a acabar por inanição, e todas soffriam necessidades inces- 



1 A boa vontade dos governos é ás vezes contrariada n'esta província. A estrada 
que deve ligar a villa da Trindade com a cidade ainda está por acabar! Foi princi- 
piada pelo governador João Baptista Brunachy, em 1865. 

2 As ilhas de S. Thomé e Príncipe tinham cada uma a faculdade de eleger um 
deputado ás cortes. O estabelecimento de Ajuda não tem população em numero sufi- 
ciente para merecer a consideração de ser ouvido. Em 1869 ficou a província elegendo 
um só deputado. Não perdeu nem ganhou com similhante mudança. 

Quando haverá communicações regulares entre S. Thomé e Ajuda? 

3 O primeiro vapor que tocou em S. Thomé na condição de paquete foi o D. Es* 
tephania, da companhia União Mercantil, em 29 de outubro de 1858, — data memorável 
nos annaes da historia da ilha de S. Thomé e que marca a epocha da sua crescente 
prosperidade. Registâmol-a em commemoração ao maior e mais fecundo melhoramento 
do progresso e da riqueza da ilha de S. Thomé e de toda esta província. 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 83 

santes, e só tarde e a más horas recebiam alimento e calor. Hoje não 
acontece assim. Circula a força vital do eoração para as partes extremas 
do corpo; réparte«se o sangue no centro da nação portugueza, chega ra- 
pidamente aos pontos mais afastados, e a assimilação fez-se, augmen- 
tando Portugal e as suas colónias em vitalidade e riqueza. 

Havia*se comprehendido que as colónias não podiam prosperar sem 
que se lhes desenvolvesse a colonisação, sem que ellas se amoldassem 
aos usos e costumes portuguezes. 

Temos um óptimo exemplo no vasto império do Brazil. Separou-se 
da mãe pátria em 1822, mas falia a mesma língua, e são taes as relações 
de parentesco, que se pôde dizer serem duas nações representando um 
pae e um filho, que vivessem eternamente em terras distantes. O com- 
mercio entre Portugal e o Brazil mostra bem o fructo que se pôde ti- 
rar da boa administração das nossas possessões do ultramar. 

Cumpre ao governo derramar em grande escala nas colónias os usos, 
costumes e o commercio de Portugal; estabelecer o maior numero pos- 
sivel de portuguezes n'estas vastíssimas terras; sustentar o commercio 
entre Lisboa e as suas províncias ultramarinas; proteger-lhes a agricul- 
tura e o commercio; obrigar os médicos a tratarem todas as questões 
de salubridade, e a escreverem guias medico-cirurgicas para divulgarem 
o conhecimento das causas das moléstias, a fim de melhor se destruí- 
rem. 

A carreira regular de vapores-paquetes traz animo e coragem a todos, 
e emquanto não estiverem lançadas as profundas raizes de uma colonisa- 
ção activa, fecunda e geral, não se devem deixar entregues á mercê dos 
climas, os empregados que desejarem trabalhar e vulgarisar os conheci- 
mentos úteis a Portugal e ás colónias. 

Tirem desde já a carreira regular de vapores para a ilha de S. Thomè 
e outras colónias, e verão começar a sua decadência, e augmentar o nu- 
mero de victimas. A idéa de adoecer e permanecer debaixo da acção 
deprimente de um clima mortífero, é só de per si uma causa fatal de 
muitas mortes 1 . 

A nostalgia, a incerteza e a falta de correspondência regular com a 
família, são verdadeiramente atrozes n'esta ilha, e perniciosíssimas á 
saúde. 

No meio (Teste progresso e bom andamento dos negócios provinciaes, 
vão sendo lançados regulamentos importantes de serviço publico, e leis 
muito úteis e liberaes. Os quadros das repartições publicas completam-se, 



i Damos no fim (Teste trabalho algumas estatísticas que põem em relevo os acon- 
tecimentos (Testa ordem. 



84 CAPITULO II 

aperfeiçoam-se ; a força publica e militar tem existência real e um quadro 
regular ; os serviços dos escravos são definidos, e annuncia-se um grande 
principio, o da liberdade de todos os súbditos portuguezes. Dá-se mais 
exíensão e latitude ás leis de D. Manuel, e determina-se que dentro em 
pouco acabe a escravidão nos domínios portuguezes ! 

Esta lei não podia deixar de sobresaltar os ânimos, e houve até per- 
turbações verdadeiramente lastimáveis. Os escravos de algumas roças 
amo tina ram-se, e assassinaram os fazendeiros e feitores ! Estes factos pro- 
duziram um pânico geral, e marcaram uma epocha dolorosa nos annaes 
da ilha. 

Estamos na ultima década d'este período. Devemos fixar com atten- 
ção os acontecimentos então occorridos, para se conhecer bem o estado 
actual da colónia. 

A par de algum progresso material 1 desenvolveram-se doenças graves, 
não só entre os europeus aqui residentes, mas também entre os natu- 
raes e os africanos procedentes de differentes pontos de Africa. 

O anno de 1862 foi assignalado por uma endemo-epidemia gravíssi- 
ma, que só no mez de junho * ceifou a vida de 25 europeus dentro do 
hospital ! i 

Não haverá meios de se aniquilarem as causas das moléstias que uma 
vez por outra tantas victimas sacrificam ? ! 

A epidemia das bexigas em 1864 e 1865 foi importada de Loanda. 
Causou muitas perdas aos agricultores, roubando-lhes centenares de bra- 
ços. Durou quasi um anno 3 . 

Em março de 1864 constou em S.Thomé que em Loanda grassava 
uma epidemia de bexigas, atacando só os pretos. Em 19 de abril fundeou 
no porto de S.Jhomé o palhabote União, procedente de Loanda ; trazia 
a carta suja. Fez quarentena, finda a qual os passageiros desembarcaram. 
Em julho de 1864 appareceram os primeiros casos de varíola ao sul da 



1 A companhia União Mercantil acabou, e seguiu- se-lhe outra companhia subsi- 
diada. O crescente commercio da ilha, passados alguns annos, dará occasião para os 
vapores ou navios mercantes virem aqui em qualquer hypothese que se apresente. A 
ilha de S. Thomé é riquissima, e pôde quadruplicar a sua espontânea producção e o 
seu commercio; mas a sua reputação ainda não está feita, e os governos devem ter em 
consideração a vida dos empregados e a governação publica da província. 

1 Boletim oficial da provinda, n.° 68, de 13 de setembro de 1862, e também o 
n.° 3 de 24 de janeiro de 1863. Morreram em todo o anno dentro do hospital 79 pes- 
soas!! Em toda a ilha não havia trezentos europeus, e não se contam os óbitos de al- 
gumas pessoas fallecidas fora do hospital. 

3 O dr. José Correia Nunes escreveu um opúsculo a respeito d'esta terrivel epi- 
demia. Foi publicado em Lisboa em 1866, dezembro, e também saiu no Boletim ofi- 
cial da provinda, de 1866, n. os 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 38. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 85 

ilha, na fazenda Praia Rei, e ao norte na fazenda Bella Vista *. Os theatros 
das primeiras devastações d'esta cruel doença são diametralmente oppos- 
tos. A sua origem é evidentemente a incubação do virus, que foi impor- 
tado de Loanda nos próprios passageiros. A doença declarou-se, appare- 
ceram novos focos de pus, que pelo contagio se transmittiu aos habitantes 
da ilha. É para nós assas importante a circumstancia da epidemia se cir- 
cumscrever somente á raça preta. 

Os negros de Angola continuavam a aportar á ilha em differentes em- 
barcações. A epidemia das bexigas estava declarada em S. Thomé. Custa 
a conceber a opposição da primeira auctoridade da provincia á.realisação 
dos conselhos da sciencia 2 . 

Houve durante aquella epidemia muitas victimas; foi um desastre im- 
menso, cujas perdas são ainda hoje muito sensíveis, e a sua influencia na 
população, sob o ponto de vista da saúde publica, nunca foi calculada. 

Se as estatísticas dos habitantes da ilha de S. Thomé tivessem sido 
feitas de três em três annos, pelo menos, haveria sempre elementos para 
se avaliar o augmento da população, durante qualquer período que se 
quizesse estudar. . 

Não se determinou o numero dos europeus e africanos, que entravam 
e saíam em cada anno ; falta a noticia das pessoas que se estabeleceram 
na cidade ou nas fazendas ao norte e ao sul da ilha; não se sabe o movi- 
mento dos libertos de cada roça, havendo em algumas mais de trezentos; 
não se declarou na administração do concelho se havia muito ou pouco 
tempo que os fallecidos haviam entrado na ilha, se residiram sempre na 
cidade ou fora d'ella. 

São muito necessárias as estatísticas parciaes, a fim de se conhecer da 
mortalidade que ha entre os libertos e os naturaes do Gabão, de Cabo 
Verde, etc. 

A salubridade absoluta da ilha não será bem determinada se não se 
tratar de obter informações minuciosas a respeito das doenças, mortali- 
dade e nascimentos que ha nas principaes fazendas como Macambrará, 
Bella Vista, Rodia, Campo, Praia Rei, Rio d'Ouro, Monte Café, Allema- 
nha, etc. 

Na impossibilidade de encontrar estatísticas completas para se ajuizar 
do movimento da população da ilha quer em referencia á cidade, quer em 
relação a cada uma das freguezias, julgamos de alguma utilidade transcre- 
ver os dois seguintes mappas, referidos aos annos de 1859 e 1868; são 
officiaes, e mostram claramente a deficiência com que estes trabalhos 
têem sido elaborados. 



1 Dr. José Correia Nunes, loc. cit., pag. 6. 

2 Ibidem, pag. 7. 



86 



CAPITULO li 



1N5D 1 



Districlos 



Cidade 

Trindade 
Santa Anna . . 
Angolares... 
Guadelupe . . 
Santo Amaro 
Magdalena . . 
Neve» , 



Fogos 



817 

446 

309 

1Ô7 

09 

76 

54 

38 



1:996 



PopolaçSo 



3:528 
2:835 
1:506 

789 (!!) 

530 

778 

431 

120 



10:527 



Observações. — Damos pouco credito a esta estatística da população da ilha 
de S. Thomé. 

1868 8 



Districloí 

— •- - — — -—- —~~~ 

Cidade 

Trindade 

Santa Anna 

Angolares 

Guadelupe - 

Santo Amaro 

Magdalena 

Neves 



Fogos 



845 
898 
210 
215 
154 
169 
80 
40 



2:611 



Dlffefeoç* 



+ 28 

+ 452 

— 99 

+ 58 

+ 55 

+ 93 

+ 26 

+ 2! 



+ 615 



Popnfaçfto 



5:049 

4:393 

2:458 

910 

920 

1:059 

1:486 

235 



16:510 



Diifere&ça 



+ 1:511 
+ 1:558 

+ 952 
+ 121!! 
+ 390 
+ 281 
+ 1:055 
+ 115 



+ 5:983 



*M 



*i*l 



Observações. — Os focos augmentaram 61,5 por anno e os habitantes 598,3, 
isto é, 8 pessoas por cada fogo, o que parece inexacto. 



maa* 



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ésm 



1 Boletim oficial da provinda, n.° 9, collecçáo de 1860. 

2 No movimento da população temos a tomar em conta a introducçào de braços 
africanos e a entrada de degradados, que dão o maior contingente. É certo que os em- 
pregados públicos, que se acham na ilha por occasião de se formar a estatística, au- 
gmentam o numero dos habitantes n'aquella epocha, retirando-se ás vezes em grande 
numero pouco tempo depois. São portanto muitas as causas que influem na popu- 
lação especifica da ilha. 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 87 

As anomalias que estes dois quadros offerecem explicam-se bem pelas 
endemo-epidemias que têem ferido os europeus, e pela epidemia das be- 
xigas que assolou a população africana de 1864 a 1865. N'estes dez 
ânuos, entre os colonos e empregados públicos, houve grande mortali- 
dade; a população dos africanos, apesar de entrarem na ilha cerca de 
6:000, também pouco augmentou. 

Oppõe-se á procreaçao dos europeus na ilha de S. Thomé a anemia 
tropical e o paludismo. Estas duas causas produzem muitos abortos. Uma 
e outra têem acção profunda sobre o organismo ; mas para nós o palu- 
dismo é cem vefces mais prejudicial que aquella doença. Entre os africanos 
parece-me causa essencial do atrazo da população a desregração da vida. 

Que diremos dos angolares? 

Essa republica que infestou a ilha por mais de um século e que cresceu 
com tal fecundidade 1 , que em pouco tempo se preparou pára a guerra, 
teria em 1859 somente 789 pessoas? . . . 

Não podemos dar fé a similhante estatística, assim como duvidámos 
que em 1868 só houvesse 910 angolares no sul da ilha. 

A freguezia da Nossa Senhora das Neves tem o augmento de 2 fogos 
com 125 pessoas ! O facto exposto deste modo não é verdadeiro, e a sua 
explicação não é fácil por não se terem declarado as circumstancias em 
que se deu aquelle augmento da população. 

O que dizemos acerca d'estas duas freguezias pôde applicar-se a todas 
as outras. 

Chamámos a attenção dos interessados no progresso da ilha de 
S. Thomé para a enumeração dos acontecimentos que passámos a fazer, 
ajuntando as observações que julgarmos necessárias. 

Os melhoramentos em favor da salubridade, realisados n'estes dez 
últimos annos, são pouco sólidos, e pouco fecundos; alguns não passaram 
de projectos que revelam os bons desejos de muitos governadores 2 . 

Notamos n'esta década os primeiros symptomas de associação entre os 
habitantes de S. Thomé. São débeis e apparecem sob a influencia de uma 



1 Lopes de Lima, loc. cit., pag. 8 e 9, parte 2." 

1 Os governadores, com poucas excepções, reconheceram a necessidade de certas 
obras, como se vô das portarias que fizeram publicar nos boletins officiaes da pro- 
víncia. Poucas se fizeram com vantagem para a saúde publica e salubridade da ilha. 
Assim vemos em 1869 que falta ainda um cães; que não estão aterrados os pântanos; 
o hospital, aindaque tenha melhor posição e melhor casa que a da misericórdia, não 
é regular; não ha uma cadeia; faltam muitas estradas; ã fortaleza de S. Sebastião tem 
as baterias por empedrar, e as suas casas são más e acanhadas ; a botica do estado tem 
péssima casa; não se canalisaram as aguas do rio Agua Grande; carece-se de systema 
de limpeza publica, de lazareto, de casa de saúde no interior da ilha, etc, étc. 



88 CAPITULO II 

cansa externa, mas são evidente prova dos bons sentimentos, que nem 
sempre têem existido nos povos d'este paiz. 

Os habitantes de S. Thomé nao se reuniram com o fim de levantar o 
capital necessário para se commemorarem os acontecimentos públicos mais 
notáveis. Falta n esta cidade a lapide commemorativa que nos falle de Ál- 
varo de Caminha : João de Paiva, o primeiro colonisador de S. Thomé, 
foi completamente esquecido ; o vencedor dos angolares, o corajoso Ma- 
theus Pires*, não tem uma estatua que recorde aos forasteiros a sua 
dedicação pela ilha. Não se perpetuam os nomes dos cidadãos benemeri- 
ritos, nem se tem cuidado de dotar a ilha com melhoramentos perma- 
nentes de utilidade publica, que attestem a caridade, progresso e civilisação 
do povo S. Thomense ! 

E qual será a rasão de similhante indifferença publica ? . . . 

Não é este o logar próprio para examinar as suas causas determinan- 
tes. Coordenámos o que a historia nos apresenta, sem fazer a analyse. 

A pedido do governador da provincia, reuniram-se os habitantes de 
S. Thomé, e cotisaram-se para proteger o asylo dos orphãos dos ma- 
rinheiros* e acudir ás necessidades dos habitantes de Cabo Verde 3 , as- 
sim como já tinham enviado soccorro para as victimas da febre amarella 
em Lisboa *. 

O bazar feito com o lim de se obterem meios para a construcção de 
uma casa de instrucção primaria foi o primeiro vestígio de amor aos me- 
lhoramentos moraes que se nota entre os habitantes de S. Thomé. Tor- 
nou-se infecundo 5 , mas não deixa de ser significativo da boa vontade dos 
povos em auxiliar as emprezas de reconhecida vantagem publica. 

Formaram-se também differentes sociedades recreativas; mas apesar 



1 «Matheus Pires atrcvcu-se a ir atacar estas feras (os angolares) nos seus próprios 
covis; queimou-lhes os quilombos c captivou muitos na peleja... e assim acabou a 
guerra do mato, que durou perto de 120 annos.» (Lopes de Lima, parte 2. a , pag. 9.) 
— 1693 marca a epocha notável em que os agricultores de S. Thomé se viram livres dos 
angolares. 

2 Boletim oficial da província, n.° 5, de 4 de fevereiro de 1865. Esta subscripçáo 
subiu a 3020830 réis. 

3 A subscripçáo para Cabo Verde foi de 3961952 réis em dinheiro, e de 681 al- 
queires de milho. Boletim oficial da provincia, n. os 26 a 30 do mez de dezembro de 
1683. O total foi de 8590632 réis fracos. Boletim oficial n.° 12, de 16 de abril de 1864. 

4 A subscripçáo publica para soccorrer as victimas da febre amarella em Lisboa 
reaiisou-se no anno de 1858. Boletim oficial da provincia n.° 30, de 1 de maio de 1858. 

5 O bazar rendeu uns 7000000 réis. A casa para a aula de instrucção primaria 
náo passou de paredes, feitas sem arte, e que existem em 1869. As paredes, que estáo 
em continuação do palácio do governo da provincia, são a applicação do dinheiro que 
o bazar rendeu ! ! 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 89 

de terem por sócios os mais ricos proprietários da ilha 4 , foram rachiticas 
sempre. 

A sociedade dramática nao chegou a construir uma casa, nem a so- 
ciedade Perseverança construiu fazer alguma cousa notável. Em 1869 
apenas vagamente se falia na existência d'aquellas sociedades. Tem sido 
bem infeliz esta ilha! É fertilissima, é rica, a sua actual riqueza pôde 
muito facilmente quadruplicar, mas tem estado quasi sempre abando- 
nada) 

Os governadores mal têem chegado a dirigir os negócios públicos por 
um anno*. Uns procuravam estabelecer um governo de prosperidade, 



1 Para se ajuizar da sociedade Perseverança, veja-se o seguinte aviso, publicado 
no Boletim oficial n.° 48, de 22 de fevereiro de 1862. 

«A commissão da sociedade Perseverança tem a honra de prevenir a todos os 
seus convidados, que na próxima reunião, que deverá ter logar pelo carnaval, serão 
admissíveis quaesquer senhoras ou cavalheiros, que desejem apresentar-se em costu- 
me. S. Thomé, 22 de fevereiro de 1862.= O conselheiro, João Maria de Sousa e Al- 
meida—O commendador, Luiz António de Carvalho e Castro = António Joaquim da 
Fonseca = Francisco de Assis Bellard—José Nunes Bouças.» 

2 Desde o 1.° de janeiro de 1860 até ao ultimo dia de dezembro de 1869, houve 
na ilha de S. Thomé os seguintes governadores. A esta lista ajuntámos a enumeração 
de alguns acontecimentos históricos mais notáveis, para se poder avaliar o governo de 
cada um d'elles em separado. 

— Em janeiro de 1860, governava a provincia, Luiz José Pereira e Horta. Deixou 
documentos incontestáveis de que desejava regularidade em todas as repartições publi- 
cas. Veja-se o Boletim oficial do governo da provincia, e com especialidade o n.° 4, de 7 
de janeiro de 1860. Em portaria de 9 de abril de 1860, ordenou este governador que 
se publicassem no Boletim oficial todas as deliberações da junta de fazenda. Boletim 
oficial n.° 15, de 14 de abril de 1860. N'este anno arrematou-se a limpeza da illumú , 
nação publica da cidade, e foi comprada a casa de Jacinto Pereira Carneiro, na ilha 
do Principe, para palácio do governo d'aquella ilbà. Custou 9:000£000 réis! Boletim 
oficial n.° 30, de 25 de agosto de 1860. 

— Em 18 de julho de 1860 apparece publicada a primeira portaria do conselho 
do governo da provincia, funçcionando na ausência do governador. 

— Em 24 de novembro d'este anno lê-se no Boletim oficial a proclamação de 
João Manuel de Mello, governador interino da provincia. Exercia o logar do governa- 
dor da ilha do Principe, havia mais de dois annos e meio. 

O anno de 1860 teve três governadores. Não houve acontecimento algum notá- 
vel, nem se tratou de dotar a ilha com os melhoramentos de primeira necessidade. 
Nem o governo provincial, nem a camará municipal, por si ou com o auxilio dos ha- 
bitantes, procurou debellar as causas permanentes das febres que reinavam e ainda 
reinam na cidade, ou crear estabelecimentos próprios para se tratarem os doentes na 
cidade e no interior da ilha. 

— Em 20 de abril de 1861 tomou posse do governo da provincia José Pedro de 
Mello. O governo d'este illustrado governador foi assignalado por trabalhos e melho- 
ramentos importantes. Formularam-se posturas municipaes para a cidade, que foram 



90 CAPITULO II 

mas efaín acommettidos das moléstias endémicas, e tinham de se retirar 
da ilha immediatamente, deixando apenas melhoramentos iniciados; outros 



approvadas em 12 de julho de 1861 (Boletim official n.° 22); de 3 de agosto proce- 
deu-se á escolha do terreno para o cemitério da freguezia de Santo Amaro ; tratou-se 
dá ífcmeSsa dós productos coloniaes, que haviam de figurar na exposição de Londres 
(Boletim official n.° 24, de 17 de agosto d'este anno). Muito especialmente se deve ler 
o Bdetm oficial n.° 33, de 26 de outubro do mesmo anno, para se fazer idéa da re- 
messa dos productos que foram para aquella exposição; havia um palhabote do es- 
tado, que prestou alguns serviços de interesse publico; procuram- se informações a 
respeito do estado das igrejas, dos edifícios públicos e das estradas, obrigando-se as 
respectivas auctoridades a cumprir o seu dever; o naturalista inglez Gustave Mann 
veiu de Fernão do Pó, onde se achava no desempenho de uma commissão scientifica 
por Cdnta do governo iflglez, á ilha de S. Thomé, com o fim de a explorar scientifi- 
camente; o mesmo governador visitou algumas villas e tratou de estimular com por- 
tarias de louvor os empregados que mostravam zelo pelo serviço, e os particulares 
que auxiliavam os trabalhos de utilidade publica, como aconteceu, por exemplo, com 
o negociante Joaquim Ramos de Azevedo, que melhorou o caminho que vae da cidade 
á villa de Nossa Senhora de Guadelupe; fez-se um mercado publico; formou-se um 
bazar com o fim de promover uma subscripção para se construir uma casa para a 
aula de instrucção primaria, o qual rendeu 738£534 réis; tratou-se da edificação de 
um novo cemitério no alto do Picão; houve pela primeira vez n'esta ilha uma repre- 
sentação dramática por curiosos; ihstituiram-se sociedades recreativas; havia anima- 
ção, progresso e socego em toda a ilha. 

O governador interessava-se pela saúde dos empregados, e ia pessoalmente visi- 
tar os doentes. 

A escola principal de S. Thomé teve por professor um bacharel formado em theo- 
logia ; foi publicado no Boletim official n.° 36, de 16 de novembro de 1861, o decreto da 
organisação da instrucção primaria nas províncias ultramarinas ; levantou-se um con- 
flicto entre o director da alfandega e a repartição de saúde, por causa das visitas sa- 
ltitarias feitas a bordo dos navios, e o pro-vigario capitular desobedeceu ás determina- 
ções da lei, havendo- se o governador com energia e rectidão em tão melindrosas cir- 
cunstancias ; â camará municipal tentou auxiliar o fornecimento de carne de vacca; 
tratou-se da mudança do hospital da misericórdia para outro edifício mais apropriado ; 
deu* se regularidade ao serviço da pharmacia do estado; vieram para esta ilha alguns 
trabalhadores de Loanda sob a protecção do governador geral de Angola, Sebastião 
Lopes de Cfllheiros e Menezes, sendo digna de ler-se a correspondência trocada eritre 
os dois governadores; protestaram os principaes agricultores de S. Thomé contra a 
intriga que se promovia com manifesto prejuízo da agricultura, asseverando os inimi- 
gos 4'estâ ilha que os trabalhadores africanos eram re-exportados para Cuba, como 
escravos!! (Boletim official da provinda n.° 58, de 24 de maio de 1862.) 

É assas resumido este quadro, e por elle não se pôde fazer idéa exacta dos me- 
lhoramentos que este illustrado governador projectou, embora a maior parte d'elles não 
se realisassem. Declarou- se na cidade uma grave endemo-epidemia, e o governador teve 
de se retirar por falta de saúde. 

— Em 2d de julho de 1862 appareceu publicada a primeira portaria do conselho do 
governo. A camará municipal da ilha archivou nos seus annaes um voto de louvor ao 
inteligente, aetivo e trabalhador José Pedro de Mello; os habitantes da ilha pediram 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 91 

desprezavam as obras principiadas para darem começo a outras, que tam- 
bém não eram acabadas t 



que se desse o nome (Teste benemérito cidadão á praça da feira. (Boletim oflicial da 
provinda n.° 64, de 2 de agosto de 1862.) 

— Aos 17 de novembro de 1862 passou o governo dà província para íosé Édtlârdo 
da Costa Moura. Attendeu este governador ao estado de insalubridade da cidade, sendo 
notáveis as portarias publicadas em 17 de janeiro de 1863, n.° 2 do Boletim oflkial 
O anno de 1862 foi muito insalubre ; as endemo-epidemias de maio e junho tão más 
como as do anno em que desembarcaram n'esta ilha os infelizes officiaes do navio in- 
glez Phênix. Morreu n'este anno de 1862 à terça parte dos brancos existentes na ilha, 
contando-se n'este numero o ajudante de ordens do governador, deixando esposa e 
seis filhos menores na orphandade, é o próprio governador teve de retirar-se entre- 
gando as rédeas do governo ao distincto oflicial João Baptista Brunachy. Os seus es- 
forços para remover as causas de insalubridade da cidade de S. Thomé, constam das 
portarias publicadas no Boletim oflicial da provinda, correspondente aos mezes de ja- 
neiro, fevereiro e março. Eram numerosas as obras indicadas, como se vê do Boletim 
offidal da provinda n.° 5, de fevereiro de 1863; não teve porém o prazer de effectuar 
nenhuma d'ellas, porque foi' acommettido pelas moléstias endémicas, e teve de entregar 
o governo ao distincto oflicial acima nomeado, e participar este seu procedimento ao 
governo de Sua Magestade. O governo da metrópole respondeu em portaria de 13 de 
julho de 1863, approvando somente por esta vez a escolha do governador interino, e 
notando que só ao conselho do governo compete tomar conta do poder no caso da falta 
do governador effectivo. O novo governador interino, cônscio das designações da lei, 
tinha feito reunir o conselho do governo a fim de o ouvir n'este assumpto. Houve di- 
vergência entre os membros do conselho do governo, que foi sanada pela portaria que 
confirmou a nomeação do governador, e por isso todos os seus actos governativos 
ficaram legaes. 

— Em abril de 1863 tomou conta do governo João Baptista Brunachy. Os habitan- 
tes de S. Thomé acudiram com differentes donativos para attenuar os horrores da 
fome em Gabo Verde. Acabou-se o cemitério de Santo Amaro, concorrendo para as 
suas despezas algumas pessoas; foi offerecida uma medalha de honra ao bacharel for- 
mado Bernardo Francisco de Abranches. 

— Em janeiro de 1864 assumiu o governo da província o capitão Estanislau Xavier 
de Assumpção e Almeida. Fizeram-se alguns melhoramentos no cemitério publico da 
cidade, concorrendo para este importante melhoramento muitas pessoas com differen- 
tes offertas; a população preta foi ferida por uma grave epidemia de bexigas; as au- 
ctoridades medicas propozeram os meios que a sciencia indica para debellar esta 
epidemia; oppoz-se o governador, e trocaram- se ofificios a similhante respeito entre o 
governo da provincia e a repartição de saúde. 

Em 1862 as febres paludosas e as dysenterias dizimaram a terça parte dos euro- 
peus; em 1864 as bexigas ceifaram a maior parte dos trabalhadores africanos, cau- 
sando perdas enormes ao commercio e á agricultura. Entre os actos d'aquelle governa- 
dor apparecem alguns dignos de se registarem na historia. Tomou- se de arrendamento 
a casa onde hoje se acha o hospital civil-militar; os rendimentos da santa casa da mi* 
sericordia foram avaliados em 2:OOO#0OO réis por anno (Boletim oficial da provinda 
n.° 6, de 27 de fevereiro de 1864); insistiu-se na limpeza publica da cidade, lamentan- 
do-se que as repetidas portarias de outros governadores não surtissem o effeito dese- 
jado; offereceram-se os agricultores da ilha para receberem, tratarem e sustentarem 



92 CAPITULO H 

Foi esta a causa principal que tem concorrido para se ter gasto grande 
capital em obras publicas, sem que esteja uma só completa das poucas que 
existem; abandonaram-se as paredes para a casa de instrucçao primaria, o 
forte de S. José, o forte de S. Jeronymo, os trabalhos principiados para 
um cães, a estrada para a villa da Trindade, e não passaram de projecto 
as obras de primeira necessidade ! 

A maior parte das auctoridades, todos os médicos e todas as pessoas 
que se interessam pela prosperidade da ilha, têem proclamado a urgência 
de muitos melhoramentos. Todos os esforços têem sido inúteis. 

O anno de 1867 foi assignalado por alguns melhoramentos dignos de 
se registarem. 

Creou-se na ilha de S. Thomé uma agencia do banco ultramarino, foi 



os trabalhadores de Cabo Verde, que, privados de alimentos, quizessem passar para a ilha 
de S. Thomé; completou-se o código das posturas da camará municipal, havendo duas 
secções distinctas — policia urbana e policia rural — ; fizeram- se regulamentos poli- 
ciaes, e também se coordenou um regulamento para o hospital militar de S. Thomé, 
e enfermaria da ilha do Príncipe. O mesmo governador procurou assignar os limites 
das nove parochias em que se acha dividida a ilha de S. Thomé (Boletim official 
n.° 30, de 29 de outubro de 1864, e n.° 3, de 21 de janeiro de 1865) ; offereceu-se para 
pessoalmente visitar o nosso estabelecimento de S. João Baptista de Ajuda, o que foi 
approvado em portaria de 3 de outubro de 1864, publicada no Boletim official n.° 8, 
de 5 de fevereiro de 1864, e coordenou um regulamento para as escolas de instrucçao 
primaria. Para se poder ajuizar do governo que ultimamente fez este governador, de- 
vem ler-se no Diário do governo, de março de 1865, os discursos dos deputados da 
provincia. 

— Em agosto de 1865 voltou, pela segunda vez, a dirigir os negócios públicos pro- 
vinciaes o distincto official João Baptista Brunachy, governador interino. No Boletim 
official da provinda, n.° 24, de 16 de junho de 1866, foi publicada a allocução que 
este governador dirigiu por occasião da distribuição dos prémios aos expositores da 
ilha que concorreram á exposição de Londres e á do Porto. Não tivemos occasião de 
observar a enumeração dos productos para esta exposição, por não terem sido publi- 
cados, como foram os d'aquella. 

No tempo do mesmo governador concluiu-se o cemitério do Alto do Picão, altearam- 
se as casas da fortaleza de S. Sebastião palmo e meio, e pozeram-se muitos telhados 
de novo ; melhoraram-se as condições do pântano Agua Fede ; foi começada a estrada 
publica para a Trindade. 

— Em julho de 1867 tomou conta do governo, interinamente, o capitão António 
Joaquim da Fonseca. Os habitantes da freguezia da Magdalena fizeram uma boa es- 
trada a expensas suas, que, saindo da fazenda Santa Cruz, e atravessando a villa da Ma- 
gdalena, vem entroncar na estrada que segue para a villa da Trindade. 

— Em novembro de 1867 entrou para a direcção dos negócios públicos, pela se- 
gunda vez, o governador Estanislau Xavier de Assumpção e Almeida. Praticou arbi- 
trariedades incríveis, que são do domínio publico. 

— Em 30 de abril de 1869 tomou conta do governo Pedro Carlos de Aguiar Cra- 
veiro Lopes. 

Em dez annos consecutivos houve.doze governadores da provincia ! 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 93 

uniformisada a moeda, desapparecendo as irregularidades que se davam 
com a moeda de cobre antiga, empenhando-se na realisação d'este impor- 
tante melhoramento o distincto bacharel, ex-deputado pela província, 
Leandro José da Costa; foi creado o monte pio oficial. 

Em 1 869 ficou a província representando um único circulo eleitoral. 
Foi iniciada a cultura das plantas chinchonas, que deve ser de grande 
vantagem para o futuro. Têem-se lançado os alicerces para muitas obras; 
deu-se principio ao aterro do pântano da fortaleza, levantando-se-lhe a 
respectiva planta, e tem-se tratado de realisar as obras de primeira ne- 
cessidade. 

Não foi só o governo provincial que deu grande impulso ao progresso 
da ilha de S. Thomé ; o governo de Sua Magestade tornou bem distinctas 
as jurisdicções de todas as auctoridades. 

O decreto de 1 de dezembro de 1869, publicado no Boletim official 
de 12 de fevereiro de 1870, n.° 7, deu ao governador de S. Thomé todas 
as instrucções necessárias para boa direcção do seu governo. O poder da 
primeira auctoridade administrativa ficou bem determinado. 

O decreto de 2 de dezembro de 1869, creando o exercito de Africa 
occidental, fez com que a bateria de artilheria de S. Thomé passasse a ser 
batalhão de caçadores n.° 2. 

O decreto de 14 de dezembro de 1869 creou uma repartição do cor- 
reio, que não existia em S. Thomé. 

A instrucção publica teve diversas modificações pelo decreto de 30 de 
novembro de 1869 ; as obras publicas foram tomadas em consideração por 
decreto de 3 de dezembro de 1869 ; mas o que merece particular attenção 
sob o ponto de vista medico é o decreto de 9 de dezembro, creando as 
colónias penaes no ultramar. 

Registámos a fundação das colónias penaes, sem mostrar a impossibi- 
lidade da sua realisação n'esta província, porque a natureza d'este traba- 
lho não o permitte. 

As lutas internas que nos tempos passados persistiam com grande 
perda para a educação moral já não podem reapparecer. 

Se os governadores começam a exorbitar, os deputados da província 
procedem como os de 1865, que patentearam as torpezas e indignidades 
do governador, e conseguiram que fosse demittido. 

Em 1868 houve na ilha acontecimentos análogos, de que a historia 
deve ser juiz severo, e de que nós aqui não temos a dar contas. Em 1869 
foi rendido o governador, que era o mesmo de 1865. 

A data de 30 de abril de 1869 marcará uma epocha notável. Prende- 
se a ella a realisação de alguns melhoramentos que interessam á salubri- 
dade da ilha, á saúde publica e ao bem estar dos povos de S.jThomé. 

Foi esta província dotada com mais um medico, e organisado o re- 



U CAPITULO O 

gulamento geral de saúde publica. Trata-se com empenho de destruir o 
pântano que jaz ao pé da fortaleza, vão-se fazendo grandes desaterros, e 
trabalba-se activamente nas obras publicas. 

Tomou conta do governo Pedro Carlos de Aguiar Craveiro Lopes, 
académico distincto, e official da armada real, com grande conhecimento 
das cousas- de Africa *. 

Temos assistido á enumeração dos acontecimentos mais notáveis que 
podiam influir na educação do povo de S. Thomé. Temos fallado em ge- 
ral. Precisámos agora de nos restringirmos á determinação de alguns 
pontos particulares, como elementos do nosso problema, sobre as condi- 
ções pbysicas e moraes dos habitantes da ilha de S. Thomé. 

A historia pregressa que pode interessar ao medico-hygienista ahi fica 
expendida a traços largos. 

A população da ilha de S. Thomé compõe-se, em 1860, de brancos, 
negros, e mulatos ou pardos. São variadas as procedências, algumas das 
quaes já assignalámos. 

Encontram-se hoje em S. Thomé, gabões, angolares, naturaes de Cabo 
Verde, pretos da Mina e de outros pontos da costa occidental de Africa. 
Uns empregam-se no commercio, outros são alfaiates e caixeiros ; exer- 
cem uns algumas artes, são ferreiros, funileiros; outros entregam-se á 
agricultura, na qual se empregam muitos libertos, sendo o maior numero 
de Angola. Os pretos do Gabão também servem na agricultura, os de 
Cabo Verde dedicam-se ás artes. 

Os europeus e muitos africanos e naturaes de S. Thomé, instruídos, 
civilisados e iguaes em tudo aos brancos, exercem cargos de primeira 
ordem. A civilização e a instrucção igualou os homens, e o sentimento de 
raça ha de ir diminuindo a pouco e pouco. 

Os europeus, como já dissemos, foram os primeiros que habitaram a 
ilha, aggregaram a si os pretos africanos. Os mulatos descendem do cru* 
zamento das duas raças. Os forros provieram dos escravos que passaram 
a livres, quer por vontade de seus senhores, quer por se acharem nos 
casos previstos nas leis, que sempre os têem protegido. 

Os celebres angolares, de escravos passaram a forros, em virtude de 
um acontecimento tão perigoso como feliz para elles. Um desastre sal- 



* Para se poder conhecer as habilitações do actual governador da província de 
S. Thomé, Príncipe e suas dependências, veja-se : 

Alexandre de Castilho, Roteiro da coita ocidental de Africa, pag. xxxix e xxvi, e 
especialmente ao volume n, pag. 257 e 270; 

Boletim da camará dos deputados j sessão de 7 de julho de 1869. São muito hon- 
rosas para o actual governador as informações dadas pelo ministro de marinha e do ul- 
tramar á camará dos deputados quando o mandou para esta província. Pertence á his- 
toria arehiv&l-a». 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES POS HABITANTES DE S. THOMÉ W 

voU"Qs da escravidão ; a sua coragem arrancou^os á morte» e levada 
para as serranias que fieam ao sul da ilha de S, Thomé. No$ tempos pa^ 
gados causaram prejuízos enormes aos outros habitaitfes da ilha ; a que os 
tornou ainda mais originaes foi o rapto da$ mulhèm* qyelheg faltavam K 
Este acontecimento faz-nos recordar o tão decantado rapto das sabinas 
pelos romanos. 

Quem acreditará que estes republicanos selvagens, occupando parte 
de um paiz de 270 milhas quadradas, a pa? de uma colónia antiga regu- 
larmente constituída, lhe tenham feito tantos, damnos, e ainda hoje vi- 
vam independentes ? ! 

Em 1869 são mais úteis que incommodos, mas é incontestável que 
vivem desconfiados, e que não se sabe com exactidão a gente que aquetle 
reino limitrophe contém ! Dizemo-nos seus alliados j elles não dizem se 
o são. Vem á cidade vender os seus géneros e commerciar a seu modo, 
mas se presentem que ha desejo de entrar com elles em contrato de ser- 
viços públicos, desapparecem 2 e não voltam á cidade f 

Não se sabe" qual é o numero de pessoas que constituo o reino dos 
angolares, e desconhecem-se os seus usos e costumes > Ignora-se comple* 
tamente o que por lá se passa. 

Para se conhecer as relações das auctoridades provinciaes oom estes 
povos bravios, chamamos a attenção para as seguintes informações dadas 
pelo seu pastor espiritual em 1864. 

«Encontrei aquelle povo sem instrucção alguma; usavam geralmente 
de tangas, ainda mesmo nos dias festivos, sem excepção dos próprios 
officiaes, assistindo com estes hábitos aos actos religiosos 3 .» 

N'este anuo creou-se ali uma cadeira de instrução primaria, e segundo 
as mesmas informações (merecem-nos pouca fé) alguus alumnos mos* 
travam ardentes desejos de adquirir instrucção. 

Os angolares têem o seu rei, que acceita do governo provincial uma 
apostilla (sic) pela qual se lhe conferem as honras de capitão commandan- 
te t Quando está de bom humor este senhor rei vem á cidade çom a sua 



1 Cunha Matos, loc, cit, pag. 31. «N'este mesmo anno (1693) os angolares fize* 
ram novas irrupções para roubarem mulheres das fazendas mais próximas aos pi- 
cos. » (!!!) 

Custa a conceber como os angolares podessem commetter d'estes e de outros actos 

arrojados, chegando a vir á cidade ! 

Por estes e outros acontecimentos se patenteia a falta de união que teia havida 

entre os colonos da ilha. 

* Em 1868 procurou-se obter que doze angolares, mediante um contrato justo, 
viessem trabalhar nas obras publicas. Foi o suficiente para elles não voltarem á ci- 
dade por muito tempo ! 

3 Boletim oficial n. 36, de 10 de dezembro de 1864. 



96 CAPITULO n 

gente militar, e deixa-se ver em revista militar. Nos últimos três annos 
não houve destas revistas. O rei e súbditos mais graduados do conse- 
lho de guerra, téem voto nas eleições, segundo as exigências d'aquelle 
com quem mais commerceiam na ilha. 

ffl 
Questão propriamente dita 

Às condições physicas e moraes dos habitantes da ilha de S. Thomé 
assentam sobre a sua historia pregressa e sobre o conhecimento exacto dos 
seguintes dados : alimentação, vestuário, costumes, religião e linguagem, 
como passámos a examinar com toda a a t tenção. 

É uso geral dos relatórios médicos englobar os factos, fazer sobre o 
seu conjuncto algumas considerações, e tirar as illações que se julgam 
mais importantes e rigorosas para se melhorar a saúde dos povos. Nós 
não procedemos d'este modo, porque não poderíamos tocar em cada 
ponto com a minuciosidade precisa. Para se formar idéa d'este methodo 
de exposição, vamos dar por copia um trecho do relatório do dr. José 
Correia Nunes, em que descreve o estado da população da ilha. de 
S. Thomé, em 1865. É do teor seguinte : 

a Em relação á sua constituição e temperamento médio, longevidade, 
religião e costumes, observa-se o mesmo que na ilha do Príncipe *, diver- 
sificando apenas na linguagem que faliam, a qual em muitos termos tem 



1 «O relatório inédito do dr. José Correia Nunes comprehende a descripção das 
duas ilhas, S. Thomé e Príncipe, e acerca dos habitantes do Príncipe disse o referido 
auctor o seguinte : 

Os habitantes da ilha do Príncipe são pela maior parte da raça preta, poucos 
brancos e pardos; são de uma constituição physica mediana, e em geral fracos, de 
temperamento lymphatico-sanguineo, pouco trabalhadores e mui dados aos prazeres 
venéreos, attingindo o máximo de idade de oitenta annos; vi comtudo alguns velhos 
de mais de cem annos. É notável que, apesar de serem estes povos affeiçoados aos go- 
sos venéreos, a sua reproducção não é grande, e até em proporção desfavorável em 
presença do obituário. 

« A sua religião é a catholica romana, mas misturada com muitas superstições e 
praticas gentílicas, que em parte se podem attribuir ao péssimo clero que tem a ilha. 
As artes estão muito atrazadas n'esta ilha; encontram-se apenas alguns maus carpin- 
teiros, pedreiros e ferreiros. A principal industria é a lavoura, que ainda assim está 
em grande atrazo, poisque, alem de não empregarem os processos agronómicos conve- 
nientes para melhorarem e augmen tarem as colheitas dos vegetaes que plantam, limi- 
tam -se á cultura do cacau, de algum café, mandioca e tabaco, abandonando outras 
muitas culturas, taes como o algodão, o anil, o açafrão, a batata, a canella, etc, e a 
industria de serrar madeiras de construcção, que ali tanto abundam. A alimentação 
d'este povo é em geral de peixe e vegetaes temperados com azeite de palma; pouco 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 97 

um dialecto particular. Os pretos de S. Thomé apresentam-se em geral bem 
vestidos e são aceiados. Os homens trazem calças, camisas e jaleca, mas 
landam descalços, e cobrem-se com chapéu de palha; as mulheres trajam 
saia apertada á cintura, camisa decotada, panno traçado ao hombro, dei- 
xando um dos braços de fora, e lenço ao redor da cabeça em forma de 
turbante. Em dias de festa quasi todos apparecem bem vestidos e calçados. 

« A sua alimentação consiste especialmente em legumes e peixe com 
preferencia o tubarão, que seccam ao sol ou ao fumeiro, e preparam com 
azeite de palma e banana, com muita pimenta. Não gostam de carne de 
vacca nem de gallinha, e só comem carne de porco nos dias de festa, exce- 
pto na quaresma, em que, como catholicos, fazem abstinência de carne. 
São dados a bebidas alcoólicas, e fazem muito uso do chamado vinho de 
palma, sueco branco de sabor acido-saecharino, extrahido do tronco da 
palmeira por incisão, e que deixam fermentar, ficando reduzido a uma 
espécie de licor de cidra. São pouco industriosos,- e applicam-se mais á 
pesca e á lavoura. As suas habitações são todas de madeira, pequenas, e 
pouco ventiladas; comtudo contam-se hoje (1865) em S. Thomè algu- 
mas casas, que, apesar de serem de madeira, são feitas com certa ele- 
gância e commodidades hygienicas. As casas feitas de pedra e cal são 
muito poucas e de mau gosto.» 

Esta descripção apresenta em um só quadro os dados para o conhe- 
cimento da questão proposta : — as condições physicas e moraes dos habi- 
tantes de S. Thoipé, isto é, a sua hygiene individual, longevidade e cara- 
cter ; satisfaz ao fim desejado, mas suppõe o conhecimento da população 
d'este paiz em relação a muitas outras circumstancias, que julgámos de- 
ver notar em separado. O estudo de todos os elementos isolados é muito 
útil, pois conhecendo-se em todas as suas partes a natureza de qualquer 
cousa, faz-se d'ella mais perfeita idéa. 

Nas profissões, modo de vestir, superstições, linguagem, etc, dos 
habitantes de um paiz, encontram-se algumas particularidades que po- 
dem classificar e distinguir os habitantes de certos logares; existem na 
mesma província, ás vezes, modificações nos usos e costumes que não 
devem esquecer; mudam-se com os tempos as inclinações de um povo 
e concorrem muitas vezes para a sua felicidade, e também para a sua 
ruina, e por isso julgámos necessário recorrer ao methodo analytico, 
não esquecendo circumstancia alguma digna de se notar. Do exame de 
cada uma das suas partes chegaremos à resolução da questão que pre- 



uso fazem de carne, e (Testa preferem a de porco, que na realidade é saborosa. O ves- 
tuário é decente, hygienico e á moda dos creoulos do Brazil. Todos sâo aceiados e ha- 
bitam em pequenas casas fabricadas de madeira e cobertas de telha; mas estas habi- 
tações são construídas sem arte e por isso pouco sadias. » 

7 



96 CAPITULO II 

tendemos desenvolver ; trata-se de avaliar o estado da população da ilha 
de S. Thomé em 1869. 



taçao dos habitantes de S. Thomé 

Desejámos escrever com toda imparcialidade e sem que nos possam 
reputar exagerados, e por isso recorremos aos escríptores que se 
téem occupado d'esta ilha, e particularmente a José Joaquim Lopes de 
Lima, que a tal respeito deu largas informações no seu livro publicado 
em 1844. 

Alimentação dos natura es. — a O seu principal alimento consiste em 
peixe, que têem por mais saboroso depois de bem defumado e podre, co- 
zido em agua e temperado com azeite de palma, folha de ocá, quiabos e 
de outros excellentes vegetaes, de que a terra abunda ; acompanham-no 
com farinha de pau muito cozida ou feita em angu, bananas verdes cozidas 
ou assadas ; os mais abastados usam também de uma espécie de pão cha- 
mada fel ispo te, fabricado de mandioca bem amassada e cozida no forno, 
e nos dias de festa comem carne com avidez. As pessoas graves adoptam 
a cozinha europea ou antes a brazileira, porque toda a comida é sobre- 
carregada de pimenta malagueta com a qual os guisados ficam saborosos, 
mas extremamente nocivos ; é fácil avaliar o quanto uma talhygiene deve 
contribuir para a insalubridade do paiz, e muito principalmente, saben- 
do-se que o tubarão, a que chamam grandú, é o pescado favorito d'aquel- 
les insulares, os quaefc, em pescando algum, compram quinhões d'elle 
ás rebatinhas, e os vão seccar ao sol até o peixe ficar corrupto, e depois 
passam-no pelo fogo, e tfesse estado tratam de cozinha-lo com os adubos 
acima indicados '. » 

A alimentação, como a descreveu Lopes de Lima, não representa o 
quadro dos alimentos que os habitantes de S. Thomé adoptam, pode até 
dizer-se que nem um terço da população se alimenta pelo modo que o 
auctor designou. 

Devemos tomar em consideração a alimentação dos libertos das ro- 
ças, dos soldados e dos europeus. 

Não seria sem importância um trabalho minucioso, em que se estu- 
dassem as fructas, as raizes alimentícias, os vegetaes e todos os alimen- 
tos usados pelos naturaes e pelos aclimados. Aconselhar uns, reprovar 
outros, e dirigir o modo de os usar, seria prestar um serviço impor- 
tante aos colonos recemchegados, e a todos os empregados públicos. 
N'este trabalho coordenamos o que ha conhecido, não descemos a fazer 



1 Lopes de Lima, loc. cit.. pag. 85, parte l. s 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 99 

analyses, nem estudos minuciosos, como o assumpto requer para se es- 
crever com segurança. 

Bananas. — A banana é nutriente, sadia e agradável. 

Quer se use assada ou cozida sem outro alimento, quer se empregue 
na sobremesa, não a reprovámos, pelo contrario aconselhâmol-a â todos. 
' A banana que se dá aos trabalhadores, e de qup os indígenas usam, 
deve ser contada como um recurso económico, saudável e necessário 
n'esta ilha. Não queremos dizer que se dê banana por único alimento dos 
trabalhadores, pois seria abusar, e do abuso nunca pôde resultar benefi- 
cio algum. 

Ha muitas variedades de bananas na ilha, sendo umas mais agradáveis 
que outras. 

A banana grande ou banana da terra, que abunda em toda a ilha, serve 
para os trabalhadores. Gomem-na diversamente preparada. Se é madura, 
assam-na, e assim torna-se agradável ao paladar. Se é verde, tiram-na do 
fogo meio assada, descascam-na, e por uma singularidade que não pode- 
mos explicar, a maior parte da gente não lhe come a sua parte central. 

A banana grande substitue o pão de trigo e de milho, que se usa nos 
paizes civilisados, mas com grandíssima desvantagem para a população 
do paiz. 

A banana prata, a banana figo e a banana dourada são boas para a so- 
bremesa, cabe-lhes realmente o elevado titulo de Musa sapientum, que 
os botânicos deram a este fructo tropical. A banana figo é o typo das boas 
bananas. Entre as bananas pequenas ha em S. Thomé uma variedade es- 
pecial, que dizem ser de Ajuda ; é a mais gostosa, mas todas as outras 
variedades são excellentes. 

Em algumas casas cozem-se as bananas grandes Musa paradisica, e 
vão á mesa no prato de cozido. Nem todos gostam d'estas bananas as- 
sim preparadas. 

Vendem-se cinco ou seis por um vintém na praça; mas quem tem fa- 
zendas não as compra, e manda-as vir em cachos, que se conservam por 
alguns dias. 

É fructo abundantíssimo na ilha, e só pelo fim da estação das venta- 
nias rareia um pouco, e sobe então de jpreço. Não é cultivada em algu- 
mas roças. 

Lemos o que a respeito d'este excellente fructo excreveu Fonssagri- 
ves 1 , e com este profundo sábio não temos duvida em aconselhar a ba- 
nana ás pessoas que se propõem viver em S. Thomé. Fazemos, porém, 
algumas observações a este respeito. 

Celle, citado por Fonssagrives, (traducção referida) declara que tem as 

1 Traducção portugueza por João Francisco Barreiros. 



100 CAPITULO II 

bananas por fructo muito nocivo na estação quente e húmida. Fonssagri- 
m ves é de opinião inteiramente contraria, referindo-se aos climas tropi- 
caes. Não dizemos com Celle, que a banana tenha certa influencia nas fe- 
bres intermittentes, mas temos fundados receios de que predisponha para 
a diarrhéa e para a producção de vermes intestinaes. São moléstias fre- 
quentes n'esta ilha. 

Á vista do que deixamos exposto, têem cabimento os seguintes con- 
selhos para os europeus recemchegados. 

l.° As bananas podem ser dadas aos trabalhadores, como parte da 
sua alimentação. Referímo-nos ás bananas grandes ou communs, como 
alimentação auxiliar. 

2.° As bananas grandes podem usar-se á mesa assadas e cozidas. 

3.° As bananas finas, de que ha em S. Thomé differentes variedades, 
constituem um bom prato de sobremesa. 

4.° Os recemchegados devem usal-as com parcimonia. Têem de pas- 
sar pelas perturbações da aclimação, e é útil ser cauteloso na escolha dos 
alimentos. 

mandioca. — Das raizes d'esta euphorbiacea faz -se a chamada farinha 
de mandioca. O seu uso entre os habitantes d'esta ilha justifica a deno- 
minação botânica Manihot utilíssima. 

São variadas as espécies d'esta família, Manihot edulis, Aipi, etc. Em 
S. Thomé fabrica-se farinha de mandioca, em proporção do consumo, e 
vae-se cultivando em escala progressiva. Prepara-se bem n'esta ilha e 
vende-se por 460 réis o alqueire do Minho. Não sabemos se a mandioca aqui 
cultivada tem o principio venenoso, de que nos faliam alguns auctores. 

Em Loanda e em todo o reino de Angola come-se em estado cru, se- 
gundo assegura Welwitsch. Deve proceder-se a indagações e analyses a res- 
peito da natureza d'esta euphorbiacea. Sabe-se que a preparação que se 
dá á sua farinha desfaz o seu elemento venenoso; felizmente elle é volátil. 

A farinha de mandioca come-se geralmente em pó, convenientemente 
preparada. 

O pão a que chamam felispote tem uma forma oblonga e é grande. 
É pouco usado pelas pessoas abastadas. 

A farinha de mandioca è menos vantajosa que a banana; mas, quer se 
coma em pó, quer preparada de Qualquer modo, deve aproveitar-se com 
parcimonia. Usa-se também sob a forma de massa, a que chamam pirão. 

A respeito da mandioca (Jatropha manihot) lê-se em Fonssagrives 
(traducção referida), que «a farinha de mandioca representa um alimento 
pesado, e portanto difficil de digerir, e só temporariamente substitue 
o pão, que forma a base da alimentação dos povos civilisados». 

Os soldados têem todos os dias uma parca ração d'esta farinha. 

A mandioca vem á mesa muitas vezes. Cada um come-a a seu modo. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 10! 

Uns comem-na em pó, outros deitam-na no molho dos guisados, e alguns pre- 
param-na com condimentos fortes, e acham-na assim muito boa; seja como 
for aproveitada, e até duas ou três colheres d'ella em pó não são nocivas. 

Os europeus não a devem comer nos primeiros dias da sua chegada, 
nem esquecerão que é mais indigesta que utiL 

Peixe — O peixe é alimento saudável e muito hygienico. Corrompe-se 
facilmente n'este clima, e é talvez para evitar a corrupção e poder con- 
serval-o por algum tempo, que se leva algum peixe ao fumeiro. Tivemos 
occasião de ver seccar por este meio grande quantidade de sardinha, apa- 
nhada á rede em praias longe da cidade. A sardinha depois de passar por 
aquella operação, é posta em cestos, feitos de rama da palmeira (a que 
chamam motetes). É assim vendida a differentes fazendeiros e a retalho 
na praça. Tem boa venda, quer seja em motetes, quer a retalho. 

Não podemos avaliar a importância d'este peixe emquanto ao seu 
effeito nutriente. Em geral, como diz Fonssagrives (traducção referida), 
devem ser condemnadas as carnes fumadas. Pelo que diz respeito á sar- 
dinha e ao peixe, que costumam aqui seccar ao fumeiro, são precisas al- 
gumas experiências, a fim de se estudarem as suas qualidades mais ou 
menos nutritivas. 

Ha uma espécie de sardinha nos trópicos, cuja utilidade foi posta em 
duvida por Fonssagrives *, julgando-a venenosa, embora accidentalmente; 
como esta, ha outras espécies venenosas de que é preciso acautelarmo-nos. 

Não temos infelizmente estudos feitos acerca de tão importante as- 
sumpto, e bom seria que se tratasse de fazer a classificação dos peixes 
que mais frequentemente apparecem nas praias d'esíta ilha ou nos pontos 
mais próximos á sua costa, a fim de se verificarem as seguintes conclu- 
sões de Fonssagrives. 

i. a Os peixes dos paizes quentes são muitas vezes venenosos; 

2.* Uns são sempre venenosos, outros só accidentalmente ; 

3. a A sardinha dos trópicos é suspeita. 

Os habitantes de S. Thomé entregam-se à pesca desde pequenos. Por 
algumas vezes os vimos pescando ao candeio. As canoas collocam-se 
em linha a pouca distancia da fortaleza, e ali pescavam o peixe agulha. 

Aquella linha de luzes, estendendo-se em semi-circulo, apresenta um 
aspecto singular. Pelas sete ou oito horas da noite, quem estiver na for- 
taleza observa em noites sem luar a pesca do peixe agulha, offerecendo 
aquella serie de luzes um effeito agradável ao observador, que, no meio da 
natureza silenciosa, contempla o mar. 



1 O excellente livro de Fonssagrives, traduzido por JoSo Francisco Barreiros, ser- 
viu-nos de guia. Estudámoi-o com minuciosidade ; a respeito dos peixes veja-se a 
pag. 517 d'esta importante obra. 



|Q3 CAPITULO íl 

« 

As enseadas e bahias que ha na costa da ilha são abundantes em pei*ps 
que se apanham á rede. Não é exagerado o que diz Lopes de Lima 1 : 

«São taes os cardumes de peixes que acodem a todas as bahias e re- 
mansos, que uma lancha com seis homens dentro, em poucas horas reco- 
lhe 20 a 30 arrobas de peixe escolhido.» 

A sardinha, o cherne, o peixe agulha, o vermelho e muitos outros 
são vendidos na praça, e mais aííluencia de peixe haveria se os naturaes 
pescassem somente para a venda publica. 

Contentam-se com alguns peixes para si, e pouco se lhes dá de pesca- 
rem mais alguns para os vender. 

Ha alguns fazendeiros que mandam canoas ao mar por sua conta, e 
de alguns sabemos que em certos dias apuram em peixe cerca de réis 
1000000 ! 

Os naturaes têem um péssimo costume, que é preciso tratar de des- 
truir. Quando pescam o tubarão, cortam-no em pedaços, põem-no ao sol, 
e só o comem depois d'elle apodrecer I Dizem que assim está maduro t i 

O peixe bom constitue uma alimentação saudável. Ha dificuldade em 
se obter peixe quando se não conhece algum pescador ou algum fazen- 
deiro que traz canoas á pesca, e é por isso necessário empregar algum 
meio de obter o peixe quando não se encontra na praça, como acontece 
muitas vezes. 

Os europeus recemchegados devem procurar obter peixe fresco al- 
gumas vezes por semana. O organismo recebe bem a alimentação de 
carnes frescas, vegetaes e comidas brandas. 

Pimenta — A pimenta é conveniente, não se empregando em eicesso. 
O gosto é o melhor regulador emquanto á quantidade que deve entrar 
como condimento. Não a rejeitámos, aconselhâmol-a como estimulante 
das funcções digestivas ; mas não se deve abusar d'ella. O abuso constitue 
sempre um mal, e em S. Thomé pode pôr a vida em perigo. Sabe-se quanto 
são aqui graves as dysenterias, tenesmos, diarrhéas, gastralgias e outras 
moléstias do tubo intestinal. Convém portanto que a comida para os re- 
cemchegados seja bem temperada ; devem costumar-se aqui á alimenta- 
ção europea, e irem a pouco e pouco adoptando os usos do paiz sem se- 
guirem o exemplo dado pelos naturaes e aclimados no que respeita ao 
abuso dos condimentos, especialmente da pimenta, a que chamam mala- 
gueta. 

Vinho de palmeira — «O vinho de palmeira, quando recente e bebido 
em pequena quantidade, é agradável ao paladar, e pela sua acção sobre 
o cérebro, faz lembrar o de Champagne ; estimula suavemente o esto- 



Lopes de Lima, loc. cit., parte 1.*, pag. 14.. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ i03 

mago, modera a sede, conserva o ventre livre, e tem propriedades diuré- 
ticas ; porém quando se ultrapassam os limites da moderação, começa o 
perigo. N'esse caso, ha o abuso e apparecem os accidentes da embriaguez 
aguda.» 

Fonssagrives disse a respeito do vinho de palmeira, que se for ve- 
lho e tiver gosto sulphydrico, em vez de sabor fresco e picante, que lhe é 
próprio, pôde ser prejudicial 4 . 

Encontra-se bastante vinho na praça, e até em alguns logares mais 
concorridos. Em bom estado e fresco constitue uma bebida refrigerante 
e hygienica. 

Azeite de palmeira — O azeite de palmeira produzido pelo cpqueiro 
de dendem tem côr de ocre, sabor doce e agradável. Torna-se dentro em 
pouco rançoso e tem côr repugnante. Entra nas comidas dos naturaes da 
ilha, e somente é usado por elles. Para se fazer idéa dos manjares mais 
afamados d'esta gente, mencionaremos alguns : 

— Peixe secco, folhas de ocá, azeite de palma, quiabos, sal e pimenta 
entram no Cálu (1). É um delicioso manjar de que os europeus, e com es- 
pecialidade os recemchegados, devem acautelar-se. 

— Folhas de agriões, azeite de palma, peixe secco, sal e pimenta, con- 
stituem o Idgiôgó (II). 

— Peixe fresco, azeite de palma, banana cozida e pimenta compõem o 
SôuouQl). 

Os naturaes têem grande variedade de fructas, que se' lhes offerecem 
por toda a parte, de raizes alimentícias e de muitos outros vegetaes úteis. 

A rima, ou arvore de fructa-pão, offerece-lhes o seu fructo sadio, 
aindaque pouco nutriente. Pertence á família das urticaceas, e tem tanta 
utilidade na Oceania como as gramíneas na Europa. O dr. Welwitsch, na 
sua Flora angolense, dá muita importância ás artocapeas (classe 23. a , juli- 
flores) e aconselha a sua introducção em Angola. 

Um benemérito cidadão, um agricultor illustrado e amigo do povo 
d'esta ilha, propoz a vulgarisação da sementeira d'aquellas arvores, a 
cujo respeito fallaremos em o competente capitulo. 

O inhame é a batata dos paizes quentes. Passa por ser mais saboroso 
que nutriente; come-se cozido. A batata doce apparece em casas abas- 
tadas. 



i « Observámos em nós mesmo os perigosos effeitos (Testa bebida assim alterada, 
quando na ilha do Príncipe bebemos alguns goles de vinho de palmeira que tinha 
cheiro e gosto hepático, indícios certos de um começo de alteração.» Fonssagrives, 
traducção de João Francisco Barreiros, pag. 490. Não julgámos necessário dar por co- 
pia na sua integra o que Fonssagrives escreveu a respeito d'este produeto da fermenta* 
ção alcoólica da seiva da palmeira. 



iOt CAPITULO II 

O maracajá e a anona são vulgares. Faz-se bom doce de papava ot 
mamão. Apparece muito o caju, e são abundantíssimos os limões, os ant- 
razes e os tamarindos. Ha bastantes laranjas e algumas muito boas, limas, 
goyabas de que se faz bom doce. Ha muitas mangas e abacates ; a ginguba 
começa a generalisar-se. 

Na terra ou no ar encontra o habitante de S. Tbomé de comer e de 
beber! ! Um coco dá de beber a duas pessoas em qualquer parte: as ba- 
nanas são muitas e variadas; em qualquer logar existe uma fonte de crys- 
tallina agua ; a ginguba, o inhame e a mandioca são alimentos communs. 

Não pôde haver paiz mais feliz í ! 

Não pára aqui a abundância da alimentação dos habitantes deS.Tho- 
mé. Téem a carne de tartaruga 1 , a de carneiro e de cabrito. Comem es- 
pigas de milho verdes e assadas. Amam a carne de porco. Os leitões as- 
sados entram em todos os banquetes de festa. 

A sua alimentação é realmente variada e de facílima acquisição. 

Merecerá porventura o nome de anti-hygienica?... Não, com certeza. 

Os selvagens, que comem com prazer a carne de cão, o tubarão podre, 
os bichos (occolís) de certos paus, fazem excepção, nos seus hábitos, da 
alimentação geral dos povos da ilha. 

É digno de notar-se o prazer com que fumam tabaco e as folhas de 
um vegetal a que chamam liamba. Dão-se por satisfeitos com aguardente, 



1 Ha muitas tartarugas na costa da ilha. Quando as fêmeas vem á praia depositar 
os ovos, os pretos, que se occupam d'esta caça, correm paraellas, agarram-nas de lado 
e voltam-nas de barriga para cima. As tartarugas ficam por este meio condemnadas á 
immobilidadef Muitas são conduzidas depois a pau e corda para a cidade, ou em ca- 
noas que atracam á praia, para as receberem. Algumas pesam cinco arrobas, e outras 
ainda mais. São grandes e valentes, podem com grande peso, e se por curiosidade se 
levam á sua posição natural, é para admirar o instincto d'este reptil ; esforçam-se por 
fogir, arrastando-se para longe. 

As fêmeas trazem de duzentos a trezentos ovos, e algumas chegam a ter mais. 
Os ovos são vendidos na praça, assim como a carne ; a casca é guardada, e exporta-se 
para Lisboa. Em 1868 passaram pela alfandega 84 kilogrammas de cascas de tartaru- 
gas, e todos os annos se exporta maior ou menor porção. 

A respeito das tartarugas lê-se em Fonssagrives, loc. cit., pag. 500, as seguin- 
tes linhas. « As tartarugas dos paizes quentes podem dividir- se em três espécies : ha- 
cate, terrapen e marítima. Esta comprehende quatro variedades : l. a , as grossas tarta- 
rugas; 2.*, as de cabeça grande; 3.*, as de bico de falcão ; 4.*, as verdes. A carne da se- 
gunda variedade exhala mau cheiro ; a da terceira é prejudicial, por occasionar fre- 
quentemente vómitos e diarrhéas; a da ultima, pelo contrario, é branca e agradável, 
coberta de gordura amarella, e não é nociva.» 

A carne da tartaruga de S.Thomé não é branca, e é agradável. Nunca nos constou 
que fizesse mal, e parece-nos que se devem collocar entre as da primeira variedade 
e as da terceira. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 105 

que bebem com soffreguidão ; têem pouco escrúpulo em roubar qualquer 
cousa para venderem, a fim de satisfazer este vicio inexplicável. Tendo 
aguardente não pedem vinho, nem bebidas alcoólicas superiores, julgam- 
se felizes f 

E que diremos dos angolares ? 

Pouco se sabe (Teste famoso povo estrangeiro, que temos por nosso 
vizinho. As chronicas de S. Thomé são bem contradictorias a respeito 
dos seus usos e costumes e mesmo da sua população. 

Têem sido poucos os heroes exploradores que têem percorrido o seu 
paiz, e por isso tudo o que se escrever a tal respeito não passará de hy- 
potheses ! 

Alimentação dos libertos — Os libertos têem alimentação regulamen- 
tar. O peixe de Mossamedes, a izíquente e as bananas grandes formam a 
base da sua alimentação. É realmente deficiente. 

A izaquente prepara-se de um modo particular, e é temperada com 
azeite de palma. Em algumas fazendas dão aos libertos sardinha defu- 
mada, e em outras comem peixe uma vez por outra. 

Podem colher os fructos sem os comprar, e recebem em algumas ro- 
ças dinheiro para obterem géneros alimentícios ou tabaco, et<?. 

Uma alimentação d'esta ordem é causa de graves moléstias, e, espe- 
cialmente da anemia com todas as suas consequências. 

Grassam entre elles as ulceras, as dysenterias, a hydropesia, os ede- 
mas, as cachexias, que muito prejudicam os agricultores, não só porque 
os trabalhadores não podem prestar-lhes bom serviço, mas porque a mor- 
talidade é maior, e é constante a despeza com as doenças chronicas. 

Alimentação dos soldados — Os soldados do batalhão de caçadores 
n.° 2 são alimentados de um modo particular, que devemos examinar com 
cuidado. Assim o pede a gravidade e importância do assumpto. 

Em 1865 escreveu o dr. José Correia Nunes: 

«0 rancho que se distribue diariamente aos soldados consta de duas 
refeições de arroz e feijão ou grão de bico cozido em agua com algumas 
gotas de azeite, e uma ração de farinha de mandioca, tendo talvez o peso 
de 500 grammas; algumas vezes ajuntam aos legumes alguns pedaços 
de peixe salgado de Mossamedes. Esta comida, alem de ser insalubre, é 
em quantidade muito parca e não pode saciar o soldado.» 

Desde 1865 até 1869 não houve mudança alguma na alimentação que 
ahi fica apontada. 

Se um ou outro commandante tornava o rancho mais nutriente, du- 
rava esse melhoramento pouco tempo, e a base da alimentação não era 
modificada. 

As necessidades dos soldados que se acham n'esta ilha não têem sido 
attendidas no que diz respeito á sua alimentação, e é necessário, urgente 



106 CAPITULO U 

e até humano tratar de substituil-a, por ser insalubre e deficientissima. 
Produz mais despeza indirecta para a fazenda publica, do que á primeira 
vista parece. 

Os soldados mal alimentados andam sempre fracos. Adoecem facil- 
mente, dão frequentes baixas ao hospital, definham-se progressivamente, 
e vem a morrer cacheticos, por inanição ! I 

Com as baixas ao hospital, com a falta do seu serviço, e com as con- 
tinuas e inúteis convalescenças, não gastará a fazenda publica mais do 
que se lhes desse uma alimentação sadia, económica, e apropriada a este 
clima excessivo, miasmatico e doentio ? . . . 

Não exagerámos. O que hoje se observa já era lamentado em 1865 
pelo dr. José Correia Nunes; aqui transcrevemos as suas textuaes pala- 
vras: 

«Punge realmente o coração ver em S. Thomé o soldado branco, 
magro e macilento, descalço, carregando paus e pedras, debaixo de um 
sol dardejante, ou de copiosa chuva. Tal é o estado e misera condição do 
soldado em S. Thomé.» 

Em nome da humanidade, da economia e da caridade christã, pedi- 
remos constantemente que a sorte de tantos desgraçados seja melhorada. 
A base d'essa reforma está indicada no seguinte trecho, que copiámos de 
Macedo Pinto, sábio hygienista portuguez : 

«Os trabalhos junto aos pântanos devem começar uma hora depois 
de nascer o sol, e devem terminar meia hora depois d'elle se pôr. Devem 
andar todos os operários bem vestidos e ter alimentação substancial, em 
que predominem os princípios azotados, bem condimentada com sal e 
substancias aromáticas l ; também lhes é indispensável maior porção de 
vinho ou de café 2 que tomarão três ou quatro vezes no dia, sendo a pri- 
meira depois do almoço, a que procederão antes de começar o trabalho. 
Para bebida ordinária convém que façam uso de boa agua, ou simples 3 , ou, 
o que será melhor, levemente acidulada com acido sulphurico, chlorhy- 
drico, nítrico, vinagre ou limão. Também lhes convém usar de tabaco de 
fumo, visto como alguns hygienistas o reputam preservativo contra a má 
influencia dos pântanos. 

«Deve ser-lhes terminantemente prohibido o deitarem-se sobre a ter- 
ra, ainda durante o dia, mormente ao pé dos pântanos. 



1 Sabe-se que os naturaes da ilha têem por condição essencial nos seus mais sa- 
boro&os manjares o emprego de condimentos. 

2 Havendo n'esta ilha tanto café, nega-se a quem d'elle mais precisa ! ! 

3 Para a agua ordinária devia haver uma pedra de filtrar em cada companhia 
Os soldados bebem da peior agua do rio Agua Grande ! É n'elles que avulta o numero 
das dysenterias, febres perniciosas e typhoides ! ! 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES PQS HABITANTES DE S. THOMÉ iOF 

«De noite não hão de sair para fora da barraca onde tenham de per* 
noitar ; usem de cama confortável e de roupa bastante para os agasa- 
lhar. 

«Logoque adoeça algum operário (em S. Thomé os soldados são todos 
operários) seja conduzido para o hospital ou povoação sadia e distante do 
pântano. Emfim, dê-se descanso por alguns dias aos operários,, a quem 
entrarem a escassear as forças, a faltar a cor, etc, administrando-lhes tam- 
bém infusão de macella, ou cozimento de almeirão, ou de casca de sal* 
gueiro branco, e ainda melhor, infusão fria de quina 1 .» 

O quadro que ahi fica tem applicação aos operários que se occupam 
da agricultura ao pé de um pântano. Os soldados em S. Thomé empre- 
gam-se em obras publicas e em muitos outros trabalhos, e a cidade, como 
está, é verdadeiramente insalubre e cercada de pântanos. 

Temos presenceado scenas desoladoras. 

Entra nesta ilha um vapor conduzindo de Lisboa alguns degradados que 
ficam addidos ao batalhão de caçadores n.° 2, e então a sua desgraça é maior, 
ou assentam praça, e, n'este caso, têem, alem do rancho, um pequeno 
vencimento diário. Uns e outros são empregados em obras publicas, e os 
addidos especialmente são obrigados a esses trabalhos desde o segundo 
dia em que desembarcam. No primeiro mez perdem as forças a maior 
parte d'elles, alguns adoecem, e os mais fracos, ás vezes, nem quinze dias 
vivem! 

No estado em que se acha o batalhão de caçadores n.° 2, morrem, 
como se vê dos respectivos mappas, 3,64 por cento ao anno em relação 
á população do hospital. 

Para custear as despezas com as doenças gastam-se cerca de réis 
3000000 mensaes. 

Mudem-se as condições de tantos infelizes, e ver-se-ha a mortalidade 
ser muito menor, os serviços que elles prestam nas obras publicas serem 
regulares e úteis, e as despezas das dietas descerem muito. E quando 
não desçam aquellas despezas, que sejam ao menos profícuas. Deviam 
ser benéficas, dando força aos que se achassem abatidos, saúde aos doen- 
tes, coragem a todos. 

Que os soldados se empreguem nas obras publicas, ou deixem de em- 
pregar, não questionámos. O facto é que em 1869 andavam conduzindo 
paus, terra, pedras, tábuas e outros materiaes das obras publicas. N'esse 
caso devem ser considerados como operários que trabalham perto dos 
pântanos e em logares insalubres. Devem-se-lhes applicar as considera- 



1 Macedo Pinto, Hygiene publica, parte 1.", pag. 372 a 378. É bem importante o 
artigo 7.° (Teste livro acerca da hygiene dos pântanos. 



108 CAPITULO D 

coes que Macedo Pinto fez. Pugnaremos sempre em favor (Telles ; pede-o 
a humanidade e a religião christâ; exige-o a bygiene e a caridade ; e, o 
que mais imporia, arrancam-se muitos desgraçados a uma morte certa, 
haverá mais operários para as obras publicas, e animam-se pela boa fama 
da ilha os trabalhadores que porventura convenha para o futuro intro- 
duzir aqui. 

Alimentação dos empregados públicos, dos negociantes e dos europeus 
em geral. — Os europeus e até alguns naturaes ricos mandam vir de Lis- 
boa pelos vapores, chá, assucar, bolacha, farinha, conservas em latas, vi- 
nhos de todas as qualidades, doces, etc., etc. Adoptam uma alimentação 
variada e preparada a seu modo. 

Os empregados públicos porém lutam com muitas dificuldades e 
duros sacrifícios para terem uma alimentação regular. Que posição do- 
lorosa ! Se a alimentação é má e deficiente, gastam na pharmacia os seus 
vencimentos e sustentam uma luta inglória ; se quizerem ter uma alimen- 
tação regular, não lhes chegam os seus precários vencimentos ! 

A maioria dos empregados n'esta ilha, ou andam ausentes dos seus 
logares, ou estão doentes, ou em convalescença. Nem têem forças para fa- 
zer o serviço, nem gosto para o trabalho. Fazem parte da população am- 
bulante da ilha. 

Havendo a carreira dos vapores, chegam a esta ilha fructas de Portu- 
gal, e quem tiver alguma economia pode receber mensalmente de Lis- 
boa o que lhe for mais preciso, e d' este modo combinando os alimen- 
tos que a ilha fornece com os que podem vir de Lisboa, torna-se a vida 
supportavel, as doenças são em menos quantidade, a esperança anima a 
todos. 

Encontra-se em S. Thomé bom leite de cabra, alface, couves, repo- 
lhos, feijões, milho, abóboras, melancias, muitas galUnhas, pombos e por- 
cos ; ha finalmente todos os elementos para se apresentar um bom jan- 
tar, servido com variedade e abundância, havendo á sobremesa doces de 
todas as qualidades e boas fructas. 

Dão-se n'esta ilha banquetes, notando-se na maior parte dos convivas 
saúde, alegria e robustez. 

Os recemchegados não devem seguir-lhes o exemplo nas comidas ou 
bebidas, porque não estão nas condições d'aquelles que ali se acham, e 
por isso de modo algum os devem imitar. 

Quando tratarmos das regras praticas que deve seguir a colónia pro- 
priamente dita, ou, como dissemos no principio d'este capitulo, á popu- 
lação ambulante, faremos as observações convenientes. Por agora limi- 
tar-nos-hemos a dizer que em 1869 assistimos a alguns jantares de pri- 
meira ordem. Não ficam muito distantes dos que se dão em Lisboa em 
muitas casas. 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 109 

Vestuário dos habitantes de S. Thomé 

O vestuário pôde ser característico de um paiz, de uma província, e 
até # de uma cidade ; e também o pode ser de uma ou de outra epocha, 
quando se trata de usos e costumes. 

Em S. Thomé, em 1869, pôde dizer-se que o vestuário dos naturaes 
não é desagradável á vista, sendo em geral hygienico. Antes de progre- 
dirmos, seguindo o methodo que adoptámos na coordenação d'este tra- 
balho, transcreveremos a descripção que nos deixou Lopes de Lima *. É 
a seguinte : 

«O miserável vestuário, ou antes a quasi nudez da gente mesquinha 
de S..Thomé, attesta a sua indigência e preguiçoso desíeixo, e não é por 
que lá se desprezem (o áuctor escrevia em Lisboa) as galas e louçainhas ; 
os abastados trajam, o melhor que podem, modas da Europa, e mesmo 
qualquer escuro Janianes que chega a obter a posse de uns sapatos e uma 
jaqueta e calças de baetão, percorre as ruas nos dias de festa com o seu 
chapéu de palha na cabeça, tão empertigado como um magnate ; aquelles 
porém que não podem attingir a tal louçainha, enrolam apenas na cin- 
tura algum fragmento de calções, ou de camisa, com que mal tapam al- 
guma parte do corpo ; quasi todos andam com a cabeça descoberta, sendo 
poucos os que usam de um chapéu de palha de folha de palmeira, e rarís- 
simos os que calçam sapatos ; aos escravos é mesmo prohibido andar cal- 
çados, por mais bem vestidos que se apresentem. 

«As senhoras principaes vestem e calçam á eufopêa sempre que ap- 
parecem em publico, cobrindo os hombros com pannos de cassa ou filó, 
ou mesmo com chailes, e quando vão á igreja levam a cabeça coberta com 
véus ou lenços bordados; em casa usam de saia, colete atacado, camisa 
broslada e chinellos, e por andar á fresca não calçam meias senão indo á 
rua ou recebendo visitas de ceremonia. 

«As mulheres do povo, em vez de saias, trajam pannos de algodão, 
que no paiz se tecem em pequena quantidade (hoje não se fabrica nenhum) 
ou vem da costa vizinha, e da cinta para cima, ou andam totalmente em 
carnes, o que nas regiões africanas se não tem em conta de grande inde- 
cencia, ou, quando muito, adoptam o uso da camisa, aquellas que aspi- 
ram a mais alguma distincção ; todas porém trazem as pernas nuas, e, 
ou andam descalças ou calçam chinellos e ás vezes sapatos. 

«Toda a mulher, rica ou pobre, saindo á rua, cinge um lenço á roda 
da cabeça, e as casadas usam constantemente d'este toucado mesmo em 
sua própria casa ; apparecer a alguém sem elle fora indecoroso, e as mais 
indigentes que não chegam a possuir um lenço, ou ainda um trapo, amar- 

1 Lopes de Lima, loc. cit., parte 1", pag. 86. 



110 CAPITULO II 

« 

ram na cabeça uma folha de palmeira ou qualquer outra cousa, que sub- 
stitua este enfeite matrimonial, a que no paiz se dá o nome de coroa do 
matrimonio. Os menores de sete annos de ambos os sexos andam com- 
pletamentenás.» 

A descripção que acima fica exposta refere-se a uma epocha que dista 
vinte e cinco annos da epocha actual. Se em 1844 continha alguma exa- 
ctidão, hoje está fora de propósito. A leitura despreoccupada mostra que 
o auctor procurou lançar algumas cores escuras no seu quadro, talvez pela 
tendência que sempre houve em dirigir as descripções dos cdstumes d' este 
e de outros paizes para a exageração ou para o ridículo. 

E de mais a mais, que se podia esperar de uma ilha que se achava 
isolada dos centros civilisados ? . . . 

* 

Em 1869, em S. Thomé, vestem-se á moda de Lisboa todos os que 
podem. As pessoas de certa ordem e as senhoras de distracção são rigo- 
rosas n'esta parte. 

Entre as mulheres do povo ha costumes dignos de especial menção. 

Não trazem um lenço, compram quatro ou cinco unidos e cobrem-se 
com este panno. Um lenço é atado em circulo cobrindo a testa, passando 
na nuca. Todas as mulheres usam assim de um lenço ! Prendem-lhe as 
pontas por tal forma e com tal arte, que não se apresenta uma só ruga ou 
prega saliente, e o panno que lançam ás costas é traçado por tal maneira, 
que o braço direito fica livre. 

Trazem os filhos ás costas. Yão para o trabalho conduzindo as crean- 
cinhas ffeste modo. Têem os braços livres, lavam, engommam, carregam 
agua ou outra qualquer cousa, levando o filho preso com um panno e por 
tal modo seguro e commodo, que se podem entregar a todos os seus mis- 
teres. As creancinhas parecem achar-se bem. 

Em geral andam descalças. As nossas mulheres do Minho, próximo ao 
Porto, quando se empregam em certos trabalhos, também andam descal- 
ças, assim como os trabalhadores. Nos dias de festa vestem-se, calçam-se, 
quando o podem fazer. 

Os naturaes empregados nas differentes repartições apresentam-se 
bem vestidos, e attentos os vencimentos que têem, admira como se podem ; 

apresentar assim. 

Quem pôde manda vir fato de Lisboa pelos vapores, e quem não 
pode sujeita-se a compral-o em S. Thomé, onde em 1869 havia bastante 
fornecimento. O que é certo é que a cidade de S. Thomé e os habitantes 
da ilha são capazes de civilisação, que amam ardentemente. Não se op- 
poem ao desenvolvimento e progresso da ilha; pelo contrario imitam 
tudo o que os europeus adoptam. 

Se a civilisação for implantada n'esta ilha a par de uma instrucção re- 
gular e solida, veremos generalisar-se o amor ao trabalho e ao estudo, e 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 111 

esta ilha dentro em poucos annos apresentará um aspecto de alegria, de 
felicidade e de prosperidade, real e duradoura. 

Temos assistido a algumas procissões. Fazem-se com muito aceioj e 
tivemos então opportunidade para notar que o vestuário dos naturaes da 
ilha vae perdendo o seu typo original com grave offensa da hygiene. Ape- 
sar d'isso apparecem alguns vestuários, largos, fluctuantes e accommo- 
dados ao calor tropical. 

Nem os europeus devem imitar os naturaes, nem os naturaes devem 
seguir ás cegas os usos e costumes dos brancos. Ha n'isto grave prejuízo 
pva uns e para outros. 

Os europeus vestindo como em Portugal ou nos climas temperados, 
não satisfazem ás condições hygienicas, que são exigidas n'um clima exces- 
sivo, húmido, pantanoso e miasmatico. N'esta ilha ha oito mezes de chu- 
vas torrenciaes, de mudanças atmosphericas rápidas, contra as qilaes os 
europeus devem acautelar-se. 

Os naturaes são dizimados por graves pneumonias por trazerem o peito 
descoberto, e, depois de estarem sob a acção de um sol abrazador, anda- 
rem suados, e serem molhados pela chuva, que os apanha quasi sempre 
de repente. 

Os libertos trazem um panno riscado á cinta que lhes cáe até ao joe- 
lho. Andam descalços e descobertos. 

O mau vestuário e a alimentação deficiente são a causa da grande mor- 
talidade que se nota entre elles. 



Usos e costumes dos habitantes de S. Thome 

« Os divertimentos populares d'estes indígenas, diz Lopes de Lima, 
consistem em danças com momices ao som do batuque, as quaes acabam 
sempre em uma geral embriaguez 1 . » 

Os divertimentos populares são como todos os divertimento populares 
do mundo. Este povo ama a civilisação e o progresso, e se tem vivido na 
barbárie é porque ahi o têem deixado permanecer ! ! 

Os habitantes (Testa ilha são amantes da musica. De uma canna, de 
um coco, ou de qualquer outra cousa, fazem os rapazes um instrumento. 
Gostam da dança, amam as letras, mas nunca tiveram mestres, nunca po- 
deram ver para imitar, nunca poderam trabalhar e estudar ! ! Não são di- 
gnos de censura, são dignos de lastima ! 

Têem danças originaes, e nem em todas as festas se acaba pela em- 
briaguez. Asseverâmol-o sem receio de contestação. 

1 Lopes de Lima, loc. cit, parte i. a , pag. 87. 



112 CAPITULO H 

Em dias de festa, comem, bebem e embebeda-se um ou outro. Têem 
gosto particular por festas de igreja, e não ha família em S. Thomé que 
não faça a sua festa, com a competente i Iluminação da casa. 

Nos batuques dança-se toda a noite. Não é dança, é delírio I 

Um pau oco com uma pelle serve de tambor, no qual se executa o 
motu continuo; não pára um instante de emittir um som desharmonico, 
incommodo, mas forte e sonoro, e ao som d'elle forma-se uma dança 
continuada. Se um par se sente fatigado, outro occupa logo o seu logar; 
se cansa o homem do tambor, outro o substitue rapidamente ; não é por 
uma hora, é por uma noite ! 

Os landuns são mais harmónicos. Entra n'elles uma flauta e o respe- 
ctivo bombo. Não têem logar fixo, arranjam-se em qualquer parte. Á frente 
dos dançarinos vae uma bandeira, que na occasião da dança se acha le- 
vantada e tremulando. É o divertimento principal dos naturaes, ao qual 
concorrem muitos europeus. 

N'um paiz, como S. Thomé, onde faltam todos os recreios, onde não 
ha theatro, nem assembléa, nem bibliothecas, nem musica regimental 
que toque aos domingos e dias santos nas praças, que se pôde fazer? 

Em S. Thomé não ha nada que distraia a imaginação, estimule o espi- 
rito e dê algumas horas de descanso e distracção aos trabalhos da vida. 

tAqui não se ama o trabalho, ha muitos ociosos.» É verdade. Fai- 
tam-lhes as necessidades, não precisam de obter os meios de as satisfazer. 
Contentam-se com a sua alimentação, e o paiz offerece-Ih'a boa, abun- 
dante, espontânea e geral. * 

c São dados ás bebidas alcoólicas ; andam na vadiice a maior parte dos 
habitantes. » Façamos a este respeito algumas distincções. 

Ouçamos em primeiro logar Lopes de Lima a respeito dos pretos 
forros 1 : 

« Tudo é mister empregar para augmentar a população útil da ilha de 
S. Thomé e Príncipe, cujos actuaes indígenas de côr preta, alem de pou- 
cos, são em grande parte imiteis pelo seu invencível aferro á ociosidade 
e embriaguez, que acompanham com outros vicios não menos damnosos á 
sociedade; têem uma constante propensão para viverem do alheio, não com 
roubarem á viva força, para o que porventura lhes fallece a coragem, mas 
furtando diariamente o pouco que demandam suas limitadas precisões. 

« A pintura que da sua devassidão e vadiice acabo de traçar é ainda 
inferior no seu negro colorido áquella que se acha estampada nas infor- 
mações authenticas e officiaes das camarás e dos principaes moradores, 
negociantes e lavradores de S. Thomé e Príncipe. Eis-ahi um trecho 
d'essas informações que damos na sua integra. 

Lopes de Lima, loc. cit., parte i.*, pag. 84, 85 e 48. 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 113 

« A ilha de S. Thomé vê-se inçada de vadios, dispersos por esses 
matos, que nem trabalham por si, nem convidados por outros para lhes 
pagarem, e se contentam mais com andarem nus, sustentando-se de vi- 
nhos que tiram das palmeiras, bichos de paus, e não bicho de pão *, e 
fructos silvestres, ou dos mantimentos que vão furtar nas roças dos mo- 
radores, do que sujeitarem-se a trabalhar. » 

Este ultimo trecho refere-se ao anno de 1828, e o primeiro ao anno 
de 1844. Por estes dois trechos se pôde avaliar o estado da população 
na sua parte principal, operários e trabalhadores d'aquellas epochas. 

Em 1869 encontra-se alguma differençà; não é muita; vêem-se gran- 
des abusos, mas ao menos não ha plena vadiação* como em 1828. 

Apparecem alguns artistas que se entregam ao trabalho, se não o fa- 
zem regularmente, sempre se occupam de alguma cousa. Entre os cabo 
verdeanos ha alfaiates, latoeiros, carpinteiros, vendilhões de carne, fru- 
ctas e legumes ; alguns têem tascas de bebidas. 

Na agricultura ha grande falta de trabalhadores, e são enormes as 
perdas que por isso soffre esta ilha. 

Uma das causas principaes a que attribuimos a pouca vontade dos 
indígenas -se dedicarem ao trabalho está nos vastíssimos terrenos que se 
acham por cultivar; são maninhos, ha n'elles toda a qualidade de fru- 
ctos, e por isso não é difficil aos nativos obter mandioca e espigas de 
milho, que comem assadas ; não precisam de trabalhar em casa dos ou- 
tros para arranjarem o seu sustento. 

Encontra-se em qualquer parte e sem trabalho o que se teria de obter 
trabalhando, se por acaso os terrenos estivessem tão cultivados como no 
Minho. A abundância dá aqui o contrario do que se observa n'outras ter- 
ras: a população estaciona, e foge do trabalho; falta-lhe um inverno, 
uma estação rigorosa em que ella fosse obrigada a guardar alimentos, 
acautelando-se da intempérie do tempo e da esterilidade da terra para 
não morrer de fome. Os fructos, são espontâneos, mas parece que a 
constante fertilidade produz a pobreza e o enfraquecimento! ! 

Religião dos habitantes de S. Thome 

« A religião é a catholica romana, em cujo culto exterior os moradores 
muito se esmeram, sobrecarregando-o até com praticas ridículas e abu- 



1 No texto da obra de Lopes de Lima lê-se bicho de pão. Isto deu occasião a que 
mr. Mac-Carlhy escrevesse na sua versão para o francez um erro. Diz mr. Mac-Cartby : 
« Les montagnes sont remplis de crabes de terre, qui se mangent en regout, et des cra- 
bes appellés bicho do pão (ver du pain), dont se nourrissent les vagabondes». £ isto 
não é assim. São vermes ou bichos que se criam dentro de certos paus, que são cortados 

8 



H4 CAPITULO II 

sivas, introduzidas pela ignorância, conservadas pela negligencia ou talvez 
cumplicidade de um clero corrompido ab initio, e tidas hoje entre gente 
boçal, que constitue a grande maioria d'aquelle povo, por tão essenciaes 
como a própria lithurgia da igreja. 

« Taes exterioridades de devoção apparente têem porém infelizmente 
servido em todos os tempos para cobrir uma moral corrompida *. 

« Nem outros costumes poderiam rasoavelmente esperar-se de uma 
colónia fundada com as fezes da sociedade portugueza, e a descendência 
aviltada de uma raça perseguida e olhada com horror, alliançados estes 
elementos pelos laços de uma sensualidade brutal ás barbaras filhas dos 
libambos africanos, porventura nutridas até então de carne humana, esta 
colónia privada de instrucção em todo o tempo, abandonada á sua pró- 
pria indolência e crápula libidinosa sob os influxos de um clima ardente 
e maligno, espectadora das intrigas escandalosas, dissensões, vilezas e 
crimes, que formam o miserável contexto da historia de S. Thomé, que 
outra cousa pôde ser seilão um povo ignorante, fanático e corrom- 
pido?!» 

Trata-se, como declara Lopes de Lima, da plebe; mas não é isso ra- 
são para se lhe negar justiça. Em todo o tempo o mal proveiu mais dos 
poderosos, dos padres e dos governadores, que do povo ; é a historia 
da ilha com todos os seus horrores que o attesta. Para se conhecer bem 
a verdade temos citado auctoridades respeitáveis. 

Mal se pôde arguir um povo que não tem sido guiado pelo caminho 
da justiça, dando-se-lhe instrucção e educando-o para o trabalho. 

Que se pôde esperar de uma colónia, onde as primeiras auctoridades 
representam os miseráveis papeis que têem representado as de S.Thoméf? 

Esta ilha soffrerá a desconsideração e o desprezo por causa dos exces- 
sos dos seus governadores, contra os quaes Lopes de Lima não teve uma 
palavra de indignação? 

E que diremos nós dos padres ? . . .. 

Não tinham dignidade pessoal, nem moralidade, nem instrucção. Cer- 
cados de filhos e de amazias, passavam uma vida dissoluta, sem haver 



e expostos ao tempo até ficarem bem seccos. Com as chuvas e humidade nascem uns 
vermes que os vadios apanham e comem ! 

Têem estus bichos o lindo nome de ocolis. Os vadios também comem o tubarão 
depois d'elle estar podre e ter muitos vermes ! Alguns pretos comem cães, gatos e ra- 
tos com bom appctite ! ! 

1 Os vicios e abusos estavam introduzidos e eram tão caseiros entre os morado- 
res, que o seu primeiro bispo, o virtuoso e illustrado D. Fr. João Baptista, morreu de 
desgosto de os não poder extirpar. Lopes de Lima manda ver a respeito d'este prela- 
do a Historia de S. Domingos, livro 6.°, capitulo 38.° Como este houve mais alguns 
prelados dignos de consideração e acatamento. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES ÔÕS HABITANTES DE S. THOMÉ 115 

i 

quem os trouxesse aos seus deveres. No meio (Telles appareceram al- 
guns bons 1 , mas o numero dos maus era maior e supplantava-os ! ! . . . 

Os habitantes não tinham culpa do estado em que viviam. Negaram- 
lhes a luz, viviam nas trevas. Ensinaram- lhes a astúcia, a calumnia, a vin- 
gança ; eram astuciosos, calumniadores e vingativos. Viam a guerra entre 
as autoridades ; guerreiavam-se uns aos outros, e accusavam-se reci- 
procamente dos mais negros e hediondos crimes ! 

Causa lastima ver as scenas que se passaram n'esta ilha, não só nos 
annos de 1864 a 1865, como se lêem no Diário do governo, mas especial- v 
mente no anno de 1868. 

Pertencem á historia, mas os seus effeitos desastrosos vão-se sentindo 
presentemente I 

O povo é supersticioso. Recorre-se aqui aos feitiços, e consultam-se 
para esse fim os padres I 

Encontrámos por muitas vezes os padres a ler exorcismos, tendo em 
sua casa algumas pessoas, a quem obrigavam a estar de joelhos por muito 
tempo, emquanto elles liam o breviário. Os indígenas vão de noite resar 
ás portas das igrejas, e, assistindo á missa, deitam-se no chão quando er- 
gue a Deus ! 

Quando querem mal a alguém, accendem uma vela, e vão pôl-a á porta 
da igreja, pedindo que morra a pessoa quando se apagar a luz I 

Temos encontrado 2 requerimentos feitos a S. Miguel, Santo António, 
e a outros santos, pedindo-lhes que mate um inimigo dó requerente ! 

A redacção de taes requerimentos é tão extravagante, como imprópria 
de um paiz, onde existe clero que deve ser illustrado. 

Ensinam as creanças a pedir a benção, quando comprimentam, ba- 
tendo no peito ou pondo a mão na testa, mas não os educam, nem para o 
trabalho nem para a virtude, e creanças ha intelligentes, desejosas de 
aprender e dotadas de vivacidade. 

Dôem-se a este povo bons mestres e bom clero ; eduquem-no para o 
trabalho, que não serão perdidos taes esforços. Muitos e muitos indigenas 
conhecemos illustrados, cortezes e amigos de trabalhar, e isto acontece 
nas circumstancias em que tem estado sempre esta ilha, 

O que aqui falta é bom e útil ensino fabril, franco e intelligente ensino 
religioso, fácil e carinhoso ensino litterario. Se instituirem estes três elemen- 
tos do progresso e da civilisação n'esta ilha, ella sairá do abatimento moral 
a que chegou para entrar na senda do progresso.Ver-se-ha renascer por 

1 Conhecemos alguns padres em S. Thomé morigerados, assim como também os 
ha na ilha do Príncipe. A estes fica a tranquillidade da sua consciência e a paz do seu 
espirito. 

2 N'uma tarde em que saímos a passear, apanhámos cinco requerimentos dirigidos 
a S. Miguel em uma capellinha próximo á cidade. 



116 CAPITULO II 

toda a parte a esperança. Formar-se-hão associações de beneficência, des- 
apparecerão os costumes brutaes, e a religião não será um simulacro. Ao 
movimento moral e intellectual seguir-se-ha a prosperidade publica, para 
a qual ha verdadeiros elementos, e a ilha de S. Thomé será então a Ma- 
deira do equador. Entre o reino de Angola e a vasta província de Gabo 
Verde, teremos um oásis, um logar de descanso para uma viagem de vinte 
dias, teremos um verdadeiro empório do commercio do mar de Guiné, 
offerecendo bons refrescos, boas aguas e bons ares. 

Para este desideratum ser uma realidade não é preciso mais do que 
mandar para aqui governadores, padres, e empregados superiores, que 
sejam dotados de illustração e probidade. Insistimos n'estes desejos, por- 
que não se deve tolher o futuro brilhante a que esta ilha tem direito in- 
contestável 1 . 

Linguagem dos habitantes de S. Thome 

Os habitantes d'esta ilha não téem nem terão talvez dialecto próprio. 
Os portuguezes foram os seus primeiros povoadores, e ensinaram-na aos 
pretos que tinham ao seu serviço. Estes corromperam-na, e assim a 
transmittiram a seus filhos. Faltavam completamente as escolas, novos 
escravos entraram, muitos outros passaram a livres, muitos colonos che- 
gavam á ilha, mas a linguagem permaneceu barbara e corrupta. Alem disto 
vieram a esta ilha.francezes, hollandezes, e muitos inglezes. 

Os angolares téem muito corrompido o dialecto ambundo, que se 
falia em Angola. Ha na ilha cabo-verdeanos, gabões, cabindas, pretos mi- 
nas, e todos elles faliam a seu modo. 

Os habitantes da ilha propriamente ditos faliam a língua portugueza 
muito alterada, como se pode ver, transcrevendo-se o Padre Nosso e a 
Ave Maria, segundo a sua pronuncia. 



1 Seriam muitas as considerações a fazer a respeito da religião, mas a natureza 
de um relatório não as comporta, e talvez nos tomem já por bastante extensos. 

Seja-nos, porém, permittido acrescentar apenas algumas palavras mais. As festas 
de igreja fazem-se com aceio e com certa pompa, que mostra o interesse que estes 
povos tomam pela religião enrista. Ha n'ellas muitas praticas ridículas, que só um 
clero illustrado pôde fazer desapparecer. As superstições são tão inveteradas nos povos, 
que elles as tomam pela própria religião ! 

Para que se consente o sarilho das campainhas dentro da igreja na occasião mais 
solemne da missa?! 

Os aspirantes á dignidade clerical são os que se encarregam de tocar os sinos, fa- 
zendo-o de um modo censurável. Tocam -se os sinos em tudo e por tudo; pouco lhes 
importa o incommodo que podem causar! 



CONDIÇÕES PHYSIGAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 117 

Padre nosso, segundo a pronuncia dos habitantes de S. Thomó 

Pade nossu, stá nó cé, santu ficada seja vossu nómi, avenha nossa 
oato lénu, seja féta vossa vcintadgi, achi na tela cuma nó cé. O pó nossu 
dgi cada dgi nó dá hoje ê péduamo nóça dgivida achi cuma nóçu pédua- 
mo o nosso devedou, nan deichin caim tentaçon, má livla nosèa mi ali, 
amen injisa. 

Ave Maria, segundo a pronuncia dos habitantes de S. Thomé 

Avie maíá, cha de glaça, chino com vossu, bentenstou entre as miele, 
bentu fluto di vosso ventrei, gisu. Santa maia, men deiçu Ioga pio nossu 
pécadou agola enagola di nossu motchi, amen injisa. 

Não ha evidentemente uma traducção em ethiope 4 nem se pôde dar 
a similhante linguagem a denominação de dialecto luso-ethiope. Não é 
este o logar próprio para grandes desenvolvimentos, mas pedimos des- 
culpa por apresentar os dois espécimens do estylo e poesia S. Thomen- 
ces, se estylo se pôde descobrir onde nunca houve grammatica, onde não 
tem apparecido um único livro escripto no pequeno espaço de quatro sé- 
culos. 

Amostra da poesia dos habitantes de 8. Thomé 

!.• 

Mó pômbin kúscá vuá 
Ândôlin kuscá fugi, 
Vida mum ten scá bédé 
Alma mum ten scá sumi. 

Assim como o pombo vôa assustado ou como a andorinha que para 
longe foge, assim me vae a vida e assim d'este mundo foge a minha alma. 

Feble dgi pézále mun 
Milá-m'Li ni boca zá ; 
Fogo dê sugam cloncó 
Conto dge conta caba. 

A febre, que me causaram os desgostos, mirrou-me o riso dos lábios; 
o seu calor seccou-me a língua. Adeus meus cantos, adeus minhas can- 
ções! 

1 Consultámos alguns naturaes illustrados, e de um d'elles obtivemos o Padre 
Nosso e a Ave Maria em linguagem dos indígenas, assim como muitas palavras que 
iulgâmos desnecessário mencionar aqui. 



UB CAPÍTULO II 

Estas quadras mostram sentimento. Não transcrevemos algumas ou- 
tras que pessoas muito competentes fizeram o favor de nos dar, bem como 
alguns diálogos populares. O que deixámos escripto dá idéa da lingua- 
gem de um povo rude, vivendo em densas trevas. 

Os habitantes de S. Thomé têem um modo particular de comprimen- 
tar. Faliam com rapidez e sem clareza. £ curioso veios seguir uns após u 

outros, dirigindo-se a palavra e respondendo alguns por um monosylla- 
bo, com o que se mostram muito satisfeitos os que seguem atrás de to- 
dos. Para terminar diremos que sun quer dizer senhor, e san, senhora. 
É quasi impossível classificar o dialecto de S.^Thomé. 

Medicina entre os habitantes de S. Thomó 

Ha aqui falta completa de conhecimentos de medicina e principal- 
mente de hygiene, do que resulta o estacionamento da população, quer 
obtida pelo cruzamento das raças, quer em relação a cada um dos po- 
vos em separado. Nem os brancos se multiplicam, nem o numero dos 
pretos augmenta proporcionalmente ao tempo e á riqueza do paiz. Os 
mulatos são em pequeno numero. 

As creancinhas europeas não resistem aos primeiros mezes da vida ex- 
tra-uterina. Os abortos são frequentíssimos nas brancas e pretas. Ha par- 
tos aos sete mezes. A mortalidade n'este caso é grande, mas as creanci- 
nhas que nascerem fora d'esta epocha e antes do tempo completo mor- 
rem todas. 

Os curandeiros são tão frequentes, tão vaidosos e ignorantes que for- 
mam uma verdadeira praga. São mais prejudiciaes á saúde publica que as 
carneiradas. A maior parte d'elles não procuram os vegetaes que nascem 
espontaneamente na ilha, e em que se suppõem propriedades medici- 
naes. Mandam ás pharmacias comprar vegetaes, e com elles fazem as suas 
celebres tisanas. Usam alguns de folhas de certos vegetaes que pizam e 
cobrem com ellas as inflammações, edemas, erysipelas e outras moléstias 
de pelle. Para as dores de cabeça applicam hervas pizadas ou folhas de 
certos vegetaes, que não conhecemos. Purgam-se com óleo de mamona 
em alta dose ; nas dysenterias dão cipó (raiz de ipecacuanha) e cozimen- 
tos adstringentes das cascas de algumas fructas. Ha curandeiros, apalpa- 
dores, feiticeiros e médicos. Olham para as ourinas a fim de conhece- 
rem as moléstias dos seus doentes I 

Têem muita fé nos bons effeitos therapeuticos de gallinhas pretas, que 
applicam, como grande recurso medico, sobre as plantas dos pés e nas 
extremidades superiores I Cortam a gallinha em quatro partes depois de 
morta, e sem a depenarem, e applicam duas sobre os pés, ficando a carne 
fresca em contacto com a pelle do doente e as pennas para fora. Ligam 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ ii9 

bem este calmante i com qualquer fio, e applicam-no também na polpa 
dos braços ! 

Sangram sem dó estes entes damninhos 2 ; usam de ventosas sarjadas 
a torto e a direito ; applicam os cáusticos desalmadamente I Têem uma 
ignorância crassa e atrevida, como se não encontra em qualquer outra 
parte do mundo. Nao acreditam nos meios hygienicos, zombam com 
todo o descaramento dos conselhos mais prudentes, e quando não recor- 
rem a meios violentos, fazem predicas ridículas e insensatas. 

Longevidade dos habitantes de S. Thomó 

Emquanto á longevidade dos habitantes de S. Thomé, faltam-nos os 
dados estatísticos para a podermos apresentar com rigor. Dizendo que 
conhecemos pessoas de 90 annos de idade, mencionámos um facto par- 
ticularíssimo e que constitue excepção, por ser grande a mortalidade 
nos meninos e nos adultos. Parece-nos pois que se deve tratar d'este as- 
sumpto com a exactidão que elle reclama. Conhecemos pessoas de 100 an- 
nos, mostraram-nos algumas de ii 4, HO e 116 annos. Apontam-se dois 
ou três casos de pessoas que têem 120 annos de idade ! 

As idades a que n'esta ilha chegam os europeus também se não podem 
calcular. Às creancinhas brancas que chegam á ilha morrem todas ; e, 
como já dissemos, ha muitos abortos, o que explica o pequeno augmento 
da população. 

Encontram-se entre alguns adultos robustos, saudáveis e intelligen- 
tes, embora as moléstias de pelle, as doenças syphiliticas e os padecimen- 
tos do peito façam grandes estragos. 

Este estudo não se pode desenvolver com minuciosidade por falta- 



1 Tendo sido chamado para ver uma doente, segui immediatamente a pessoa 
que veiu chamar-me. Cheguei ao pé da doente, que se achava em um estado de abati- 
mento e anciedade extrema, e vi com profunda admiração que tinha em cada um dos 
pés um quarto de gallinha preta bem atado ; estava assentada com as pernas abertas, 
e segura por outra pessoa que a obrigava a permanecer em tão incommoda posição. 
Na testa e nas fontes tinha folhas verdes pisadas ! Aflirmaram todos que estes remédios 
alliviavam a doente, menos ella que se queixava ! Tinha uma pneumonia, approxi- 
mando-se os symptomas adynamicos. 

Vi um europeu em 'posição official sangrar duas vezes uma doente que tinha ver- 
mes intestinaesj e um curandeiro abrir um tumor aneurismal ! 

• Os curandeiros pullulam na provincia de um modo extraordinário ! 

2 Affirmei a um curandeiro que não se sangrasse, sob pena de arriscar a vida. Es- 
tava anemico. Não ouviu nem acreditou nos meus conselhos, e no fim de trinta dias 
dava entrada no hospital militar com grande edema das pernas e em grande prostra- 
ção. (Notas do rdator.) 



120 CAPITULO II 

rem muitos elementos indispensáveis, e por não merecerem fé as estatís- 
ticas mortuárias existentes. 



Caraoter moral dos habitantes de S. Thomé 

Os usos, costumes e caracter moral dos habitantes de S. Thomé, em l| 

1869, não téem comparação com os usos, costumes e caracter moral do 
povo de S. Thomé nos séculos passados. 

As lutas internas originadas por causa das auctoridades não podem 
existir, não só porque as communicações com a metrópole são rápidas», 
mas porque as jurisdicções dos poderes estão definidas. Os habitantes pro- 
curam illustrar-se, adquirir consideração e trabalham para occupar diffe- 
rentes logares públicos. 

Ha certa illustração em muitos rapazes, e um grande numero de indí- 
genas entrega-se á agricultura e á pesca e deixa ir os filhos ás escolas. 

Os governos têem sido solícitos em dar protecção aos estudiosos, e 
alguns têem ido estudar á metrópole, onde se mostraram estudantes 
distinctos, chegando alguns a receber o grau de bacharel, etc. 

Não se reúnem, não se "associam com o fim de fazer prosperar o com- 
mércio e a agricultura ; vivem isolados e sempre inclinados ás exagera- 
ções. Governados e governadores têem-se accusado reciprocamente de # 
um modo indigno. São ainda effeitos do viver passado t 

Representam, sem o menor critério, contra ou a favor dos emprega- 
dos superiores ; formam-se processos pelo menor capricho, e alguns tão 
vergonhosos, que é repugnante descrevel-os. Não ha convicções, nem se 
presta homenagem ao talento, á virtude e á honradez 1 

Os angolares, que occupam mais da terça parte da ilha, vivem fora da 
tutela dos governadores. Têem igreja e escola, mas in nomine! 

Epilogo 

A terça parte dos terrenos da ilha está occupada pelos republicanos 
nossos .vizinhos ; a outra terça parte da ilha é montuosa, podendo em 
grande parte ser cultivada, mas está completamente inculta ; temos por- 
tanto somente 90 milhas quadradas (outro terço da superfície) occupadas 
pelos europeus e pelos nativos da ilha que vivem relacionados com os co- 
lonos portuguezes. 

As roças abertas ao norte, duas a oeste, e algumas a leste não dão, por 
falta de trabalhadores, a sexta parte dos productos que se deviam colher. 

Os habitantes mais abastados não procuram promover o progresso e 
civilisação da ilha ; vivem isolados, procurando apenas satisfazer os seus 
caprichos, sem cuidar do futuro. 



CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES DOS HABITANTES DE S. THOMÉ 121 

As camarás municipaes não fazem cousa útil ; a maior parte dos go- 
vernadores não promovem o progresso ; as auctoridades restantes vivem 
sem crenças e desanimadas, procurando só passar o tempo para regres- 
sarem^ metrópole. 

As endemo-epidemias declaram-se em alguns annos com toda a gra- 
vidade, e em 1869 fizeram muitas victimas. As causas permanentes de 
similhantes moléstias são devidas á incúria dos administradores do con- 
celho e ao desleixo de todos os moradores. 

A ilha está em condições de melhorar muito em salubridade, e de pro- 
duzir o quádruplo dos seus actuaes rendimentos públicos. 

No interior da ilha ha pontos relativamente saudáveis, que ainda es- 
tão desaproveitados/ 

A agricultura deve trazer a S. Thomé -um futuro muito prospero, 

Precisam-se n'esta ilha de boas escolas de instrucção primaria e de 
morigerado clero. Já o dissemos e insistimos, porque as faltas de qua- 
trocentos annos não se remedeiam com palliativos. 

O desenvolvimento agrícola não se alcança sem haver uma rede de 
estradas que façam communicar os principaes logares da ilha com a ci- 
dade. Deve ser feita, nas devidas condições, iirna estrada de Santa Cruz 
dos Angolares até á cidade, ou terminando ao menos em alguma bahia 
de fácil desembarque e mais perto que a angra de S. João. A estrada de 
Santa Anna para a cidade é muito necessária ; a que se dirige para a Trin- 
dade deve ser acabada com urgência. 

A falta de estradas dá occasião a muitos desastres, que por todos os 
modos convêm evitar. 

Esta ilha não chegou ainda a seu máximo desenvolvimento commer- 
cial. 

A salubridade da ilha tem melhorado alguma cousa, se attentarmos 
no estado em que esteve em 1776; ha porém muito e muito a fazer 
para que ella possa chegar ao seu verdadeiro grau de riqueza, salubri- 
dade e illustração. 



iU -v- ^ 



CAPITULO III 



Quanto á hygiene publica muito pouco se ha feito n'esta ilha, n3o 
porque tenha faltado a indicação de suas regras pelas anctoridades com- 
petentes, mas porque pouco interesse tomam nisso as anctoridades admi- 
nistrativas. 

(Dr. José Correia Nanes, relatório cit.) 



Salubridade absoluta 



A epigraphe que tomámos é um período do relatório de um medico 
que está na província de S. Thomé e Príncipe ha dezeseis annos. Nada se 
havia feito até 1865 relativamente á hygiene publica, postoque não faltas- 
sem as indicações competentes, todavia os melhoramentos de primeira 
necessidade faltam ainda hoje! Por que rasão? 
. O medico aconselha, a auctoridade administrativa faz executar. É real- 
mente esta a expressão da verdade em qualquer parte do mundo civilisa- 
do, é até um axioma em assumpto de hygiene publica. Têem-no apresen- 
tado notáveis e sábios hygienistas, e nomeadamente A. Tardieu *, como 
principio necessário para a existência das repartições de saúde publica. 

« Le soin de surveiller et de proteger la santé publique appartient, 
« ainsi que nous avons déjà eu occasion de le dire, à Tautorité adminis- 
« trative. Mais elle ne peut exercer cette action tutelaire qu'à la condition 
« de s'entourer des lumières de la science e qu'avec le concours des homnes 
« que leurslconnaissances spéciales rendent seuls capables de résoudre 
« les problèmes si varies et parfois si difficiles dont se compose 1'hygiène 
« publique. » 

II 

As.causas de insalubridade, não só da cidade de S. Thomé, mas de toda 
a ilha, são conhecidas na sua máxima parte. Cumpre destruir essas cau- 
sas ou attenual-as, segundo o tempo e as circumstancias. Vamos expor 



1 Dictionuaire d f hygiene publique et de salubrité, artigo «Conselhos de hygiene pu- 
blica ». Paris, 1862. 



Í24 CAPITULO m 

as que se tornam mais dignas de attençãò ; se as não apresentámos pela 
ordem da sua importância, não prejudicámos por isso a sua necessidade 
e urgência. 

— O serviço sanitário do porto consiste em fazer a visita de inspecção 
a bordo dos navios que demandam a ilha. Examina-se a carta de saúde, 
que todos os navios são obrigados a trazer, e procuram-se informações 
acerca do estado da tripulação e passageiros. Entra-se no navio para in- 
specção immediata, no caso de necessidade, ou espera-se que a alfan- 
dega faça o registo. O facultativo encarregado da visita é levado a bordo 
pelo escaler da alfandega, porque não ha outros no porto de S. Tho- 
mé. Não é isto muito conveniente ; mas a necessidade obriga a fazer o 
serviço medico conjunctamente com o da alfandega. 

A visita sanitária ás embarcações fundeadas reduz-se sempre ao 
que acabámos de dizer. Algumas vezes é feita pelo guarda mor da alfan- 
dega, que então exerce as funcções de guarda mór de saúde, segundo 
o que se acha determinado em portaria do governo d'esta ilha, publicada 
no boletim official * ; é também o que se pratica no caso de impedimento 
do facultativo, não se realisando todavia esta segunda parte no anno de 
1869 *. 

Em caso de navio suspeito, como não ha lazareto, declara-se o navio 
em franquia ou em observação, o que também felizmente não aconteceu 
no anno de 1869. O movimento do porto foi pequeno. Andam por trinta 
a quarenta as embarcações, tomando em conta os vapores da, carreira, 
que fundearam na bahia de Anna de Chaves, ou antes de Álvaro de Ca- 
minha. 

O serviço sanitário de um porto oade não ha lazareto não pôde ser 
regular. Chega um navio de procedência suspeita, e na carta de saúde 
apenas vem declarado, em observação, que nos últimos oito dias, no porto 
de partida, se havia dado um caso de febre amarella, de cholera, de be- 
xigas. A tripulação está boa, e os passageiros gosaram saúde durante a 
viagem; as apparencias são todas em favor da salubridade do navio e do 
bom estado em que tudo se acha a bordo ; não obstante a prudência exige 
que o navio suspeito esteja alguns dias em observação, embora esta pre- 
scripção prejudique o commercio, impressione a opinião publica e abale 
sempre os ânimos em terras pequenas, como é a cidade de S. Thomé, e 



1 Regulamento especial do serviço de saúde da província de S. Thomé e Príncipe 
publicado no Boletim oficial do governo da província, em 3 de dezembro de 1864, ar- 
tigo 23.°, § único, e portaria de 18 de julho de 1863, n.° 15, publicada no Boletim 
official, col. 1863. 

2 Em 1869 a visita sanitária do porto, feita sempre pelo facultativo Manuel Fer- 
reira Ribeiro, não teve a registar carta alguma de saúde suja, nem navio suspeito. 



HYGIENE PUBLICA 125 

não mereça confiança '. Quatro ou seis dias depois, continuando a estar 
a carga a bordo do mesmo navio, não apparece signal algum de moléstia 
grave ; dá-se principio á descarga, novos elementos atmosphericos actuam 
e produzem a evolução de miasmas, e a febre epidemica declara-se ou al- 
gum caso suspeito. Que fazer? 

Este facto e muitos outros análogos mostram a necessidade de um 
lazareto. Não é um estabelecimento de primeira necessidade, attento o 
pouco movimento do porto, mas as leis sanitárias reclamam-no altamen- 
te, e, em quanto não existir, nunca se poderão fazer observações sanitárias 
de confiança. Se houvesse em S. Thomé um lazareto, não lastimariam os 
proprietários e negociantes as perdas enormes que lhes resultou da epi- 
demia* de bexigas que assolou esta ilha em 1864 e 1865 2 . Essa epocha 
fatal passou, o lazareto, que interinamente se estabeleceu na praia de 
Diogo Nunes, fechou-se pouco depois, e, emquanto não for importada 
para esta ilha outra epidemia, não se pensará em tão úteis como impor- 
tantes assumptos 3 . É para lastimar que em 1864 não se desse principio ao 
lazareto, e que em 1869 não se pense na sua construcçãof 

— Deposito de substancias alteráveis não ha. O peixe que se importa 



1 Veja-se o que aconteceu por causa das bexigas. (Relatório do dr. J. C. Nunes.) 

2 A questão do lazareto deu causa á troca de documentos officiaes, que mostram 
o modo por que n'esta ilha se entendem as visitas sanitárias aos navios entrados no 
porto, e que se tornem suspeitos. Era então occasião de se construir um estabele- 
cimento regular. Ha aqui muita madeira de construcção; todavia foi impossível obter 
este melhoramento importante. 

A respeito da necessidade dos lazaretos escreveu o dr. José Correia Nunes as se- 
guintes palavras : 

«É incontestável que nas epidemias importadas pelas vias de communicação, 
como o cholera-morbus, a febre amarella, as bexigas, etc, os meios mais poderosos a 
oppor á sua marcha e propagação são os lazaretos, e o isolamento dos indivíduos e 
objectos suspeitos de contagio em logares distantes das povoações, que podem ser in- 
vadidas por sua communicação directa ou indirecta com aquelles. Foi n'este intuito 
que sempre insisti em reclamar do governador da provinda a execução d'aquellas me- 
didas. Debaixo (Testes mesmos princípios foi que em 23 de agosto officiei ao secretario 
do governo, a propósito do vapor Zaire, que em 22 d'aquelle mesmo mez fundeara no 
porto de S. Thomé, procedente de Loanda, com passageiros aífectados de bexigas, tendo 
fallecido um durante a viagem. Estes doentes eram quasi todos passageiros do estado 
(pretos) que o governador de Angola enviava a cumprir sentença em S. Thomé. O com- 
mandante do vapor queria, em conformidade com o que dispõe o regulamento das 
quarentenas, desembarcar os passageiros, descarregar e receber carga, mesmo debaixo 
de quarentena, e seguir immediatamente viagem para o seu destino. Fiz ver ao gover- 
nador que a falta de lazareto tornava impraticáveis as quarentenas de rigor; que a 
junta de saúde não podia auctorisar desembarque dos passageiros do vapor, por não 
ter uma casa própria onde os conservasse isolados o tempo preciso. (Dr. José Correia 
Nunes, relatório acerca das bexigas.) 

3 Os lazaretos deviam entrar na secção «Hygiene publica propriamente dita». As 



i& ; cÁprrtLo ffl 

dfe Kossamedes altera-se muito, todavia não ha depósitos d'elle na ci- 
dade. 

— Mercados também não existem; em 1869 se reuniram na me- 
lhor praça da cidade umas duzentas a trezentas pessoas diariamente, 
vendendo fructa, hortaliça, milho, ovos, sabão de S. Thomé, gallinhas e 
títrtros géneros de consumo ordinário. O barracão onde se reuniam tan- 
tas pessoas foi completamente demolido, porque começava a desmoronar- 
se. Nas villas e até em vários pontos de maior concorrência apparecem 
aígumas pessoas vendendo bananas, azeite de palma, vinho de palmeira, 
etc, mas são em tão pequeno numero, que não podem causar damno á 
sáude publica; emquanto porém ás pessoas que se reúnem na praça 
principal da cidade não acontece o mesmo. O lixo que se ajunta, e muitas 
substancias vegetaes e animaes, são causa de insalubridade, que não se 
cfevem desprezar. Convém que se construam dois mercados, pelo menos. 

— A venda do peixe faz-se em geral na praia, com grave prejuízo 
público; é urgente que se determine um logar certo bem policiado, onde 
se proceda a esta venda. No mesmo caso estão as carnes frescas de 
carneiro, porco, cabra ou vacca. São as rezes abatidas em qualquer par- 
te e vendidas a retalho. No estado em que se acha a cidade de S. Tho- 
mé, é esta uma grave causa de insalubridade, que cumpre attenuar do 
melhor modo possível. 

— Não ha matadouros públicos, o que dá occasião a muitos abusos. 
Em toda a parte taes estabelecimentos são tidos por insalubres, e muito 
vigiados. 

Os alimentos e as bebidas são vendidas ao publico na cidade em lojas, 
algumas das quaes estão em muito boas condições. Encontram-se talvez 
dúzia e meia de estabelecimentos d'esta ordem em estado regular; mas 
ha outros que precisam da vigilância da auctoridade administrativa para 
se evitar qualquer abuso. 

— Emquanto ás ruas da cidade, pôde dizer-se que o seu estado é pés- 
simo, e provém d'ahi grande mal para o povo. São todas planas, e toem 
tantas e taes depressões, que as menores chuvas as encharcam. A areia 
que as constitue unicamente e por toda a parte, embebe-se de agua, já 
empregnada de partículas animaes e vegetaes. Expostos depois esses to- 
gares á acção de um sol ardentíssimo, exhalam miasmas prejudicialissi- 
mos! 

— As ruas principaes são largas, e, em geral, estão limpas; mas nos 
logares distantes d'aquellas ruas e em todos os quintaes, ha bananeiras 



poucas considerações que o assumpto exigia auctorisaram-me a tratal-o n'este logar; 
tem intima relação com as visitas sanitárias do porto. Reunidos um e outro assumpto 
esclarecem-se, e mostram a sua importância relativa. (Nota do relator.J 



HYGÍENB HJlLICA m 

ehervaâ damninhas que ali caem e apodrecem. É esta uma caersa de m* 
salubridade bem sensível e que convém remover quanto antes. 

Desprezam-se rfesta ilha a cultura de hortas, pomares, pequenos 
jardins ou passeios : ow mwtir ou nada ! É urgentíssimo fazer derribar 
em i toda a cidade e em todos os logares circumvizinhos aJgiwas arvore» 
e a : vegetação inutít que os enche. Não se pode faaer isto sem mmtá 
gente empregada diariamente em tão útil trabalho ; mas não é impossível 
alcançar um melhoramento tão vantajoso e nece&sario. Façam-se praças, 
largos e passeios, mas segundo as regras da hygiene, da economia e de 
utilidade publica. 

R«stringhno-nos ás idéas geraes, pois é impossível designar aqcii, um 
por um, os trabalhos que devem emprehender-se e os meios * empregar 
para se remover ou attenuar uma causa de insalubridade tSo activa, como 
a que deixámos apontada. 

— A praia está sempre cheia de detritos, tanto vegetaes como ale- 
mães, e constantemente immunda, por ser uso na cidade o levar a Bxo 
á praia, ao rio e até ao mar, estabelecendo assim mais uma gravíssima 
causa de insalubridade. Para acabar de uma vez para sempre com ella, 
convém organisar-se uma companhia de limpeza publica, e determinar 
que se formem montureiras e se usem de diversos meios obrigatórios 
de desinfecção. 

— • Em nenhuma das obras que se acham feitas, quer publicas quer par- 
ticulares, foram cumpridos os preceitos de hygiene e as regras de archi- 
tectura, e assim se continua, porque acamara municipal não tem architecto* 
que possa consultar, nem a repartição de saúde publica é ouvida em sk 
milhantes assumptos. D'esta maneira não se tem attendido ao que a saiu* 
bridade publica reclama, nem se vão attenuando as causas de insalubri- 
dade! 

— Os enterramentos são feitos no cemitério publico, que se acha' em 
posição elevada e regular. A mudança do cemitério serviu de assumpto a 
uma Memoria do dr. Lúcio Augusto da Silva, onde se demonstram as 
vantagens do actual cemitério e os maus effeitos do antigo 1 . 

* Se hoje nada ha a receiar da parte do cemitério da cidade, não acontece 
o mesmo com os cemitérios das diflFerentes villas. Ha alguns mal coíloca-* 
dos e em mau estado, como, para exemplo, o de Santo Amaro. Preci- 
sam de ser reformados e melhorados os que existem; Mágdalena e Gua- 
delupe não têem cemitério, e julgámos que o mesmo acontece em Santa 
Cruz dos Angolares e em Nossa Senhora das Neves. 

Seguimos, uma por uma, as causas locaes e mais próximas de insalu- 

1 Interessante opúsculo de 68 paginas, que aponta diversas causas de insalubridade 
da cidade, algumas das quaes já mencionámos. 



128 CAPITULO 01 



brídade poblica. Nao as analysâroos miudamente, expozemol-as franca e 
singelamente. Outras, porém, infinitamente mais graves, se encontram nos 
terrenos incultos, na ribeira que atravessa a cidade, nos pântanos que a 
rodeiam e em muitos outros que se formam na ilha por occaswo das chu- 
vas, e finalmente em muitos phenomenos atmosphericos, que, se não pro- 
duzem por si mesmo doenças graves, concorram para que ellas se desen- 
volvam. 

m 

A mão do homem, diz muito bem um sábio hygienista portuguez, 
pôde transformar inteiramente a superfície da terra, arcando até com 
dificuldades que pareciam invencíveis 1 . 

Em S. Thomé não são precisos melhoramentos colossaes, como os arcos 
das Aguas Livres em Lisboa, os canaes do Nilo outr'ora, e mil outras 
obras gigantescas, que marcam os últimos graus dos melhoramentos hy- 
gienicos. Para esta infeliz e abandonada ilha bastam pequenas obras, a 
boa vontade das auctoridades administrativas e bons operários. Os resul- 
tados dos melhoramentos que aconselhámos seriam satisfactorios, e pou- 
par-se-iam centenares de vidas, que no estado actual da ilha são votadas 
a uma morte certa e rápida. 

Começaremos por fallar acerca da ribeira que atravessa a cidade. 
£ n'ella que se lavam as roupas, e se fazem muitos despejos, principal- 
mente de lixo, immundicies e matérias putrefactas. Nas marés cheias so- 
bem as aguas do mar a grande distancia, saindo a ribeira do seu leito. 
Na sua foz, que tem mudado por varias vezes em 1869, e nas suas mar- 
gens, formam-se charcos mixtos, onde ha substancias animaes e vegetaes, 
que, descidas as aguas, ficam expostas ao sol ardente do equador. 

A canalisaçao * d'esta ribeira está pois altamente indicada. Em sitios 



1 Como prova da asserção exarada no texto, apresenta Macedo Pinto, hygienista 
a que nos referimos, o seguinte facto histórico. « O solo do Egypto foi sempre ameaçado 
por dois inimigos terríveis, as areias do deserto e as inundações do rio Nilo; inimigos 
porém que o braço dos pharaós venceu ambos; o rio contendo-o dentro de canaes, 
e as areias sustendo-as com a barreira das pyramides». Até aqui o simples facto, agora 
a contraprova. «Desappareceram os pharaós e com elles desappareceu a salubridade 
do Egypto, renascendo e perseverando a peste á medida que mais se descurava a agri- 
cultura». 

A peste no Egypto não faz mais victimas que as febres palustres em S. Thomé. 
A hygiene venceu aquella no passado ; vencerá também os terríveis efeitos d'estas no 
presente. 

2 A canalisaçao da ribeira que atravessa a cidade não está nas condições dos ca- 
naes de « corrente artificial de agua, que a mão do homem dirige á superfície da terra 



HYGIENE PUBLICA 129 

próprios devem abrir-se lavadouros públicos e fontes, sendo prohibido 
deitar no rio qualquer elemento de corrupção, como os que acima no- 
meámos. Não sabemos se é possível conduzir a agua d'esta ribeira por 
outra parte distante da cidade, abrindo-lhe nova foz; mas embora seja 
possível, a junta de saúde não a prefere. A agua é um elemento de salu- 
bridade em todas as cidades, posta nas condições devidas para tanques, 
lavadouros, fontes, etc. Parece-nos, portanto, que se deve preferir a ca- 
nalisação, acrescentando mais algumas pontes em todo o curso do rio, 
de modo que em parte alguma seja necessário atravessal-o a vau. 

A canalisação deve chegar até ás proximidades da Agua Bobó. Uma 
nascente de agua em rocha que ali ha deve ser conduzida para a cidade 
e distribuída em tanques nas praças principaes, em alguns edifícios pú- 
blicos, como o hospital, etc. Ganharia a cidade em belleza, sendo dotada 
de passeios largos e agradáveis; teria agua pura e límpida em qualquer 
circumstancia ; acabariam assim os focos de infecção provenientes das 
margens do leito e da foz d'esta ribeira, e obter-se-iam finalmente muitas 
outras vantagens, que são a consequência das que deixámos expostas. 

Um tal melhoramento nem tem sido estudado economicamente, nem 
se tem effectuado, embora a ribeira seja-a causa de muitos males públi- 
cos e a origem de muitos focos 1 de infecção. Apontámos o meio de di- 
minuir aquelles e cortar radicalmente estes, e não julgámos conveniente x 
passar d'este ponto. A simplicidade da obra não difficulta o seu estudo, 
nem precisa ella de engenheiros de primeira ordem; requer apenas boa 
vontade e bons operários. 

Outra causa de insalubridade é a falta de cultura na maior parte dos 
terrenos da ilha. 

As terras incultas e fecundas são em geral insalubres e sob os trópi- 
cos prejudicialissimas. A sua insalubridade está na rasão directa do hú- 
mus e da quantidade e qualidade da vegetação que n'ellas existe. 

Em S. Thomé encontra-se uma vegetação tão cerrada, tão contínua e 
activa, que não se destruirá sem grandes e continuados esforços. Por 
toda a parte se amontoam vegetaes, que apodrecem e dão detritos que se 
encorporam á parte humosa do solo, tornando-o assim mais insalubre. 
É portanto claro que será esta ilha tanto mais insalubre quanto mais des- 
prezada for a agricultura, sendo até perigoso ao europeu tocar n'um ter- 
reno virgem como é em grande parte o de S. Thomé. Predominam aqui 



para encurtar distancias, facilitai* a navegação e prover á irrigação. » É muito mais 
simples. Reduz-se a impedir que a agua saia fora do seu leito por meio de paredes 
marginaes. Este melhoramento deve ser realisado e ao mesmo tempo a agua Bobó será 
conduzida á cidade. São duas obras urgentíssima». 
1 Vejam-se as pag. 25 a 29 d'este relatório, 

9 



190 CAPITULO III 

as febres intermittentes, que se aggravarão com os primeiros trabalhos, 
os quaes somente devem ser feitos por africanos, como mais próprios 
para resistirem nos primeiros tempos; ninguém, em boa fé, sustentará o 
contrario. Depois dos terrenos estarem em circumstancias favoráveis, po- 
dem ser admittidos os trabalhadores europeus, e só elles poderão dar in- 
cremento agrícola a esta ilha, applicando os processos agronómicos que 
tão bons resultados têem dado na Europa, em terras cuja fertilidade fica 
muito áquem da que se observa em S. Thomé, onde ha milho, feijão e 
muitos outros géneros de cultura, que tornam rica, fértil e notável a pro- 
víncia do Minho em Portugal. 

A agricultura modifica os defeitos dos terrenos, e é incontestável que 
quanto mais arável for um terreno mais ella é necessária. As camadas 
immediatas ao húmus influem mais ou menos sobre as plantas. 

Este importante assumpto está por estudar na ilha de S. Thomé, e nós, 
conhecedores das generalidades geológicas, deixámos estas idéas consi- 
gnadas aqui, para demonstrar que é urgente o estudo da constituição do 
solo da ilha, a fim de se determinarem as culturas que devam empregar-se, 
afora as existentes, que são boas e de primeira ordem; referimo-nos á 
cultura do café, do cacau e -do*algodão. 

A agricultura exerce influencia favorável na saúde publica, não assim 
quando é feita sem arte, sem methodo, ou imprópria dos terrenos ; é 30b 
este ponto de vista que se torna urgente o estudo da constituição do solo 
da ilha. Não nos consta que se procurem os terrenos incultos e se accom- 
modem a uma cultura que seja vantajosa, económica e saudável. Emquanto 
ao solo deve esludar-se não só a sua flora agrícola ou scientifica, mas 
também a sua constituição. 

As chuvas n'esta ilha despenham-se em torrentes ; os montes formam 
por uma parte cordilheiras, e por uutra sobresáem em picos assas notá- 
veis, altos e escarpados; alguns rios são caudalosos e sempre de corren- 
tes fortes ; a denudação dos terrenos é portanto frequente, e tem uma 
grande parte na insalubridade da ilha, pois é bem sabido que as terras 
de alluvião produzidas pela acção da agua em movimento são as terras 
miasmaticas por excellencia. 

Se estas alluviões cobrem argilla ou cal em grande extensão, ou se 
nos terrenos da ilha predominam mais uns elementos do que outros, não 
o sabemos. Já o dissemos e repetimos de novo. Em sciencia tão positiva 
não ha hypotheses ; se dão causa a grandes discussões em sciencias physi- 
co-mathematicas, em geologia tornam-se quasi inúteis. 

Diz-se que existem rochas calcareas ; cumpre verificar a realidade 
doestes boatos. 

Falla-se de cavidades subterrâneas, furnas, grutas, notáveis anfra- 
ctuosidades, rochas furadas, etc, que ainda não foram devidamente 



HYGIENE PUBLICA 131 

observadas ; mas o que é certo é que somente as rochas calcareas são 
corroídas pela acção constante da agua, dupla acção, na verdade, mecha- 
nico-chimica. 

As denudaçoes das terras nem sempre dão origem a miasmas, assim 
como também nem todos os pântanos são miasmaticos e insalubres, e os 
caracteres exteriores illudem as mais das vezes os observadores ; pro- 
vam a verdade da nossa asserção os factos citados por Dutroulau, que 
fez a distincção dos pântanos depois de examinar a flora, a fauna, a 
- meteorologia , as terras e as aguas: são estes os cinco factores necessá- 
rios para o conhecimento exacto da salubridade de qualquer clima insu- 
lar, como o de S. Thomé. Não está um só d'elles estudado n'esta ilha ! 

Que importa dizer : os terrenos de S. Thomé são mixtos, predomi- 
nando a parte humosa, areia calcarea, siliciosa e argilla, sem ter havido 
uma rigorosa analyse ? 

Pertence ao hygienista dar a sua opinião acerca da natureza do solo 
de S. Thomé, quer para a edificação de qualquer villa, quer para a de 
um estabelecimento importante, quer finalmente para se proceder a uma 
cultura apropriada, tendo em vista a purificação do ar 1 ; e nunca o po- 
derá fazer sem estudos preliminares bem dirigidos. O solo não é salubre 
somente por ser montuoso, secco e bem batido pelos ventos, nem também 
é mau por ser baixo, alagadiço, húmido e pantanoso. São d'esta opinião 
Dutroulau e Celle, e ambos concordes em que deve haver analyses geraes 
e parciaes por tantas vezes repetidas quantas forem precisas para se obter 
conhecimentos completos e indestructiveis. Mas emquanto não vem ascien- 
cia pronunciar a sua ultima palavra, vamos nós, pela nossa observação 
diária, protestando contra o trabalho dos europeus em S. Thomé ! Não se 
sacrifiquem mais victimas inutilmente, bastam as que se têem sacrificado 
no espaço de quatro séculos, e as que se irão entregando a uma morte 
quasi certa emquanto não forem tomadas as providencias que a sciencia 
aconselha. 

Temos fallado das causas de insalubridade que julgamos dignas de 
especial menção ; deveríamos ainda notar as que resultam da falta de 
casas próprias para os colonos poderem arrostar com a intempérie do 
clima. Ha oito mezes de chuvas, mas de chuvas acompanhadas de medo- 
nhos vendavaes, e trovões, que assombram o homem. 

Como não soffrerão os habitantes da ilha de S. Thomé, mettidos den- 
tro de casas de madeira, sem vidraças, sem cozinha adequada, e in- 
capaz de os livrar da acção de elementos tão prejudiciaes á conservação 
da vida?! 

1 Luiz Figuier aconselha a cultora do girasol como uma barreira ao desenvolvi- 
mento dos effluyios e miasmas. 



132 CAPITULO IU 

A alimentação para os çuropeus em S. Thomé é tão cara como defi- 
ciente e má f É exactamente n'esta ilha que o organismo perde mais do 
que assimila! Por causa da má alimentação gasta-se na botica mais do 
que se despende por causa dos miasmas paludosos f 

Faltam bons prédios, falta boa alimentação, faltam todos os recursos 
e commodidades da vida, e ha febres, endemo-epidemias, perseguições, 
desgostos, nostalgia; e que mais será preciso para explicar a morte 1 de 
muitos desgraçados que nós tínhamos visto chegarem a esta ilha quinze 
dias antes!!! 

Estamos muito convencidos de que a ilha de S. Thomé pôde perder 
o caracter de mau clima, que lhe attribuiu Jacques Lind, e que nós infe- 
lizmente somos obrigados a reconhecer, em 1869, em presença dos fa- 
ctos que temos observado. 

Não admira ver morrer em quinze dias um e outro infeliz, quando 
nos lembrámos que em favor d'esta ilha não se têem creadò os melhora- 
mentos materiaes e moraes, que tanto abundam nos bons climas da Eu- 
ropa, America, etc. 

Vêem-se, por exemplo, em Lisboa trabalhadores, varrendo ruas bem 
calçadas e logares immundos ; todas as noites percorrem-nas muitos car- 
ros, a fim de receberem o lixo, evitando-se assim que seja lançado n'um 
canto ou em qualquer quintal ; examinam-se todos os sitios que por qual- 
quer circumstancia se tornam suspeitos de prejudicar a saúde publica. 

— Imagine-se o estado de uma cidade onde residem 5:000 a 6:000 
habitantes sem haver o menor cuidado da limpeza publica ! 

— O arvoredo agigantado e a geral e permanente vegetação não só 
produzem desequilíbrio no oxygenio e acido carbónico do ar que se res- 
pira, mas também attrahem e sustentam muita humidade que n'uma atmos- 
phera quente é prejudicialissima. 

— Não se têem devastado as arvores, ou para se fazerem estradas que 
liguem as planícies mais férteis e as villas mais importantes com a cidade, 
ou para se fazerem por toda a parte plantações de café, de algodão, de 
canella, de cacau, etc. 



1 N5o sUo poucos os casos que temos presenceado. É grave um tal estado de in- 
salubridade, que junto ás continuas e completas privações que passam muitos empre- 
gados, a maior parte dos europeus e todos os deportados, dá uma mortalidade enorme, 
aindaque aquelles se podem retirar da ilha, correndo risco a sua]vida. Os mappas que 
acompanham este trabalho dão uma idéa, postoque não exacta, do que mais importa 
saber e dos factos mais averiguados. Referem-se ao anno de 1869. Estatísticas rigoro- 
sas deviam ser feitas para se poder calcular o tempo que os europeus resistem em S. Tho- 
mé sem adquirir a cachexia tropical e a febre perniciosa-icterica e outras moléstias 
endémicas. Poucos elementos ha presentemente para se effectuarem tão importantes 
trabalhos. 



HYGIENE PUBLICA 133 

— Os convalescentes por falta de casas de saúde, que nao faltam em 
Lisboa ou no Rio de Janeiro, são obrigados a demorar-se na cidade de 
S. Thomé sob a acção das mesmas causas morbiflcas f 

A vida em S. Thomé conserva-se por milagre! 

Salubridade relativa 

entre as ilhas do archipelago de Guiné e as prinoipaes 

povoações próximas ás praias banhadas 

pelas aguas do mar de Guiné 

Or, cette distinction faite (entre los influences do lair et celles des 
lienx) il est facile de reconnaitre qae lair des rógions torrides nest pas 
par lai même canse dmsalubrité, et est môme compatible avec ano saiu- 
brite Irès-grande. 

(Dutroulaa, loc. cit., pag. 171.) 

I 

N'este relatório descrevemos o estado de salubridade da ilha de 
S. Thomé em 1869. A sua singular posição a respeito de outras colónias 
portuguezas e estrangeiras dá grande importância ao exame comparativo 
do que se tem dito e escripto acerca da salubridade das terras banhadas 
pelas aguas do mar de Guiné f . Nao podemos, é verdade, apresentar prin- 

1 A palavra Guiné tem uma significação muito vaga. A parte do litoral de Africa, 
a que ella se refere, ainda está por determinar; a sua etymologia também não se tem 
averiguado, e se pouco importa saber a origem da palavra Guiné, não é indifferente o 
conhecimento exacto da sua significação. 

É corrupção de Geny ou Dgeny, estado notável da Nigricia, quando no século xv os 
portuguezes negociavam com os mouros, dizem uns; é derivada das peças de oiro que 
se recebiam dos mouros de Guiné, asseveram outros. Não seremos juizes na contenda. 

Com a palavra Guiné designam alguns geographos toda a costa Occidental de Africa 
desdç o cabo Vermelho até ao extremo sul do vasto reino de Angola. Esta extensís- 
sima corda de terras é dividida, segundo elles, em Guiné meridional e Guiné septen- 
trional. Não são geraes estas divisões, e d'ahi resulta grande confusão, ou antes arbi- 
trariedade, entre os differentes escriptores que se téem occupado da costa Occidental 
de Africa. Vem aqui a propósito ouvir o nosso geographo Alexandre de Castilho. 
É d'elle a seguinte divisão geographica do litoral da costa de Africa. 

Costa de Marrocos. — Começa no cabo Espartel, e acaba no cabo Bojador. 

Costa do Sahará. — Começa no cabo Bojador, e acaba no cabo Branco. 

Costa da Senegambia. — Começa no cabo Branco, e acaba em Cabo Verde. 

Costa da Guiné de Cabo Verde. — Começa no Cabo Verde, e acaba no cabo de Sagres. 

Costa da Serra Leoa. — Começa no cabo de Sagres, e acaba no cabo do Monte. 

Costa da Malagueta ou da Sibéria. — Começa no cabo do Monte, e acaba no cabo 
das Palmas. 

Costa do Marfim ou dos Quasquas. — Começa no cabo das Palmas, e acaba no cabo 
das Três Pontas, limite que tomámos para o mar de Guiné, ao norte. 

Segundo o nosso profundo e sábio hydrographo, o celebre golfo de Guiné, co- 



134 CAPITULO III 

cipios certos e conclusões seguras, por isso que nos falta a base em que 
assente tão fecundo quanto necessário estudo. Coordenamos o que se 
acha escripto e mostramos os erros em que se tem laborado até ao pre- 
sente. Se não resolvemos os problemas que se apresentam acerca da sa- 
lubridade de cada povoação em que falíamos, indicámos ao menos os 
meios a que se deve recorrer para a sua resolução. Assim o pede a na- 
tureza d' este trabalho. 

Limitámos as nossas indagações historico-medicas aos paizes situados 
ao norte do equador até 6,5° de latitude. Ha uma immensa faxa geogra- 
phica dentro da qual fica o archipelago do golfo dos Mafras (menos a ilha 
de Anno Bom), o delta do Niger e a nossa colónia de Ajuda. Esta faxa se- 
ria illimitada, se não fizéssemos passar sobre ella dois meridianos, que de- 
vem ser escolhidos nos pontos mais afastados, a cujo respeito falíamos. 
Seja um meridiano aquelle que passa na costa da enseada do Pau da Nau 
(10°, este, Greenwich) e outro ha de ser o que parte de 2 o e 15', oeste, e 
corta o parallelo ao equador a 6 o e 30' de distancia, ao norte. Temos assim 
um vasto rectângulo geographico '. É este rectângulo uma enorme por- 
ção da zona equatorial propriamente dita, á qual se segue a zona tropicai 
a começar dos 15° de latitude, e depois a zona juxta-tropical*, que se es- 
tende alem dos trópicos até 36°. 

A faxa geographica que nos propomos examinar é muito complexa. 
A respeito do archipelago dos Mafras ha questões importantes de salubri- 
dade que, attentas as exigências do progresso colonial, devem ser prom- 
ptamente resolvidas. O golfo dos Mafras e o de Benim formam n'este 
grandíssimo golfão duas grandes porções de mar, em uma das quaes se 
encontram ilhas. A foz do Gabão, a dos Camarões, a do rio de El-Rey e a 
do Calabar, formam vastos seios de agua salgada. A costa banhada pelas 
aguas de Guiné tem 36G léguas segundo Alexandre de Castilho, a come- 
çar do cabo das Três Pontas, e divide-se em quatro partes muito notá- 
veis : costa da Mina, de Benim, do Calabar e do Gabão. 

meça no cabo das Palmas. «Eo cabo das Palmas um dos principaes de Africa, pois 
n'elle começa o appellidado golfo de Guiné». (Loc. cit. tomo i, pag. 301). 

No meio da confusão que se nota entre os geographos (veja-se Guinêe — M. A. 
Tardieu, Univers Pittoresque, pag. 1) tomámos os limites naturaes, a fim de fixar- 
mos com clareza a relação entre as diversas povoações de que nos occupâmos sob o 
ponto de vista medico. Devíamos servir-nos das linhas isothermicas para esta com- 
paração, mas não são conhecidas as da zona equatorial. 

1 Dentro da vastidão enorme das aguas do mar de Guiné não fica a ilha de Anno 
Bom, como dissemos, e a excepção feita para esta ilha não nos auctorisa a levar as 
nossas considerações aos terrenos importantissimos cortados pelo Zaire e aos que lhe 
estão adjacentes. São logares notáveis que se devem examinar com escrúpulo. Virá 
d'elle» algum mal á ilha de S. Thomé? 

2 Michel Levy, tomo i, pag. 527. 



HYGIENE PUBLICA 13? 

Sob o ponto de vista de salubridade relativa, examinámos as ilhas do 
golfo dos Mafras e as terras do Gabão, dos Camarões, do delta do Ní- 
ger, de Benim e de Ajuda. Temos climas insulares e continentaes : são 
todos marítimos. 

n 

Ilhas do golfo dos Mafras 

A respeito das ilbas de S. Thomé e do Príncipe levantou-se a questão 
de salubridade relativa chegando a dizer-se que o Príncipe era mais salu- 
bre que S. Thomé f Esta contenda tornou-se muito seria e foram gravís- 
simas as suas consequências. A prova está no que se vae ler : 

«O Senhor Rei D. José, attendendo ao que lhe foi presente a respeito 
da insalubridade da ilha de S. Thomé, e da exagerada benignidade do da 
ilha do Príncipe, transferiu para ella a sede do governo *. » 

Eis-ahi um facto, cujas consequências desastrosas mostram agrandis- 
sima importância, que se deve ligar a estes estudos. Bem desejávamos ler 
os considerandos, que se fizeram subir á presença d'aquelle monarcha, 
para demonstrar a insalubridade da ilha de S. Thomé e a salubridade da 
ilha do Príncipe, se porventura não proponderaram no animo do Rei ra- 
soes de outra natureza. 

A ilha de S. Thomé em 1869 está verdadeiramente insalubre, mas a 
ilha do Príncipe representa o typo da insalubridade. É verdade que se 
condemnam as ilhas por causa das suas cidades, quando se falia em ge- 
ral ; e nós, para cortarmos de uma vez para sempre similhante confusão, 
vamos fazer a classificação d'estas ilhas como se deve entender. 

A cidade de S* Thomé, embora esteja mal collocada, como se vê pela 
descripção medico-topographica do dr. Augusto Lúcio da Silva 2 , não se 
pôde comparar com a cidade da ilha do Príncipe, cuja insalubridade ex- 
cede tudo quanto se possa imaginar de peior em taes assumptos, pois toca 
o extremo dos focos de infecção ! 

A lezíria, onde jaz a cidade da ilha do Príncipe, tem pela frente, a 
nor-nordeaíe, um braço de mar, cercado de montes, cuja cerrada vegeta- 
ção chega até á agua. Aquelle braço de mar parece antes um rio, tão es- 
treito e comprido se apresenta. Ao oesnoroeste da lezíria corre a ribeira 
dos Frades ; o seu volume de agua é pequeno, passa por entre terras vir- 
gens. As aguas do monte que começa a levantar-se desde a sua margem 
esquerda, e as d'aquelle d'onde esta ribeira tira a sua origem, tornam-na 
caudalosa a ponto de entrar na cidade. Uma ponte de madeira que Tho- 

1 Cunha Matos, loa, cit., pag. 38. 
? Capitulo i (Teste relatório, pag. 23. 



136 CAPITULO m 

más Hutchinson chamou neat litle bridge está lançada entre as duas mar- 
gens do rio 4 , e põe a cidade em communicaçao com a alfandega e o seu 
bairro, onde está (1869) a casa de residência dos governadores, que foi 
comprada pelo governo a um proprietário da ilha. 

Quando o celebre naturalista inglez visitou a ilha do Príncipe os go- 
vernadores nSo tinham casa própria. 

A les-sueste d'esta pestífera lezíria corre outra ribeira, que tem o nome 
do pico onde se alimenta, é a pittoresca ribeira do Papagaio. Não ha 
ponte para dar passagem da cidade para as fazendas que existem alem da 
sua margem direita f Tem de ser atravessada n'um ou n'outro logar em 
que ha levada ou em que o rio dá vau, mas nunca sem risco de cair na 
agua. É caudalosa, e nas suas margens levantam-se arbustos e arvores, 
entrelaçando-se por tal modo, que em alguns logares forma vistosos dó- 
ceis. Algumas pessoas tomam banho n'estes pitto^escos e ameníssimos 
remansos do rio, apesar dos preconceitos que ha n'esta ilha contra os ba- 
nhos; podem comtudo fazel-o impunemente com os cuidados que o bom 
senso indica. 

Entre a margem direita da ribeira dos Frades e a taargem esquerda 
da ribeira do Papagaio conta-se apenas na sua maior largura um quarto 
de milha. Desde o mar até á ultima igreja da cidade, ao longo das ribei- 
ras, Rercorre-se outro quarto de milha, pouco mais ou menos a . Temos 
portanto um quarto quadrado de uma milha, representando a área da le- 
zíria, que pôde ser inundada pelas aguas das duas ribeiras ! 

Seremos exagerados considerando similhante local como o typo da 
insalubridade? 

A cidade de Santo António da ilha do Príncipe é um pântano, mas 
pântano 3 como não ha outro no mundo, que tenha casas onde sejam 



1 «Over a small river which falis into the sea here is erected a neat litle bridge, 
across which I had to pass to get into the town, first by the custom-house». (Thomás 
Hutchinson, loa, cit., pag. 205.) 

2 A posição da cidade é péssima; não ha uma única circumstancia attenuante 
em favor da sua existência; e para cumulo do infortúnio d'aquelles que são obrigados 
a viver ali, está collocado o cemitério entre as duas ribeiras a sudoeste das habita- 
ções! 

É urgentíssimo fazer-se a mudança de tal cidade para outra posição conveniente. 

3 «A cidade de Santo António da ilha do Príncipe está assentada em terreno baixo, 
húmido, pantanoso e barrento, isto é, está edificada no peior de todos os terrenos que 
se poderiam escolher para habitação de homens; entre o mar, a nor-nordeste, duas 
caudalosas ribeiras, ao norte e ao sul, a toda a hora exposta a uma inundação (como 
ia succedendo em maio de 1797, tempo das chuvas), cercada de aitissimas montanhas, 
e finalmente em um sitio em que a arte não pôde melhorar a escassez do terreno. 

«A cidade é muito pequena em extensão, as casas são de madeira, cobertas de te- 
lha e dispostas em ruas agradáveis e quasi todas bem alinhadas ( l ), muito poucas têem 

t 



HYG1ENE PUBLICA 137 

obrigados a viver os empregados, colonos, negociantes e agricultores ! 
E que género de constracções existe na máxima parte d'aquellas casas ! 

Imaginem-se 20 a 30 estacas de madeira queimadas na base e enter- 
radas 4 a 6 palmos. Sustentam estas estacas ou esteios um soalho, sobre 
o qual se levanta uma gaiola de tábuas, para onde se sobe por uma es- 
cada tão tosca como mal segura. Por debaixo d'estas casas passeia-se á 
vontade. São cobertas de telhas. 

Alguns ricos negociantes e abastados agricultores habitam em casas, 
que fazem um contraste singular com similhantes pardieiros. Ha apenas 
10 a 12 casas d'esta ordem, tendo algumas boas salas, e sendo bem con- 
struídas. É pena existirem prédios em um logar onde os poderes do es- 
tado não devem tolerar que se edifiquem outros. 

Em 1857 Thomás Hutchinson visitou a cidade do Príncipe, e fez d'ella 
a seguinte descripção : 

«The place hasall appearance of a deserted village; houses unte- 
nanted, some roofless, some windowless, more with. brokenwalls. Even 
those which are inhabited, and are roofed with draining tiles, placed in 
alternate rows of the convex and concave surfaces uppermost, have a 
chilly filthy air of poverty about them, that makes them seem only fit te- 
nements for reptiles and crawling things. No shops, no business, no signs 
of life or energy amongst the population *.» 

Desde 1858 até 1869 não houve progresso, conservou-se tudo no 
mesmo estado, pouco mais ou menos. 

A cidade da ilha do Príncipe não deve continuar a existir. O que po- 
rém se diz com todo o rigor a respeito d'estas cidades não se pode ap- 
plicar em geral ás duas ilhas ; e a falta de attenção para esta circumstancia 
tem dado occasião a apreciações infundadas. 

O dr. Daniel, segundo Thomás Hutchinson, escreveu as seguintes pa- 
lavras : «Prince's Island has acquired a better sanatary reputation than 
can be justly ascribed to it a .» O celebre viajante inglez combate esta as- 
serção, íirmando-se na opinião do dr. José Correia Nunes, a respeito da 
salubridade da ilha do Príncipe 3 . 



quintaes, e ha grande numero que fazem frente a quatro ruas ; tal é a falta de terreno 
para construir dentro da cidade da ilha do Príncipe ». (Raymundo José da Cunha Ma- 
tos, loc. cit, pag. 65). 

1 Thomás Hutchinson, loc. cit. pag. 206. 

2 Ibidem, pag. 207. 

3 « The experience of dr. Nunes, the colonial surgeon, during a four years^si- 
dence, is more to be relied upon than the observations of any one who has paid only 
a flying visit to the locality. From a few hours' conversation with this gentleman, 
carried on in French, as he could not speak the English language, I believe hira to 
be conscientious and intelligent, The topographical features of the island go also cor- 



m capitulo in 

Todos sem excepção dão péssimas informações da cidade, mas do 
interior da ilfaa ha opiniões desencontradas. 

Da leziria da ilha do Príncipe disse o geographo Sousa Monteiro * : «Às 
roas parecem verdadeiros canaes, por onde corre agua incessantemente, 
mas pelo interior da ilha não ha logares assim». 

Na excellente geographia de Malte-Brun lêem-se as seguintes pala- 
vras a respeito da salubridade da ilha do Príncipe: 

«L'air y est sain et agréable, 1'eau excellente. Plusieurs ruisseaux frais 
et limpides descendent à la cote ; un peíit lac occupe le sommet d'une 
haote montagne au milieu de Tile et fournit aussi plusieurs ruisseaux 2 > . 

Existirá realmente um lago, dando origem a algumas ribeiras? 

A falta de explorações é a causa d'estas e de outras incertezas, tanto 
a respeito do Príncipe, como das outras ilhas. 

Tanto uma como outra ilha téem no seu interior logares muito salu- 
bres. Citaremos, por exemplo, o agradável e salubre logar Ok-Gaspar 3 , 
que fica muito perto da cidade, a fazenda Azeitona, a fazenda Sun- 
dim, etc. , etc. 

Muito próximo á foz da ribeira dos Frades está o palácio dos gover- 
nadores, encravado n'um morro t A sua sala grande e a agradável va- 
randa que se acha lançada na sua frente é o refugio dos governadores 
n'aquella casa húmida e doentia f 

A casa de Cima-Ló (?) fica na margem esquerda do braço do mar que 
vem tocar na cidade, ameaçando submergil-a. A sua posição é agradá- 
vel. Toda a encosta, a contar da casa de Cima-Ló, á direita e á esquerda, 
é salubre e offerece logar próprio para se edificar um hospital, e um quar- 
tel para os soldados. 

A fortaleza da ponta da Mina fica sobranceira á margem direita do 
braço de mar de que temos fallado, e domina o mar. É um local excellente 
e agradável. 

Na ilha de S. Thomé contam-se óptimos logares interiores. A fazenda 
Monte-Café, Macambrará, o logar da Madgalena, Santa Cruz, Santa Mar- 
garida, etc. , etc. , s3o salubres e muito agradáveis. 

roborate his opinion of its salubrity as reported to me; for there is not a square inch 
of swarapy land tipon its whole surface». 

1 Diccionario geographico das possessões porluguezas, pag. 127. 

2 Malte-Brun, Géographie, tomo rv, pag. 629. 

3 Tivemos occasiáo de passar algum tempo na fazenda do sr. António Rodrigues 
Pedronho, denominada Ok-Gaspar, bem como visitámos a fazenda Azeitona e a do 
Sundim, as quaes ficam em terrenos salubres; Ok-Gaspar é para a ilha do Príncipe 
o que é o Monte-Café para a ilha de S. Thomé, emquanto a salubridade. 

O logar em que o sr. Pedronho possue a vivenda é uma planura dominando a 
cidade, o mar e a ilha ; é surprehendente a vista que d'ali se disfructa. Desde a casa 
até á cidade ha uma grande encosta, onde devia edificar-se uma casa de saúde, 



HYGIENE PUBLICA W 

O interior das duas ilhas é relativamente salubre, segundo a natureza 
dos climas equatoriaes ; é porém incontestável que a ilha de S. Thomé 
tem muito maior extensão de terrenos e é muito mais plana, as encostas 
mais suaves e as suas planicies roais vastas; a riqueza e commodidades 
avantajam-se ás da ilha do Príncipe. 

Archivemos agora algumas palavras acerca da ilha Ànno Bom. Ouça- 
mos uma auctoridade estrangeira, citada por Lopes de Lima, 

« Ya las autoridades portuguesas dei siglo anterior (século xviii) ha- 
bian reconocido con sorpresa, que los europeos resestian mejor el clima 
de S. Thomás que el dei Príncipe y Fernando Póo ; y que S. Thomás 
mismo cede el primer lugar a la deliciosa islã de Anno Bon, cuando se 
trata de la salubridad *. » 

O sr. D. José de Moros colloca em primeiro logar a ilha de S. Thomé, 
em segundo a do Príncipe, e no terceiro a de Fernão do Pó ; mas a de 
Anno Bom julga-a superior á própria ilha de S. Thomé, e no seu en- 
thusiasmo por aquella ilha não poz duvida em lhe dar o epitheto de deli- 
ciosa t É uma classificação insustentável; faltam-lhe as bases pjira a com- 
paração. 

A ilha de S. Thomé e a do Príncipe disputavam entre si a superiori- 
dade em bondade do clima, sendo as auctoridades portuguezas do sé- 
culo xviii em favor da salubridade da ilha do Príncipe, è não da ilha 
de S. Thomé. N'esta parte enganou-se o sr. D. José de Moros y Morçllon. 
Não querendo ser juiz na contenda, veiu não obstante annunciar que a 
ilha mais salubre era Anno Bom ; mas a sua demonstração, nem é scien- 
tifica, nem tem rigor mathematico. 

illustrado escriptor hespanhol, não podendo tratar do assumpto nas 
suas verdadeiras condições, recorreu aos phenomenos atmosphericos, 
citando correntes de ar que prejudicavam somente algumas ilhas. Muitos 
escriptores procuraram somente nos phenomenos atmosphericos a ex- 
plicação da salubridade ou da insalubridade dos climas equatoriaes de 
que nos occupâmos, e por isso não acertaram com a verdade. 

Ouçamos uma auctoridade franceza, e ajuize-se pelas suas palavras do 
erro em que laboram alguns escriptores a respeito dos climas próximos 
ao equador. 

« Les vents réguliers qui soufflent à Anno Bon sont ceux du su-est, 
dont la constance est seulement troublée par les toúrnades qui se font 
sentir de mars à septembre. La saison pluvieuse est en avril et mai, puis 
d'octobre à novembre. 

«L'opinion favorable qui Pon a communément de la salubrité du 
climat d'Anno Bon ne doit être recue, dit le capitaine Boteler, qu'avec ré- 

1 Lopes de Lima, loc. cit., pag. 7. 



140 CAPITULO Hl 

serve, sa propre expérience ne la lui ayant pas démontrée ; cependant ii 
remarque plus loin que ceclimat est decidément leplus sec et leplus sain 
des quatre íles ! . » 

O capitão Boteler pôde asseverar o que quizer ; em assumptos d'esta 
importância só os factos e as demonstrações rigorosas téem valor. 

É hoje reconhecido entre os homens que se dedicam ao estudo das 
moléstias dos climas quentes, que os elementos meteorológicos não têem 
acção directa sobre o desenvolvimento da maior parte das doenças tro- 
picaes: as febres paludosas e a dysenteria nas ilhas do golfo dos Ma- 
fras. 

Os miasmas geram-se no solo, e a sua maior ou menor actividade de- 
pende da natureza dos terrenos. A disposição individual augmenta a 
gravidade do envenenamento miasmatico, assim como a meteorologia au- 
gmenta a evolução miasmatica e as complicações orgânicas do doente. Mas 
uma e outra não produziriam as febres miasmaticas, não seriam prejudi- 
ciaes sem a existência dos focos infectuosos. Tirem-se as causas, e os effei- 
tos cessarão para sempre, porque o ar dos climas equatoriaes é similhante 
ao dos climas mais perfeitos e mais salubres. 

Os argumentos a que se soccorreu D. José de Moros y Morellon têem 
tão pouca validade como os de Lopes de Lima, para sustentar a superiori- 
dade da ilha do Príncipe em relação a S. Thomé. 

As estatísticas da propagação e longevidade dos habitantes europeus, 
sendo irregulares, não têem utilidade ; é raríssimo fazerem-se exactas e 
nas condições de resolver o problema que se examina. 

Os europeus, quer em S. Thomé quer no Príncipe, no seu estado actual, 
podem resistir por mais ou menos tempo, mas não podem aclimar-se, por- 
que em terrenos palustres não ha aclimação possível. Basta esta conside- 
ração para tirar toda a importância aos argumentos de Lopes de Lima. 

A ilha de Fernão do Pó devia também ter o seu apologista, e teve-o 
bem arrojado. Ouçamos por informação de Thomás Hutchinson o defensor 
de Fernão do Pó. 

«Fernando Pó was discovered in 1471 by a Portuguese navigator, 
who entitled it the Ilha Formosa (or beautiful island), but it has since been 
called after the explorer who found it out, and whose name was Fernando 
Poo. Dr. Hensman has styled it the Madeira of the Gulf of Guinea *. » 

Não sabemos, porque Thomás Hutchinson o não declara, se Hensman 
demonstrou o que se atreveu a asseverar. 

A constituição geológica de Fernão do Pó é assim descripta pelo cele- 
bre viajante inglez Hutchinson : 



1 lies africaines de 1'ocêan atlantique, par M. (TAvezac, pag. 241. 

2 Thomás Hutchinson, loc. cit., pag. 173. 



HYGIENE PUBLICA 141 

« The volcanic nature of the island is evident on the road from the 
beach to the town; for basaltic scoriae are imbedded in the soft clay 
through which it is cut á . » 

A respeito da Fernão do Pó escreveu mr. d' Avezac : 

« Le voisinage du continent africain soumet Fernão do Pó au souffle 
embrasé du harmattan, chargé des émanations brúlantes, sêches et pou- 
dreuses des sables du désert, intolérable si la brise n'en venait modérer 
Pardeur ; salubre cependant après la saison des pluis, en ce qu'il purge 
1'atmosphère des vapeurs miasmatiques qu'engendre rhumidité : on a 
observe qu'à son retour les malades commencent à entrer en convales- 
cence. II produit un singulier effet sur la peau des naturels ; Tépiderme 
s'écaille et tout le corps semble couvert d'une poussière blanche. La brise 
la plus agréable est celle du nord-ouest, qui souffle vers le milieu du 
jour 2 .» 

Agrupam-se rasoes sobre rasões, mas não ha decisão possível, sem 
que se proceda ao estudo das localidades. O miasma gera-se na terra em 
certas e determinadas condições ; é o solo que convém estudar. Ha pân- 
tanos sem haver febres palustres, e ha febres palustres sem haver pânta- 
nos. Os logares baixos são em todas as latitudes insalubres em relação aos 
logares ventilados e de boa exposição. 

Não é somente na ilha do Príncipe e na de S. Thomé que se reputam 
salubres os logares altos e interiores. Veja-se o que disse Thomás Hut- 
chinson a respeito, do pico de Fernão do Pó : - 

« The peak of Fernando Po is more than ten thousand feet above the 
levei of the sea ; and I believe the mountain to possess ali the varieties of 
temperature, as well as of vegetation, to be met with from the equator to 
the polés. The palm-tree, the banana, the plantain, orange, and ali kinds 
of intertropical fruits, flourish on the low ground. Higher up, satin-wood, 
lignum, vitae, and mohogany grow, with cinnamon and tamarinds, whilst 
ascending farther, cloves are found, and, near the summit, myrtles and 
Hchens. The upper part of the mountain is said to abound in wild pea- 
cocks. The late governor Beecroft made ascent of it in 1840, and so intense 
was the cold at the peak, that two of his negro servants died on their 
return te Clarence. The thermometer was down to 40° Farhr. From this 
it may be presumed that an hospital could be erected here, in a position 
to be above ali the endemic influences of the oountry, as the fever miasma 
is never known to rise higher than 2:000 feet above the levei of its ger- 
mination.» 



1 Thomás Hutchinson, loc. cit., pag. 181. 

2 tis africaines de Vocéan atlantique, par M. Avezac, pag. 237. 



1*2 CAPITULO m 

• 

Alem das ilhas que deixámos nomeadas, deve contar-se Mondoleh e o 
Corisco. Se a sua pequena superflcie as torna pouco notáveis emquanto 
á riqueza publica, as bahias que occupam têem muita importância no es- 
tudo da salubridade relativa, que se trata de examinar. 

A babia de Ambozes, onde jaz Mondoleh, mereceu a seguinte classi- 
ficação de um escriptor francez : 

c La bate dAmboises est pmt-étre la position la plus saine de la cote 
d* Afrique. 

« Pendant la saison pluvieuse on y a rarement plus d'un orage ou d'un 
tornado en vingt-quatre heures. Le reste du jour, le temps est três beau 
et la pluie même slnterrompe quelques jours de suite *.» 

Na bahia de Ambozes existe um pequeno archipelago, sendo Mondoleh 
a ilha principal. As ilhas que formam este pequeno grupo estão actual- 
mente habitadas, sendo a sua extensão e fertilidade na rasão inversa da 
população *. 

A bahia do Corisco é assas notável ; é porém para lastimar que esteja 
entorpecida por grande numero de ilhéus, ilhotas, bancos e pedras, que a 
tornam dificilmente navegável. 

A vegetação da ilha do Corisco é, como nas outras, immensa. Ha ali 
magnificas madeiras de construcção 3 . Está actualmente habitada. 

O que deixámos dito a respeito das ilhas existentes no golfo dos Ma- 
fras mostra evidentemente que faltam os verdadeiros dados para se chegar 
a uma conclusão racional. 

O excellente livro de Dutroulau é o melhor modelo a seguir, e com 
tão abalisado medico diremos, que sem o conhecimento exacto da con- 
stituição geológica do solo, e de tudo o que nos possa ser revelado pelo 
estudo geographico e topographico de cada ilha em separado , sem o co- 
nhecimento da meteorologia, tomando em consideração os seus principaes 
problemas, não se pôde avaliar a natureza dos climas, e muito menos a das 
moléstias reinantes. A falta d'estes dados inhibe-nos de apresentar a nossa 
opinião fundamentada ; e apesar d'isso fazemos a seguinte classificação 
das ilhas do golfo dos Mafras, que pertencem aos portuguezes, 

Logares mais salubres de S.Thomé — Monte-Café, Magdalena, Ma- 
cambrará, e muitos logares cuja altitude é superior a 300 metros. 

Logares mais salubres da ilha do Príncipe— Ok-Gaspar, Sundim, 
Azeitona, Cima-Ló e Ponta da Mina. 



1 A. Tardieu, Quinèe, Univers pittoresque, pag. 371. 

2 Amadée Tardieu, loc. cit., pag. 370, e Alexandre de Castilho, loc. cit, pag. 116. 

3 Amadée Tardieu, loc. cit. pag. 374, Alexandre Magno de Castilho, loc. cit. 
tomo n, pag. 138. 



HYGIENE PUBLICA 443 

A ilha de S. Thomé é actualmente mais rica, mais povoada e mais 
fértil que a ilha do Príncipe. 

III 

Povoações marítimas 

nas praias banhadas pelas agnas do mar de Guiné ou pelos 

principaes rios que n'elle toem a sua foz 

Em frente de Fernão do Pó, na costa firme, levanta-se a formidável serra 
de Motão ou dos Camarões. seu maior pico vae a 4:200 metros de al- 
tura, e avista-se a grande distancia do mar. Está coberto de frondosas 
arvores, e, segundo Alexandre de Castilho, é justificada a supposiçãô de 
ser esta serra um vulcão extincto. 

monte Mongo-Ma-Labah é mais alto que o celebre pico de Teneriflfe, 
é talvez o mais elevado de toda a Africa ; fica no mesmo rumo das ilhas 
de Fernão do Pó, Príncipe, S. Thomé e Anno Bom, como já dissemos. 
Cousa singular ! O pico dos Camarões é mais alto que o de Fernão tio Pó, 
o d'esta ilha igual ao de S. Thomé, o de S. Thomé mais alto que o pico 
do Papagaio no Príncipe, e o d'esta ilha igual, pouco mais ou menos, ao 
pico de Anno Bom. Os terrenos das quatro ilhas parecem idênticos e são 
de origem vulcânica. 

Em toda a zpna de que nos occupâmos é preciso fugir dos Jogares 
baixos e húmidos. A altitude de 18 metros acima do nivel do mar, qae 
parece indifferente á primeira vista, tem grande importância. 

Os logares interiores e elevados são os melhores para o estabeleci- 
mento de casas agrícolas, povoações, vivendas, casas de saúde, etc, 
etc. Estas indicações devem servir de base para se realisar o projecto 
das colónias penaes em S. Thomé e Príncipe. 

Gabão, o delta do Niger e as terras de Dahomey têem sido o theatro 
de largas investigações scientificas muito importantes ; e d'ellas tirámos 
as seguintes noticias assas significativas. 

« La ville de Dahomey est bâtie en argile ; les habitations sont eouver- 
tes en paille comme celles de Whidah. . . sur un plateau élevé : le climM 
est três sain : il ne regue ancune des fièvres que ravagent le littoral, et 
dont les habitants de Dahomey sont souvent victimes quand ils descen- 
dent au bord de la mer *.» 

Esta informação corrobora o que temos dito, e sobre o que, embora 
faltem os verdadeiros dados, se pode desde já tomar uma resolução defi- 
nida : as febres paludosas, as doenças graves, as endemo-epidemias exis- 
tem nas povoações marítimas baixas e próximas ás praias. 

1 Amadée Tardieu, loc. cit, pag. 284. 



144 CAPITULO m 

Uma das povoações dos Camarões foi assim classificada, attenta a soa 
posição : 

«Cette position élevée (altitude 18 metros) et la nature sablonneuse 
du terrain en font un séjour três sain *.» 

Não ha muitos terrenos baixos e pantanosos pela costa do Gabão. Às 
névoas que se levantam sobre a costa da enseada do Pau da Nau cobrem, 
segundo Alexandre de Castilho, logares pantanosos, mas d'elles não pôde 
advir mal algum á ilha de S. Thomé. O notável rio Gabão tem sido estu- 
dado sob o posto de vista commercial e politico ; procuram os francezes 
estabelecer perto d'elle uma colónia, o que só poderão realisar á custa de 
grandes sacrifícios. Ha já estudos regulares e feitos com este intuito, se- 
gundo as regras da arte, sendo muito para notar que todos os escriptores 
francezes hajam designado com os nomes de alguns sábios francezes e de 
outras pessoas notáveis os logares que examinaram. 

Sendo a composição geológica dos terrenos um estudo muito essencial 
para se conhecer o grau de salubridade de qualquer localidade, julgámos 
necessário archivar as seguintes informações : 

« L'examen des localités qui avoisinent les deux bassins de Gabon, 
montre tout d'abord une série de terrains d'alluvion formes successive- 
ment par les sédiments du courant sur un sol calcaire ou ferrugineux 
que constitue la base générale du pays, de petits tertres argileux aux 
premiers plans et quelques montagnes de hauteur moyenne aux derniers. 
Dans les intervalles de ces accidents de terrains on rencontre, à chaque 
pas, de larges flaques d'eau saumâtre sans courant determine, que la mer 
laisse en se retirant après avoir inondé les environs. . . II n'est pas inutile 
de dire que 1'eau douce quelque haut qu'on se soit avance dans les affluents, 
est toujours mêlée de detritus végétaux et de vase qui ne tardent pas à 
Taltérer une fois qu'elle est stagnante 2 . » 

Este trecho lança pouca luz na questão de que nos occupâmos, por- 
que faltam as observações complementares. 

Do Gabão aos Camarões não ha terrenos essencialmente pantanosos 
que possam carregar de miasmas os ventos a ponto de serem levados 
para a ilha de S. Thomé. Quer os terrenos que ficam próximos ao Ga- 
bão, quer os que jazem na costa dos Camarões e do rio de El-Rei, são re- 
conhecidamente de origem vulcânica 3 . 

A costa do Calabar é muito insalubre e miasmatica, e tem rios em que 
é perigoso demorar-se õ europeu por espaço de quinze dias somente ! 



1 Amadée Tardieu, loc. cit., pag. 373. 

2 Ibidem, pag. 382. 

3 Ibidem, pag. 369. 



HYGIENE PUBLICA 145 

Às febres são ali de natureza miasmatica. Calabar, ultimo braço do Ní- 
ger, é causa de grande insalubridade. 

À costa que se segue ao Calabar e todas as terras adjacentes, que se 
acham rasgadas pelos numerosos braços do Quorra, são o centro enorme 
de miasmas paludosos. 

«L'odeur des substances végétales putréfiées était excessivement des- 
agréable et leur causait des nausées ! .» 

São estas as informações dadas pelos viajantes que se têem animado 
a approximar-se de similhante foco de infecção, que fica a umas 300 
milhas ao norte do equador. 

Desde a foz do Calabar até á foz do rio da Lagoa, ou antes até á foz 
do rio Formoso; o terreno é de alluvião. 

É urgente proceder ás observações meteorológicas na ilha de S. Tho- 
mé, a fim de se observar a relação de insalubridade que ha entre as povoa- 
ções da ilha e os ventos que sopram do lado em que fica o delta do Niger. 

Deixando o delta do Niger, passámos ás terras banhadas pelas* aguas 
do golfo de Benim, onde temos a colónia de Ajuda. Antes de coordenar- 
mos algumas informações a respeito de um ponto tão importante da costa 
Occidental de Africa, prestemos attenção aos escriptores francezes, que 
têem reproduzido os trabalhos do tristemente celebre Villaut deBellefond. 
Attribue este escriptor a má fama que corre a respeito da salubridade das 
terras que ficam adjacentes ao golfo de Benim, á inveja das outras nações 
para afastarem d' ali os negociantes francezes ! Notem-se bem as palavras 
do escriptor francez. 

«L'air de ces cotes n'est dangereux que pendant trois móis de Pan- 
née et c'est encore si peu de chose, qtfavec le moindre soin que Pon prend 
à s'y conserver, Pon se porte aussi bien qu'en France, et plusieurs maux 
y sont inconnus que nous accablent en Europe. Mais disons que ç'a été 
la ruse des étrangers pour nous en dégoúter, qui, voyant que nous avions 
interrompu ce commerce, ont tache jusques^à présent de nous faire per- 
dre tout-à-fait non pas seulement le dessein, mais Penvie même de le 
reprendre 2 . » 

Se ha ali localidades salubres, ha muitas outras reconhecidamente insa- 
lubres, e o escriptor francez mostrou ignorar a historia dos viajantes fran- 
cezes e inglezes que têem explorado as terras de Dahomey, de Benim, 
do Niger, do Calabar e dos Camarões, e, o que é ainda peior, fechou os 
olhos diante de centenares de victimas que têem sido immoladas ao inte- 
resse de alguns aventureiros. 



* Amadée Tardieu, loc. cit, pag. 362. 
1 Ibidem, pag. 194. 

40 



146 CAPITULO in 

Ha localidades tão insalubres como a lezíria da ilha do Príncipe, e 
ha outras ainda mais damnosas, onde os europeus succumbem rapida- 
mente, seja qual for a sua idade e temperamento. O sr. Villaut de Belle- 
fond foi completamente illudido a respeito dos logares e dos factos que 
mencionou. 

Não temos conhecimento da natureza das febres que grassam em Aju- 
da; nada podemos dizer a este respeito, deixando aqui uma lacuna gra- 
víssima, a qual, infelizmente, não é a única que temos a lamentar. - 

Na carência de conhecimento e estudos médicos de taes doenças, da- 
mos por copia a descripção de Ajuda feita por um distincto official da ar- 
mada 1 . 

«A cidade de Ajuda é situada a 3 ou 4 milhas de distancia da praia 
do desembarque e d'ella separada por uma grande lagoa. O terreno é 
quasi sempre arenoso, mas também em sitios barrento e pantanoso, sem a 
mais pequena eminência, começando a perder a vista desoladora que se 
apresenta ao observador esta costa do mar. 

«A meia milha da praia fica a primeira aldeia que se chama Sumbu- 
gi. Entra-se depois na lagoa que é vadiavel. Tem de largura talvez 500 me- 
tros. É navegável por canoas, cresce no tempo das chuvas, mas dá sem- 
pre vau no logar em que se atravessa do Sumbugi para o forte portuguez. 
Os carregadores mettem-se na agua até á cintura para o vadear. 

«Antes de chegarmos ao forte atravessámos o sarame portuguez que 
o circumda n*um raio de 500 metros. 

«0 forte portuguez está collocado mais a leste do que os outros (frait- 
cez e inglez) e tfuma pequena elevação de terreno. Na actualidade (1865) 
compõe-se de uma velha casa de primeiro andar e coberta de palha, a 
que pelos lados se ligam as muralhas de barro amassado, que constituem 
propriamente o forte com seus baluartes derrocados, encerrando uma 
ermida e alguns pardieiros, e tudo cercado de uma valia ou fosso geral 
em que crescem em abundância os arbustos parasitas sobre as escarpas 
resvaladas e já quasi sem declive. Ao lado esquerdo do edifício, que forma 
a maior parte da frontaria do forte, acha se o portão da entrada principal, 
dando para um corredor, que communica com a praça ou parada geral. 

«Possuía o forte bastantes escravos, que eram olhados como proprie- 
dade da coroa de Portugal, e (Tosses com suas famílias ainda actualmente 
(1865) existem perto de 600, que, reunidos em cabanas agrupadas em * 
torno do forte, constituem o que se chama o sarame portuguez. Respei- 
tante não negam aauctoridade que tem sobre elles qualquer governador, 
e orgulham-se de ser reconhecidos como portuguezes. Não ha recensea- 
mento d'esta gente que tem estado entregue a si própria, dependendo 

1 Carlos Eugénio Correia~da Silva, Uma viagem ao nosso estabdecmento de Ajuda. 



i 



HYGIENE PUBLICA 147 

unicamente de dois anciãos a quem obedecem, e que são tratados por 
grandes do sarame. » 

À nossa colónia de Àjudá occupa uma posição assas importante na 
costa occidental de Africa, e por isso merece toda a protecção dos pode- 
res do estado. As noticias históricas dó forte portuguez são abundantes. 

Occupâmos ali, é verdade; uma área limitadíssima, mas as relações 

commerciaes dos europeus com os naturaes são valiosas, e o presidio que 

lá temos não deve continuar quasi desamparado. Se a natureza do clima 

é desconhecida, as moléstias ignoradas e o commercio nullo, não quer 

isso dizer que Ajuda seja insignificante. 

A faxa geographica que estudámos não admitte a menor comparação 
com as terras do reino de Angola e de Moçambique, nem mesmo com 
outra zona equatorial da mesma extensão, a seis graus e meio, chegando 
ao rio Zaire. A importância da ilha de S. Thomé no archipelago dos Ma- 
fras e da colónia de Ajuda no reino de Dahomey justifica as narrações 
scientifico-historicas dos viajantes que se têem occupado (Testas terras 
equatoriaes. 

Quando o progresso e a civilisação chegarem ás terras de Africa, mui- 
tos logares que passam hoje por insalubres tornar-se-hão brevemente sa- 
lubres, e Angola especialmente patenteará toda a sua riqueza e salubri- 
dade, e com o seu progresso ganhará também a província de S. Thomé 
e Príncipe e suas dependências. 



Hygiene publica propriamente dita 



L'hygiène est 1'arseaal oú Torganisme hamaii puise los armes leiptas 
éfficaces ponr sontenir la lutte qu'il engage avec les forces cosmiqnes d'oa 
elimat qm loi est étraofer, tatte qoi doit aboutir à 1'aeetinateBMrt. 

(Dotroulan, pag . 479.) 



A historia medica de um povo fornece os principaes elementos para 
o estudo da hygiene publica, que tem por objecto a vida social d'esse 
povo. Á hygiene pertence examinar as causas destruidoras da população 
e os meios mais adequados para attenuar ou destruir essas causas ; e por 
isso estão sob o seu domínio todos os edifícios públicos, as cidades e as 
villas, a alimentação, as profissões e finalmente tudo o que possa pôr ob- 
stáculos ao desenvolvimento da população. Os materiaes que constituem 
a hygiene publica, um dos ramos mais importantes das sciencias medicas, 
são realmente tão abundantes quanto variados, quer se examinem singu- 
larmente, quer se examinem em globo. 



148 CAPITULO ffl 

Micbel Levy * denominou a hygíene clinica do homem são, e, apesar 
de sustentar com toda a proficiência as duas secções da hygiene, publica 
e privada, demonstrou que uma não era mais de que a generalisação da 
outra. Abundando n'estas idéas, agrupámos tfuma parte as considera- 
ções geraes acerca da saúde publica na ilha de S. Thomé, e n'outra parte 
aquellas que dizem respeito somente ao individuo. Julgámos de absoluta 
necessidade o estudo da medicina preventiva, em seguida ao exame da 
flora pathologica (Testa ilha. Entre a medicina preventiva e a hygiene pri- 
vada ha pontos de contacto, mas também se notam differenças caracteris- 
cas; é mais natural estudar tão importante assumpto no capitulo das 
doenças, do que no da hygiene, como teremos occasião de observar. 

Sob a denominação de hygiene publica propriamente dita collocâmos 
as considerações que o estado da ilha em 1869 nos auctorisa a fazer. A 
esta epocha nos referimos, e citámos alguns factos anteriores que possam 
lançar a luz, fim de se achar a verdade e estabelecer com exactidão algu- 
mas regras praticas attinentes á conservação da saúde. 

n 

População 

«Une des premières recherches de 1'écrivain qrçi veut se rendre une 
compte exacte de 1'état d'une société dans un moment donné, consiste à 
connaitre le nombre*d'individus dont elle se compose *. » < 

A estatística da ilha de S. Thomé não se acha feita para o anno de 
1869. Tomámos por base das nossas considerações a população existente 
em 1868. Havia n'aquelle anno 16:500 habitantes, distribuindo-se por 
272 milhas quadradas, devendo ter cada milha quadrada 61 habitantes. 
É um calculo infiel, porque a maior parte da ilha sempre tem estado e 
ainda está inculta. 

A população média de cada uma das freguezias, admittindo a estatís- 
tica de 1868, é de 1:833,33 habitantes, e a sua superfície média 31 mi- 
lhas quadradas. São cálculos em que não nos devemos demorar, por- 
que não representam o estado actual da população, mas o estado que 
devia ser, em presença da população e da superfície da ilha. 

Os habitantes estão accumulados ao norte da ilha, e não se pôde di- 
zer por isso que esta parte da ilha é mais fértil que qualquer outra. Se 
no terço norte da superfície da ilha se têem concentrado todos os habi- 
tantes, é porque são obrigados a proceder assim. 

1 Traitê d'hygiène publique et privêe, prolegomenos, pâg. 48, 49 e 50: 
* Lord Macaulay, citado por Ambroise Tardieu, Dictionnaire de hygiene publique 
et de salubrité, art. population, tomo iir, pag. 415* 



!» 



HYGIENE PUBUGA 149 

O capim e outras hervas tendem constantemente a destruir o trabalho 
dos homens. O fazendeiro que abrir uma roça, e só cuidar de cultivar ter- 
renos, marchando para o interior da ilha, quando voltar ao ponto d'onde 
partiu, vé os seus trabalhos agrícolas inteiramente perdidos por causa de 
vegetaes inúteis, que inutilisam a sua obra t São factos communs. A con- 
centração dos agricultores é uma necessidade, e a ilha nunca chegará a ser 
cultivada sem haver braços em tal proporção que possam attender a nova 
cultura e sustentar a que estiver prompta. N'estes trabalhos só podem ser 
empregados os [africanos. Os terrenos virgens quando são arroteados 
desenvolvem moléstias fataes aos europeus. 

É curioso, é digno de se observar, o aspecto de uma pequena chou- 
pana entre uma vegetação suffocante, infinita que a circumda ; não lhe 
escapa o canteiro do pobre, a horta do solitário, o campo do trabalhador, 
a fazenda do proprietário. Se houver quinze dias sem trabalho, a relva, 
o capim e differentes variedades de vegetaes occuparão tudo como se 
ali não tivesse passado a mão do homem f 

Por entre tantas arvores e infinitos arbustos circula pouco ar, a hu- 
midade * é constante, o húmus está muito carregado de detritos vegetaes 
e animaes, o sol dardeja os seus raios perpendicularmente, as chuvas são 
torrenciaes durante a maior parte do anno, e no meio de tudo isto que 
pôde fazer um só homem, uma só família, uma dezena de homens ? t 

É preciso ter-se percorrido a ilha de S. Thomé, para se poder avaliar 
o que são as suas povoações, a natureza das suas planícies e o estado da 
sua agricultura. 

Para a cultura ser profícua, salutar e dar benefícios geraes á salubri- 
dade da ilha, é indispensável grande numero de braços empregados no 
trabalho. As vivendas devem ser feitas nas encostas dos montes ou dos 
outeiros como a do Monte Café, a Casa do Campo e muitas outras, que 
têem espaçosos largos ao derredor. 

Os pobres e as famílias pouco abastadas mal podem lutar contra a ve- 
getação e sujeitam-se a resistir. Sobre este solo humoso, cheio de detri- 
tos vegetaes, no meio de um arvoredo cerrado, respirando-se um ar hú- 
mido e impuro, as forças physicas diminuem, e adquirem-se muitas doen- 
ças, que inhabilitam o homem, quer moral, quer physicamente. 

A população branca soffre muito, a concepção não se effectua, e se 
por acaso se verifica, o seu producto é duplamente fraco, porque nem as 



1 O calçado de que se faz uso diário, e que se guarda á noite no quarto de dor- 
mir, apparece muitas vezes cheio de bolor branco! Este facto demonstra á evidencia 
o cuidado que deve haver em se ter a casa limpa, bem secca e arejada em occasiâo 
opportuna. O quarto de dormir estará, de noite, muito bem vedado. 



ISO CAPITULO lil 

m5es, nem os pães estão nas condições de procrearem indivíduos sadios 
e robustos. 

O europeu e a africana podem ter filhos, e formar assim algumas fa- 
mílias» embora com muitas dificuldades. 

A falta de cultura e outras causas que ha pouco mencionámos expli- 
cam a mortalidade, o enfraquecimento orgânico e o impedimento aos nas- 
cimentos. 

Observámos um grande numero de abortos entre as africanas. É esta 
uma causa importante do estacionamento da população nativa. Um aborto 
realisado predispõe para outro aborto ! . 

A hygiene publica tem de combater similhantes predisposições por 
todos os modos possíveis, e não se deve desesperar de obter bom resul- 
tados logoque n'esta ilha se adoptem as regras de uma boa colonisação. 

As creanças africanas morrem em grande numero. São variadas as 
suas moléstias, avultando entre as mais graves as doenças das vias respi- 
ratórias ; os vermes complicam quasi todas as doenças, e muitas creanças 
morrem cacbeticas ! 

Os costumes dos habitantes de S. Thomé téem influencia directa so- 
bre a mortalidade e sobre a procreação. É um facto incontestável. 

A coincidência da abundância com uma excessiva mortalidade é quasi 
sempre o signal da pobreza de um povo ou da sua desmoralisação. 

Michel Levy não admitte meio termo n'esta parte, e tem rasão. A ilha 
de S. Thomé, fértil como poucas regiões do mundo, é em muitos loga- 
res salubre, e todavia a população não augmenta sensivelmente 1 

O clima da ilha de S. Thomé, no estado em que se acha, predispõe 
para o aborto, mas a desmoralisação toma ainda maior parte n'esta pre- 
disposição. 

Á hygiene publica pertence dar bons conselhos ; mas a religião e a 
moral téem armas mais poderosas, sem as quaes nada se pôde alcan- 
çar, 

O paludismo, a anemia tropical, a anemia paludosa, as doenças bi- 
liosas influem sobre o feto. Estas causas geraes são favorecidas nos seus 
perniciosos effeitos por abundantes e ás vezes duplas menstruações, a que 
estão sujeitas as mulheres europeas, sob a acção deprimente do calor e 
do miasma palustre. 

Todas estas causas são altamente prejudiciaes, e na cidade de S. Tho- 
mé operam simultaneamente, e por isso o aborto da mulher europêa é a 



1 Tratei de uma africana que, tendo abortado cinco vezes, receiava abortar pela 
sexta vez. Todos os meus cuidados lograram apenas retardar o aborto, que se reali- 
sou durante o sexto mez. Gomo este téem havido alguns outros casos, que fazem ob- 
jecto de trabalho especial. (Nota do relator.) 



HYGÍKNE PUBLICA 151 

regra, e o parto a excepção. Uma creança recemnascida não pôde resistir 
por muito tempo ; o único meio de a salvar é retiral-a da ilha. 

As creanças que chegam aqui vindas da Europa morrem em pouco 
tempo. 

À aclimação de família, n'estas circumstancias, é impossível na cidade 
de S. Thomé; as famílias oriundas 'de europeus e africanos são poucas, e 
a população africana não áugmenta como devia. 

Para attenuar esta gravíssima causa do atrazo em que se acha a po- 
pulação, cumpre que as auctoridades ecclesiasticas, civil e sanitária to- 
mem quanto antes medidas eficazes. 

O padre moralisa, a auctoridade administrativa da força e faz executar 
o que o medico aconselha. 

Uma população com quatro séculos de existência, que não cultiva uma 
superfície de 272 milhas quadradas, nem a povoa, apesar de receber con- 
stantemente homens e jnulheres, mostra a existência de causas perma- 
nentes, activas e poderosas, que geram doenças, causam a morte e des- 
troem a procreação I Essas causas, a que os brancos não podem resistir, 
tornando-se-lhes impossível formar família, não actuam com a mesma 
energia sobre as famílias descendentes dos pretos e brancos, ou só dos pre- 
tos; essas causas não são desconhecidas e a riqueza e fertilidade da ilha 
exigem que se appliquem os meios de as destruir, ou pelo menos attenuar. 



IJI 

Alimentação 

A alimentação de um povo tem influencia directa sobre a sua saúde. 
Podem predominar mais uns alimentos do que outros, e muitas moléstias 
resultam da qualidade d'elles. Depois das considerações que fizemos no 
capitulo II pouco temos a acrescentar agora a tal respeito. 

Em S. Thomé depende evidentemente das substancias alimentares a 
existência de vermes intestinaes. A constipação de' ventre, tão cruel, fre- 
quente e fatal entre os africanos, tem por causa determinante o género 
de alimentação ; no mesmo caso estão muitas moléstias de pelle, e algu- 
mas vezes os edemas, a anemia, etc. 

A subsistência estudada sob o ponto de vista de hygiene publica é um 
ponto importante. A civilisação em todos os paizes do mundo colonial 
tem introduzido innovações, mas em S. Thomé não se ouvem os conse- 
lhos da sciencia. 

No equador abundam os vegetaes tão ricos quanto gigantescos e va- 
riados, o que parece estar indicando que o sustento deve ser composto 



152 CAPITULO 111 

de vegetaes no paiz, onde o calor dominar todas as outras condições me- 
teorológicas. 

Nas regiões polares os musgos e os lichens representam o reino ve- 
getal ; a natureza não produz ali vegetaes como nos trópicos, porque o 
frio domina nestas regiões, por isso os mantimentos devem ter por base 
as gorduras. 

O homem distincto de todos os animaes, formando um reino indepen- 
te, o reino hominal ! , procura estabelecer-se em toda a parte, em todos os 
climas que se contam á superfície do globo, dos poios ao equador e do 
oriente ao nascente. 

Nos climas frios predomina a côr branca, e esta vae-se modificando 
desde o branco ao preto, fazendo tantas modificações quantos os climas; 
o mesmo se verifica a respeito dos cabellos; os pretos trazem-nos de 
modo a resguardar a cabeça da acção do sol. 

O clima de S. Thomé, já de sua natureza deprimente, torna-se peior 
com as doenças paludosas, ás quaes o homem não se aclima. A anemia é 
uma doença geral. 

Devem comer-se n'esta ilha vegetaes, peixe bem fresco e carnes ; o 
vinho é muito útil aos europeus, para lhes dar força no meio de tantas 
causas que as diminuem. 

Para mais vantagem e facilidade damos em outro logar as regras ne- 
cessárias para os europeus se dirigirem n'esta ilha. 



IV 

Endemias 

As endemias que grassam na ilha de S. Thomé têem por origem a in- 
fecção. Á hygiene publica cumpre examinar a natureza intima d'estas en- 
demias, comparal-as com as epidemias, endemo-epidemias e com tudo o 
que possa patentear as causas destruidoras d'esta população, e estabele- 
cer os meios de as combater, quer na sua origem quer dentro da eco- 
nomia humana. 

As endemias são, no dizer de Michel Levy, a expressão páthologica 
das localidades. A evolução das moléstias endémicas da Africa portugueza 
é pouco conhecida. Pelo que diz respeito á ilha de S. Thomé, apenas se 
tem feito o exame e a classificação das moléstias observadas no hospital *; 
é somente a estas que nos podemos referir. 



1 Veja-se o capitulo x. 

2 Vejam-se os respectivos mappas, 



HYGIENE PUBLICA 153 

As doenças paludosas ', as doenças biliosas, as cachexias e as dysen- 
terias constituem a endemia na ilha de .S. Thomé entre a população eu- 
ropêa. 

O rheumatismo, as ulceras, a syphilis, o maculo, a doença do somno, 
a elephantiasis, grassam de preferencia entre os africanos. 

As povoações em S. Thomé devem estar sujeitas a regulamentos hy- 
gienicos, assim como as roças devem ser obrigadas a satisfazer a algu- 
mas condições da saúde publica e do bem estar geral. 

Estes regulamentos hygienicos não existem, apesar de existir policia 
rural e urbana, e haver já indicações espontâneas da parte de quem fez 
os regulamentos actuaes. Em assumptos de tal magnitude a auctoridade 
administrativa deve ouvir sempre a auctoridade sanitária ; mas nem a ca- 
mará de S. Thomé tem medico do município, nem o governo da ilha tem 
dado importância aos conselhos dos homens competentes. Fez e ordenou 
por sua conta e risco,, o que não era da sua alçada, e ainda menos da sua 
competência. 

Não ha regulamentos hygienicos que sejam observados pelas povoa- 
ções campestres, nem pelos habitantes das villas, nem pelos da cidade t 

A junta de saúde de S. Thomé, sem ter o auxilio das respectivas aucto- 
ridades, que pôde fazer? Divulgar os conselhos da hygiene para socego 
da sua consciência ; é o que sempre tem praticado. 

Na impossibilidade de fazer um regulamento para cada villa e para 
cada roça, escrevemos algumas considerações a respeito da cidade. 

A cidade de S. Thomé está em posição muito má, e os seus habitan- 
tes devem pôr em pratica todos os meios que a sciencia recommenda, a 
fim de se precaverem contra as moléstias endémicas e graves. 

Os meios de que se deve lançar mão para attenuar os effeitos das ende- 
mo-epidemias, que se declaram na cidade nos primeiros mezes em seguida 
ás chuvas, são variadíssimos, e dizem respeito a nós mesmos, á casa em 
que habitámos, á nossa alimentação e a outras circumstancias a que é fá- 
cil attender. 



Desinfeotantes 



Em S. Thomé, como temos dito, as moléstias mais graves a que esta- 
mos expostos, são as dysenterias e as febres paludosas em todos os seus 
graus ; aquellas são causadas por miasmas animaes e estas por miasmas 



1 Procurámos sempre escrever doenças paludosas em vez de febres paludosas ou 
febres intermittentes. Adiante falíamos acerca d'este assumpto. 



191 CAPITULe in 

vegetaes, É preciso, por conseguinte, fazer desapparecer todas as maté- 
rias anhuaes e vegetaes em putrefacção. 

Propomos o seguinte desinfectante : 

Acido phenico — uma onça (^,30 

Agua commum— 83 libras de 12 onças . . . 29*,880 
Ajunte. 

Conserva-se esta agua em garrafas ou botijas, e todos os dias de ma- 
nhã mandasse varrer a casa e espargem-se no chão algumas gotas (Testa 
agua. É condição necessária não haver um único vaso para o serviço de 
despejos em que não seja lançada uma pequena quantidade d'esta agua. 

Preferimos este desinfectante a muitos outros. 

Não ha montureiras ; convém creal-as. 

A transferencia de immundicies, seja qual for a sua natureza, não deve 
ser feita sem a conveniente desinfecção. 

Não se deve usar de agua para as comidas, para beber, e para lavar 
o rosto sem que seja filtrada. 

É preciso ter bem em vista que os focos de miasmas não são somente 
os pântanos, as lagoas, a foz dos rios, os charcos e as roteaduras. São ver- 
dadeiros centros de infecção todos os logares em que se desenvolvem ou 
podem desenvolver effluvios miasma ticos. 

Um logar qualquer pôde não se apresentar insalubre, ou mais claro, 
não se prestar ao desenvolvimento dos principios deletérios, por lhe fal- 
tar alguma das condições exigidas para elles se crearem. 

E deixará de ser foco de infecção ? 

Não, com certeza. 

É pois bem claro, que na praia, nas margens da ribeira, que em parte 
circumda e em parte atravessa a cidade, nos quintaes e nas próprias ca- 
sas em que habitámos pôde haver pequenos focos de infecção, que se 
n'um dia não causam damno, podem causal-o em outro. Basta que um 
ponto qualquer seja suspeito para merecer a nossa atlenção, e ninguém 
contestará que para a desinfecção completa, é preciso a desinfecção dos 
mais pequenos logares insalubres até aos maiores : se não se podem des- 
truir todos os focos ao mesmo tempo, comece-se pelos que mais facil- 
mente se podem destruir. 

primeiro encargo que cada proprietário ou chefe de família se deve 
impor a si mesmo, é nao deixar sair dos quintaes das suas casas ou de 
outro qualquer logar as immundicies sem serem convenientemente des- 
infectadas. O acido phenico em agua, segundo a formula acima exposta, 
pôde ser n'isso applicado, serve para os quartos, para as salas ou para a 
desinfecção do interior dos aposentos, 



HYGffiNE PUBUCA m 

Em qualquer deposito geral que se faça, é conveniente empregar al- 
gum dos desinfectantes abaixo designados. O mais fácil de obter é o car- 
vão vegetal ou a cal. 

Não é somente no interior dos aposentos de noite e de dia, que de- 
vemos recorrer á desinfecção. Deve ser obrigação geral para cada habi- 
tante mandar caiar de três em três mezes as ubás ou cercados que lhe 
v pertencem, e as casas todas ou a parte que o deva ser. É forçoso que seja 
de três em três mezes, e sempre antes da mudança das estações. Pare- 
cerá muito, mas não é, pois estamos n'uma cidade que carece de todas 
as condições de salubridade. 

Muitos téem sido os methodos propostos para desinfecção geral e par- 
cial. A combustão viva, a distillação secca, a decomposição pela cal, o 
emprego dos antisepticos, dos corpos porosos, são os diversos meios de 
que podemos lançar mão, empregando-se de preferencia os que forem 
mais exequíveis, menos dispendiosos e mais rápidos. 

Greadas as montureiras e postas em vigor as medidas mais neçessa- % 
rias para a desinfecção, segue-se a constante, rigorosa e necessária lim- 
peza da praia, dos quintaes, das casas, das margens dos rios mais próxi- 
mos á cidade e de todos os logares suspeitos. 

Sem estes trabalhos nunca mudarão as condições materiaes da cidade, 
e será ella sempre pouco saudável. Não são os pântanos que a rodeiam 
o seu único mal ; os pequenos pântanos são também prejudicialissimos. 
Muitas parcellas fazem maior a somma, e a impureza do ar está sempre 
na rasão directa d'esta somma. 

Antes dos pântanos grandes destruamos nós os pequenos. Para aquel- 
les requerem-se grandes obras, muitos trabalhos e muito tempo, para 
estes basta o cuidado de cada um e a sua boa vontade. 

Passa uma epocha das endemo-epidemias, vulgo carneiradas. É des- 
truidora a sua passagem; foram muitas as victimas. Tiremos lição de tan- 
tas desgraças para cuidarmos em fazer desapparecer todas as causas de 
insalubridade. 

Os desinfectantes que desenvolvem o chloro são de certo de muita 
utilidade, mas ha outros mais commodos, mais maneáveis e de toda a 
confiança. São os seguintes : 

Gesso calcinado 24 libras 

Carvão em pó 4 » 

Misture int. 

Carvão em pó iO onças 

Gesso em pó. . . L 

Caparrosa ... j aa * onça 

• Misture int. 



156 CAPITULO m 

Cal viva | 40 ih 

Carvão vegetal. . I 

Misture int. 

Sulphato de ferro (caparrosa verde) 1 kilog. 

Dissolva em agua e ajunte : 

Cd tinem pó. | 2 decilitros 

Carvão em po. . ) 

Estas doses podem variar em relação ao gasto que se fizer do desin- 
fectante empregado. 

Alem do que deixámos exposto pôde usar-se do carvão vegetal so- 
mente ou da cal. A combustão viva pôde também convir. 

O que temos a dizer acerca dos desinfectantes que se devem empre- 
gar nas casas, é que as matérias balsâmicas aquecidas, como o incenso e 
putras, as substancias aromáticas, como o vinagre, a camphora, etc, não 
são desinfectantes. No mesmo caso está a pólvora e as fogueiras em pleno 
ar, como por vezes e em circumstancias desesperadas se tem feito ! . 



1 As regras que $e acabam de ler no texto, foram muito divulgadas em S. Tho- 
mé; as considerações, que damos n'esta nota, mostram o interesse que a junta de saúde 
de S. Thomó tomou sempre pela saúde publica. 

O emprego dos desinfectantes é um dos recursos de que deve lançar mão, para 
nos collocarmos em melhores condições de resistir ás febres. 

A salubridade de qualquer logar não depende somente do ar e da agua; pôde di- 
zer-se que tudo o que houvermos de fazer não tem por fim senão purificar estes dois 
elementos da vida. A atmosphera que envolve a cidade de S. Thomé, assim como a 
agua que se emprega no uso ordinário da vida, exigem, para serem inoffensivas, mui- 
tos cuidados. 

A cidade de S. Thomé é o ponto mais insalubre da ilha, e a causa da sua insa- 
lubridade está na praia, nos quintaes e nas margens da ribeira que atravessa a cida- 
de; asseverámol-o nós, sem receio de engano. 

As matérias vegetaes em putrefacção dão origem á evolução de gazes que arras- 
tam comsigo partículas tenuíssimas de matéria vegetal putrefacta, que se denominam 
miasmas, e que postas em contacto com as differentes superfícies do corpo, geram as 
febres perniciosas, a febre amarella, a cachexia palustre, e as nevralgias paludosas. 

Não ó só isto, infelizmente ! ! 

As matérias animaes em putrefacção dão nascimento aos miasmas que produzem 
as dysenterias!!... 

Os habitantes de S. Thomé e os poderes públicos provinciaes devem empenhar- 
se em fazer desapparecer as immundicies da praia, dos quintaes e das margens da ri- 
beira que atravessa a cidade. 

Se os focos de infecção se conservam, ás vezes, por alguns mezes sem causarem 
damno, como acontece durante as ventanias, tornam-se terríveis, quando se reúne o 
calor e humidade, que são precisos ao desenvolvimento miasmatico. 'Destruam-se, fi- 



HYGIENE PUBLICA 157 

A desinfecção geral e particular feita segundo as regras da sciencia, a 
creação das montureiras, a limpeza dos quintaes, das margens do rio 
Agua Grande e das praias, sao, como já dissemos, providencias impor- 
tantes, que as auctoridades administrativas de commum accordo com as 



nalmente, as causas primarias de tão graves doenças, que ellas acabarão de uma vez 
para sempre. É esta a nossa convicção profunda, que a historia, os factos, a tradL 
çâo e a nossa observação própria justificam. E como se não bastassem ao europeu 
que reside n'este clima, muitas moléstias, que, em paiz mais saudável, também soffre- 
ria, parece que de bom grado se expõe a muitas outras, que poderia evitar, destruindo 
os focos que lhes dão origem. 

Ninguém poderá evitar as moléstias que a permanência n'um clima quente traz 
sempre comsigo; ó um mal que se tem de soffrer; quem vem para estes paizes, deve 
esperal-o. Ha, para o europeu se indigenar, moléstias mais ou menos graves, mais ou 
menos incommodas; são muitas, mas dão quasi sempre tempo para que se possam 
debellar, ou para a retirada do doente para um ponto mais salubre do que aquelle em 
que reside. 

A natureza humana é fraca, contingente. O homem, quer nos climas temperados, 
quer nos tropicaes, tem de lutar para resistir ás causas destruidoras do organismo, e 
luta constantemente II Eque fará então quando tiver a certeza de se achar cercado por 
toda a parte de inirmgo$? 

Que o europeu soffra as moléstias climatéricas ou aquellas que o levam á aclima- 
ção, é natural, mas que se deixe envenenar, e que veja uma e outra victima ser fulmi- 
nada em cinco ou oito dias é muito doloroso. 

Temos a convicção de que o homem pôde aclimar-se; o que elle não poderá nunca 
é resistir por muito tempo em um logar infectuoso, rodeado de miasmas. Se alguém 
escapa constitue a excepção e não a regra!! A natureza pôde acommodar-se a pouco 
e pouco á tolerância de venenos; mas á tolerância absoluta é impossível. 

Da aclimação e das suas moléstias respectivas á insalubridade local e ás moléstias 
consecutivas ha grande e immensa distancia. Não temos remédio senão soffrer aquel- 
las, pois é condição de quem muda de clima. Mas as moléstias que provém da insa- 
lubridade, devem ser combatidas na sua origem. A origem está fôrà de nôs, e é por 
todos conhecida. 

O tempo corre húmido, o calor é intenso, as descargas eléctricas frequentes; que 
podemos esperar? 

. Estes três elementos, em presença de focos de infecção, desenvolvem os germens 
que produzem as febres graves; se não podemos livrar-nos d'aquelles, podemos tudo 
contra estes. 

E não se fará ainda o que a sciencia ensina, para nos collocarmos em melhores 
condições de resistir a tão destruidoras quadras?... Terminemos, mas não sem cha- 
mar a attenção dos habitantes de S. Thomé para um facto da observação de todos. 

As moléstias que acommettem os indivíduos que residem na cidade são muito 
mais graves, do que aquellas que acommettem os que vivem fora d'ella. 

As doenças paludosas, principalmente, fazem cem vezes mais victimas entre os 
habitantes da cidade, do que entre as pessoas que residem em outra parte da ilha. 

Qual é a rasão d 'estes factos incontestáveis? 

(Nota do relator.) 



168 CAPITULO Hf 

sanitárias, devem tomar permanentes e obrigatórias. Alem (Testes meios 
ha outros, que fazem objecto do capitulo VIII. 

VI 

Profissões 

A população da ilha de S. Thomé é essencialmente negligente. Não ha 
n'este paiz emprezas industriaes nem industrias particulares, não se trata 
da agricultura com a ordem e economia devida, o commercio faz-se ao 
acaso t Entre os habitantes de S. Thomé não ha uma única associação ; 
trabalha e vive cada um completamente isolado, arrostando com dificul- 
dades e lutando com obstáculos, que julga invencíveis ! É esta uma das 
causas da insalubridade da ilha, do atrazo do commercio e do pouco des- 
envolvimento agrícola. 

Nao existem n'esta ilha officinas. Os serralheiros, tanoeiros, marce- 
neiros e carpinteiros poderiam ser contratados na Europa, porque estes 
trabalhos são compatíveis com a sua aclimação. Os poucos pedreiros que 
residem hoje nesta ilha vieram da Europa; os carpinteiros slo pretos, 
assim como os serradores que ha em algumas fazendas. 

As fabricas com engenhos próprios para a extracção do azeite de pal- 
ma, de óleos, etc, seriam muito lucrativas. 

Profissões intellectuaes não se podem contar, porque se reduzem ás 
que exercem alguns empregados que desempenham n'esta ilha alguma 
commissão de que são encarregados pelo governo da metrópole; mas os 
seus trabalhos não são muito aturados, e os seus escriptos não abun- 
dam. Os médicos, advogados, juizes, auctoridades ecclesiasticas, e, em 
geral, os funccionarios públicos soffrem por excesso da sua vida seden- 
tária. 

As differentes profissões que se exercem actualmente n'esta ilha, não 
originam por si mesmas doenças especiaes que exijam menção particu- 
lar. As doenças infectuosas são as que predominam, atacando mais os in- 
divíduos de uma profissão que os de outra ; mas não traz esta circumstan- 
cia a necessidade de regras hygienicas differentes d^quellas que temos 
aconselhado. 

Por estas rasões apenas escrevemos algumas considerações a respeito 
de algumas plantas muito úteis. 

Trabalhos agrícolas. Os europeus, em geral, dirigem todos os tra- 
balhos agrícolas n'esta ilha. A cultura mais importante é a do café. 

— A canna do assucar (Sacharum officinarum, glumaceas) foi neu- 
tros tempos a cultura predilecta. Nas circumstancias que deixámos enu- 
meradas no capitulo II d'este relatório, a canna do assucar foi substi- 



HYGIENE PUBLICA 

tutda pela arvore do café (Coffea arábica, caprifohas) e pela do cacau 
(Theobroma cacau, columni feras). A riqueza da ilha não perdeu cousa al- 
guma e a salubridade publica ganhou muito. 

— A canella de Ceylâo(Cinannumaromaticum) dá-se bem e quasi sem 
o menor cuidado, assim como muitas outras drogas preciosas ; mas não 
se tem cultivado especialmente a arvore de que se tira canella. 

— O azeite da palmeira dendem (Elaeis guineensis, palmeiras}, que 
serve para muitos usos, é abundante nesta ilha ; com elle se faz um notá- 
vel producto, de que usam os naturaes — o celebre sabão de S. Thomé. 

O azeite de palma emprega-se em medicina. 

— N'este anno ' foram enviadas para aqui algumas plantas qm dão a 
quina, d'onde se extrahem productos de muita utilidade para os agricul- 
tores, e para todos os que desejam viver nos climas tropicaes. 

A chinchona succirrubra deve dar-se bem em S. Thomé, porque a 
natureza do seu clima lhe será favorável, seguindo-se as instrucções (pie 
o governo publicou a tal respeito *. 

— A cultura do café sobresáe entre todas as que já se iniciaram* ou 
qae se devem experimentar 3 . A attençao de todos os fazendeiros concen- 
tra-se constantemente n'este ramo agrícola e commerciaL 

As fazendas agrícolas rresta ilha serão tanto mais ricas quanto maior 
for a colheita do café. A par da cultura do café faz-se a do cacau, a do al- 
godão e a das bananeiras ; semeia-se milho, feijão, etc, são abundantes os 
géneros de exportação, e não faltam os que servem de sustento aos ani- 
maes e aos trabalhadores. 

O capim, que cresce por entre o café, de um modo espantoso, e as 



1 A cultora das plantas que dão a quina tem merecido a particular atteaçâa da 
benemérito medico e notável publicista, dr. Bernardino António Gomes. 

No Boletim official da provinda n.° 48, de 27 de novembro de 1868, foi publicada 
uma circular assignada pelo ministro da marinha e do ultramar, L. A. ReMío da Sil- 
va, reeommendando a cultura da chinchona succirrubra. Acompanhou a remessa do 
estufim uma notável Memoria acerca de tão importante ramo agrícola. 

Nos Annaez do conselho ultramarino, parte não official, serie 5. a , maio de 4864, 
está impressa uma carta do mesmo medico, acerca dos ensaios da cultura da chia-* 
chona. 

2 Para tratar da aclimação das arvores da quina expediram- se instrucçtfes minu- 
ciosas da secretaria da marinha (veja-se o Boletim oficial, de 27 de novembro de 1869); 
para a aclimação dos homens não se publicam instrucções algumas!!... 

3 No Boletim official da provinda n.° 45, collecção de 1858, 14 de agosto, lé-se 
uma circular, fazendo notar que a cultura do arroz poderá ser de muita utilidade aos 
lavradores e proprietários da província de S. Thomé e Príncipe. Felizmente não se 
apresentou especulador, que, á sombra de similhante indicação, tentasse a cultura da 
arroz no paiz onde ha tantas e tão úteis culturas e industrias abandonadas, «orno a 
cultura da canella e do anil, etc, e a preparação e extracção de óleos. 



160 CAPITULO IH 

chuvas formando enxurradas, são a causa de enormes perdas n'esta ilha. 
Os agricultores não podem colher um terço do café. Numa roça de 
100:000 braças quadradas dever-se-iam apanhar 12:500 arrobas, a rasão 
de 4 libras por cada arvore ; mas por falta de trabalhadores inutilisam-se 
mais de 8:000 arrobas de café, que cáe e apodrece entre o capim ou é 
arrastado pelas enxurradas. 

Os trabalhos exigidos pela cultura do café são a sementeira,, a capi- 
na, a colheita e a preparação, de que não falíamos detidamente por não 
serem próprias d'este logar. 

As doenças principaes entre os trabalhadores das roças são a hy- 
dropisia, bronchites, pneumonias, ulceras, vermes intestinaes, etc. 

A capina não pôde ser feita pelos europeus, nem a colheita do café, 
aindaque esta operação seja a menos arriscada para elles. 

A arvore do café dá-se melhor nas várzeas, faldas das montanhas; 
cresce a 15 e 20 pés, e pode durar uns vinte annos sendo bem tratada ; 
começa a produzir depois do terceiro anno, e aos cinco annos está com- 
pleta. 

— A cultura do cacau (Theóbrwna cacau, columni feras) é mais fácil e 
menos exigente do que a do café. Tanto uma como outra arvore são de 
agradável aspecto. 

O cacau deve semear-se nos mezes de setembro a dezembro. Exige 
o trabalho da capina feito com todo o cuidado, de modo a não inutilisar 
a pequena arvore que o capim encobre desde o nascimento. 

Esta arvore cresce e dá fructo mais depressa que a do café. 

Um notável e benemérito agricultor de S.Thomé chamoií-lhe arvore 
dos pobres. É fiel esta denominação ; mas nós chamámos-lhe arvore dos 
preguiçosos, porque á facilidade com que ella e algumas outras arvores 
produzem, se deve attribuir a indolência dos habitantes d'esta ilha, para 
quem a natureza é pródiga na grande variedade dos fructos que espon- 
taneamente lhe offerece ! 

— A cultura da arvore fructa pão (Artocarpus incisa, arvore de pão, 
julifloras) é importante e deve ser aqui generalisada. 

O artocarpus incisa produz três annos depois de plantada; prefere os 
logares húmidos, produzindo duas vezes por anno, e não se propaga pelo 
fructo. Cortam-se algumas das suas raizes, e enterram-se no logar em que 
se deseja ter esta bella arvore, cujo fructo é reputado saboroso pelos ha- 
bitantes da ilha. 

— A cultura do algodão (Gossypium vitifolium) não tem sido aqui vul- 
garisada; a pequena área da ilha parece excluir muitas e variadas culturas, 
a que os seus fertilissimos terrenos se adaptam tão bem, e é talvez por 
esta consideração que todos preferem a cultura do café, praticando assim 
gravíssimo erro. 



HYGlEiNE PUBLICA 161 

O algodoeiro para durar muitos annos precisa de ser bem tratado ; os 
terrenos d'esta ilha são-lhe favoráveis, e actualmente produzem bom al- 
godão até sem com elle se terem os cuidados, que em outras localidades 
se julgam indispensáveis. 

O descaroçamento do algodão, na fazenda do abastado proprietário 
Joaquim A. Bahia, faz-se ao serão, á noite. Esta fazenda, uma das primei- 
ras da ilha, produz algodão, café e grande quantidade de madeiras de 
construcção, que se exportam ou se consomem na ilha. 

Os serradores são pretos, tanto n'esta fazenda como em outras. 

Enumerámos alguns géneros de culturas que existem, podem ou devem 
existir n'esta ilha, onde se não deve tornar a plantar a canna do assucar, 
e onde nunca se deverá tentar a cultura do arroz; não mencionámos 
muitas outras, por d'ellas não provirem doenças especiaes, que se devam 
estudar na actualidade. 

Aproveitados todos os terrenos da ilha, collocadas as vivendas em to- 
gares altos, formada uma rede de estradas que communiquem com a ci- 
dade ou com algumas praias, entre as quaes naveguem canoas; construí- 
dos hospilaes e casas de saúde, que o bem estar dos povos reclama, 
tornar-se-ha esta formosa ilha um oásis para os que navegam próximo á 
riquíssima costa occidental de Africa ao sul e ao norte do equador. 



Hygiene privada 

• 

Os earopeus recemchegados a esta ilha precisam de tomar diversas 
precauções, não só contra a acção dos miasmas, mas também contra a 
acção do calor. 

A reunião d'estes dois elementos desorganisadores produz moléstias 
hybridas mais graves do que as moléstias paludosas ou biliosas, apresen- 
tando a sua evolução mórbida independente umas das outras. O primeiro 
dever dos recemchegados é seguir do melhor modo possível as indica- 
ções da sciencía. 

Não seremos extensos nas considerações que a importância do as- 
sumpto reclama, porque preferimos dar, sob uma forma mais rápida e de 
um modo bem auctorisado, os conselhos que alguns sábios têem publi- 
cado a similhante respeito. 

Em S. Thomé traja-se como em Lisboa. 

As senhoras seguem as modas da capital do reino, d' onde importam 
vestidos e enfeites. 

Os homens vestem-se sem differença alguma como os de Lisboa. Ha 
muitos inconvenientes n'este systema de vestuário, quer pelo que diz res- 
peito ás senhoras, quer aos homens. 

ii 



162 CAPITULO ffl 

Quem vive na ilha de S. Thomé, alguns minutos ao norte do equador, 
tem rigorosa obrigação de attender ás regras da bygiene e ás indicações 
da natureza, grande livro que a experiência tem ensinado a interpretar. 

. A respeito do vestuário entre os trópicos, escreveu o profundo e sábio 
professor Fonssagrives as seguintes palavras : 

c Nos paizes quentes, o vestuário do europeu será amplo, fluçtuante 
e sem obstáculos que empeçam a circulação do ar, e formem em diversas 
partes do corpo atmospheras limitadas. 

« Um lenço enrolado em volta do pescoço e atado adiante deve substi- 
tuir a gravata. 

c O chapéu de palha tem vantagem sobre todos os outros. 

« As mangas dos casacos serão largas, e as calças também o devem 
ser. 

« Os sapatos substituirão os butes. 

t A lã sobre o ventre e sobre o peito e o algodão no resto do vestuário 
è muito necessário para se conservar a saúde na ilha de S. Thomé. As ca- 
misas de linho têem muitos inconvenientes, que se podem prevenir com 
a interposição de flanella. 

« De noite é indispensável a roupa de panno. 

« No Senegal o habito de trazer de noite fato de panno, não só é regra 
de boa hygiene, mas também necessidade de bem estar. 

«De dia os riscados e ás fazendas de algodão não devem ser rejei- 
tadas 1 ». 

Os europeus que residem em S. Thomé são obrigados a attender a 
tão grave assumpto. 

As calças, os coletes e os casacos á moda de Lisboa são intoleráveis; 
o clima de S. Thomé não auctorisa os caprichos dos vestuários, que se 
usam nos climas temperados. 

Fonssagrives disse com a sua auctorisada palavra : « O habito de tra- 
zer constantemente roupa de lã larga e fluçtuante auxilia muito a saúde 
nos climas intertropicaes V 

Empregue-se todo o cuidado em evitar a acção directa dos raios so- 
lares sobre a cabeça e a humidade nos pés. O chapéu, bonet e guarda-sol 
merecem attenção particular, assim como o calçado. 

Chapéu, bonet, guarda-sol.— Na ilha de S. Thomé não se faz escolha 
de chapéus; usam-se de copa alta, ou baixos, de diflerentes feitios e co- 
res, mas poucos são brancos. 

Os chapéus de palha são raros. Os europeus residentes n'esta ilha não 
devem continuar a ser indififerentes á escolha dos chapéus. 

1 Fonssagrives, loc. cit, pag. 314, 315 e 316. 

2 Ibidem, 



. HYGIENE PUBLICA 463 

O sol, dardejando os seus raios perpendicularmente sobre a cabeça, 
pôde produzir resultados lamentáveis; é por isso necessário attender ás 
seguintes regras dadas por Fonssagrives : 

« O chapéu nos paizes quentes será leve, poroso e fresco. Os melho- 
res são os que têem as abas largas e o fundo um pouco elevado. 

« Pode sem inconveniente metter-se um lenço molhado em agua fria 
entre a cabeça e o fundo do chapéu e até folhas frescas ! » . 

Os chapéus de abas largas e fundo um pouco elevado, cobertos por 
uma faxa branca enrolada e caindo aos lados da cabeça e da nuca, são os 
melhores. 

Convém que os bonets sejam cobertos de panno branco de linho, e 
tenham suspensos por botões um panno branco da mesma fazenda ou de 
algodão, a que com rasão se chama «tapa pescoço». A palia deve ser de 
côr azul na sua parte inferior. 

chapéu de sol mais accommodado ao clima da ilha é o branco for- 
rado convenientemente de azul. 

As chuvas torrenciaes e quasi instantâneas obrigam a tomarem-se pre- 
cauções, quando se deixa a cidade, quer pára passeio, quer para viagem 
ao interior da ilha. 

Calçado. — O calçado manda-se vir de Lisboa sem distincção alguma. 
Calçam-se aqui botas de pellica com biqueira de polimento, e também se 
admitte o calçado de polimento I 

Quando o tempo está secco, pode saír-se á rua com calçado leve e de 
uma única sola, mas quando está húmido é necessário usar de calçado 
com duas solas. Evite-se com todo o cuidado que os pés humedeçam. 

Os sapatos que deixam a parte superior do pé a descoberto são hygie- 
nicos. 

Referimo-nos a quem reside na cidade. Aquelles que vivem nas fa- 
zendas e nos campos precisam de se precaverem por todos os modos con- 
tra a humidade ou intempérie do tempo. 

Quarto de cama. — Uma das necessidades mais instantes para se resis- 
tir ás doenças endémicas da ilha de S. Thomé é certamente um bom quarto 
de cama. 

Convém que o leito seja largo e alto, e que esteja no meio do quarto; 
os lençoes de algodão que se pozerem na cama estarão bem seccos e pas- 
sados a ferro quente ; aos pés da cama haverá um cobertor. 

Um mosquiteiro é essencial para se evitar os mosquitos e dormir com 
descanso, o. que é muito necessário á saúde. 

As janellas do quarto ficarão hermeticamente fechadas. Onde não 
houver vidraças, e as portas das janellas forem velhas, ou pouco unidas, 

1 Fonssagrives, loc. cit., pag. 316. 



164 CAPITULO III t 

tomem-se as necessárias providencias para impedir a penetração do ar 
por fendas largas e em grande numero. 

O quarto da cama deve ter poucos moveis ; o lavatório ficará nou- 
tro quarto, se for possível. O quarto ou sala que communicar com o 
quarto de dormir terá, em logar de porta, um reposteiro, a fim de não 
se alterar ali o ar. 

Os vasos para limpeza devem conter uma pequena porção de qualquer 
desinfectante. 

As casas estarão bem limpas, seccas e arejadas, e quanto mais altas 
forem mais garantias darão á saúde. 

Ao que deixámos dito ajuntaremos os seguintes conselhos de homens 
notáveis, cujo saber e competência devem merecer muita fé. 

Conselhos hygienioos de Griósinger 

« Ha medidas prophylacticas que não podem sem graves inconvenien- 
tes ser esquecidas nos logares paludosos, principalmente por aquelles que 
não estão aclimados. 

«Nos logares paludosos não se exponham durante a noite ao ar livre; 
evitem-se os nevoeiros, o arrefecimento e a humidade ; não durmam ao 
relento ; fuja-se das emanações directas dos pântanos; beba-se agua filtra- 
da, e ainda melhor fervida ; use-se de lã unida ao corpo ; tenha-se activi- 
dade physica e intellectual moderada, e uma alimentação substancial; não 
se abuse das bebidas espirituosas; escolha-se para habitação um logar alto 
e secco, e evite-se com cuidafdo a acção directa dos raios solares. As 
indigestões e todos os excessos são totalmente condemnados ; os incom- 
modos ainda os mais leves serão tomados sempre em consideração *.» 

Conselhos de Dutroulau 

1.° «Os preceitos e as regras hygienicas devem basear-se no conheci- 
mento das localidades e das doenças endémicas, que lhes são próprias. 

2.° « Deve calcular-se a chegada ás colónias nas epochas menos insalu- 
bres do anno. 

3.° « A escolha da habitação seja o primeiro cuidado do europeu que 
chega ás colónias, e se não lhe for possível viver fora da cidade, procure 
dentro d'ella o bairro reputado menos insalubre. 

4.° «Duas ordens de roupas leves são preferíveis a uma só roupa pe- 



Griésingor, Tratado das doenças infecluosaSj traducção de Lemattre, 1868, pag. 74. 



HYGIENE PUBLICA itô 

« 

sada. O algodão unido ao corpo parece superior á la, que se torna um 
supplicio para muitas pessoas. 

c Um colete de algodão, de malha, com meias mangas e descendo até 
ao baixo ventre é muito útil ; as ceroulas devem ser d'aquella fazenda; 
O europeu terá todo o cuidado com a roupa que assenta sobre a pelle; 
a que fica sobre esta será leve e ampla. O chapéu de palha com abas 
largas e fundo baixo é o melhor. 

5.° «A alimentação será tónica, excitante e proporcional ás forças di- 
gestivas. 

«Ao recemchegado ó muito prejudicial o abuso da mesa. 

« É necessário conservar o género de alimentação que se tinha no paiz 
d'onde se saiu. 

« O vinho cortado de uma pequena quantidade de agua é excellente ; 
o abuso do vinho puro pôde ser prejudicial. 

« O café tomado de manha é muito útil. 

«Os fructos mucoso-saccharinos são úteis, quando ha saúde. 

« Não se generalise o uso do cognac, genebra e das bebidas alcoólicas. 

« Não se deve beber entre o almoço e o jantar. 

« A agua do rio bem filtrada não tem inconveniente. 

« A cerveja e o vinho da Madeira com agua são bebidas hygienicas. 

6.° «Merece muito cuidado a limpeza do corpo; os banhos de lim- 
peza de 12 a 15 minutos são altamente indicados. 

« Nos primeiros mezes tomem-se dois banhos de agua tépida por se- 
mana. 

«No fim de alguns mezes de residência colonial estão indicados os 
banhos de agua fria; são muito úteis. Um banho frio de 5 a 6 minutos, 
tomado n'um rio ou n'uma bacia de agua corrente, é hygienico; não sendo 
possível tomar estes banhos no rio, faça-se a immersão do corpo n'uma 
banheira em casa. 

« Os banhos de pequena duração, tomados no mar, são convenientes, 

« A occasião mais própria para o banho é de manhã, antes das dez 
horas. 

« O banho frio muito prolongado tem graves inconvenientes. 

7.° «O arrefecimento proveniente da suppressão da transpiração é a 
causa accidental mais grave de todas as moléstias dos paizes quentes. 
As chuvas diluviaes que sobreveem no meio de uma viagem e que atra- 
vessam os vestidos, causam o arrefecimento e a suppressão de transpi- 
ração, e por isso devem mudar-se immediatamente as roupas. 

8.° «Para attenuar o perigo da demora das guarnições francezas nas 
colónias, propoz Dutroulau que se reduzissem a três os quatro annos re- 
gulamentares, e que as substituições annuaes das praças se fizessem por 
um terço e não por um quarto do numero total.» 



166 ' CAPITULO Hl— HYGIENE PUBLICA 

Se em algumas colónias francezas é preciso pôr em pratica esta in- 
dicação da sciencia, em S. Thomé e Príncipe torna-se ainda mais neces- 
sária. 

9.° t A aclimação dos europeus oppõe-se á cultura da terra em cer- 
tas localidades.» A ilha de S. Thomé está n'este caso. 

Conselhos de Thom&s Hutohlnson 

1.° « Tenha-se a roupa bem secca, e se por acaso se molhar mude-se 
immediatamente. 

2.° <l Traga-se flanella junto ao corpo. 

3.° « Tome-se sempre algum alimento antes de se sair de casa. 

4.° «Use-se sulphato de quinina como preventivo, durante os pri- 
meiros dois mezes depois da chegada aos logares pantanosos, e durante 
um mez depois de passarem as chuvas. 

.5.° «Tomem-se banhos de chuva, porque são úteis. 

6.° « Consideram-se de grande utilidade as loções de agua fria feitas 
de manhã no pescoço, peito, braços e rosto. 

7.° cEvite-se a tristeza, a paixão e todas as excitações moraes; a ale- 
gria, a satisfação intima e a distracção são necessárias á saúde. 

8.° « Evitem-se as bebidas alcoólicas, porque a embriaguez predispõe 
para as febres. 

9.° «Filtre-se sempre a agua ou ferva-se, e espere-se que arrefeça 
antes de se beber.» 

Os nomes de Fonssagrives, Griésinger, Dutroulau e Thomás Hutchin- 
son dispensam mais considerações em relação á hygiene privada ou indi- 
vidual. Enunciámos por ordem numérica e sob a forma axiomática as 
regras que aquelles sábios demonstram cabalmente. Attendemos somente 
ao fim pratico com o desejo de sermos úteis aos empregados e aos colo- 
nos, que vierem dos climas temperados residir n'esta rica e formosíssima 
ilha de S. Thomé. 

Reunimos os conselhos dos quatro sábios hygienistas, a fim de dar 
plena auctoridade ás regras ensinadas, entendendo que se devem pôr 
em pratica n'esta ilha. Podendo-se confrontar os conselhos de uns e de 
outros, o espirito fica tranquillo e a convicção é profunda, no que ha 
sempre muita vantagem para quem prçcisa de recorrer á hygiene ou á 
medicina. 






CAPITULO IV 



Hospitaes 



L'utilitó des hôpitauí ne saorait ôtre contestée aa point de voe de la 
hygiene publique, mais à ia condition expresse quils offrent rigourense* 
meot (outes les garanties eflicaces apportées de nos jonrs par les progrès 
de lhygiène. 

(Ambroise Tardien, loc. cit., artigo «Hospitaes», pag. 432, tom. 2.°) 



I 

Não ha espectáculo mais triste do que aquelle que apresenta uma po- 
voação, onde se não praticam as regras da hygiene e onde faltam os re- 
cursos para se acudir aos enfermos, aos pobres e aos valetudinários. Está 
n'este caso a ilha de S. Thomé I Nem hospícios *, nem casas de saúde 
ha n'este paiz onde são altamente reclamadas, attento o seu mau clima ! 

Aqui onde as moléstias agudas são frequentíssimas, chegando a ma- 
tar em poucas horas, houve apenas um único hospital, tão mau como 
pobre, desde 1504 até 1864. N'este anno foi creado o actual hospital mi- 
litar 2 . 

Passaram-se três séculos e meio sem que. os doentes pobres tivessem, 
juntamente com os soccorros da pathologia e da hygiene, as commodi- 
dades que todos os paizes do mundo offerecem aos desprotegidos da for- 
tuna, e aos que adoecem sem ter meios de se tratarem I E se não houve 
um hospital em boas condições hygienicas, embora fosse pobre ou exis- 
tisse sem grandezas, como se poderia esperar que se tratasse de hospí- 
cios para receber os velhos e os doentes incuráveis? Que apreço se po- 
deria dar ás^casas de saúde para convalescentes ? 



1 Os hospitaes entram no estudo da hygiene publica; estudámol-a em separado 
para sermos fieis ao programai a marcado na lei. 

2 A este respeito escreveu o dr. José Correia Nunes no seu relatório o seguinte: 
« Sendo eu presidente da commissSo administrativa d'esta casa (santa casa da mise- 
ricórdia) em 1863, informei ao governador da província acerca do mau estado em que 
ella $e achava, e da necessidade que havia de se abandonar tal edifício, por náfo ter, 
alem de arruinado, as condições indispensáveis a um bom hospital, terminando por 
mostrar a grande vantagem e urgente necessidade de se organisar um hospital mili- 
tar, que, em virtude d'esta minha informação, foi creado e inaugurado em 1 de maio 
de 1864.» 



168 CAPITULO IV 

A cidade de S. Thomé foi sempre doentia, e sabe-se que em certos 
logares elevados, em algumas collinas e até nos montes mais próximos 
d'ellas é notável a salubridade e por todos reconhecida ; todavia nunca 
se tratou de edificar n'aquelles sitios casas de recreio ; as villas estão quasi 
todas em má posição, e conservam-se despovoados os logares mais pro- 
pícios á saúde I 

Percorrem-se as memorias d'esta ilha, pagina a pagina ; folheia-se a 
sua historia, indagando os acontecimentos de cada anno, o progresso e a 
civilisação de cada século, e apenas se encontra a noticia das desordens 
que as auctoridades e os habitantes mais poderosos promoviam uns aos 
outros, esquecendo-se de si e da terra que habitavam. Havia hospicips 
religiosos, mas (Telles saía o mal, a intriga e o exemplo de desobediên- 
cia; inquietavam os habitantes *, causando-lhes tantos prejuízos como as 
febres endémicas; e eram de tal. gravidade as lições de desobediência 
espalhadas entre o povo, que foi tomado em conta de milagre 2 o socego, 
embora momentâneo, que um honrado prelado pôde conseguir. 

No meio de tão completa anarchia que poderia apparecer 3 que fosse 
bom e útil ? 

A população da ilha definhava-se. Os padres tinham trazido a S. Tho- 
mé a guerra assoladora e não a religião christã, Debatiam-se em lutas 
continuas nascidas de ódios e de invejas, e não eram caritativos. 

Se lermos a historia da igreja ahi veremos que os bispos, nos primeiros 
tempos do christianismo, tinham sob a sua protecção os pobres e os doen- 



1 « O partido da camará armou os seus escravos, e fez corpo de guarda no real 
hospício de Santo* António, com consentimento do padre-prefeito, Fr. Gypriano de Ná- 
poles, que soprava a desordem contra o ouvidor, por haver este ministro amparado 
um religioso que lhe fugira do cárcere. 

c Parece que o demónio se divertia em andar de casa em casa, esquentando o es- 
pirito dos homens públicos e particulares, porque não achando suficientes as calami- 
tosas desavenças do ouvidor com o senado da camará governadora, ainda suscitou o 
coração do dito padre Fr. Cypriano de Nápoles contra todo o corpo do cabido a quem 
excommungou e a todos os seus adherentes.» B. José da Cunha Matos, loc. cit., pag. 33. 

2 R. J. da Cunha Matos, idem, pag. 34. 

3 No meio das calamidades que assolaram a infeliz povoação de S. Thomé appa- 
receram alguns martyres, sendo um d'elles o venerável bispo D. Fr. João de Sahagum. 
A seu respeito disse Lopes de Lima (mappa dos bispos de S. Thomé): «Trabalhou por 
applacar a anarchia, que reinava no cabido, no clero e nos claustros de S. Thomé ; sof- 
freu grandes affrontas e dissabores— «O primeiro bispo D. Fr. João Baptista morreu de 
desgosto por não poder extirpar os vicios, abusos e liberdades, que os habitantes pra- 
ticavam com todo o descaramento». Lopes de Lima, Ensaios estatísticos, parte* i. a , 
pag. 56. 

D. Bernardo Zuzarte de Andrade era digno de melhores tempos, trabalhou com 
toda a resignação para apascentar o seu bravio rebanho. (Veja-se R. J. da Cunha Ma- 
tos, loc. cit., pag. 23.) 



HOSPITAES 169 

tes das suas dioceses. Quando não tinham meios pediam, mas pediam 
para os seus doentes. Os seus estabelecimentos humanitários appareciam 
como por encanto. Não eram as' suas províncias tão ricas como a de 
S. Thomé, nem tão doentias. 

Quasi todos os bispos que estiveram n'esta ilha, saíram d'ella sem 
deixar vestígios da sua caridade christã, da sua resignação evangélica, dos. 
seus actos de dedicação pelos pobres e pelos que soffriam ; ricos e po- 
derosos não offereciam a quem não lhes pedia! Eram orgulhosos, e con- 
sumiram a vida em guerras pessoaes. 

Tetiios mostrado o reprehensivel procedimento do cabido e das au- 
ctoridades ecclesiasticas que formavam um cahos tão completo, como não 
é fácil de encontrar em historia alguma de povos christãos ; d' este cahos 
nos deixou uma idéa approximada um historiador do século xvm. D'entre 
muitos quadros que elle traçou copiámos o seguinte ' : 

«O bispo via o ouvidor fugido, o cabido sitiado, a camará endurecida, 
o thesoureiro mór obstinado, o prefeito capuchinho desobediente ao ordi- 
nário, o padre Fr. Manuel de S. João Baptista, presidente dos agostinhos 
descalços, desprezado e fugido dos seus súbditos, e o padre capuchinho 
Fr. José de Terento homisiado por medo da crueldade do seu superior.» 

Em presença de uma vida tão desregrada não era possível formar-se 
um único estabelecimento de caridade I Sem associação entre os povos, 
sem harmonia e união entre os poderes civis e ecclesiasticos, as socieda- 
des não sairiam das trevas, e teriam de soffrer a miséria, a fome e todos 
os terríveis effeitos da anarchia e da sua posição social sempre mesqui- 
nha. 

Os governos ou os poderes do estado têem muito a fazer em pró do 
progresso e da civilisação de um povo ; mas se os seus labores se dão 
em terreno estéril, não conseguem dar fructos, e gasta-se tempo inutil- 
mente. 

Os reis de Portugal nunca se esqueceram da ilha de S. Thomé ; attes- 
ta-o a historia d'esta colónia. 

Nos primeiros annos do século xvi creou-se aqui um hospital da mise- 
ricórdia. Foi El-Rei D. Manuel que o protegeu, segundo as circumstancias 
d'aquelles tempos ; mas os habitantes de S. Thomé deixaram-no desper- 
cebido de tudo o que lhe era mais preciso ! í 

Tomavam os monarchas e os grandes da terra a iniciativa ; o povo de- 
via auxilial-os ; foi o que sempre succedeu em paizes que se começaram a 
colonisar muito depois da ilha de S. Thomé. Não eram somente os bispos, 
os obreiros da seara christã, que se empenhavam em levantar monumen- 



1 R. J. da Cunha Matos, loc. cit, pag. 34 e 35, referindo-se ao virtuoso prelado 
D. Fr. João de Sahagum. 



170 CAPITULO IV 

tos de caridade, estabelecendo hospícios, hospitaes, casas de recolhimen- 
tos pios, entrando n'estes os desamparados e n'aquelles os doentes, os 
pobres e os valetudinários ; foi grandíssima a parte que em cruzada tão 
santa tiveram os príncipes e os monarchas. Inspirava-os a caridade chrisfâ. 

Pelo que diz respeito á ilha de S. Thomé verifica-se uma tristíssima 
verdade que continuamente repetiremos: Desde 1504 até 1869 existiu 
um único hospital para toda a ilha, sem haver outro estabelecimento pio ! 

Não podemos dar uma noticia circumstanciada dos acontecimentos 
mais notáveis, emquanto á direcção do hospital e ao desenvolvimento dos 
bens da santa casa. Não consta nada da sua organisação medica 4 . 

Havemos sido prolixos n'este assumpto ; entendemos porém que, tendo 
de fallar do estado do hospital em 1869 convinha estudar a sua origem e 
investigar se houve um só hospital ou mais. Não podemos saber da exis- 
tência de hospícios nem de hospitaes na ilha de S. Thomé ; procurámos a 
rasão de tão grave falta na historia da colónia. Não inventámos ; citámos 
factos históricos, chegando a um triste e pezaroso desengano : 

Quatro séculos são passados, e ainda não ha na ilha de S. Thomé um 
hospital bom 1 1 

n 

Passámos agora a descrever o hospital que em 1869 existe na ilha de 
S. Thomé. Explicaremos em primeiro logar a mudança que se effectuou 
do hospital da santa casa da misericórdia para a casa onde está actual- 
mente. 

Eis-ahi as palavras do dr. José Correia Nunes a este respeito : 
«Existia em S. Thomé no anno de 1863 um único hospital, perten- 
cente á irmandade da misericórdia, e írdministrado por uma commissão 
nomeada pelo governador da província. Este edifício está situado próximo 
á praia, no logar do desembarque e contíguo á alfandega de S. Thomé, 
tendo no pavimento térreo e com frente para a praia, a botica, que é do 
estado, e no fundo os armazéns que servem de deposito aos géneros e 
mercadorias que dão entrada na alfandega. A casa é muito antiga, mal 
construída, e em parte arruinada ; mas poderá ainda tornar-se boa, repa- 
rando-a convenientemente. Era n'este hospital que se tratavam os doen- 
tes militares e civis, os indigentes e os escravos.» 



1 Suppomos que pouco pôde haver escripto com relação a este importante as- 
sumpto. Não nos é possível, porém, por falta de tempo, fazer as indagações necessá- 
rias para se escrever com exactidão e clareza a historia da ilha de S. Thomé, sob o 
ponto de vista de saúde publica. A santa casa da misericórdia possue 2:000#000 réis de 
rendimento, e apesar d'isso não tem um hospital especial; os seus doentes são trata- 
dos á custa d'ella no hospital militar e civil. 



HOSPITAES i7i 

Até maio de 1864 existiu pois um mau hospital. N'esse mesmo atino 
alugou-se um prédio dos mais espaçosos da cidade e n'elle se estabeleceu 
o hospital militar. A sua descripçao é a seguinte. Extractâmol-a do rela- 
tório do dr. José Correia Nunes. 

«Consta esta casa de dois corpos, um interior, o mais vasto, e outro 
lateral menos espaçoso ; em dois pavimentos soalhados de madeira e vas- 
tos armazéns térreos se divide a casa : as suas paredes de pedra e cal 
são altas e grossas, mostrando terem ainda bastante solidez. O corpo da 
frente no primeiro pavimento superior apresenta sete janellas rasgadas e 
em sacadas, penetrando por ellas o ar exterior para todas as salas. Tem 
dezeseis repartições, como se vê da respectiva planta, com as suas com- 
petentes designações *. 

«O segundo pavimento é formado por aguas furtadas, deixando no 
centro uma boa sala de pé direito com frente para o mar e sufliciente- 
mente ventilada ; esta sala é a enfermaria das ulceras chronicas das per- 
nas. Esta sala interior do edifício recebe luz e vento do sudoeste. A parte 
lateral que corre de leste a oeste recebe o vento do mar que lhe fica fron- 
teiro, e communica com a outra parte por meio de um corredor. Esta 
posição, comquanto nao seja a mais favorável para a sua salubridade, é 
comtudo melhor que a do antigo hospital da misericórdia. 

«O estado do hospital em relação ao edifício é soffrivel, e pôde melho- 
rar-se logoque o governo compre a casa, e lhe faça as simplificações e 
concertos de que carece 2 ». 

Do que deixámos exposto vê-se que na ilha de S. Thomé não tem ha- 
vido hospital como as suas necessidades reclamam. 

que é mais digno de lastima é ser esta ilha doentia, precisando mais 
do que qualquer outra província dos médicos, que escassamente lhe 
têem sido dispensados 3 , e dos soccorros da hygiene, cujos conselhos 
nunca foram attendidos. Não exagerámos; apresentamos uma verdade, 
que as estatísticas corroboram e o futuro patenteará com toda a evi- 
dencia. 



1 Peladescripção que fez em 1865 o dr. José Correia Nunes do actual hospital 
militar se pôde avaliar o estado actual do edificio. Não tem havido obras algumas. 
Acompanhou aquella descripção uma planta do edificio com as respectivas designações 
das enfermarias, quartos, corredores c divisões internas. Hoje nada temos a acrescen- 
tar, devendo existir esta planta junta ao relatório citado. 

2 Até hoje nem a casa foi comprada, nem as simplificações foram feitas, nem as 
enfermarias melhoradas!!! 

# 

3 Os médicos do quadro de saúde publica em S. Thomé téem sido tão poucos que 
mal podem satisfazer ao serviço official, e até por muitos annos esteve um só encar- 
regado de todo o serviço ! D'este modo como é possivel proceder-se aos estudos que o 
estado da ilha está reclamando? 



172 CAPITULO IV 

Não se construiu hospital, havendo em S. Thomé largos terrenos do 
estado, em que se podia ter edificado um estabelecimento d'esta ordem, 
regular, tendo terra para jardins, para pomares, para cercados de crea- 
ção e para passeios ! Abundam n'esta terra madeiras de construcçâo de 
primeira qualidade ; a cai é fácil de obter, e, se a pedra falta, um hospi- 
tal de madeira, feito em boas condições de salubridade, de commodida- 
de e de economia, vale muito e pôde durar por muitos annos. 

A agua é boa e de fácil conducção ; a ilha tão fértil, tão rica em pro- 
duetos de immediato consumo, offerece todas ás vantagens para se ter 
bem abastecida uma casa, que neutros paizes oceupa o primeiro logar 
sob o ponto de vista do progresso, da civilisação e da caridade evangélica. 

Que os poderes do estado devem tomar a iniciativa, a parte principal, 
em taes construcções, é incontestável. São d'esta opinião abalisados hy- 
gienistas, e para não irmos procurar estrangeiros, citaremos o que a simi- 
lhante respeito escreveu Macedo Pinto, aindaque este sábio prefere a 
construcçâo dos hospitaes fora das povoações, havendo dentro d'elias tão 
somente hospícios ou estações de saúde, para receberem os doentes, 
sendo d'ali conduzidos ao hospital permanente. Eis-ahi o trecho a que 
x nos referimos : 

«Da sua parte ó governo deve dirigir a construcçâo de todos os refe- 
ridos edifícios, de modo que verdadeiros modelos de bom gosto dispertem 
no povo as idéas de ordem e belleza, e ao mesmo tempo sirvam de es- 
cola e norma de boa edificação.» 

Os habitantes d'esta ilha em melhoramentos de seu interesse imme- 
diato não deviam esperar a iniciativa dos governos, mas pedirem o seu 
auxilio a fim de não serem perdidos os seus esforços, como sempre tem 
suecedido n'esta ilha, e bom seria que não continuasse a sueceder. 

A construcçâo* de um hospital regular é muito urgente, mas não o são 
menos os melhoramentos de que carece o actual edifício hospitalar para a 
regularidade do serviço medico e bom tratamento dos doentes, por ser 
muito de receiar que não se trate por emquanto d'aquella importante con- 
strucçâo* O hospital militar considerado em si mesmo, e também em rela- 
ção á localidade em que se acha, pode dizer-se que deve sercondemnado. 

Não téem os habitantes de S. Thomé dado provas de interesse e so- 
licitude em pró de tão úteis estabelecimentos, mas nao é porque sejam 
deshumanos ', ou porque desprezem as necessidades publicas 2 . Ha muitos 



1 Em todas as roças ha enfermaria e uma botica : algumas conhecemos nós que 
estão em boas condições, e muito honram os seus proprietários. É certo que os enfer- 
meiros não satisfazem; mas ao menos os primeiros soccorros são immediatamente pre- 
stados, e muitos doentes não precisam de maior tratamento. 

2 Temos citado alguns melhoramentos feitos a expensas particulares, o que é prova 



HOSPITAÉS 173 

factos em abono d'aquellas asserções, e não duvidámos -afirmar que de 
bom grado concorrerão todos para se realisar em S.Thomé um melhora- 
mento tão importante, como vital e útil a todos. 

No hospital militar d'esta ilha existe uma organisação interna, simi- 
lhante á dos hospitaes militares do exercito em Portugal. Não pôde, porém, 
tirar-se d'ella bom resultado, porque falta a companhia de enfermeiros, 
por tantas vezes reclamada e em todos os regulamentos promettida, e 
até esses regulamentos têem sido feitos e desenvolvidos na hypothese de 
que o quadro medico está completo e a companhia de enfermeiros em 
serviço activo. Nem esta nem aquelle tem existido em S. Thomé, e d'ahi 
resultam faltas gravíssimas para o serviço de saúde, como as que temos 
notado. 

Os empregados menores não podem servir por gosto. São tirados de 
entre os soldados da bateria de artilheria, e poucos ha que se conservem 
por muito tempo no exercício de suas funcções. Quando se acham inicia- 
dos no serviço e nos seus importantes deveres, deixam o hospital, e são 
substituídos por outros, que mal podem satisfazer ao serviço. 

A companhia de enfermeiros é portanto de absoluta necessidade, e 
sem ella o serviço medico não pode ser bem feito. 

Já em 1865 se queixava d'esta falta o dr. José Correia Nunes, no seu 
minucioso e completo relatório. Eis-ahi as suas palavras textuaes : 

«O pessoal do hospital compõe-se de li empregados: 1 enfermeiro 
mór, 1 amanuense, 2 enfermeiros, 4 serventes, 1 comprador, 1 cozi- 
nheiro e 1 porteiro. São todos da classe das praças de pret da bateria, 
exceptuando e enfermeiro mór, que é paizano. 

« Este ultimo e o amanuense são de conducta regular e desempenham 
bem o serviço ; emquanto aos mais não posso dizer o mesmo, porque são 
todos soldados, cuja moralidade é geralmente duvidosa, sem haverem ha- 
bilitações algumas, e por isso prestam sempre mau serviço. Conviria, por- 
tanto, que do corpo de saúde do exercito ou da armada fossem tirados 
os indivíduos que devem desempenhar aquelle serviço no hospital militar 
de S.Thomé.» 

As cousas estão no mesmo estado, só com a differença de o enfer- 
meiro mór accumular o logar de amanuense, por não se encontrarem in- 
divíduos habilitados para aquelles dois cargos ; mas tal juncção não con- 
vém ao bom desempenho do serviço, porque o amanuense tem de fazer 
uma escripturação importante, e falta-lhe tempo para dirigir o serviço in- 
terno do hospital. 



evidentíssima de que os habitantes nSo recusam o seu auxilio para se realisarem me- 
lhoramentos de utilidade publica. O que tem faltado não é a boa vontade dos habi- 
tantes, é a iniciativa das auctoridades locaes. 



174 CAPITULO IV 

Em 1809 houve no hospital de S. Thomé 1:849 doentes e 48 mortos. 
A mortalidade foi de 2,6 por cento ', sendo a média diária do numero de 
doentes 50 a 60. 

Nos hospitaes do exercito para cada 25 doentes ha um facultativo, 
que dispõe de todos os recursos ; em S. Thomé ha um só facultativo para 
170 doentes mensaes, chegando em muitos dias a estarem nas enfermarias 
60 doentes ! 

As papeletas do hospital militar são como as dos hospitaes do exer- 
cito, mas não se tem dado áquellas a consideração que estas merecem. 

Nas papeletas tem o facultativo do exercito um documento official 
real e claro, pelo qual a repartição de saúde pôde avaliar, não só a sciencia 
e a instrucção medica do facultativo clinico, mas também o zelo com que 
os doentes são tratados nos hospitaes. E é tal a importância que se dá ás 
papeletas e ao que nellas se escreve, que pôde influir na promoção dos 
facultativos, e por conseguinte no seu futuro. São estas as palavras tex- 
tuaes dos regulamentos e leis para os facultativos do exercito. 

Em S. Thomé não acontece assim, e não sabemos se nas outras pro- 
víncias se téem dado os mesmos casos. 

As papeletas podem revelar o tratamento mais zeloso, a intelligen- 
eia de quem o prescreveu e um saber medico regular ; todavia a promoção 
depende de uma auctoridade incompetente nestes assumptos 2 . 

Tocámos por incidente n'esta questão tão vital como urgente, e não 
seguimos com outras considerações a este respeito, porque as reservá- 
mos para o ultimo capitulo. 

hospital militar em S. Thomé tem hoje a receita que tinha em 1865, 
e também a mesma despeza; por isso aqui transcrevemos a informação do 
dr. José Correia Nunes, correspondente ao anno de 1865. 

« A despeza d'este hospital anda em 200$000 e 3000000 réis men- 
salmente, e a sua fonte de receita é a verba que pagam os doentes da 
santa casa da misericórdia, os particulares e o pret das praças da bateria 
que ali são tratadas, havendo quasi sempre um deficit, apesar da mais ri- 
gorosa economia observada pela commissão administrativa.» 

Em 1869 como em 1865 acontece a mesma cousa. Os particulares 



1 As estatísticas da mortalidade que Dutroulau apresenta em relação ás colónias 
francezas, são, em geral, mais graves. No hospital de Port-de-France, Nova-Calede- 
nia, a mortalidade foi de 1,03 por cento ao anno; é considerada como muito salubre 
esta colónia. 

2 Não queremos dizer que a primeira auctoridade da província não informe acerca 
do procedimento dos facultativos; o que instantemente rogámos é que se dé toda a 
independência aos médicos, e que a sua reputação não fique á mercê de pessoas com- 
pletamente estranhas á sciencia, á arte e ás circunstancias do serviço. 



HOSPITAES 175 

que desejam tratar ali os seus libertos pagam 240 réis por dia e por 
doente. 

Os regulamentos internos, os modelos das altas, a escripturação, e 
tudo o mais que diz respeito ao serviço interno tem sido publicado no 
Boletim official, e feito á imitação do que se faz nos hospitaes militares 
em Portugal. 

A reforma dó hospital militar está altamente reclamada, não só pelo 
que diz respeito ao serviço interno, como aos trabalhos médicos e aos 
enfermeiros. Ha regulamentos, falta porém o pessoal habilitado, sendo 
muito para notar que se conserve um hospital no meio da localidade onde 
grassam as endemo-epidemias com toda a intensidade. D'este modo as 
convalescenças são morosas ou impossíveis, a mortalidade no hospital é 
muito maior, e por imprevidência sacrificam-se centenares de victimas. 

No interior da ilha ha logares salubres, e até se encontram nas pro- 
ximidades da cidade em boas condições. É em alguns d'esses logares 
que deve ser construído um bom hospital permanente. 

A necessidade de um hospital civil onde se tratem os libertos, é ma- 
nifesta ; convém que elle esteja em um logar central, e receba somente os 
trabalhadores. Não deve esperar-se a iniciativa do governo n'esta parte, 
poisque o interesse commum a todos os roceiros reclama o indicado me- 
lhoramento, que é essencial á boa colonisação. ' 

A camará municipal deve ter um facultativo de partido, porque os mé- 
dicos militares mal têem tempo para desempenhar as pesadas funcções do 
seu cargo. Em S. Thomé são precisos cinco ou seis médicos, para cuja 
sustentação não podem concorrer os habitantes de uma colónia que prin- 
cipia, e por isso mesmo precisa de bons conselhos, útil tratamento e boa 
direcção medica. 

A ilha de S. Thomé está em peiores condições que Angola, emquanto 
a clima, e são n'esta ilha e na do Príncipe maiores e mais sensíveis as 
faltas que se notam em assumptos de saúde publica ! 



CAPITULO V 



J/cxercico de la pharmacie ne renlre pas, à vrai dire, dans les ma- 
tières de 1'bygiène; mais la vente des medicamente, la bonne tenoe dcs 
officines interessent à un si baut degré et si directement la saoté publi- 
que . . . que nous navons pas cru devoir passer complétement sous sileuce 
ce grave sujet. 

(Ambroise Tardieu, pharmacie, loc. cit , artigo «Pharmacias», tom. 3.° 
pag. 298.) 



Se o exercido da pharmacia não entra no domínio da hygiene publica, 
a venda dos medicamentos precisa de muita vigilância das auctoridades 
sanitárias e administrativas. Não ha arte mais nobre, nem sciencia mais 
útil ; mas também não ha arte em que mais abusos se commettam em 
S. Thomé. 

Vendem-se nas pharmacias os mais enérgicos purgantes a quem os 
deseja ; dão-se sem receita do facultativo vomitórios, que são tomados 
frequentemente, e emeto-catharticos que são applicados em todos os ca- 
sos, sem se attender a doses, á dieta e á occasião ! Não é só nas pharma- 
cias, é em muitas lojas e até em muitas fazendas que se encontram os 
mais enérgicos agentes therapeuticos, ç se empregam sem o menor es- 
crúpulo. 

Os curandeiros mandam comprar aos vinténs drogas medicinaes, que 
misturam com cozimentos de hervas, em que suppõem a existência de 
alguma virtude medica, e fazem as celebres tisanas do seu receituário ! 
Os cáusticos a que os indígenas chamam castigos, as ventosas sarjadas e 
as sangrias pedem-se pelo amor de Deus. D'estes abusos provém, em ge- 
ral, uma grave causa de insalubridade. Como removel-a? 

A pharmacia do governo não pôde actualmente satisfazer ás necessida- 
des publicas e ao serviço official, que lhe está determinado por lei. Uma 
única pharmacia para satisfazer ás exigências de uma população de 16:000 
almas, e em terra tão doentia, não pode collosar-se facilmente em condi- 
ções regulares, estando quasi abandonada ! 

Um só pharmaceutico e um ajudante, por mais habilitados que este- 
jam, podem apenas aviar o receituário do hospital e algumas receitas, e 
fazer alguns preparados mais urgentes. O pharmaceutico gasta n'isto todo 
o dia, ficando-lhe sempre em atrazo uma laboriosa escripturação, que elle 
nunca poderá apresentar* 

J2 



178 CAPITULO V 

Não satisfaz á sciencia, não satisfaz á arte, nunca satisfará assim ás 
necessidades publicas de uma colónia nascente, onde as doenças são fre- 
quentes, onde os casos fataes tanto impressionam, e onde finalmente a 
flora è desconhecida, a fauna abandonada, a meteorologia deslembrada, e 
as drogas medicinaes estão revestidas àe certos mysterios, que repugnam 
á humanidade e á sciencia '. 

Informando acerca do estado em que se acha a pharmacia em S. Tho- 
mé, faltaríamos ao nosso dever se não chamássemos a attenção dos pode- 
res do estado para este ramo do serviço publico tão importante como útil 
e necessário. 

Emquanto ao estado actual da pharmacia, vê-se das poucas palavras 
seguintes : má casa, péssimos armazéns, grande e prejudicial distancia da 
pharmacia ao hospital, diminuto pessoal, falta de laboratório e mau sys- 
tema de fornecimento para acquisição das drogas medicinaes e de todos 
os medicamentos. 

O pharmaceutico < encarregado da direcção da pharmacia gasta o seu 
tempo em aviar receitas e vender drogas medicinaes a retalho. Não pôde 
oecupar-se de outra cousa, que a mais não o obriga a lei, encarregando-o 
da escripturação por quantidades, da venda e do consumo que se fazem 
na pharmacia. Deve ser este o serviço de dois ajudantes e um amanuense, 
que não ha, com prejuízo da fazenda e da saúde publica. O trabalho do 
pharmaceutico deve ser mais fecundo e importante. 

A classificação e disposição interna das drogas, medicamentos e de 
tudo o que diz respeito aos armazéns ; as preparações dos compostos, dos 
medicamentos officinaes e de todos os trabalhos do laboratório tão neces- 
sários n'esta ilha, onde tudo o que diz respeito á botânica e mineralogia 
jaz completamente abandonado, devem occupar constantemente a atten- 
ção do pharmaceutico, tendo toda a responsabilidade pelo serviço, escri- 
pturação e bom estado da pharmacia de que é director. 

Não dizemos que sejam precisos na pharmacia de S. Thomé mais de 
dois pharmaceuticos*; o que desejámos é que o serviço se faça sem pre- 
juízo da saúde publica, da fazenda e da sciencia. São precisos dois phar- 
maceuticos, dois ajudantes e um amanuense, e deve ser este o estado or- 



1 Está n'este caso a chamada, entre os indígenas, herva àe]Vira Coração, que pre- 
param e dão áquelles de quem desejam o amor, e desconfiam da sua lealdade. 

2 A pharmacia tem em serviço effectivo um pharmaceutico, um ajudante e dois 
serventes; satisfazem ao aviamento do hospital e do publico e da escripturação, e não 
toem tempo paia mais nada. Note-se que n'esta ilha as doenças são frequentíssimas, e 
obrigam um ou outro empregado a não cumprir o seu dever. 

O director da botica deve ser obrigado a escrever um relatório acerca do serviço 
e do modo de o melhorar, incluindo noções sobre a classificação da flora de S. Tho- 
mé, etc, etc. 



PHARMACIAS 179 

dinario do pessoal da pharmacia, pois é raro existirem em S. Thomé os 
dois pharmaceuticos. Um d'elles este anno foi para Lisboa convalescer de 
uma grave moléstia. 

Estas considerações não constituem plano de reforma ; mostram ape- 
nas que a pharmacia do estado não pôde continuar como se acha. Perde 
a fazenda, não ganha o publico, e os trabalhos de alguma importância que 
se podiam executar, ficam por fazer. 

A pharmacia é um estabelecimento de primeira ordem que não pode 
ser dispensado. Ouçamos Dorvault : 

«La pharmacie est-elle d'une utilité, et plus, d'une necessite sociale? 
Non, répondons-nous, dans une société en état d'enfance, d'anarchie, de 
décadence ; oui, dans une société bien ordonnée, prospere. » 

A respeito da pharmacia de S. Thomé disse em 1865 o dr. José Cor- 
reia Nunes no seu minucioso relatório : 

«A botica do estado está collocada em uma das divisões do pavimento 
térreo do antigo hospital da misericórdia, e conseguintemente em mau 
estado, quanto ao edifício. O material que a guarnece e os medicamentos 
não são maus ; o fornecimento d'estes é feito pelo cofre da junta de fa- 
zenda, que os manda vir de Lisboa por meio de requisição feita pelo res- 
pectivo pharmaceutico, e rubricada pelo presidente da junta de saúde. 
Este estabelecimento é administrado pelo primeiro pharmaceutico do 
quadro da província, que tem ás suas ordens um ajudante e um servente, 
praças da bateria. » 

Em 1869 o serviço é feito pelo pharmaceutico de 2. a classe, por um 
ajudante e dois serventes, sendo estes últimos praças da bateria. 

O fornecimento eflfectua-se do mesmo modo. 

O material da pharmacia mostra pobreza, são péssimas as estantes 
dos armazéns, que são mal ventilados, A divisão da casa é má. Os vidros 
e os vasos para conter pomadas, medicamentos officinaes e outras sub- 
stancias medicamentosas são regulares e em numero suficiente ; as es- 
tantes da oficina não têem vidraças. Ha apenas uma cozinha, que serve 
de laboratório pharmaceutico 1 ! 

O que deixámos dito é o bastante para demonstrar o triste estado em 
que está o estabelecimento pharmaceutico da ilha de S. Thomé, capital 
de uma riquíssima província ! ! 



CAPITULO VI 

Facultativos e pharmaceixticos • 



escasso numero de alumnos nas escolas medico-cirargicas do con- 
tinente do reino, em relaç&o ao qne fora em tempos anteriores, e os pro- 
| ventos qne já encontravam no exercício da clinica civil apenas corapleta- 

! vam o curso medico, sem se arriscarem, como os facultativos das provín- 

cias ultramarinas, á insalubridade dos climas, explicam a inutilidade 
das disposições dos dois decretos, quanto ao resultado qne ambos (o de- 
\ creto de 14 de setembro de 1844 e o de II de deiembro de 1851) se pro- 

pozeram obter. 

(Relatório e decreto de 2 de deiembro de 1889.) 



I 

Os facultativos e pharmaceuticos que se resolvem a vir para o ultra- 
mar arriscam-se á insalubridade do clima. Funda-se em tão amarga ver* 
dade o decreto supra-indicado, que regula o serviço de saúde no ultra- 
mar, è amplia o quadro dos alumnos aspirantes a facultativos dos pai- 
zes de alem mar, e o dos respectivos facultativos das mesmas provín- 
cias. 

A ilha de S. Thomé deve ter mais um facultativo ', visto achar-se ele- 
vado a quatro o numero dos facultativos de S. Thomé e Príncipe. Os phar- 
maceuticos são três ; a companhia dos enfermeiros ainda não existe de 
facto. 

Os facultativos da cidade de S. Thomè téem a seu cargo o serviço sa- 
nitário do porto. Os vapores ficam muito fora da bahia, e esta visita, feita 
sob um sol ardente ou em dias de chuva, não tomando em conta as ven- 
tanias, que ás vezes fazem encapellar o mar, não é recompensada! 

Os corpos de delictos, os exames de sanidade são feitos pelos facul- 



1 Entram na população ambulante a que nos referimos no cap. 2.°, e de que nos 
occupâmos especialmente nos cap. 3.° e 8.° 

2 Sendo a ilha de S. Thomé uma das mais doentias da costa Occidental da Africa, 
e a ilha do Príncipe, pelo menos a cidade, o paiz-typo da insalubridade e da pobreza 
parece que os facultativos, que fazem serviço aqui, deviam ter algumas vantagens exce- 
pcionaes. O quadro até 1869 nunca esteve preenchido. 



182 CAPITULO VI 

tativos do quadro. Ha, termo médio, quatro corpos de delicto por se- 
mana, não coutando aquelles que têem de ser feitos nas matas, a longas 
distancias da cidade e dos povoados, nem as exhumações *. Todo este ár- 
duo, difficil e importante serviço é feito sem retribuição especial. 

O serviço interno do hospital pertence aos facultativos do quadro. Às 
febres são graves e precisam de detida observação, pois é sabido que al- 
gumas d'ellas matam em poucas horas ; as moléstias herpeticas são re- 
beldes, frequentes e algumas de diagnostico difficil; as moléstias chroni- 
cas são em grande numero. À visita aos doentes e a escrípturação do 
receituário nunca dura menos de três horas por dia em casos ordinários. 
Que mais se pode exigir a um facultativo consciencioso? 

Os mendigos e doentes pobres da terra que procuram constantemente 
o medico, e com especialidade as mulheres, que procuram salvar os seus 
filhos, tomam mais de uma hora por dia. Não tomámos em conta a visita 
á cadeia e outros serviços 2 extraordinários e frequentes. 

Ahi deixámos uma idéa approximada do insano trabalho diário do 
medico em um clima, onde ninguém pôde subtrahir-se á infecção mias- 
matica e ás febres intermittentes, e por conseguinte á anemia, ás graves 
moléstias do apparelho digestivo e aos incommodos de um calor abrasa- 
dor. Perde assim as forças, e arruina a saúde. E com que animo pode elle 
occupar-se dos outros trabalhos que a lei lhe recommenda ? Bastam no- 
tar-se os seguintes : 

cGolligir annualmente exemplares devidamente preparados dos pro- 
duetos da historia natural da província ; examinar a composição das aguas ; 
fazer o estudo na flora e da meteorologia 3 do paiz. etc, etc.» 

Os facultativos da província de S. Thomé e Príncipe têem de lutar 
também com a falta de recursos alimentícios e de todas as commodidades 



1 Foram muitos os corpos de delicto a que assisti em 1869, entrando uma exhu- 
maçâo e algumas autopsias no hospital. Os desinfectantes e anti-septicos não são for- 
necidos pela fazenda, nem os meios de conducçâo. Alem de trabalhar de graça nos ser- 
viços do município e do juizo criminal, o facultativo é obrigado a gastar aquillo que 
mal lhe chega para a sua subsistência ! (Nota do relator.) 

2 O facultativo não pôde escolher hora para sair á rua e fazer o serviço que lhe 
compete. Cúmpre-lhe fazer visitas sanitárias a embarcações surtas no porto, ao meio 
dia, ás dez horas da noite, em dias de chuva, a toda e qualquer hora. Os corpos de 
delicto, ás vezes a quatro e a seis léguas distantes da cidade, realisam-se em dias em 
que a agua cáe a cântaros, e os caminhos são quasi intransitáveis. A visita ao hospital 
deve começar ás oito horas da manhã, e muitas vezes tem de ser repetida. Um tra- 
balho d'esta ordem, por mais hygienico que seja o proceder do facultativo, acarreta- 
lhe necessariamente moléstias graves, padecimentos chronicos e a ruina do organismo. 

3 Ainda não ha em S. Thomé observatório meteorológico! Tudo denota abandono 
no meio da fertilidade ; tudo indica pobreza no meio de inexhauriveis thesouros! ! ! 



FACULTATIVOS E PHARMACEUTICOS 183 

da vida, que podem ter em qualquer outro paiz; não podem Consultar li- 
vros, ter jornaes scientificos, adquirir conhecimentos, senão á custa de 
muitos sacriflcios. 

Dutroulau escreveu, no prefacio do seu excellente e verdadeiramente 
útil trabalho acerca das doenças dos europeus nos paizes intertropicaes, 
algumas palavras que julgámos vir de molde para aqui. 

«Les régions que j'explore dans le domaine medicai sont féconds, mais 
elles riapparaissent à la plupart des médecins qu'à travers un tnirage 
lointain que peu d' entre eux ont le courage de pênéírer pour les bien con- 
naitre. 

«II est d'ailleurs une branche de lá famille médicale qui a particulière- 
mente intérêt à se familiariser avec les maladies exotiques : elle se com- 
pose des médecins qui consacrent la plus longue partie de leur carrière 
à lutter sur les points du globe les plus éloignés contre les influences per- 
nicieuses que s'y rencontrent à chaque pas. » 

Poucos médicos na verdade podem arrojar-se a exercer clinica nos 
paizes equatoriaes, e, quando se arrisquem a vir para climas tão doentios, 
expõem-se a soífrer as influencias perniciosas que n'elles se encontram 
constantemente. 

Não tendo o futuro garantido, nem os meios convenientes para se tra- 
tar quando adoecer, o facultativo não poderá ser útil a si, nem á sua co- 
lónia, nem á mãe-patria. É o que se vê acontecer aos facultativos da pro- 
víncia de S. Thomé e Príncipe 4 . 

Não levámos mais longe estas considerações, que merecem trabalho 
separado. Mas não nos foi possível fallar acerca dos facultativos da provín- 
cia de S. Thomé, sem dizer mas algumas palavras a respeito da sua triste 
posição. 

Em 1869 estiveram na ilha de S. Thomé os seguintes facultativos: 

Dr. José Correia Nunes, chefe do serviço de saúde publica e director 
do hospital militar. Está na província ha dezeseis annos. 

Manuel Ferreira Ribeiro, medico cirurgião da escola do Porto e facul- 
tativo de i. a classe da província. Serve ha dois annos na província. 

Não houve na ilha médicos civis propriamente ditos, e comquanto 
o escrivão deputado seja facultativo habilitado pela escola de Goa, e tenha 
pertencido ao quadro, não pode ser contado como facultativo civil, ainda 
que haja prestado bons serviços. Alem d'este devemos memorar Leonar* 



1 Ura facultativo de l. a classe, adoecendo, tem de ir tratar-se, recebendo tão so- 
mente 24#000 réis durante três mezes! 

Arruinando-se em seis annos aspira a 12#000 réis mensaes! Não se querem servi- 
ços; conta-se tempo! Triste condição de medico portuguez no ultramar! 



i 

Al 



184 CAPITULO VI 

do Africano Ferreira â , o qual pouco se deu á clinica, preferindo a vida do 
foro á pouco recompensada vida medica. 

Nas conferencias de gravidade por algumas vezes se reuniram estes 
quatro facultativos, mas todo o serviço ordinário e extraordinário esteve 
unicamente a cargo dos dois primeiramente nomeados. 

A lei determina que nas capitães das províncias estejam os facultati- 
vos absolutamente necessários para a clinica dos hospitaes e para que 
reunidos em junta de saúde publica exercitem todas as funcções do seu 
cargo; mas a experiência mostra que por muitos annos esteve um só fa- 
cultativo encarregado de todo o serviço, e em 1869 apenas dois ! 

Pertence-lhes a resolução de todos os problemas de hygiene publica, 
cuja importância e necessidade demonstrámos, instando para que sejam 
convenientemente resolvidos. Os facultativos do quadro da província de 
S. Thomé e Príncipe em 1869 procuraram satisfazer aos seus deveres, 
segundo o tempo e a saúde lh'o permittiam, tendo a consciência de ter 
coordenado as estatísticas medicas com o maior rigor possível. 

Por falta de observatório meteorológico não procederam ao estudo 
da meteorologia ; não tiveram tempo para se occuparem da fauna e da 
flora medica. 

O abandono em que estão todos os trabalhos que dizem respeito ao 
conhecimento da insalubridade da ilha não é de certo devido a deficiência 
de conhecimentos e habilitações de todos os facultativos que têem estado 
na ilha. Em trabalho especial faremos ver a verdade do que avançámos, 
e n'este logar só dizemos que o dr. Lúcio Augusto da Silva escreveu 
uma Memoria, que citámos por algumas vezes, e do dr. José Correia Nu- 
nes, alem de excellentes estatísticas medicas, de relatórios importantes, de 
instrucções praticas para o exercício da medicina em Ajudá,*existem dois 
relatórios, um acerca do serviço de saúde publica em relação a 1865, 
e outro a respeito da epidemia das bexigas que assolou a ilha de S. Thomé. 



II 

Os pharmaceuticos de S. Thomé têem grande tendência para exercer 
a clinica, e infelizmente alguns já foram auctorisados a fazer a visita me- 
dica ao hospital e ás enfermarias da província ! São acontecimentos que se 
devem lamentar. 

Aos pharmaceuticos está confiada uma nobre missão. É digno de lou- 



1 Leonardo Africano Ferreira foi alumno da escola medico-cirurgica de Lisboa, 
mas não obteve diploma medico ; falta-lhe a approvaçSo em uma cadeira do 5.° anno, 
segundo o curso d'este escola em 1881. 



FACULTATIVOS E PHARMACEUTICOS Í85 

vor aquelle que procura desempenhal-a, aspirando á gloria de ter um nome 
illustre. Saírem do vasto campo que têem a percorrer, para se entrega- 
rem ao charlatanismo, é commetterem um grave erro ; por este modo 
não prestam serviços á humanidade, nem á sciencia. Não imitam Dorvault, 
nem lhe seguem os conselhos ! 

Ao governo provincial cumpre impedir os abusos e não protegel-os. 
É justo que premeie aquelles que derem provas de zelo, intelligencia e 
actividade, no desempenho dos deveres da sua alta e nobre missão; mas 
é urgente prohibir-lhes completamente o exercício da medicina. 

N'este relatório somos obrigados a expor os factos com singeleza, apon- 
tar os males que elles podem trazer á saúde publica, e indicar os meios 
de os remover; é esta a sua natureza. 

Que poderíamos nós dizer ao lermos as portarias que elevam os phar- 
maceuticos á difficil missão de niedicos? 

Lamentar a desgraça dos povos d'estas ilhas ! 

A medicina é uma arte e uma sciencia, cujos segredos se descobrem 
com muito trabalho e só no fim do longo tirocínio ; tem dificuldades pra- 
ticas que sô o zelo, intelligencia, e dedicação do medico, que quer gosar 
de bom nome, pôde a muito custo superar. O clinico esclarecido e pru- 
dente reconhece que precisa de estudar noite e dia ; e investe-se em tão 
importante sacerdócio um homem que apenas tem alguns annos de pra- 
tica de pharmacia? Que importa que haja feito profundos estudos da sua 
arte? 

Os charlatães apparecem na rasão directa das dificuldades que a me- 
dicina apresenta, e em S. Thomé pollulam por tal forma, que se tornam 
uma verdadeira praga para a saúde publica ! 

O pharmaceutico illustrado é, na ausência do medico, a pessoa mais 
competente para indicar qualquer remédio de instante necessidade. 
Conhecemos até muitos pharmaceuticos, cujos conselhos são consciencio- 
sos e úteis. O que condemnâmos é a ousadia d'aquelles que se encarre- 
garem do tratamento medico de uma doença, querendo dirigir a evolu- 
ção d'ella, diagnosticando, receitando e prognosticando t 

Os pharmaceuticos na província de S. Thomé estão em más condições, 
porque são obrigados a um serviço oneroso, anti-hygienico e de grande 
responsabilidade. A lei do orçamento determina que estejam dois pharma- 
ceuticos na pharmacia de S. Thomé, mas não lhes concede ajudante nem 
amanuense, porque não podem elles satisfazer ás necessidades do serviço. 

As mudanças de situação que tem havido entre os pharmaceuticos, 
e a mortalidade n'esta classe desde 1860 até 1869 indicatn os perigos a 
que estão expostos aquelles empregados, e a deficiência das respectivas 
leis regulamentares. 

A escripturação deve ser lançada nos livros por um amanuense sob a 



W CAPITULO ¥1 

direcção e responsabilidade do pharmaceutico encarregado da pharmacia. 
O serviço technico deve ser feito por um dos pharmaceuticos com o respe- 
ctivo ajudante e dois serventes ; a venda ao publico, o cuidado e arrumação 
dos armazéns* os relatórios e as respectivas contas pertencem ao outro 
pharmaceutico. Convém que o serviço seja dirigido de modo que um dos 
pharmaceuticos possa ter um dia livre em cada semana para descansar e 
sair da cidade. 

E também de grande vantagem que se admittam praticantes de phar- 
macia, como acontece nas pharmacias de Portugal. Está demonstrado 
que o systema actual não dá o menor resultado útil para a fazenda publi- 
cai porque os pharmaceuticos ou adoecem e não prestam bom serviço, 
ou pedem a demissão, e não são poucos os que têem fallecido ! Os prati- 
cantes prestariam n'este caso bom serviço, tanto na pharmacia de S. Tho- 
mé como na do Príncipe, onde por muitas vezes têem faltado pharmaceu- 
ticos e facultativos ! 

Em 4869 esteve n'esta ilha, até fevereiro, o pharmaceutico Pedro 
Fernandes da Cunha. Era activo, zeloso e intelligente ; mas foi obrigado 
a pedir a sua exoneração por motivos que não vem a propósito narrar 
aqui *. 

Por espaço de três mezes tomou conta da pharmacia o facultativo de 
2. a élasse* Manuel Ferreira Ribeiro, sendo auxiliado pelo ajudante de 
pharmacia, André Gonçalves Pinto 2 . Ao tomar conta da pharmacia apre- 
sentou este facultativo ao chefe do serviço de saúde as considerações que 
julgou necessárias, a fim de se melhorar o miserável estado em que estava 
a botica e todo aquelle serviço. O chefe de saúde informou q remetteu para 
o governo da província os respectivos officios. O facultativo de 2. a classe 
foi chamado á junta da fazenda publica, achando-se esta reunida em ses- 
são ordinária, e ali expoz miudamente o estado das cousas. 

Nem as rasoes em que o facultativo fundamentou os seus pedidos of- 
ficiaes, nem as que deu perante a ex. ma junta foram sufficientes para se 
melhorar o estado da botica. É a má sorte de todas as cousas d'esta ilha 
correrem assim. 

Nó fim de três mezes apresentou-se na ilha o pharmaceutico Augusto 
Simões de Abreu! A sua constituição era fraca, e começou desde logo a 



* O outro pharmaceutico, António Duarte da Silva, também pediu a sua exone- 
ração. O decreto <jue demitte este pharmaceutico, assim como o da demissão do phar- 
maceutico Pedro Fernandes da Cunha, estão publicados no Boletim official, col. 18t>9, 
n.° 6. 

2 Ê o único praticante que se tem habilitado e tem prestado bom serviço na au- 
sência dos pharmaceuticos e impossibilidade dos médicos. Recebia ultimamente réis 
30#WO tttisftste*, merecendo pelo seu trabalho os elogios do chefe do serviço. 



FACULTATIVOS E PHARMACEUTICOS 187 

padecer. No mez de outubro foi acommettido por uma febre paludosa 
grave, e esteve em risco de vida { . 

Em novembro chegou a esta ilha o pharmaceutico A. Sesinando Mar- 
ques, que dirige actualmente a pharmacia. 

O primeiro pharmaceutico da província, António Pereira da Silva, está 
em serviço na ilha do Príncipe. 

O movimento que houve entre os pharmaceuticos da provinda em 
1869, as tristíssimas recordações que ha d'elles no anno de 1862, os di- 
minutos rendimentos da pharmacia e o nenhum proveito que dão para as 
sciencias naturaes são factos graves em que devem attentar as respe- 
ctivas auctoridades, a fim de se melhorar o serviço da pharmacia na pro- 
vinda de S. Thomé e Príncipe. O pharmaceutico do estado em S. Thomé 
não se adianta, atraza-se; não é tão útil quanto poderia ser para a coló- 
nia, e é inteiramente inútil para a sciencia, e isto acontece n'uma ilha onde 
a botânica, tão rica e tão variada, está por estudar! 

que deixámos dito acerca dos serviços dos pharmaceuticos da pro- 
víncia e do estado da pharmacia n'esta capital, mostra quanto é urgente 
tomar providencias para se evitarem as desgraças de 1862, o movi- 
mento inútil de 1869, e para se elevar o serviço da pharmacia á altura do 
das pharmacia s do reino. 

. Os rendimentos da botica d'esta ilha, quasi nullos presentemente, po- 
dem chegar a 250#000 réis mensaes, isto é, só a botica pode produzir 
em cada anno a quantia sufficiente para sç pagar a todos os pharmaceu- 
ticos do quadro de saúde d'esta província e a um amanuense. É portanto 
a pharmacia uma fonte de receita publica, que deve merecer a attenção das 
auctoridades da província e da metrópole, e tanto mais quanto maior é a 
necessidade de se aviarem remédios gratuitos para o hospital militar, para 
os pobres e para os empregados do estado, aos quaes por uma providencia 
tão justa quanto importante e útil, a junta de fazendapublica determinou 
se abonassem todos os medicamentos que os médicos lhes receitassem. 

A escripturação d'este importante estabelecimento deve ser simples, 
completa e accommodada á boa fiscalisação dos seus rendimentos. A es- 
cripturação por quantidades é aquella que se adopta em 1869; é difficil, 
muito laboriosa, mas não é completa. 

1 Foram graves as endemo-epidemias em outubro de 1869. O barão de Agua-ízé, 

e algumas outras pessoas notáveis foram victimas das febres perniciosas ictéricas. O 
pharmaceutico deve, a vida ao saber e zelo com que foi tratado pelo chefe da serviço 
de saúde dr. José Correia Nunes, e como estas febres predispõem para novos accessos 
graves, a junta de saúde publica concedeu-lhe licença para se retirar ainda convales- 
cente d'esta ilha. 

Veja-se o Boletim official da província n.° 45, col. 1869, n.° 44, e o n,° 43 em que 
se fajla da morte do barão de Agua-ízé. 



capitulo vn 

Ctuarteis, prisões, cemitérios e prédios 

da cidade 1 



Se ha jrantagem em qae alguns edifícios pnblicos occnpem o centro 
dos bairros mais populosos, outros pelo contrario detém colloear-se fora 
da povoação, a maior oo menor distancia, segando a natoresa d*eUes. 

(Macedo Pinto, hygiene publica.) 



Já tratámos do hospital e da botica de S. Thomé, dissemos que estes 
edifícios públicos precisam de ser completamente reformados. Não apre- 
sentámos os planos da reforma por não os julgarmos próprios d'este re- 
latório, onde mais propriamente só temos a descrever o estado actual 
d'aquelles edifícios. Estes importantes estabelecimentos demandam serio 
estudo no que respeita á sua exposição, e ás condições hygienicas dos edi- 
fícios propriamente ditos, de modo que possam cabalmente servir para o 
fim a que são destinados. Iguaes considerações suscitam o quartel e a 
cadeia ; descrevemos o seu estado actual, e mostrámos a conveniência de 
se melhorarem. 

cemitério da cidade e os que se acham próximos ás villas merecem 
attenção particular das auctorídades sanitárias e administrativas. 

Seguimos n'este relatório a divisão das matérias, segundo as instruc- 
ções que acompanhavam o regulamento geral do serviço de saúde das 
províncias ultramarinas, approvado por decreto de 28 de outubro de 4862. 

A hygiene publica tem necessidade de estender o seu estudo aos hos- 
pitaes, ás pharmacias, quartéis, prisões, cemitérios, templos e outros edi- 
fícios públicos ; superintende na construcção dos edifícios particulares e 
em tudo o que possa prejudicar a salubridade. 

A cidade de S. (Thomé, construída sem methodo, sem attenção aos 
bons princípios da architectura, reclama reforma completa, mas reforma 
profícua e vantajosa. « Só pelos preceitos da hygiene scientifica, diz Ma- 
cedo Pinto, é que se deve regular a edificação dos bairros ou povoações 
novas, e emprehender a reforma das antigas » . 

Ê isto mesmo que se torna urgentíssimo fazer na cidade, villas e em 
outros logares da ilha, muito principalmente se houver necessidade de se 
edificarem novas villas ou estabelecimentos commerciaes. Sob um ponto 

1 Deviam fazer parte do capitulo que trata da hygiene publica, mas ficam ex- 
postos assim com mais minuciosidade estes assumptos parciaes* 



190 CAPITULO VII 

de vista geral temos dito o que julgámos essencial. Emquanto ao quartel 
descrevemos o seu estado actual. 

O quartel da cidade de S. Thomé, oode se recolhem os soldados e 
addidos, é mau e mal collocado. É um barracão construído sem se atten- 
der ás mpis ordinárias regras da hygiene militar, ficando-lbe o mar ao 
poente, e a poucos metros de distancia, muito próximo d'elle, ao sul, um 
largo e extenso pântano, que começou a ser aterrado em 1 868. 

Consta este barracão de um só pavimento, ficando o soalho a poucos 
palmos 4o chão. Tem dormitórios largos e espaçosos sem tarimbas ; o 
soalho completamente despido, sobre o qual dormem em esteiras os sol- 
dados e os addidoç. 

Similhante quartel é impróprio de uma capital, repugna á humanidade 
e i hygiene militar, que o condemna totalmente. 

A cadeia civil tem sido frequentes vezes condemnada oficialmente, e 
ainda se acha no mesmo estado. pavimento térreo, onde ha algumas 
prisões, è péssimo ; contém espeluncas que mal alojariam 3 indivíduos e 
oode frequentemente se encontram 46 ou 30 ! 

Pediram-se providencias, até que a final se conseguiu que no andar 
superior houvesse casas de detenção e algumas saletas limpas e arejadas. 
A camará municipal tinha ali as suas sessões, mas o digno juiz António 
Ferreira Lacerda não o consentiu. Pertence hoje á cadeia o andar onde a 
camará se reunia. 

Emquanto ao cemitério da cidade e aos das differentes villas, escreveu 
em 4865 o dr. José Correia Nunes o seguinte (loc. cit.) : 

« Ha na cidade um bom cemitério, construído ha pouco tempo no alto 
do Picão, com exposição ao nordeste, e distante da povoação meia légua : 
a sua policia está confiada á camará municipal e á administração do con- 
celho. Ha também cemitérios regulares nas villas, cuja fiscalisação tem 
regulamentos especiaes feitos pela camará municipal e approvados pela 
junta geral do distrícto. 

« Os cemitérios nas villas foram construídos ha poucos annos. Todos 
os enterramentos se effectuavam no único cemitério da cidade, cuja capa- 
cidade era insufficiente. 

c O antigo cemitério da cidade era o de Santo António, ao sul da ci- 
dade, e muito próximo á povoação, construído em 4852. Em consequência 
da sua má exposição, e por consulta da junta de saúde em 4863, foram 
d'ali removidos os enterramentos para um outro cemitério que proviso- 
riamente foi construído no alto de S. José, ao norte da cidade, a expensas 
do negociante Manuel José da Gosta Pedreira. Era murado de tábuas e em 
terreno, aindaque convenientemente situado, pedregoso e muito acciden- 
tado. Serviu provisoriamente, sendo definitivamente substituído pelo do 
alto do Picão, acabado de construir em agosto de 4865, bem situado em 



QUARTÉIS, PRISÕES, CEMITÉRIOS E PRÉDIOS DA CIDADE 19* 

terreno quasi plano e argilloso, rodeado de muro de pedra e cal e de con- 
veniente altura e espessura.» 

■ Acerca da transferencia do cemitério corre impressa uma Memoria, que 
por vezes temos citado. 

Da exposição que acabámos de fazer, facilmente se conclue que foi 
em 4844 que se começou a attentar nas causas de insalubridade, sendo 
já attenuada, senão de todo removida, aquella que pareceu mais grave, 
Progredindo-sen'este intento, facilmente se conseguiria fazer desapparecer 
outras que indubitavelmente são a origem das terríveis febres que tantas 
victimas têem feito entre os negociantes europeus e entre os funccionarios 
de todas as classes. Nem o pobre nem o rico, nem o que tem a vida re- 
gular, nem o que se expõe ao sol e ao sereno, podem escapar ao envene* 
namento miasmatico, cujos effeitos se revelam com mais ou menos gra- 
vidade, segundo diversas circumstancias, que examinaremos em outro 
logar. 

Às creanças causa immenso damno a infecção palustre e a mudança 
rápida dos phenomenos meteorológicos. Os pobres e os que não cum* 
prem os preceitos hygienicos dão maior contingente de mortalidade e de 
ruina physica e moral. 

Afastemos os olhos do quadro doloroso que o observador descobre 
em terras tão doentias 1 

Assim como se destruiu a causa de insalubridade que existia no ce- 
mitério antigo, assim é de esperar, finalmente, que se destruam murtas 
outras. 

Alguns cemitérios das villas estão em mau estado. São cercados de 
tábuas, em terrenos humosos e muito húmidos e baixos, rodeados por 
um espesso arvoredo. Está n'este caso, pelo menos, o cemitério de Santo 
Amaro. 

Acerca dos quartéis, prisões e cemitérios nada temos a acrescentar 
ao que acima se lê. Precisam de reforma completa e tão rápida quanto o 
permittem as circumstancias e prosperidade da ilha. Mas, se attentarmos 
no conjuncto de edifícios públicos e particulares, nas praças e nas ruas, 
lastimaremos também que ali tenham sido desattendidas as regras e prin- 
cípios de hygiene publica e particular. 

Permitta-se-nos acrescentar mais algumas considerações. 

A falta de casas em um paiz em que abundam óptimas madeiras, 
mostra o pouco caso que se faz da intempérie das estações. 

Trovoadas estrondosas, como raríssimas vezes se ouvem em Portugal, 
são quasi constantes nos oito mezes da má estação ; chuvas torreneiaes 
despenham-se durante muitos mezes do anno com tanta rapidez e vio- 
lência, que parecem querer submergir os edifícios; fortíssimos vendavaes 
sopram de alguns quadrantes, com especialidade do sudoeste e sul. Nos 



• 



1W CAPITULO vn 

mezes da estação chuvosa temos de arrostar com variados e frequentes 
phenomenos meteorológicos, e nos mezes das ventanias causa verdadeiro 
incommodo o vento que sopra constantemente, e é origem de mais ou 
menos moléstias das vias respiratórias. 

Dormir em quartos acanhados, mal reparados e expostos ao vento e 
á chuva, é querer contrahir moléstias rheumaticas, bronchites, tão fataes 
aos indígenas, e outras doenças graves, e, mau grado seu, a esteç incon- 
venientes se expõem os empregados públicos para cumprirem os seus de- 
veres. Em 1869 é muito difficil accommodar mais moradores. As casas 
são, na sua máxima parte, péssimas. 

Vê-se pois que o primeiro sacrifício a fazer é emprehender a con- 
strucção de um novo bairro, em localidade salubre, havendo então op- 
portunidade para se edificar outro quartel, em condições regulares e em 
boa posição. Á falta de casas ajuntam-se privações de toda a ordem. 

Muitas cousas de somenos importância, mas que para o europeu con- 
stituem necessidades imperiosas, faltam completamente ! É preciso viver 
aqui um anno para se avaliar esta falta. 

Nem para o corpo as commodidades, nem para a alma a distrac- 
ção! 

A lembrança constante e diária das doenças, e a vida isolada e sem 
esperança de melhoramento, que se é obrigado a passar, são outros tan- 
tos elementos pathologicos que trazem o europeu sob um mal estar con- 
tinuado, que lhe gastam a vida, enfraquecem a memoria, tiram a alegria 
e o vão reduzindo a um estado inexplicável até que o acommettem as fe- 
bres. Muito longe nos levaria este assumpto, se outras considerações fos- 
sem aqui permittidas. 

Que poderemos dizer, no estado actual da ilha, dos soldados euro- 
peus? ! . . . Quando falíamos acerca do rancho dissemos o que julgámos 
necessário. Ao fallarmos agora do seu quartel temos a acrescentar que 
á sua má collocação se devem attribuir algumas baixas ao hospital mili- 
tar. Convém que elle seja mydado, servindo o barracão actual somente 
para uma companhia ou estação militar. 

O dessecamento do pântano que lhe fica próximo deve ser de grande 
beneficio áquella localidade, que no futuro será um bairro importante. Mas 
d' aqui até esse tempo é preciso melhorar o barracão, e não é inútil a con- 
strucção de outro, attendendo-se aos preceitos da hygiene militar. 

Tratando do quartel, do cemitério e da prisão, falíamos também de 
toda a cidade em geral, repetindo o que em outro logar dissemos, e que 
não cessaremos de repetir emquanto notarmos a mortalidade que houve 
em 4869. 

A ilha é rica bastante para poder melhorar de condição, perdendo a 
má fama que adquiriu, e mostrando o que é, o que pôde e o que vale. 



QUARTÉIS, PRISÕES, CEMITÉRIOS E PRÉDIOS DA CIDADE 193 

Não queremos utopias ; pedimos o que é exequível. Terminaremos este 
capitulo com o seguinte excerpto da hygiene publica, de Macedo Pinto, 
pag. 526 e 525 : 

« É necessário um regulamento de policia urbana, no qual se defina 
bem a intervenção das differentes auctoridades, e se especialisem os di- 
reitos e obrigações dos particulares, quanto á edificação e reforma das 
habitações, á limpeza publica e particular, ao uso de aguas e banhos, aos 
focos de combustão e illuminação, á ventilação e desinfecção, etc. Não 
urge menos crear empregados technicos, que fiscalisem o cumprimento dos 
regulamentos de policia urbana ; pois, como todos sabem, não vale menos 
a saúde que a propriedade. Alem dos inspectores de saúde deve haver em 
cada município um conselho de salubridade, que resolva logo os negó- 
cios mais fáceis, e consulte o conselho de saúde sobre os mais graves e 
difficeis. 

«A administração municipal envolve questões hygienicas tão importan- 
tes como espinhosas, as quaes releva estudar mui seriamente, porque 
para bem administrar não basta só querer, é mister saber.» 

— «É de absoluta e urgente necessidade que se mande tirar a planta 
de cada povoação no seu estado actual e o plano das reformas de que por- 
ventura careçam sob o respeito da salubridade, aformoseamento e commo- 
didade publica. Aos municípios (em S.jThomé ha um só) deve encarre- 
gasse a execução d'este plano, que não poderão alterar, salvo se as 
modificações que propozerem forem approvadas por uma commissão, 
que deverá ser composta de vogaes dos dois conselhos, de saúde e obras 
publicas. Em cada districto deverá residir um constructor hábil, estabe- 
lecendo-se-lhe um partido, não só para dirigir nas povoações as respecti- 
vas obras publicas, senão também para fiscalisar as edificações particulares, 
e d'este modo os cidadãos terão perto pessoa idónea, que lhes planise 
as suas obras. O governo deve obrigar as camarás desleixadas a execu- 
tarem as obras reconhecidamente necessárias para a salubridade publica, 
ajudando-as com fundos emprestados e outros meios. » 

Na ilha de S. Thomé são tão necessárias como urgentes as medidas 
apontadas, devendo ser modificadas segundo as circumstancias. Recla- 
ma-o a insalubridade incontestável da cidade, de muitas villas, de todos 
os edifícios públicos e particulares ; exige-o a riqueza e fertilidade da ilha, 
onde se começam a sentir os benéficos effeitos do progresso e da civili- 
ção. O estado de insalubridade em que se acha a cidade não deve conti- N 
nuar ; mandar para S. Thomé levas de sentenciados é o mesmo que con- 
duzil-os á morte. De 27 degradados que entraram n'esta ilha em 1863, 
apenas existem 6 ! ! 



13 



capitulo vm 



I . Les cooditions de lenr déreloppement eodémiqae (des fièrre* des 
manii) rásidant usencbUemeat dais le aol ; e'«tt da sol qm u ÍbU la 
propagation da miasma. 

(W. Griêsinger, traduzido por 6. Lematlre, Ifofafcf inftetteutet, 

1868.) 
8. Les localiléí sentes, earisagées sous le rapport des caractere» èy. 
drotelluriqnes de lear sol, donoeat la raisoo de leor règne eodémiqae. 
3. Ge n'est pas la meteorologia que régie la repartition dei eodamie*. 
(A. F. Dotroolao, loc, cit., pag. 116 e 118.) 



Não se pôde estudar e conhecer a pathologia de um paiz, sem ter co- 
nhecimento exacto da sua geologia, geographia e meteorologia, incontes- 
tavel verdade enunciada na epigraphe d'este capitulo. À influencia dos 
phenomenos meteorológicos é antes a condição do desenvolvimento mias- 
matico, do que a origem das graves moléstias que apparecem n'esta ilha. 
Faltam-nos os estudos geographicos e meteorológicos * ; nao podemos 
portanto determinar com rigor a causa prima, determinante das ende- 
mo-epidemias *, das moléstias endémicas e das epidemicas. Temos factos 
clínicos bem observados que servem para estatísticas ou para caracteri- 
sar uma ou outra epocha ; representam o material para a construcção de 
um ediflcio 3 que ainda não tem alicerces. 

As doenças são effeitos de causas que variam muito ; a sua intensidade 
diminue com a modificação das suas causas. Provam-no os factos obser- 
vados, demonstrando a importância dos meios hygienicos. É portanto 



1 Náo queremos dar pouca importância ás observações meteorológicas do dr. Lú- 
cio Augusto da Silva. Foram realmente limitadas ; comprehendem uma estação com- 
pleta e parte de outra, começando na estação das ventanias e acabando no principio 
da estação cbuvosa; mostram a boa vontade que aquelle medico tinha de ser útil á 
colónia de S.Tbomé. 

2 As endemo-epidemias coincidem 'côm a mudança das estações, e sao conheci- 
das aqui vulgarmente pelo nome de carneiradas, como já dissemos. 

3 Torna- se urgente um livro, onde se descrevam e apontem todas as causas de in- 
salubridade d'esta ilha, e as regras de hygiene mais próprias para os empregados è os 
colonos resistirem ás moléstias endémicas, e especialmente ás endemo-epidemias que 
apparecem depois dos mezes das chuvas. 



196 CAPITULO Vlfl 

claro que o estudo das doenças d'este paiz não será completo, emquanto 
se não* conhecer a natureza e origem cTellas e os meios de as debellar em 
qualquer ponto da sua evolução. 

Para um summario pathologico de S. Thomé, basta transcrever o que 
a tal respeito se encontra no relatório, já muitas vezes citado, do dr. José 
Correia Nunes : 

«Ha n'esta ilha duas estações em cada anno: a estação das chuvas, 
e que igualmente é a mais quente, começa no mez de outubro e acaba em 
maio. O thermometro de Farh. sobe a 100°. A estação secca, chamada 
das ventanias, que corre de junho a setembro, é a mais saudável, espe- 
cialmente, para os europeus. A temperatura atmospherica é então mais 
baixa, e o sol,, sendo quasi encoberto por nuvens, não é tão prejudicial 
pela sua acção sobre o organismo. O estado barometrico e hygrometrico 
varia nas duas estações ; a pressão atmospherica e a humidade do ar at- 
tingem o seu máximo na estação pluviosa. Carregada a atmosphera de 
densas nuvens impellidas de leste e do sueste pelos ventos que dominam 
n-aquelles dois quadrantes, e impregnada de bastantes descargas eléctri- 
cas produzidas por numerosos relâmpagos e queda de grande quantidade 
de raios, exerce sobre os habitantes a mais nociva influencia, que, com as 
evaporações miasmaticas provenientes dos depósitos das aguas da chuva 
e dos detritos animaes e vegetaes, desenvolvem n'essa quadra as terríveis 
febres endémicas, as irritações gastro-intestinaes e outras affecções do 
apparelho digestivo. 

«As doenças endémicas no paiz são as febres intermittentes, quotidia- 
nas e terçãs, raras vezes as quartas ; as remittentes, biliosas e, não poucas 
vezes, typhoides e perniciosas, as diarrhéas, as dysenterias, a sarna e as 
ulceras das pernas. 

«As febres intermittentes nos seus differentes lypos atacam mais par- 
ticularmente os europeus, e são mais violentas na estação quente e chu- 
vosa. São muitas vezes consequência d'ellas as hepatites, splenites e gas- 
tro-enterites. 

«O tratamento d'estas moléstias pouco differe d'aquelle que se em- 
prega na Europa. 

«São eventuaes ou devidas á mudança de estação as bronchites, la- 
ryngites, pericardites, pneumonias e pleurizes, que apparecem na estação 
fresca, das ventanias, e atacam de preferencia os indígenas. 

«Alem d'essas doenças, que são peculiares ao paiz, observam-se quoti- 
dianamente na pratica algumas doenças que são frequentes na Europa, 
como consta dos mappas nosologicos do hospital militar 1 . 

1 Os mappas nosologicos são mensalmente' publicados desde 1861, no Boletim 
official, e remettidos para o conselho de saúde naval. Consultámos um por um desde 



DOENÇAS Í97 

«Na pratica civil poucas occasiões tem o medico de intervir no trata- 
mento das doenças da maior parte dos indígenas, porque estes attribuem 
geralmente os seus padecimentos a feitiços e bruxarias, e por isso só se 
entregam nas mãos dos curandeiros ou mesinheiros, de que ha grande 
numero, fazendo elles disso uma espécie de sacerdócio hereditário, que 
passa de pães a filhos. 

«Pequena é a diferença entre as desordens orgânicas que se manifes- 
tam nos indivíduos da raça preta e os da raça branca, salvo n'aquellas 
que affectam a pelle e comparativamente na intensidade dos symptomas 
mórbidos. Sendo n'aquelles as funcções secretorias e excretorias da pelle 
mais activas, é necessário empregar estimulantes e detersivos mais enér- 
gicos que nos europeus. 

«Entre as doenças privativas da raça preta mencionarei como mais 
notáveis as seguintes : boubas ou pian de Aliber, sarna, ulceras phagede- 
nicas, lethargo ou somnolencia. » 

Eis-ahi uma exposição summaria das doenças que se observam na 
ilha de S. Thomé. Hoje, como em 1865, não ha que acrescentar ao qua- 
dro que se acaba de ler ; mas esta exposição tão breve como concisa e 
importante, não tem merecido a devida attenção. 

Attentemos no seguinte facto. 

De junho a setembro a estação é relativamente boa, e só dentro d'essa 
quadra deviam chegar a S. Thomé os .europeus ; tem-se dito isto mesmo 
por varias vezes, não obstante vemos chegar levas de degradados desde 
outubro até maio, os quaes, senão adoecem logo, soffrem as inclemências 
de uma estação péssima e pouco depois dão entrada no hospital ; muitos 
d'elles nem um mez vivem na cidade de S. Thomé ! 1 

Ao expor o quadro das doenças que se observam na ilha, nomeando 
as eventuaes e as endémicas, distinguindo as que são peculiares dos indí- 
genas, e as que apparecem nas differentes estações, julgámos do nosso de- 
ver insistir em demonstrar o risco que correm aquelles que são obrigados 
a vir para este paiz na estação em que reinam as febres mais graves, mais 
intensas e mais frequentes; foliaremos depois acerca dos tratamentos 
mais usados, chamando a attenção para os meios preventivos e hygieni- 
cos, como agentes muito poderosos da therapeutica em S. Thomé e nos 
paizes quentes 4 . 

1865 pára servirem de base aos mappas que apresentámos. O mappa n.° 1 enumera as 
moléstias observadas em 1869 no hospital militar de S. Thomé. 

1 «Cest en Afrique .et dans les deux Indes que la médecine préservative est peut- 
étre la plus necessaire.» (Jacques Lind.) 

Ahi fica a indicação da medicina, que se deve applicar em S. Thomé. Sem ella 
não poderá prosperar esta colónia, nem a do Príncipe e a de Ajuda, e talvez a do Am- 
briz, Benguella, Bissau, Cacheu, e algumas co)onias de Moçambique. 



198 CAPITULO VIU 



II 

As condições topographicas do pais e as condições pbyskas e moraes 
dos habitantes téem milita influencia na pathologia da região que se de- 
seja conhecer. que deixámos dito mostra claramente que nos faltam 
ainda os recursos que do detido estudo d'ellas poderíamos obter. É grave 
a falta, bem o sabemos e confessámol-a, para que se trate com urgência 
de a remediar. 

As doenças epidemicas ' e contagiosas felizmente não téem flagellado 
esta ilha. Não nos devemos por isso demorar em considerações a este res- 
peito. 

NSo pretendemos fazer um tratado clinico ; expomos apenas a neces- 
sidade de se proceder aos estudos próprios, não só para se estabelecer 
a colonisação regular, sacrificando poucas victimas *, como também para 
se dirigir convenientemente a aclimação dos colonos. 

Que as doenças endémicas de S. Thomé não resultam todas da into- 
xicação miasmatica, é evidente. 

O europeu passa de um clima temperado para um clima quente, e tem 
de sujeitar-se ás influencias do novo meio em que vae viver. Originam-se 
d'ahi as moléstias de aclimação, a qual não poderá effectuar-se em toga- 
res pantanosos 3 . 



1 «A ilha de S. Thomé é das nossas colónias de Africa talvez a que tem sido mais 
favorecida pela providencia nas grande calamidades epidemicas que téem devastado 
diversas partes do globo, e creio intimamente que, se não fossem as próximas relações 
em que se acha com a província de Angola, não teria soffrido a epidemia de bexigas 
que ultimamente a assolou.» (Dr. J. G. Nunes, relatório citada) 

Em 1869 não se notou no hospital caso algum de febres perniciosas ictéricas, 
que são as mais graves d'esta ilha, nem nos consta ter havido casos de peste, de 
cholera e de febre amarella ou de typho. 

* Causa impressão bem dolorosa o facto que citámos, narrado por Jacques Lind, 
assim como as mortes repentinas de negociantes e empregados. 

Em 1869 morreram, pouco-tempo depois de desembarcar, alguns degradados. As* 
sistimos a três d'estes casos, e não duvidámos por isso do que disse Jacques Lind. Ve- 
ja-se omappa necrologico dos governadores de S. Thomé desde a fundação da colónia 
até 1869. 

3 Les influences auxquelles 1'homme se trouve exposé dans les régions voisine* de 
Féquateur sont de jiature três diverge et doivent étre soigneusement distinguées. Les 
unes, inhérentes au climat lui-méme, telles que la température, 1'humidité ou la séche- 
resae, etc., agissent sur Forganisme d'une manière incessante et lui impríment dans 
un temps donné une modification déterminée, les autres, appartenant spécialement à 
telie ou lelle localitó et d'une nature toute parliculière, produisent des effets plus ou 
moinsdólétères auxquels rhomme peut resistir, mais auxquels il ne s'habitue pas (Gelle); 
ce sont les miasmes. Cest pour avoir confondu ces deux ordres d'influences que quel- 



DOENÇAS m 

— As doenças de aclimação são mais ou menos graves» segundo o 
modo de vida, de alimentação e muitas outras circumstancias, que pão é 
preciso enumerar. 

Esta classe de moléstias comprehende a cacheiia tropical, chloro-ane- 
mia, anemia tropical, embaraço gástrico, prisão de ventre, diarrhéahilipsa, 
licben tropicus, urticaria e outras dermatoses. A estas moléstias de pouca 
gravidade, mas de muito incommodo, temos a acrescentar as que dizem 
respeito ao fígado, que podem ser muito graves. As doenças biliosas ob- 
servam-se frequentemente em S. Thomé, e formam uma classe importante. 

As bronchites não são raras na mudança das estações, especialmente 
nos indígenas. A tísica é muito rápida e ass&s frequente. Vejam*se osraap- 
pas nosologicos. 

— As doenças palustres são frequentes e graves; em alguns jnezes, 
porém, ha d'ellas poucos casos, principalmente no tempo das ventanias. 
N'esta quadra são as febres intermittentes benignas, emquanto que desde 
outubro a maio ou junho tornam-se mortaes em poucas horas 1 1 

Este grupo de moléstias pôde diminuir e ser muito modificado pela 
hygiene. 

— Alem d'estes dois grupos devemos considerar um terceiro, com- 
prehendendo todas as moléstias que não entram nos antecedentes, as 
quaes podem atacar o individuo tanto n'um clima temperado como n'um 
excessivo ; a paraplegia, as febres typhoides, a tísica, a pneumonia, os 
aneurismas, etc, estão n'este caso. 

Esta classificação é artificial, e tem unicamente por fim apresentar com 
alguma clareza o encadeamento das moléstias a que se expõe quem deseja 
viver em S. Thomé ; não é scieritifica, nem propriamente clinica ou pra* 
tica. Desejando descrever o reino pathologico da ilha de S, Tbojpé, pro- 
curámos o meio que reputámos mais commodo e natural. 

m 

Alguns indivíduos, embarcando em Lisboa no dia 5 de outubro, che- 
gam a S. Thomé no fim d'este mez, pouco mais ou menos. Nos primeiros 

quês auteurs ont nté d'une raanière absolue Ia possibilito de 1'acclimatement das eu- 
ropéeni dans les pays cbauds. II faut bien reconuaitre qu'ea fait et pour 1'hygiòne pu- 
blique surtout, U n'est pas toujours possible de faire la distinGtioit. Cependant la ques- 
tion se réduit, dans le second «as, à une question de salubríté três distincte de 1'accli- 
matement. (A. Tardieu, Dietionnaire d'hygiène publique et $alubriié, Paris, 1861) 

Em 8. Tbomé no estado actual, 1869, não é possível dar-se a aclimação da famí- 
lia; o individuo ha de resistir, mas não acljmar-pe. A ilha é essencialmente palustre. 
Vejam-se os respectivos mappas, e por elles se poderá ajuizar da frequência das doen- 
ças paludosas. 



200 CAPITULO VIU 

dias passam bem. Não ha limites que determinem este período, que está 
dependente de certos meios hygienicos e de certos recursos, que uns po- 
dem obter e outros não. 

Se um recemchegado passa sem padecer" sessenta dias, não pode isso 
servir de norma para outro. Em condições regulares ha alguns que téem 
passado quatro mezes e outros seis sem doenças graves, mas não deixam 
de soffrer mais ou menos de febres ephemeras, anemia, prisão de ventre 
ou diarrhéa, lichen tropicus, urticaria, furúnculos, eczema e de outras 
erupções cutâneas. São effeitos do aclimamento individual. O individuo 
acha-se collocado n'um meio differente d'aquelle em que viveu, e tendo 
o organismo de se accommodar a esse meio, apparecem reacções, que se 
manifestam geralmente d'aquelle modo. 

Entre as doenças de aclimação apparecem com pertinácia os furúncu- 
los; nunca se manifesta um só, e mostram uma singular predilecção pelas 
articulações 4 . O lichen europeu não é grave, mas é de um incommodo 
atroz ; complica-se ás vezes de eczema, especialmente nas superficies que 
se acham em contacto. 

O embaraço gástrico nem sempre apparece desacompanhado de febre 
paludosa, porque o envenenamento miasmatico vae-se fazendo a pouco e 
pouco ; e, segundo a resistência individual, os seus effeitos são differen- 
tes, a sua evolução é simples, complicada ou perniciosa. 

A febre paludosa ou de quina 8 pôde ter intermittencia, remittencia 
ou continuidade, e ser complicada do elemento bilioso, gástrico, conges- 
tivo, etc, etc. São as resistências individuaes que tratam de dominar um 
ou outro dos variadíssimos elementos de complicação de que se cerca 
aquella febre paludosa. 

Ás febres miasmaticas não se declaram em todas as pessoas dentro 
do mesmo período; no mesmo caso está a anemia tropical e algumas 
perturbações digestivas. Com os primeiros accessos intermittentes so- 
brevem quasi sempre embaraço gástrico, anorexia e um incommodo in- 
definido, falta de forças e, finalmente, anemia palustre. 



1 Estando em serviço na ilha do Príncipe, no mez de abril de 1868, tive onze fu- 
rúnculos ao mesmo tempo í Os soffrimentos eram dolorosos e havia febre. Conservei- 
me em dieta, e tratei os furúnculos localmente com emplastro de aquilão gommado. 
Os furúnculos foram abrindo espontaneamente; do centro tirava-se com uma pinça 
uma matéria esbranquiçada, um pouco dura, e tão consistente que saia em forma de 
fio. Nunca consegui verificar a existência do celebre verme de Guiné, devendo notar-se 
que é fácil confundir em muitos casos o carnegâto do furúnculo com um verme. 

(Nota do relator.) 

2 Julgámos absurda a denominação de febre intermittente, como synonyma de fe- 
bre paludosa miasmatica ou de quina; parece-nos regular a denominação de febre 
miasmatica, por comprehender todos os casos que se podem apresentar. 



DOENÇAS 901 

O estado anemico dos europeus desembarcados em outubro fica bem 
manifesto em janeiro e fevereiro, e o organismo predisposto para outras 
enfermidades. 

Áccessos intermittentes graves, pernicipsos francos 1 , dysenterias, he- 
patites, dores rheumatismaes e insomnias incommodam os europeus até 
á mudança da estação, que começa de abril a maio. Os colonos, os em- 
pregados europeus chegam a esta epocha descorados, abatidos, desgos- 
tosos, chloro-anemicos, devendo julgar-se muito felizes se nao têem de 
lutar com diarrhéas graves, gastro-hepatites, febres perniciosas graves, 
malignas 2 , etc, etc. 



IV 

Os meios hygienicos e preventivos poderão livrar o europeu de tantas 
e tao graves doenças? Podem. 

« Des soins hygiéniques bien entendus peuvent, nous le croyons, en 
combattant 1'action dépressive des pays chauds, conserver dans une cer- 
tame mesure ã Peuropéen la vigueur de sa constitution et cette force de 
résistance dont la privation le livre d'abord aux modifications de l'accli- 
matement, puis aux maladies du foie et de 1'intestin 3 ». 

No capitulo III indicamos as regras hygienicas mais profícuas; n'este 
fallaremos dos preventivos e da therapeutica. 

Os funccionarios públicos que desembarcam na ilha desde maio a se- 
tembro, resistem com mais vantagem á primeira quadra doentia, que 
apparece depois das chuvas do mez e outubro. Adiante vão os mappas es- 
tatísticos que julgamos necessários para clareza d'este assumpto. 

1 As febres perniciosas ictéricas não se declaram sem os europeus terem passado 
um período nunca inferior a um anno. 

Não temos estatísticas próprias, mas possuímos bons elementos para ellas se com- 
porem com bastante exactidão. 

Os casos observados em S. Thomé foram em indivíduos existentes na colónia ha 
quatro ou seis annos. Um europeu vindo de Lisboa no principio do anno de 1869 fal- 
leceu em outubro do mesmo anno; mas foi de todos os atacados o que resistiu por 
mais tempo; durou uns quinze dias, sendo medico assistente o chefe de saúde, asseve- 
rando que a causa determinante da morte não foi a febre perniciosa ictérica. 

Ha casos de morte em quarenta e oito e em trinta e seis horas ! ! 

2 Não ha febre perniciosa sem febre paludosa simples preexistente. A simplici- 
dade de uma febre miasmatica não é synonyma de benignidade; a febre pôde manifes- 
tar-se sem accidentes que perturbem a vida; é simples, mas pôde não ser benigna. É 
portanto evidente que, a perniciosidade não é a malignidade e reciprocamente. Em ge- 
ral pôde dizer-se que não ha doenças paludosas nos primeiros mezes da vida nos pai- 
zes tropicaes, seja qual for a posição dos europeus. 

3 M. R. U. Gestin, N* Annales des colonies, setembre, n.° 9, pag. 138. 



m CAPITULO VIII í 

• 

A feita de uma gaia medica torna-se sensível, pois tornaria bem co- 
nhecidas as causas de insalubridade, e serviria de incitamento para serem 
destruídas. Os hospitaes e casas de saúde não ficariam sem a protecção 
publica. 

Os habitantes são capazes de proteger os melhoramentos d'esta or- 
dem, comtantoque o governo tome a iniciativa delles e demonstre a sua 
utilidade e vantagens publicas. 

O estudo das moléstias endémicas envolve immediatamente o das suas 
causas. Vem a propósito fazer algumas considerações a este respeito. I 

O anno pathologico divide-se em duas estações bem distinctas. Esta 
divisão explica-se pela posição geographica da ilha e por muitos pheno- 
menos meteorológicos. Duas são também as estações do anno principaes. 

Á estação secca, das ventanias de junho a setembro, corresponde a 
estação pathologica relativamente boa. 

Á estação chuvosa, quente, desde outubro até maio", corresponde a 
estação pathologica má. 

A primeira é fresca; as moléstias são mais benignas. Não se declaram 
n'esta estação as endemo-epidemias, que tão fataes são para os europeus ! 

A segunda estação é péssima. Desenvolvem-se durante ella erupções 
cutâneas de varias espécies, sendo singularissima a circumstancia de pre- 
dominarem os furúnculos; as bronchites chronicas, entre os indígenas, 
tornam-se fataes; apparecem os casos de febres perniciosas ictéricas, 
apoplécticas, comatosas, etc. ; manifestam-se as dysenterias malignas e 
outras moléstias graves; os mosquitos são insupportaveis, e a sua appa- 
rição pôde servir para distinguir uma estação da outra 1 . 

No meio de um calor intenso apresentam-se chuvas torrenciaes, tem- 
pestades continuas e medonhas, um continuado inverno. 

Na estação secca a temperatura é relativamente fresca, e o céu con- 
stantemente nublado e a brisa agradável. 

Os factos clínicos frequentes em uma estação faltam na outra ou ap- 
parecem muito modificados; mas as mudanças atmosphoricas, diz muito 
bem um sábio observador, introduzidas nas estações não geram novas 
doenças 8 , não trazem em si mesmas as febres malignas, nem a pernicio- 



1 «La multiplication des insectes est un signe non equivoque de la cotistitution 
putride de 1'air. La plupart des maladies pestilentielies qui règnent dans les étés plus 
cbauds de TEurope, sont annoncées par la » (M. Thion de la Chaume, traducçáo de J. 
Lind, nota do traductor.) 

* Na Revista mensal, Novos Annaes da marinha e das colónias, i0.° anno, 1858, 
lemos duas memorias acerca da influencia dos climas quentes sobre o europeu, uma 
escripta por M. R. Gestin, cirurgião de primeira classe de marinha, e outra por M. D. 
J. Daullé, cirurgião de marinha, á qual tem por titulo Cinco annos de observação me- 
dica nos estabelecimentos francezes de Madagáscar. Referkno-nos ha pouco a este sábio 



DOENÇAS 

sidade das espécies paludosas. A perniciosidade differe da malignidade, 
como já dissemos, embora seja difficil distinguir estes elementos graves 
quando seguem parallelamente ou quando se complicam. 

O tempo das ventanias passa sem apparecerem as endemo-epidemias. 

Os elementos da putrefacção — calor, humidade e talvez electricidade 
s3o muito activos desde o principio da estação chuvosa até ao fim ; sao 
maiores também as doses do veneno; correspondem-lhes por isso 
reacções orgânicas mais intensas; o equilíbrio falta, a morte sobrevem! 

Á infecção miasmatica corresponde ao envenenamento pelos gazes 
deletérios. Disse-o Dutroulau, e tem rasão. 

Á intoxicação paludosa é um facto observado na clinica de S. Thomé. 
Ha uniformidade de affecção, e é raro ler uma papeleta de um europeu 
doente no hospital militar, fosse qual fosse a moléstia de entrada, onde 
se não ache mencionado um ou outro accesso febril, que tenha sido tra- 
tado pelo sulphato de quinina. 

As febres intermittentes de* per si sem complicações e nos primeiros 
accessos nunca sao graves. O que se observa na ilha de S. Thomé é o que 
se nota também nas ilhas Cômoros, dos francezes. A respeito da patholo- 
gia d'estes climas, disse M. J. Daullé á : 

« Ce qui frappe tout d'abord, c'est Tunité d'affection. » 

As doenças principaes das ilhas que este escriptor observou a sao cau- 
sadas pela intoxicação paludosa, debaixo de todas as suas formas, com 
todos os seus typos, desde o accesso mais simples até áquelle que se 
termina em algiímas horas pela morte 3 . 

Assistimos á evolução das doenças dos europeus que entram em 
S. Thomé no principio de novembro. Falíamos em geral, e procurámos 
marcar com exactidão o apparecimento das moléstias de aclimação e as 



medico, cuja incontestável auctoridade temos visto citada por alguns auctores, sendo 
um d'elles Dutroulau, no capitulo em que falia da ilha Mayotta, a leste da costa de 
Africa, afastada do equador 12° e 31'. 

■ i M. J. Daullé, loc. cit, Décembre 1857, n.° 12, pag. 323. 

2 Mayotta e NossitBé são as ilhas de que tratou, sob o ponto de vista da patholo- 
gia, M. J. Daullé. 

«A França, diz Dutroulau, possue três ilhas nos mares de Madagáscar, Santa Ma- 
ria, Nossi-Bé e Mayotta. Escolhemos Mayotta, como mais importante, para traçar o qua- 
dro pathologico do clima d'estas colónias.» 

Sendo Mayotta uma ilha insalubre quando começou a ser colonisada, parece que 
hoje perdeu o seu mau clima, como se lê em Dutroulau ; é o que esperámos ha de 
succeder também na ilha de S. Thomé. 

3 Os primeiros accessos intermittentes são sempre simplices; a três accessos des- 
tes pôde seguir-se um pernicioso; as manifestações da infecção paludosa variam muito, 
e sem intermittencia difficilmente se descobrem. É por isso necessário muita pratica e 
muita prudência no exercício da clinica, principalmente nos paizes intropicaes. 



a* capitulo vra 

do envenenamento miasmatico; correm a par; o seu desenvolvimento 
faz-se muitas vezes parailelamente. Se o individuo não viver na cidade 
nem em localidade palustre, não sofire os effeitos das doenças miasmati- 
cas. 

Referímo-nos no que deixámos dito aos indivíduos que residem na 
cidade de S. Tbomé ou do Príncipe, e tomámos por base da nossa apre- 
ciação os degradados. 

Os agricultores, aquelles que estão em boas condições de vida, sof- 
frem menos. Os empregados em geral padecem muito ; não têem os mes- 
mos recursos, vêem apparecer boje o lichen, amanhã os furúnculos ; os 
vómitos biliosos sobrevem ás vezes com as primeiras reacções do orga- 
nismo para se adaptar ao meio em que se acha ; as forças vão diminuin- 
do ; o appetite falta ; os suores são abundantes ; a infecção miasmatica acti- 
va-se ; as doenças graves estão imminentes ! 

Quem vem residir em S. Thomé e no Príncipe deve saber que vem 
para um clima quente e incommodo ; mas soffrer as doenças que só exis- 
tem por incúria dos habitantes, é realmente doloroso e triste ! ! 

Às estatísticas dos governadores que morriam apenas chegavam a 
S. Thomé, e a d'aquelles governadores e empregados que escaparam á 
morte por haverem fugido das ilhas de S. Thomé e Príncipe, são docu- 
mentos incontestáveis das desgraças e perdas enormes que o estado tem 
tido por não se haver cuidado da aclimação segundo as regras da sciencia 
e da humanidade. 



O tratamento, tendo por base o sulphato de quinina, varia segundo 
as circumstancias ; muitas vezes pode este medicamento ser administrado 
sem que o precedam os purgantes, os emeto-catharticos ou os vomitó- 
rios. 

Os revulsivos são frequentemente usados com vantagem, mas o que 
muito importa ter em vista é o tratamento prophylactico e o emprego de 
meios hygienicos, com o fim de attenuar os accessos febris, e de pôr o or- 
ganismo em condições favoráveis para resistir ás febres e á anemia. 

Ás doses do sal de quinina são muito altas em relação ás que se em- 
pregam na Europa. Um accesso simples precisa de 24 grãos de sulphato 
de quinina, que se devem repetir por mais alguns dias. Nos accessos gra- 
ves, em adultos, chega-se a dar 1 oitava em cada dose. 

As pneumonias, as dysenterias, as hepatites e outras moléstias graves 
são tratadas por methodos designados nas pathologias mais conhecidas. 

Em S. Thomé não appareceu caso algum de cholera, de febre ama- 
rella ou de peste. 



DOENÇAS 905 



TI 



Instruoçoes praticas para o tratamento das doenças mais frequentes 

na costa oooidental de Africa l 

1.° 

Febres intermittentes — Estas febres apresentam geralmente dois ty- 
pos, quotidiano e terçao. No typo quotidiano os accessos febris appare- 
cem todos os dias a uma certa hora, percorrendo todas as suas phasesn'esse 
mesmo dia até á apyrexia (acabamento da febre). 

No typo terçao o accesso apparece em um dia percorrendo todas as 
suas phases, e reapparece no terceiro dia á mesma hora que no primeiro, 
deixando o individuo livre do accesso as vinte e quatro horas que entre- 
medeiam. 

Symplomas — Incommodo geral, dores contusivas pelo corpo, difi- 
culdade de andar, fastio, dores de cabeça, ás vezes náuseas ou vontade 
de vomitar ; assim passa o individuo dois ou três dias antes de ser obri- 
gado a cair na cama. Chegando este período (accesso febril) o individuo 
não se pôde pôr de pé, sente-se muito fraco ; tem fortes dores de cabeça, 
dos lombos, ás vezes vertigens, náuseas e vómitos, lançando matérias bi- 
liosas ; sente frio bastante forte, a pelle secca, seccuras de boca e muita 
sede; procura o abafo, cobrindo-se com bastante roupa; só muito depois 
começa a apparecer o calor, que é seguido de uma transpiração abundante, 
se a febre é franca e sem complicação. 

Note-se que no primeiro período (frio) a pelle está fria e secca, o pulso 
apesar de se achar deprimido é comtudo muito frequente ; no segundo 
período (calor) a pelle aquece ás vezes extraordinariamente, ha dor de 
cabeça, as fontes batem com força, a língua está secca e coberta de uma 
camada esbranquiçada e pegajosa com sabor amargo, o pulso cheio e fre- 
quente, chegando a contar-se nos adultos mais de cem pulsações por mi- 
nuto. 

No terceiro período (suor) o calor da pelle começa a diminuir, vae 
apparecendo a transpiração, e gradualmente desapparece a dor de cabeça, 
a seccura da boca, até que se estabelece uma transpiração abundante, que 
deixa o individuo debilitado, mas podendo levantar-se da cama ; o pulso 
volta ao seu rithmo normal, e o doente pôde tomar algum alimento. 



1 O tratamento que descrevemos serve para os doentes se guiarem quando faltarem 
de prompto os soccorros médicos, como tantas vezes succede n'estas paragens. A junta 
de saúde divulgando o conhecimento d'aquellas moléstias e do seu tratamento regular 
tem por fim pôr um obstáculo aos abusos dos curandeiros, que tâo prejudiciaes sâo 
n'esta ilha. 



m CAPITULO VIII 

Tratamento — Logoque o individuo comece a sentir-se incommodado 
pelos symptomas que indicam a invasio da febre, não deve mais expor- se 
ao sol nem ao sereno ; pelo contrario será prudente recolher-se á cama, 
e fteer frieções de aguardente camphorada com quinina sobre a espinha 
dorsal, braços e pernas, a fim de promover a transpiração, limitando-se 
ao mesmo tempo a uma dieta ténue, ou quasi absoluta : para as dores 
de cabeça applicará sobre a testa pannos molhados em agua sedativa, e 
nas barrigas das pernas porá cataplasmas de mostarda feitas ém agua fria, 
e beberá chá de flor de sabugo, de folhas de laranjeira ou de cascas de 
limão, bem quente. 

Se, não obstante aquelle tratamento, as dores de cabeça e do corpo 
continuarem ainda muito fortes, deverá applicar quatro ou seis ventosas 
sarjadas aos lados da espinha dorsal. 

Em seguida tomará um laxante de sal amargo (1 1 /% onça) ou óleo 
de rícinos (1 a- 2 onças). 

Logoque tenha acabado o accesso torna-se proveitosa a appUcação do 
sulphato de quinina, que é o remédio especifico para combater a febre ; 
á /j oitava de sulphato de quinina em três doses é geralmente suficiente 
para cortar a febre. 

Logo depois de acabado o accesso deverá o doente tomar 12 grãos 
do mesmo sal dissolvido em { /i quartilho de limonada sulphurica, ou 
de limão, ou envolvido em hóstia ou finalmente em pílulas ; duas horas 
depois d'esta primeira dose tomará segunda, igual á primeira, ficando a 
terceira dose reservada para ser tomada uma hora antes da hora em que 
tem de apparecer o novo accesso. 

Quando a febre è precedida ou acompanhada de náuseas e vómitos e 
de muito mau gosto de boca, é muito conveniente, em logar do laxante, 
um emético, e quando ao mesmo tempo ha embaraço intestinal deve ap- 
plicar-se um emeto-cathartico. 

Emético — Ipecacuanha em pó 48 grãos 

Tártaro emético 2 » 

Misture e divida em três partes iguaes. 

Não se podendo obter esta formula, basta a seguinte : Tártaro emético 
4 grãos, divida em três partes iguaes. 

Toma-se uma dose do remédio dissolvido em pequena porção de 
agua, e a segunda dez minutos depois. Se com esta apparecerem vómitos, 
bebe- se agua morna, e continua-se emquanto se for vomitando bilis, até 
que a final o liquido vomitado venha claro ou o liquido ingerido no estô- 
mago produza o effeito purgante ; então tomará o doente um ou dois cal- 
dos simples até cessarem as evacuações, podendo n'este caso tomar al- 
gum alimento (canja de gallinha ou sopa). 



DOENÇAS MT 

Deve advertir-se que, se não tiver vomitado oom a primeira nem com 
a segunda dose, tomará a terceira, e bebendo frequentes copos de agua 
morna, diligenciará provocar os vómitos. 

O vomitório composto de ipecacuanha e tártaro emético é o que ae 
deve preferir na generalidade dos casos. 

O tártaro emético só poderá applicar-se aos estômagos fortes, ea ipe» 
cacuanha aos estômagos fracos, áquelles em que se receie hemoptyses. 

Emeto-cathartico — Compõe-se de sal amargo, 1 onça, tártaro emé- 
tico, 2 grios ; dissolva em agua fria, 1 quartilho, e divida em duas par- 
tes iguaes, para se tomarem com meia hora de intervallo. 

Depois de se ter obtido efeito do vomitório, tomasse o sulphato de 
quinina, do mesmo modo que fica dita para a sua applicação depois do 
laxante. 

2.° 

Febre perniciosa — Esta febre costuma ser algumas vezes a degene- 
ração de continuadas febres do typo intermittente quotidiano ; é sempre 
precedida de accessos ou de phenomenos symptomatícos da infecção pa- 
ludosa. 

O individuo sente, de súbito, grande frio, tremor do corpo, fortíssima 
dor de cabeça, frieza dos pés, das mãos e do nariz, anciedade, respiração 
difficil, dores no peito; alguns perdem os sentidos; a cor da pelle torna-se 
repentinamente amarella , esverdeada, o pulso quasi sumido, mas frequente ; 
manifestasse emfim quãsi instantaneamente grande alteração no rosto. 

É preciso acudir aos doentes com toda a presteza e diligencia, pois» 
que muitos succumbem no meio d'estes symptomas, no segundo ou ter- 
ceiro acGesso. 

Tratamento — Pediluvio quente com mostarda, fricções com aguar- 
dente camphorada, quinina e ammoniaco, (álcool camphorado, 1 onça; 
sulphato de quinina, 1 oitava; ammoniaco 2 oitavas; dissolva e ap- 
piique em fricções repetidas sobre a espinha dorsal) ; cáusticos na barriga 
das pernas e entre as espáduas ; clyster (cozimento de malvas, I quar- 
tilho; assafetida, '/» oitava; sal amargo, 1 onça; sulphato de quinina, 
dissolvido em algumas gotas de acido sulphurico ou de ether, '/* oitava); 
chá, bem quente, de flor de tilia ou de flor de sabugo, ou de folha de la- 
ranjeira com algumas gotas de espirito de nitro doce, para o doente beber 
de espaço a espaço, a fim de lhe promover a transpiração, e logoque esta 
se desenvolva dar-se-ha a quinina internamente ( 4 /a oitava em 7* quar- 
tilho de limonada sulphurica), que tomará em três porções de meia em 
meia hora. 

Logoque os cáusticos façam effeito, cortar-se-hão e serão curados 
com unguento basilicao e previamente polvilhados com sulphato de qui- 
nina* 



206 ' capitulo vin 

I 

A applicação interna do sulphato de quinina continuará no dia seguinte 
e nos outros, emquanto não desapparecerem os accessos perniciosos. 

Logoque o doente estiver livre de perigo, começará a dar-se-lhe al- 
gum alimento, e a restaurar-se-lhe as forças perdidas por meio de remé- 
dios tónicos, por exemplo, vinho quinado, infusão de quina e genciana 
aromatisada com tintura decanella ; pílulas de ferro, etc. 

3.o 

Febre typhoide — Esta febre, mais frequente na Europa do que nos 
paizes de Africa, costuma apparecer geralmente nos indivíduos que tendo 
tido frequentes febres intermittentes e outras doenças próprias do paiz, 
ficaram enfraquecidos e em tal estado de abatimento, que não podem 
resistir aos estragos orgânicos causados por essas doenças, que lhes pro- 
duziram uma perturbação notável no systema nervoso, por influencia 
dos effluvios miasmaticos ou pantanosos, que originam as febres endémi- 
cas. 

Symptomas — Dores de cabeça fortíssimas, alteração da physionomia 
com abatimento geral, entorpecimento mais ou menos profundo das fa- 
culdades intellectuaes, stupor, dificuldade em responder ás perguntas, 
delírio mais ou menos completo, agitação extrema, prostração de forças, 
vertigens, zunido dos ouvidos, epistaxis, boca pastosa e amarga, língua 
esbranquiçada e secca, pegando-se quasi aos dedos quando se lhe toca, 
muita sede, nenhum appetite, e em muitos casos náuseas e vómitos de 
matérias biliosas. 

O ventre está elevado, e sendo percutido sôa como um tambor; ha 
grande dor no umbigo, e sente-se uma certa bulha ao lado direito do ven- 
tre por baixo do fígado quando se lhe toca com a mão; o baço acha-se 
augmentado de volume, e o doente tem evacuações liquidas mais ou me- 
nos abundantes ; apparece finalmente sobre o peito e ventre uma erupção 
mais ou menos considerável de manchas vermelhas arredondadas, as 
quaes desapparecem tocando-se-lhes com os dedos. 

N'este mesmo período o doente tosse, expectóra com dificuldade es- 
carros grossos e acinzentados. 

O tratamento é todo symptomatico, e deve dirigir-se conforme o es- 
tado em que a doença se apresenta em cada um dos seus períodos; por isso 
deverão empregar-se as bebidas refrigerantes e acidulas no primeiro pe- 
ríodo da doença; convirá raras vezes uma sangria de braço, ou a appli- 
caçâo de ventosas escarificadas no período inflammatorio e delirante ; 
outras vezes estará indicado um vomitório ou vesicatórios nas barrigas 
das pernas. 

No segundo período, quando houver prostração e debilidade, deverão 
dar-se ao doente bebidas aromáticas e ligeiramente tónicas, como infusão 



DOENÇAS 209 

de quina, de genciana, tintura de canella, tintura de quina composta, al- 
guns grãos de camphora internamente, e também suiphato de quinina em 
doses pequenas mas repetidas. 

À diarrhéa combate-se com cozimento de arroz e gomma arábica ; co- 
zimento de raspas de veado com tintura de cato (4 quartilho de cozi- 
mento e V* on C a de tintura por dia) ; cozimento de raspas de veado com 
casca de simaruba ou de calumba (raspas de veado, á /a onça ; calumba 
ou simaruba, */* onça ; agua, 1 á /a quartilho ; ferva para ficar 1 quartilho e 
junte gomma arábica, 2 oitavas, deixe dissolvei: e côe). 

Dysenteria e diarrhéa. — N'estas moléstias aproveita o cozimento 
branco ou raspas de veado, 1 quartilho ; laudano liquido de Sydenham 
24 gotas ; misture. Para cada dia o mesmo cozimento com tintura de cato, 
1 quartilho para á /i onça ; o mesmo cozimento com tintura de quina com- 
posta, iguaes doses. 

Quando ha puxos com dores e pequenas evacuações de matérias san- 
guinolentas ou mucosas, é conveniente a applicação de um purgante de 
óleo de rícinos com rhuibarbo em pó, na, proporção de 1 onça de óleo 
e l /% oitava de rhuibarbo misturado ; em seguida empregam-se as pila- 
las de Boudin. 

Galomelanos, 12 grãos; ipecacuanha em pó, 24 grãos'; ópio, 4 grãos: 
faça doze pílulas para se tomarem três por dia. 

Outras pílulas : 

Ipecacuanha em pó, 24 grãos; extracto de ratanhia, 12 grãos; ópio, 
3 grãos; com gomma arábica, faça doze pílulas para se tomarem três por 
dia. 

Outras pílulas : 

Tanino em pó 12 grãos ; extracto de ratanhia, 12 grãos ; ópio, 3 grãos, 
para doze pílulas, quatro por dia. 

Semicupios mornos com cozimento de malvas ou de alfavaca de cobra. 

Hepatite. — Applicação de sanguesugas ou de ventosas sarjadas sobre 
a parte dolorosa; cataplasmas de linhaça ou de farinha de mandioca feitas 
em cozimento de malvas; purgante de calomelanos e rhuibarbo, 12 grãos 
de cada um para quatro pílulas, toma-se uma de hora èmhora; purgante 
de óleo de rícinos, 1 1 /% a 2 onças ; cozimento de cevada e grama 1 4 /a 
quartilho, contendo em dissolução 1 2 grãos de nitro em pó, para cada 
dia; cozimento de raiz de althéa 1 quartilho, com 1 grão de ópio ou 18 
pingos de laudano para tomar em um dia ; e finalmente um cáustico so- 
bre o fígado quando com a applicação das ventosas ou sanguesugas a in- 
flammação não tenha cedido. . 

Splenite. — Ventosas sarjadas sobre a parte inflammada ou endurecida; 

.fomentação com pomada de suiphato de quinina (1 onça de pomada e 

1 oitava de suiphato): óleo tfe amêndoas doces, ou óleo de meimendro 



Í10 capitulo vm 

negro ; e se o incommodo continuar, poderá convir a applicaç3o de um 
ou dois pequenos vesicatórios, sendo, depois de cortados, curados com 
unguento de basilicão misturado com sulphato de quinina; internamente 
tomará o doente pequenas doses de quinina ; 4 a 6 grãos por dia em 
limonada sulphurica ou de limão, ou em vinho branco generoso ; alguns 
purgantes de óleo de rícinos ou de sal amargo, de vez em quando, são 
também necessários no tratamento d'esta doença, que é geralmente a 
consequência de continuados ataques de febres intermittentes miasma- 
ticas. 

Alem da medicina activa devem esperar-se grande vantagens e recur- 
sos da medicina preventiva, que julgámos do nosso dever desenvolver 
neste relatório com toda a minuciosidade. 

As moléstias que se observam na cidade de S. Thomé e na do Prín- 
cipe differem das que se desenvolvem nas ilhas de Cabo Verde e em 
Loanda. Temos por muito importante o caracterisar bem a evolução del- 
ias, segundo as localidades. 



vn 



Cbaqae statton, caaqae réaideoce a »o* type (Tiosalabrité ot sa spo- 
rialilé pathogeniqne. 
(Micbel Levy.) 



Na ilha de S. Thomé ha moléstias que não se observam na do Prín- 
cipe, e nas cidades d'estas ilhas ha doenças que nao apparecem no seu in- 
terior. Chague résidence a sa pathogénie. 

Nas ilhas portuguezas do golfo dos Mafras encontram-se individuali- 
dades mórbidas com caracteres essenciaes, com symptomas particulares 
e com elementos mórbidos differentes d'aquelles que constituem as mo- 
léstias dos climas temperados. A pathologia colonial é muito complexa, 
particularíssima, mi generis, e não se encontra minuciosamente descri- 
pta em nenhum dos tratados de pathologia dos climas temperados; a sua 
therapeutica deve ser accommodada ás condições particulares, em que se 
manifestam as doenças. 

As principaes causas das moléstias graves e endémicas que são pecu- 
liares á cidade do Príncipe e á de S. Thomé estão na sua péssima situa- 
ção. Não é nosso propósito fallar contra a existência d'estes sorvedouros 
de vidas, a que com justiça se deve chamar grandes hospitaes, em que 
só ha convalescentes e doentes. N'esta condemnação não é justo, como já 
dissemos, envolver-se uma e outra ilha na sua totalidade. As colónias de 
Africa contéem terrenos salubres em extensão maior que todo o reino de 



DOENÇAS 111 

Portugal; é injusto dizer-se que em Africa só augmentam os cemitérios, 
como escreveu J. M. Boudin. 

Já demonstrámos que é péssima a situação das duas cidades. 

Ouçamos, a este respeito, uma auctoridade medica do século passado, 
que visitou Cacheu, S. Thomé e outros logares da costa occidental de 
Africa, em que ha colónias portuguezas. 

Disse Jacques Lind a respeito das povoações portuguezas de Africa e 
das moléstias que as infestam : «On n'est pas moins convaincu de leur 
profonde ignorance sur les vraies causes des maladies dans ces climats, 
quand òn considere la mauvaise situation des lieux qu'ils avaient choisi 
pour y fonder leurs établissements». Repetimos e repetiremos este tre- 
cho, que nos deve servir de lição. 

Jacques Lind disse a verdade. 

A cidade da ilha do Principe é realmente o typo da extravagância em 
objecto de construcções. Custa a conceber, sem horror, a pertinácia dos 
governos em obrigarem a viver ali os seus empregados f 

Ao ridículo das habitações, que na sua máxima parte são cubatas, jun- 
ta-se a péssima qualidade do terreno, o qual está sempre inundado, e 
tem sido classificado por todos os que o têem visto como lezíria, charco 
ou paul pantanoso f Os naturaes chamam-lhe poisou t — denominação que 
ouviram de certo aos francezes, que tanto têem frequentado aquella ilha. 

Uma superfície de um quarto de légua quadrado, cercada por mar e 
por dois rios que lhe correm aos lados, na- base de três montes, que se 
elevam a grande altura, afogada por um arvoredo enorme, luxuriante, 
infinito, é o logar em que têem de viver os colonos, empregados, agri- 
cultores e commerciantes portuguezes f ! 

As moléstias que grassam na leziria da ilha do Principe, a que por 
aberração do senso commum se chama cidade, faltam em muitos logares 
da ilha, e tornam-se ali gravíssimas muitas doenças, que n'oiitra parte 
não passam de leves incommodos I 

Na cidade de S. Thomé, mal collocada também, mais ampla e desafo- 
gada, ha moléstias muito graves e frequentes, e no interior d'esta ilha 
existem logares salubres em que se pôde viver regularmente. 

Abandonar estas duas povoações é applicar o melhor remédio prophy- 
íactico que se pôde aconselhar; e não se podendo, pelo menos presente- 
mente, fazer a devida applicação de tão bom remédio, tão fecundo e útil 
quanto de momentosa necessidade, recorra-se ao menos a todos os meios 
que possam melhorar a posição d'aquelles que são obrigados a viver 
n'estes inhospitos centros de população. 



142 CAPITULO Vm 



Flora pathologioa das ilhas de S. Thomé e Príncipe 

Primeira e principal arvore 
Doenças paludosas 

Febre perniciosaàcterica. — Esta gravíssima moléstia tem sido sem- 
pre fatal, tanto na cidade da ilha do Príncipe, como na de S. Thomé ; e 
com ella se confundem, muitas vezes, a febre biliosa dos aclimados, a 
icterícia, a febre biliosa grave, o typho icteroide, a celebre febre remit- 
tente biliosa dos paizes quentes, a febre endémica tropical e até a febre 
amarella f Esta confusão produz e tem produzido funestíssimos erros the- 
rapeuticos. 

O caracter fundamental da febre perniciosa ictérica é a infecção palu- 
dosa. O sulphato de quinina no principio da moléstia aproveita muito, 
mas depois da icterícia se declarar aggrava as mais das jvezes o estado 
do doente ; e se ha tendência para hemorrhagias, aquelle sal irritante 
activa tão grave predisposição, e concorre para o apparecimento da fu- 
nestíssima complicação, que tem feito dar áquella febre o nome de febre 
perniciosa hemorrhagica. 

É uma doença que tem feito muitas victimas nas cidades d'esta pro- 
víncia, e nenhuma, que nós saibamos, nos logares povoados no interior da 
ilha ; é portanto própria das duas cidades. 

O sulphato de quinina, destruindo o elemento paludoso no organismo, 
attenua os effeitos de tão devastadora doença, modificando-lhe a intensi- 
dade das suas manifestações e complicações. 

É preciso perscrutar bem as circumstancias em que se declaram as 
febres graves das duas cidades das ilhas portuguezas do mar de Guiné, 
e os symptomas que as acompanham n'um ou n'outro logar, no lito- 
ral, e distante d'elle, nos sítios baixos ou nas encostas dos montes e 
planícies bastante elevadas acima do nivel do mar ; d'esse exame resul- 
tam importantes e fecundos princípios para se estabelecerem regras pra- 
ticas, a fim de se fugir ás febres paludosas, terrível flagello d'estas ilhas. 

A endemicidade e a gravidade das febres paludosas dependem antes 
dos logares em que ellas se desenvolvem, do que da meteorologia ou da 
natureza da doença; a quantidadç do miasma absorvido e a sua quali- 
dade especial proveniente do seu foco determinam a intensidade da febre 
e a sua natureza ; a perniciosidade depende algumas vezes dos indiví- 
duos. 

As febres paludosas quasi sempre benignas complicam-se e são ag- 
gravadas por phenomenos que só figuram depois das febres se apossarem 



DOENÇAS 213 

do organismo, sem se lhes ter opposto algum obstáculo, quer seja indicado 
pela medicina, quer pela hygiene, quer pelas idiosyncrasias individuaes. 

Os elementos de perniciosidade, que podem aggravar as febres palu- 
dosas, são muitos e variados, e tendem quasi sempre a localisarem-se. 
Sem querermos fazer uma descripção minuciosa dos phenomenos obser- 
vados nas febres paludosas, parece-nos indispensável mencionar os se- 
guintes : 

Coma, carus, somnolencia, ataxia, delirio, convulsões, algidez, per- 
versão do suor, pervers5o da bilis, congestões, remittencia ou continui- 
dade, augmento dos elementos líquidos do sangue, nevralgias, etc, etc. 

O que se pôde chamar symptoma próprio das febres paludosas tanto 
pôde constituir uma grave complicação como ser elemento mórbido de 
perniciosidade. Estão n'este caso a intermittencia e o frio, o calor e o suor; 
constituem as manifestações principaes da febre, mas a sua perversão dá 
gravíssimos elementos perniciosos ; a febre perniciosa algida é a perver- 
são do frio, a comatosa a do calor, a diaphoretica a do suor, e a continui- 
dade ou a remittencia é a perversão da intermittencia. 

Na ilha de S. Thomé são frequentes as seguintes espécies : 

Comatosa, cachetica, intermittente, perniciosa, ictérica, remittente, etc. 

As febres paludosas sob todas as suas variadas e complexas formas 
têem uma única causa. Ha n'ellas etiologia determinada, commum, a 
mesma para todo e qualquer caso ; a expressão « symptoma » traduz-se 
por manifestações constantes, que não seriam graves se não fosse a locali- 
dade, a respectiva meteorologia e as disposições orgânicas dos indiví- 
duos. As complicações das febres intermittentesj localisando-se no baço, 
no fígado, na mucosa intestinal e no sangue, parecem formar moléstias 
distinctas, sem que realmente o sejam. 

As febres paludosas, em certos e determinados logares e em certo e 
determinado tempo, revestem-se da maior parte das complicações de que 
ha pouco falíamos. Os casos mais graves reinam nas cidades d'estas co- 
lónias desde novembro até ao fim de julho somente. 

Estes factos mostram quanto são judiciosos os conselhos dos médi- 
cos que mandam mudar os doentes do logar onde se expozeram á infec- 
ção paludosa. Insistiu n'isto Jacques Lind, a ponto de querer que hou- 
vesse na costa de Guiné, na foz do Senegal e do Gambia, navios próprios 
para receberem os doentes que fossem atacados das febres paludosas em 
terra ; e Griesinger recommenda como único meio preservador a retirada 
dos doentes para longe dos logares paludosos onde adoecerem. 

Depois do auctorisado testemunho d'estes sábios médicos não se 
deve encarecer a necessidade de uma classificação exacta dos principaes 
logares das nossas colónias de Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tho- 
mé e Príncipe. Aquelles onde as febres paludosas geralmente degeneram 



i tt cApmiiiO viu 

oo se complicam de qualquer symptoma grave, que as tornam quasí sem- 
pre fataes, não devem ser occupados pela tropa, pelos empregados e por 
quaesquer outros indivíduos que servem ás ordens dos governos. Cum- 
pre que estes resultados da observação e experiência sejam tomados em 
consideração, para não se votarem a uma morte quasi certa os servido- 
res do estado nas nossas colónias de Africa. 

As febres paludosas, que tendem a complicar-se por qualquer circum- 
stancia, reclamam a attenção do medico colonial, segundo a occasião em 
que elle as examina. O diagnostico não lhe pôde ser indifferente, e por- 
que a febre é paludosa não se deve prescrever o sal de quinina sem 
preparar o organismo para a sua absorpção. É por esta rasão absurdo e 
muito perigoso o conselho dado por David Livingstone, quando declarou 
que para se dar o sulphato de quinina era escusado desembaraçar o es- 
tômago de quaesquer matérias que o conspurcassem. Não só o medico 
deve assegurar-se com todo o cuidado da facilidade da absorpção do sul- 
phato de quinina, como ter em vista a dose, o tempo decorrido antes do 
accesso e o estado do doente. Pôde ser um erro prejudicialissimo o mi- 
nistrar o sulphato de quinina inconsideradamente ; o que se diz d'este 
medicamento diz-se do mesmo modo a respeito dos calomelanos, de que 
se tem feito panacea nas chamadas febres remittentes biliosas ! 

Vem agora de molde o recordar que foi officialmente recommendada, 
sem previamente haver sido examinada por alguma commissão de profes- 
sores, uma formula medica que apresentou um homem aliás notável e a 
quem a Africa deve muito. Referimo-nos ao celebre David Livingstone. 

A formula indicada por elle é do teor seguinte : 

Resina de jalapa U 8 grãos. 

Rhuibarbo 

Calomelanos. ) * , _ 

o i u 4. a • • a * * grãos. 
Sulphato de quinina . . j ° 

Misture muito bem e faça massa pilular. Cortam-se (Testa massa iO 
a 20 grãos, fazem-se, no caso de necessidade, pilulas com espirito de 
cardamomo, e toma-se aquella dose em vinte e quatro horas 1 

O auctor d'estas pilulas attribue-lhes grandes virtudes therapeuticas l . 

Esta formula, que archivâmos, é inexplicável e insustentável, e por- 
tanto prejudicial. 

E inexplicável, porque n'ella estão reunidas substancias cuja acção 
tende a fins diversos. O sulphato de quinina não exerce a sua acção antes 

2 Para nós apenas podem ter as virtudes therapeuticas que se obtéem dos calome- 
lanos e da jalapa. Nada mais, (Nota <k relatar.) 



DOENÇAS 3ig 

de ser absorvido, e precisa para isso de estar dentro do tubo intestinal 
nas circumstancias necessárias para se effectuar a absorpção, 

Os trabalhos do dr. Briquet a respeito do sulphato de quinina mos* 
tram que o tempo para se fazer a absorpção do sai de quinina depende da 
quantidade ingerida. O sulphato de quinina é tanto mais depressa absor- 
vido quanto maior for a dose. Note-se bem esta circumstancia. 

Clínicos consummados, como Grisolle, declarara que os effeitos cura- 
tivos do sal anti-periodico só se notam passadas algumas horas depois da 
introducção do sal no estômago 4 , 

A combinação (Testas duas asserções demonstra a inutilidade dos 
4 grãos de sulphato de quinina, dose esta que se não chega a tomar em 
vinte e quatro, horas ! 

A resina de jalapa é, como se sabe, purgativa, e do mesmo modo se 
devem considerar os calomelanos. Estas duas substancias reunidas ao sul- 
phato de quinina não perdem a sua acção, e perturbam necessariamente 
a fiincção da absorpção, tornando quasi impossível a entrada dos 4 grãos 
do sulphato de quinina na economia humana. 

A prova mais clara da absorpção do sal anti-periodico é a sua elimi- 
nação pela urina. As experiências do dr. Briquet contrariam o bom re- 
sultado que se podia esperar da formula de David Livingstone, aindaque 
n'ella entrasse a dose curativa própria. 

A formula de Livingstone, que o nosso governo recommendou para 
o tratamento das febres endémicas de S.Thomé e Príncipe, é insustenta* 
vel, porque a complexidade das formulas é prejudicial ou inútil, quando 
não ha uniformidade de acção curativa entre as substancias que as com- 
põem, e as formulas, em que entram substancias incompatíveis ou de 
effeitos oppostos, não devem ter existência em therapeutica, como effecti- 
vamente não existem. Os medicamentos, em geral, teem acção tanto mais 
enérgica quanto mais puros forem administrados. 

Nas ilhas de S. Thomé e Príncipe deve fugir-se de aconselhar medi- 
camentos incertos ou fracos, que ainda se conservam na matéria medica 
por um capricho extravagante da sciencia ! As moléstias aqui definem-se 
em poucas horas, e algumas vezes, em poucas horas, matam também. 
Será este o logar próprio para se tentar a experiência de formulas duvi- 
dosas ? 

Os preventivos são altamente reclamados, e felizmente já se pôde an- 
nunciar um efficaz preventivo contra as febres paludosas. O sulphato de 
quinina, inutilisando dentro do organismo o effeito do miasma, faz desap- 



1 A. Grisolle, Pathologia interna, 1865, vol. i, pag. 161 : «II importe, si Ton veut 
prevenir 1'accès que la dernière dose da médicament soit prise de douze à seize heu- 
res au moins avant 1'invasion probable de la fièvre». 



216 CAPITULO Vffl 

.parecer os elementos de perniciosidade, que, depois de se localisarem, 
constituem graves moléstias, que, ou se desenvolvem a par da febre pa- 
ludosa, ou a subjugam, e só de per si trazem a morte ! ! 

O sulphato de quinina nas febres paludosas, emquanto ellas não se 
complicam, é de um effeito heróico e infallivel, dada a sua absorpção e 
empregada a dose curativa conveniente. As doses variam de um clima 
para outro e até na mesma província ou na mesma cidade, como acon- 
tece em S. Thomé, onde nunca devem ser inferiores a 18 grãos. 

Convém determinar bem os elementos de complicação das febres de 
accesso, examinando com todo o escrúpulo os seus phenomenos principaes. 

A perniciosidade nas febres paludosas é menos grave, quando se 
apresenta franca, pura, característica; mas não acontece assim quando 
ella é complexa ou complicada. São muitas as suas complicações. 

A bilis. — A bilis é segregada em grande abundância sob a acção tro- 
pical, tendo o seu máximo exagero nos logares que ficam mais próximos 
ao equador, como a ilha de S. Thomé e a do Príncipe. 
. A cystis fellea não pôde conter o liquido segregado na sua totalidade, 
e por isso a máxima parte d'elle passa immediatamente para o duodeno, 
até durante a vacuidade do estômago. Este excesso de bilis é um dos ca- 
racteres fundamentaes da acção dos climas quentes sobre o organismo, e 
marca os primeiros passos para a aclimação. As diarrhéas biliosas ou 
os vómitos biliosos são as manifestações mais geraes e mais benignas, e 
uma d'ellas apresenta-se em primeiro logar a maior parte das vezes. Não 
é precisa a infecção paludosa ; existem por effeito climatérico. 

A actividade do fígado nos paizes intertropicaes é um dos factos ge- 
ralmente admittidos. F. L. J. Valleix, na Guia do medico pratico, vol. i, 
pag. 260, tratando clara e concisamente d'esta actividade extraordinária 
do fígado sob a acção dos climas quentes, disse : 

«Si un étranger arrive dans un pays chaud, il peut-être soumis rapi- 
' dement à toutes les influences de chaleur, d'humidité, d'intoxication pa- 
ludéenne, mais il n'aura pas la fièvre bilieuse 1 . Que si, au contraire, il 
y a fait un long sèjour, la suractivité des fonctions gastro-hépatiques s'est 
développée 2 ; une énergie inaccoutumée se manifeste dans 1'appareil bi- 
liaire, à tel point que le foie a pu, avec juste raison, être designe sous 
le norh de poumons des pays chauds. » 

A bilis é portanto a complicação mais geral das moléstias tropicaes; 
na febre perniciosa ictérica derrama-se por todo o organismo por tal 
modo, que o corpo se torna completamente amarello característico, che- 

1 É evidentemente a febre perniciosa ictérica. 

2 Nos logares em que faltem os miasmas paludosos, a perversão da funcção he- 
pática pôde dar origem á febre biliosa, mais ou menos grave. 



DOENÇAS 217 

gando a manchar de amarello os lençoes que o envolvem. Não fica no corpo 
uma só região, em que não haja a côr própria da bilis 1 É esta a prova ipais 
positiva da perversão da secreção da bilis e da grande quantidade d'ella, 
que em quarenta e oito horas o fígado segrega. Os vómitos são quasi 
constantes e as dejecções amiudadas, e o corpo apresenta-se fortemente 
carregado de bilis, embora se diga que só apparece sob a epiderme a 
sua parte corante. 

A bilis, tendendo sempre a complicar as moléstias endémicas das ilhas 
de S. Thomé e Príncipe, mostra a importância do diagnostico differen- 
cial entre a febre paludosa ictérica 4 , a icterícia, typho icteroide, febre ama- 
relia, febre biliosa grave, etc. Importa muito para a therapeutica este dia- 
gnostico differencial. 

O delírio, o coma, o somno, a somnoleftcia são symptomas de muitas 
outras moléstias, mas não deixam por isso de ser elementos de compli- 
cação nas febres paludosas; o coma é o mais grave ; é mais útil prevenil-o 
que dominal-o, para não atormentar o doente cruelissimamente, as mais 
das vezes sem o menor proveito. 

O delírio, de per si só, não é elemento grave ; começa e acaba com 
os accessos, e parece depender mais da susceptibilidade individual do 
que da perturbação do systema nervoso. 

O engorgitamento do baço é um elemento mórbido de complicação 
das febres paludosas, mas desapparece com a moléstia principal, e se ap- 
parece sem ser acompanhado de febre, cede ao tratamento anti-periodico. 

As congestões activas e as inflammações combatem-se pelos meios 
apropriados, independentemente do tratamento fundamental. 

Tanto os elementos perniciosos provocados pela intensidade de febre 
como os que se dão na ordem phenomenal do accesso febril — frio, calor 
e suor, precisam de muita attenção da parte do medico. Todos elles apre- 
sentam gravidade, e não só por si mesmos como por outras complica- 
ções que trazem .após si, entre as quaes as congestões são de certo as 
mais graves, apressam o termo da doença, e, quasi sempre, senão sempre, 
a morte. 

É também elemento de perniciosidade a profunda alteração do san- 
gue, que dá origem a uma moléstia gravíssima — a cachexia paludosa. 

É terrível está complicação da febre paludosa, que se torna sempre 
em moléstia grave, quando se manifesta e o individuo não deixa o foco 



1 Dutroulau comprehende n'um só grupo denominado «febres biliosas graves» 
todas as febres biliosas dos trópicos, mas a sua natureza é paludosa ou miasm atiça; 
eu admitto a existência de febre biliosa grave independente da intoxicação miasmati- 
ca, no que me afasto da opinião do sábio medico francez. (Nota do relator.) 



Mi CAPITULO VIII 

miasm atiço; e, como porta aberta para entrar esta doença, dedara-se a 
anemia paludosa com os primeiros accessos d'aquellas febres. 

É esta a arvore principal, mas não a única da flora pathologica das ilhas 
de S. Thomé e Príncipe. Assentam as suas raízes nas duas cidades onde 
se embebem de activos miasmas; o seu tronco forte e largo, a infecção pa- 
ludosa, sustenta variados ramos, as differentes espécies de doenças mias* 
maticas. É bem frondosa esta arvore pathologica. 

Os miasmas podem destruir-se fora da economia, não só nos pontos 
que lhes dão a origem, mas também quando se precipitam pelo arrefeci- 
mento do ar, e podem aniquilar-se dentro d'ella. 

As febres paludosas devem diminuir muito nas estatísticas nosolo- 
gicas da ilha de S. Thomé, quando accuradamente se seguirem os con- 
selhos da medicina. Não acreditar n'este resultado será descrer da 
sciencia. 

Já desappareceu a colicá vegetal, vae-se retirando o escorbuto, e não 
se observa, se não ha engano, o encantado verme de Guiné, etc, etc. 

Tirámos exemplos das próprias localidades de que estamos tratando, 
e poderíamos ajuntar óptimos e numerosíssimos exemplos do que se tem 
passado na Europa a respeito de graves moléstias. 

A Europa na idade media era o theatro em que se patenteava a peste 
com todo o seu terrível e assolador cortejo; no século xvn e xvra foi-se 
ella retirando, reduzindo e circumscrevendo a pouco e pouco até se ex- 
tinguir de todo. A historia medica da Europa apresenta-nos outros factos 
d'esta ordem. 

A chamada febre remittente não existe independente da febre palu- 
dosa, isto é, a evolução phenomenal d'esta complica-se e não dá apyre- 
xia completa. Devem portanto as remittencias ser estudadas como elemen- 
tos de complicação, que não existiriam se não existisse a febre de accesso, 
e por isso aconselhámos sempre o sulphato de quinina como base do tra- 
tamento. Os symptomas e a causa da febre remtffónfó.auctorisam o em- 
prego d'aquelle sal, e a pratica ao menos não dá occasião a admittir-se 
uma individualidade mórbida que a sciencia não pôde sustentar. 

A therapeutica deve estar em relação com o diagnostico ; onde este é 
incerto o remédio é de tentativas. Mal vae ao doente e á sciencia com esse 
methodo. 

Que diremos das febres larvées e das pseudo-continuas ? ! ! 

Eis-ahi denominações impróprias de uma sciencia racional e positiva 
como deve ser a pathologia; são falsas e muito prejudiciaes aquellas de- 
nominações. 

É muito melhor perscrutar, comparar e estudar do que admittir doen- 
ças de diagnostico incerto ou obscuro, dando-lhe denominações enganosas, 
e deixando os doentes á mercê de tentativas. 



poemas m 

Ha nas febres paludosas uma evolução mórbida característica, typo, e 
uma expressão symptomatiea variável, traduzida por manifestações que 
só uma pratica esclarecida e aturada ensina a distinguir, a classificar e a 
interpretar. Durante essa evolução mais ou menos complexa, notando-sç 
frio, calor, suor e intermittencia, remittencia ou continuidade, podem 
realisar-se localisações mais ou menos graves, segundo a natureza e im- 
portância dos órgãos. Antes ou depois d'ellas, no meio d'essa evolução 
característica, geram-se elementos de complicação que dão ás febres pa- 
ludosas aspectos diversos e formas variadas ; são muitas as suas espécies, 
modificando-se de localidade para localidade e de individuo para indivi- 
duo. É mais frequente em uma estação a febre algida, n'outra a perver- 
são do calor, n'uma outra a perversão das secreções, etc. 

Cumpre não esquecer a continuidade e a remittencia, que são modi- 
ficações da intermittencia ; a bilis que se derrama pelo organismo ; a ane- 
mia palustre que muitas vezes se declara antes da febre paludosa ; a ca- 
chexia, que segue uma e outra ; as congestões que se dão no baço, no 
fígado ou no cérebro ; mas não reputemos doenças distinctas estas ma- 
nifestações da febre miasmatica, porque não existiriam se ella não exis- 
tisse. Uma dor de cabeça, a insomnia, um phenomeno qualquer perio- 
dicamente reproduzido são muitas vezes a primeira manifestação da af- 
fecção paludosa. N'este caso não ha uma febre, ha uma doença palu- 
dosa. 

É preciso marcar outro elemento grave, o estado typhoide. A sua exis- 
tência é incontestável. 

Ouçamos a este respeito uma auctoridade medica ingleza, que esteve 
na ilha do Príncipe, em Fernão do Pó e no delta do Niger : 

«African fever may be divided into the continued, the remittent and 
intermittent, the first being the rarest and the last two the most frequent. 
Continued and remittent have some times degenerated into typhus icte- 
roides 1 .» 

- O embaraço gástrico em S. Thomé complica a febre paludosa a ponto 
de tornar o diagnostico obscuro. 

A arvore pathologica — doenças paludosas— tem origem determinada 
e conhecida. A sua evolução, manifestada por phenomenos característi- 
cos, faz-se segundo certas leis que se devem estudar ; é portanto inútil 
para a therapeutica e de mau effeito em pathologia crear entidades mór- 
bidas, destacar do curso de uma moléstia um ou outro phenomeno, uma 
ou outra complicação para se combater independente da causa determi- 
nante da moléstia principal. 



* Thomás Hutchinson, loc. cit, pag. 239. 



220 CAPITULO Vffl 

O sapientissimo medico allemão Griesinger no seu notável tratado de 
moléstias infectuosas 1 admittiu duas moléstias distioctas em pathologia, 
que denominou febre typhoide biliosa do Egypto, e febre recorrente, 
the relapsing fever, dos inglezes. 

Dever*se-hão procurar estas moléstias entre as complicações das fe- 
bres paludosas nas ilhas de S. Thomé e Príncipe ? 

Procurem-se embora, mas a therapeutica racional seja coherente com 
o diagnostico fundamentado. 

Aquellas entidades mórbidas, que téem assolado epidemicamente al- 
guns paizes da Europa, e que se confundiram algumas vezes com as fe- 
bres paludosas, não têem existência independente nas ilhas de S. Thomé e 
Príncipe ; parecem complicações da evolução mórbida paludosa. 

Temos dado seria attenção ao estudo da pathologia endémica compa- 
rada, porque a clinica em paiz completamente desconhecido torna-se dif- 
flcil, e em S. Thomé não está estudada a pathologia endémica. 

Ignora-se a meteorologia, a composição geológica do terreno, a flora 
e a fauna, e por consequência a natureza do clima. 

Os alumnos aspirantes a facultativos da armada e do ultramar devem 
ser iniciados na pathologia tropical (Jurante o seu curso de habilitação. 

O medico que exerce clinica em certa localidade deve conhecer muito 
bem a natureza das doenças que frequentemente ali apparecem ; tem de 
fazer estudo rigoroso e de gastar muito tempo, se n'essa localidade exis- 
tirem entidades mórbidas que nunca viu, em que nunca lhe fallaram, e a 
cujo respeito nada se escreveu. 

As individualidades mórbidas podem variar de logar para logar no 
mesmo paiz, mas essas mudanças não são muito notáveis ; de nação para 
nação fazem ás vezes mudanças importantes e características, que se não 
devem ignorar. Os médicos que têem residido sob os differentes graus 
de latitude, desde os círculos polares aos trópicos, quer ao norte quer 
ao sul do equador, têem dado minuciosas descripções das entidades mór- 
bidas que observaram ; o novo medico ao entrar n'um clima d'essas re- 
giões encontra o caminho explorado ; pode examinar, comparar, augmen- 
tar e aperfeiçoar. É trabalho difficil, mas não impossível. 

Dentro dos trópicos acontece o contrario. 

Sirva-nos de reforço o seguinte facto da historia medica de Africa. 
Attente-se bem n'elle. 

O douto Sydenham exercia clinica em Londres n' um dos melhores bair- 
ros, onde eram endémicas certas doenças inflammatorias, que cediam á san- 



1 Griesinger nâo descreveu a hepatite nem a dysenteria endémica como doenças 
infectuosas. 



DOENÇAS 22i 

gria e á dieta rigorosa. O sábio medico sangrava logo o doente, e de- 
pois o seu tratamento era quasi expectante. N'uma ou n'outra circum- 
stancia bem indicada dava um vomitivo, sangrava de novo e ficava de- 
pois expectante. 

Este methodo deu óptimos resultados nas mãos de Sydenham, no 
paiz em que elle residia ; factos clinicos bem auctorisados deram-lhe fa- 
ma ; períilharam-no e applicaram-no muitos médicos inglezes em alguns 
paizes de Africa, onde os seus resultados forçm desastrosos ! 

Este facto é eloquente. Não precisámos de nos auctorisar com outro 
para justificar a vantagem e necessidade da nossa afQrmativa 1 . 

As febres paludosas formam um grupo, no qual se devem estudar al- 
gumas moléstias importantes que se acham separadas d'elle com grave 
prejuízo da saúde e com'offensa dos principios da sciencia. 



1 Que modificações devem fazer os estudantes nas doutrinas que aprenderam? 

Deverá o joven medico colonial portuguez imitar, embora racionalmente, a medi- 
cina de Lisboa ou a das colónias francezas ou inglezas?! 

A pathologia interna de Huffeland, por onde se aprendia oficialmente em 1866, 
no Porto, e a de Grisolle que servia de expositor, são completamente deficientes env 
relação á pathologia endémica de S. Thomé e Príncipe; são incertas e erróneas para a 
pratica n'estas terras. É isto realmente digno de muita attenção. 

Um estudante, ao deixar os bancos das escolas, pôde immediatamente modificar 
ou substituir aquelles principios em que se iniciou? 

É possivel, mas não é fácil. Não se trata de um ou de outro methodo therapeuti- 
co, de uma ou de outra doutrina medica, de uma ou de outra doença; trata-se de uma 
pathologia original, de uma lherapeutica especialíssima e de climas differentes d'aquei- 
les em que o medico colonial residiu; tem portanto necessidade de estudar pathologia, 
matéria medica e hygiene tropical, se quizer exercer uma clinica que não seja assas- 
sina! 

A respeito das colónias portuguezas não sei o que haja escripto a respeito d'aquellas 
três sciencias, a não ser o exame de um ou de outro facto isolado ; nos livros inglezes 
nota-se grande divergência entre os seus auctores, e deparam-se doutrinas, que se não 
podem adoptar facilmente nas colónias portuguezas; nos francezes encontra-se littera- 
tura medica colonial, mas dizem os seus principaes escríptores: 

«II est peut de questions aussi obscures que la distinction des maladies fébriles 
des pays intertropicaux.» 

As doenças das colónias portuguezas não são conhecidas dos escríptores estran- 
geiros ; a prova (Testa asserção está no que se lé em alguns auctores, e com especiali- 
dade no seguinte trecho da Hygiene publica de Michel Levy : «A Loango et à Ben- 
guella les endémies sont une espèce de tarentulisme, la jaunisse et les cachexies bi- 
Heuses». 

Que deve fazer em presença d'este estado o medico colonial portuguez, que vem 
para as colónias exercer clinica?. . . 

Não se exija ao medico, ao sair das escolas, o que elle não pôde e não deve fazer. 
Se somente com muito estudo, com muita applicação, ouvindo-se professores sábios 



Mí CAPnULO Vffl 

À questão essencial está em que o diagnostico seja bem feito. 

À dysenteria nas ilha de S. Thomé e Príncipe desenvolve-se a par das 
doenças paludosas. No mesmo ponto, do mesmo foco saem miasmas dif- 
ferentes, que actuam no organismo por modos diversos, e até se compli- 
cam reciprocamente. 

Um miasma especifico produz o typho intestinal, e ha muitos casos 
hybridos, typhoide-perniciosa, achando-se estas duas moléstias no mesmo 
individuo, desenvolvendo-se ao mesmo tempo. 

A dysenteria também por exemplo apparece com febre intermittente 
no mesmo doente. 

A cholera-morbus é o effeito de um miasma que nunca produzirá a 
febre amarella. A peste é gerada por um veneno miasmatico muito diffe- 
rente d'aquelle que produz o typho. São factos incontestáveis. 

Ahi temos, portanto, arvores pathologicas bem definidas, de que não 
falíamos detidamente por não existirem n'esta ilha. 

A unidade e harmonia das manifestações mórbidas das doenças traz a 
simplicidade da therapeutica, e devem ser riscadas da matéria medica as 
descripções de muitas substancias completamente inúteis. Uma moléstia 
não pode ser bem conhecida sem se aferirem as observações feitas a res- 
peito d'ella, notando-se todas as suas modificações em relação ás differen- 
tes latitudes em que ella existir ou poder existir. 

Simplicidade e unidade na classificação da flora pathologica, simplici- 
dade da matéria medica e perfeição da therapeutica devem ser a norma 
d'estes estudos a respeito da medicina colonial. 

Vamos fallar da medicina preventiva. Nao queremos fiar-nos no nosso 
ideal therapeutico sem ouvir o que a este respeito escreveu Griesinger, 
medico allemão. É indispensável transcrever o que elle escreveu a tal 
respeito, por serem muito graves as palavras do seu traductor Lemattre, 
affirmando que está ali a ultima palavra da sciencia ! 

Ouçamos com attenção as palavras de Griesinger : 

«Muitas vezes todos os meios protectores (hygienicos) não dão resul- 
tado favorável, como se conclue dos desastres da expedição ao Niger em 
1841. As medidas hygienicas mais sabiamente calculadas (note-se bem 
isto) não salvaram da morte os estrangeiros que ousaram affrontar o delta 
do Niger. 



e distinctos, tendo-se examinado bons livros, se chega a conhecer a medicina dos cli- 
mas temperados, como se quer obrigar o medico colonial, a pôr em pratica princípios 
que não recebeu, regras que não viu estabelecidas, e doutrinas que nunca leu? 

O medico colonial precisa de aprender medicina colonial, antes de a começar a 
exercer, assim como o medico que se dedica aos paizes temperados aprende a medi- 
cina que lhes é própria antes de ser auctorisado a pratical-a. (Nota do relator.) 



doenças na 

a O uso prophylactico do sulphato de quinina continuado por muito 
tempo não deu resultado favorável ; em outras expedições pareceu ter 
alguma utilidade (Brison, Balfour, 1857); na viagem de Livingstone á Zam- 
bezia apenas se lbe notou fraca influencia preservadora. Nao deve pas- 
sar despercebido o facto que se dá entre os trabalhadores das fabricas do 
sulphato de quinina ; nao só são accommettidos de febres intermittentes, 
mas são ellas muito rebeldes ao tratamento. 

tO verdadeiro meio prophylactico a oppor á febre paludosa é a reti- 
rada do paiz miasmatico logoque a febre se declare. As creanças particu- 
larmente devem subtrahir-se ás influencias miasmaticas, pelo menos nas 
epochas mais perigosas do anno.» 

Ahi fica transcripto o que Griesinger escreveu. 

O livro de Griesinger, acerca das moléstias infectuosas, está magistral- 
mente escripto ; revela incontestavelmente perspicácia inexcedivel e vas- 
tíssima erudição ; com estes dotes pôde fazer-se um óptimo livro, mas não 
é isso que auctorisa a dizer-se que elle é a ultima palavra da sciencia I £ 
tanto é verdade que Griesinger foi menos exacto, que, apesar da sua vasta 
erudição, não teve conhecimento dos trabalhos de Tbomás Hutchinson 
acerca da expedição ao Niger em 1854. O que se passou n'esta expedi- 
ção é completamente differente do que succedeu na de 1841, e esta no- 
tável differença deve-se ao emprego do sulphato de quinina, como pro- 
phylactico. 

A affirmativa de David Livingstone a respeito da inutilidade do sul- 
phato de quinina como preservativo é errónea ou escripta ao acaso 1 . Um 
nome celebre vale muito, mas nada prova em assumpto experimental 

David Livingstone dava aos seus doentes de febres paludosas, o má- 
ximo, 3,34 grãos de sulphato de quinina; e o dr. Briquet demonstrou que 
a absorpção do sulphato somente se verifica, em todos os casos, quando 
a dose é superior a 5 grãos. É portanto claro que Livingstone não em- 
pregou a dose preservadora do sal anti-periodico, e muito menos a dose 
therapeutica. Em taes circumstancias a auctoridade do viajante inglez 
quebra-se de encontro aos factos bem observados, á experiência sabia- 
mente feita. 

«O uso diário do sulphato de quinina, escreveu David Livingstone, 
não é preventivo ; observei muitos casos de febre em indivíduos que apre- 
sentavam symptomas de quinismo.» 

As propriedades physiologicas e pathologicas de sulphato de quinina 



1 Communieaçâo á Sociedade Epidemologica de Londres, sessão do dia 3 de ju- 
nho de 1861, traducçâo impressa na imprensa nacional de Lisboa, e remettida para 
esta ilha em 1861. (Boletim oficial, n." 30 6 31, col. de 1861.) 



224 CAPITULO Vffl ' 

Dão auctorisam as palavras de Livingstone. Os symptomas do quinismo 
faltam muitas vezes no homem são l . 

Bouchardat' escreveu ás seguintes palavras : 

« Le sulfate de quinine, administre à dose modérée, ne cause que très- 
rarement des effets physiologiques apréciables et constants. » 

O que ahi se lé é exacto e fundamentado com factos incontestáveis. E se 
no homem se manifesta raras vezes o quinismo, no homem doente nem 
sempre apparece também, embora se empregue a dose conveniente . Ver- 
tigens, perturbações de cabeça, zunido dos ouvidos e perturbações da 
vista são os symptomas do quinismo no homem doente, que temos ob- 
servado em alguns no hospital de S. Thomé. 

A absorpção do sulphato de quinina pôde faltar, e a febre paludosa 
continuar a desenvolver-se; deve por isso o medico attender com escrú- 
pulo a qualquer das circumstancias seguintes : modo de preparação ou so- 
phisticação do sal empregado (passa por melhor o sulphato de quinina 
de procedência ingleza) ; elemento mórbido, que impede a absorpção e que 
é preciso combater para ella se effectuar; idiosyncrasia individual, que 
exige maior ou menor dose d'aquelle sal. Deve ter-se em consideração o 
diagnostico, que, nos climas essencialmente palustres, pode dar occasião 
a graves erros 3 . Em uma ou outra d'estas causas deve encontrar-se a ra- 
são da continuação de uma febre que se pretende defcellar. 

As doenças paludosas acham-se em geral bem estudadas, mas as es- 
pécies que apparecem, segundo as localidades, as localisações que durante 
a sua evolução se formam, e também as endemias que ellas complicam, 
tornam esta classe de doenças de muito difficil estudo, e pôde asseverar- 
se, sem receio de engano, que a maior parte das nossas colónias não fo- 
ram ainda a tal respeito convenientemente examinadas. 

Nas ilhas de S. Thomé e Príncipe convém o sulphato de quinina como 
preventivo das febres paludosas, e para isso estabelecemos as seguintes 
regras : 

l. a Todo -o individuo que se demorar nas ilhas de S. Thòmé ePrin- 



1 Eu tomei durante dezoito mezes, sem faltar um dia, 6 a 8 grãos de sulphato 
de quinina, em café com leite, ou sem leite, e nunca senti um só d'aquelles sym- 
ptomas, que se diz acompanha a absorpção do sal de Pelletier. 

Dos meus doentes recebia algumas vezes a informação de phenomenos, que eu fi- 
liava nos effeitos do sal anti-febril, quando receitava a dose therapeutica nunca infe- 
rior a 24 gráos. (Nota do relator.) 

2 Manuel de matière mèdicale, de thérapeutique et de pharmacie, 5.* ed., tom. i, 
pag. 392. 

3 Gombien de cas preteridus de gastro-céphalite, de gastro-enterite, de fièvre ty- 
phoide et autres maladies dont la terminaison funeste aurait pu étre conjurée par un 
diagnostic pius exact de leur nature étiologique! (Dutroulau, loc. cit., pag. 234.) 



DOENÇAS 225 

cipe, durante dois a seis mezes, deve tomar todas as manhãs 6 a 8 grãos 
de sulphato de quinina, dissolvidos em uma chávena de café ou em um 
cálix de vinho. 

Oppõem-se a esta pratica as dores do estômago, as saburras e com 
especialidade o enjoo, que se sente ás vezes, ao levantar da cama, prove- 
niente de alguma bilis que passou ao estômago. N'este caso é preciso não 
sair de casa se o enjoo augmenta, e que as mais das vezes é passageiro. 
O sulphato de quinina toma-se então á noite. 

2. a Quando se declarar uma febre de accesso em individuo que usar 
do sulphato de quinina, como preventivo, deve esta dose 1 reunir-se á dose 
therapeutica, 24 grãos nas ilhas de S. Thomé e Príncipe. 

A febre sendo cortada, deve continuar-se por alguns dias a tomar a 
mesma dose, como se os accessos se tivessem repetido. Isto é de abso- 
luta necessidade. 

Passados alguns dias (três a cinco) volta-se de novo ao emprego da 
dose preventiva, tomando-se 8 a 10 grãos, em vez de 6 a 8, por que se 
começou. 

Uma das principaes condições para se gosar boa saúde na cidade de 
S. Thomé e Príncipe é tratar as moléstias, de que se for acommettído, 
sem esperar que se adiantem. 

Declarados os prodromos ou primeiros symptomas da infecção palus- 
tre, deve fazer-se o seu tratamento radical, e evitar especialmente o sere- 
no, o ar frio da noite, a acção do sol durante o dia e o abuso da mesa. 

3. a Quando não se tolerar o sulphato de quinina no estômago, ou 
quando estiver contra-indicado, deve recorrer-se ás fricções sobre a co- 
lumna vertebral com o mesmo remédio dissolvido em álcool, 40 grãos de 
sal para 1 á /a onça de álcool. 

Estas fricções devem ser applicadas ao deitar e ao levantar da cama. 

4. a Declarada a anemia tropical, devem tomar-se ao jantar pílulas de 
ferro. 

O bom vinho do Porto, os banhos frios, o exercício moderado, os ana- 
lepticos devem auxiliar-se mutuamente, para que a doença não progrida, 
e para se evitar a cachexia, sempre fatal nas ilhas de S. Thomé e Príncipe. 

5. a Não se deve sair de casa com o estômago vasio ; é condição essen- 
cial para se gosar saúde n'estas duas ilhas. 

6. a O exercício physico moderado concorre para o exercício funccio- 
nal de alguns órgãos do corpo, e desperta-lhes a sua actividade adorme- 
cida. 

A alegria, a distracção e o socego do espirito são boas condições para 

1 Tratado de hygiene naval, por J. B» Fonssagrives, traducçfio de J» F» Barreiros, 
pag. 164. 

45 



216 CAPITULO VIU 

se gosar saúde sob a acção de um clima deprimente em um paiz, como 
este, que fica tão perto do equador. 

As regras que estabelecemos a respeito do sulphato de quinina como 
preventivo são justificadas pela nossa observação pessoal e pelo parecer 
de pessoas muito auctorisadas . 

Opinião de J. B. Fonssagrives. — « É nossa opinião que a quina tem 
virtude preservadora. 

c Quem usar como preventivo, de 5 a 6 grãos de quinina, por dia, 
deve ajuntar esta insignificante dose ás doses curativas. » 

Fonssagrives citou em abono d'este principio a opinião de Huet, Raoul, 
Gestin e Lind. 

Opinião de João Francisco Barreiros. — cAs equipagens dos navios 
que demandem o litoral insalubre de Africa, tencionando demorar-se pouco 
tempo n'essas paragens, podem usar do sulphato de quinina como pre- 
ventivo. As pessoas que por qualquer motivo houverem de permanecer 
por longo tempo em Africa, devem ser escrupulosas no uso da mesma 
substancia, applicando-a apenas quando sentirem prodromos não equívocos 
das febres palustres, e durante as quadras em que reinam as endemo*epi- 
demias, frequentes nos paizes tropicaes » . 

J. F. Barreiros cita em favor da sua opinião J. F. da Silva Leão, o 
dr. F. F. Hopífer, o conselheiro Arrobas, por terem usado do sal de qui- 
nino como preventivo ; a commissão encarregada em Portugal de exami- 
nar os pântanos dos arrozaes, -pela mesma rasão ; e a observação de 
Daullé 1 . 

Opinião de Thomás Hutchinson.—Thombs Hutchinson, em 1854, le- 
vou a tripulação do Pleyades através do delta do l^iger, penetrando no in- 
terior de Africa, cercado de pântanos e essencialmente miasmatico. De- 
moraram*se cento e quarenta dias sob a acção de similhante foco, e nem 
um só homem adoeceu. 

« I had it dispensed daily for the Europeans under my charge from the 
day before we crossed the bar to three weeks after our return to Fernão 
do Pó, a period ofa hundred and forty days. In no single case could I re- 
cognise its failure. When some of our officers, who from not taking it 
puntually, got síight attacks ofremittent fever, the accession always yieldr 
ed to an active purge of colamel, colocynth, and taraxacum with doses of 
quinine increasedto ten grains 2 . The symptoms subdued, lreturnedto 
the original dose of quinine, observing after each occurrence the precau- 
tion to lecture them on their irregularity in taking it, pointing out its be- 



1 J. F. Barreiros, nota (a) da pag. 161, traducção referida. 

2 Náo confiámos era formulas assim compostas, porque a acção purgativa impede 
a absorpção do sal anti-miasmatico. 



DOENÇAS 117 

benefits, and impressing them with the fact, that our return through tbe 
Delta woald be in the most unhealthy season of the year. Dispite of these 
attacks, and of our prolonged stay up the river, we had same number 
and the same men, twelve Europeans and fifty-four Africans, on our re* 
turn to Fernão do Pó, that we had on board when leaving.it, the 8.* 
of July. The preservation oftheir health I atlribut to the following causes ': 

« 1 . st To our having entered the river at the least unhealthy season of 
the year, when the water was rising. 

c2. nd To my having induced the Europeans to take quinine solution 
dayly, without making any fuss for its palpable necessity.» 



Segunda arvore patbologica 

Doenças biliosas 

La fièvre bilieuse des régioas tropicale* est 1'espéefl eaiámiqttf s«r 
le compte de laquelle les patliologistes s'eateodeot lo moios. II n'est 
pas on point de son his loire qui do soit controversa. 

(Dutroulau, loc. cit., pag. 300.) 

A evolução da febre paludosa é conhecida. Os factos observados lan- 
çam luz no circulo que ella percorre, e ensinam a distinguir a natureza 
da febre por entre symptomas, mais ou menos graves, segundo as locali- 
dades. As differentes espécies da febre paludosa não se podem tomar por 
doenças independentes da doença primitiva ou essencial ; é difficil fazer 
um diagnostico differencial rigoroso, por causa das divergências que ha 
entre os differentes escriptores que se têem occupado da pathologia dos 
variados climas quentes. 

As doenças biliosas suscitam muitas duvidas e incertezas : il riest pas 
un point de son histoire que ne soit controverso. 

Qual será a natureza d'estas graves moléstias ? 

Têem por causa principal a acção deprimente do calor 8 ; serão ellas 
produzidas somente pela acção do miasma paludoso ? A infecção paludosa 
preexistirá, e trará após si os phenomenos biliosos? 

O medico observador não se pôde contentar com o diagnostico, que 
em um ou outro caso parece auctorisado. É mais natural confessar a du- 



1 Thomás J. Hutchinson, loc. cit., pag. 130. 

2 «La prédominance hepatique de toute la constitution, la tendance aux phéno 
mènes bilieux, sont un effet nécessaire de 1'action des pays chauds. Mais il y a iudé 
pendance complete entre ces phénomènes et les maladies paludéennes.» F. L. J. Vai-» 
leix, loc. cit., vol. i, pag. 260. 



228 ' CAPITULO VIII 

vida do que dar por observado o que está ainda incerto, ou se apresenta 
sob formas enganosas. 

A denominação geral de febre biliosa que se dá á moléstia que n'esta 
ilha tem por symptomas a icterícia, os vómitos biliosos, as urinas esver- 
deadas, as dejecções frequentes biliosas, e os soluços nos últimos dois ou 
três dias antes da morte, é muito imprópria ; aquelles symptomas perten- 
cem a doenças inteiramente oppostas : onde o diagnostico é incerto, nao 
pode haver therapeutica segura. 

Às doenças biliosas apresentam-se sob variadas formas, sendo umas 
muito mais graves que as outras. 

A falta de uniformidade nas descripções feitas por observadores com- 
petentes parece indicar a existência de doenças biliosas peculiares a cer- 
tas localidades, e que, sendo na sua essência as mesmas, variam comtudo 
nos phenomenos mórbidos, a ponto de parecerem moléstias differentes. 

A confusão que ha a respeito d'esta classe de doenças deve-se aos mé- 
dicos inglezes e americanos e a alguns francezes. A seguinte nota das de- 
signações de doenças biliosas mostra a divergência que tem havido entre 
os médicos coloniaes. 

Differentes formas das doenças biliosas 

Febre biliosa grave 4 . 

Febre perniciosa ictérica. 

Febrp biliosa hematurica ou hcmorrhagica (pôde preexistir ou deixar 
de preexistir a infecção paludosa). 

Febre amarella dos aclimados, dos creoulos. (-Veja-se Dutroulau, loc. 
cit., pag. 419.) 

Febre biliosa typhoide. 

Febre remittente dos trópicos, febre remittente biliosa da costa Occi- 
dental de Africa, ou grande febre endémica dos paizes quentes, segundo 
os médicos inglezes 2 . 

Febre ictero-hemorrhagica. 

Typho icteroide ou typho amarello. 



1 A febre biliosa grave existe independente da febre perniciosa ictérica ; uma tem 
por causa a acção do calor ou do clima, e se manifesta em qualquer logar da ilha; a 
outra é miasmatica, c apparece nas localidades palustres. 

2 O diagnostico dos médicos inglezes tem dado occasiâo a graves erros de thera- 
peutica: admittir a febre remittente como individualidade mórbida independente da 
febre paludosa, é nâo descriminar os phenomenos e os symptomas d'esta febre; men- 
cionar uma grande febre endémica dos paizes quentes, é não conhecer o diagnostico 
differencial das febres mi asm atiças. 



DOENÇAS 229 

Diarrhéa biliosa. 

Febre biliosa dos climas quentes. 

Febre biliosa ephemera. 

Icterícia grave. 

Dysenteria biliosa. 

Febre gástrica biliosa. 

Accesso aiparello *. 

Febre amarella. 

Em presença d'esta enumeração vê-se que ha doenças em que appa- 
recem os phenomenos biliosos como complicação, e que tomam por isso 
a qualificação de doenças biliosas. A incerteza do diagnostico (Merendai 
n'esta classe de doenças é prova evidente do atrazo em que está o estudo 
da pathologia colonial. 

Dutroulau, fazendo o estudo das doenças biliosas nas colónias france- 
zas a e do seu diagnostico differencial, prestou relevantíssimo serviço á 
humanidade e á sciencia. 

Não nos consta que os médicos portuguezes tenham descripto as doen- 
ças biliosas de Angola, Moçambique, S. Thomé, Príncipe, Bissau e Ca- 
cheu ; não podemos por isso referir-nos ao que se passa n'estas colónias. 

Pelo que diz respeito á ilha de S. Thomé damos conta do que obser- 
vámos, apesar de faltarem as autopsias e as analyses do suor e das uri- 
nas, as quaes são abundantes e caracteriscas n'estas doenças. 

Em S. Thomé observa-se a febre biliosa ephemera, a febre biliosa 
grave, a icterícia sob differentes formas, a febre perniciosa ictérica e a diar- 
rhéa biliosa ; as complicações da bilis podem apparecer em muitas molés- 
tias, tornando difficil o diagnostico e a therapeutica. É preciso muita atten- 
ção para se distinguir a doença preexistente quando o individuo é atacado 
com rapidez ; a febre pemiciosa-ictero-hemorrhagica serve de exemplo 
das moléstias complexas ou mixtas. 

A febre perniciosa ictérica torna-se muitas vezes hemorrhagica ou he- 
maturica, o que também acontece na febre biliosa grave ; esta complica- 
ção augmenta a gravidade d'aquellas doenças. 

A hematúria tem-se aqui observado ; parece que o sulphato de qui- 
nina, tomado em dose de 24 grãos, lhe dá origem algumas vezes. Não 
offerece gravidade, e pôde apparecer acompanhada de febre. Os adstrin- 
gentes, os semicupios e o repouso triumpham d' esta moléstia. 

Na evolução da febre perniciosa ictérica e da febre biliosa grave no- 
tam-se phenomenos typhoides. 



1 Dutroulau, loc. cit, pag. 300 e 420. 

2 Ibidem, pag. yOO, 329 e 330. 



«30 CAPITULO VIII 

Nao descrevemos com minuciosidade todas as doenças endémicas, 
porque tornaríamos muito extensa esta parte do relatório, e seria difficil 
examinar alguns outros assumptos também importantes. 

Febre biliosa ephemera. — Esta doença tem rasao de ser em S. Tho- 
mé; é symptomatica, deelara-se tanto nointerior da ilha como na cidade, 
existe independente da infecção paludosa. 

A exacerbação da funcção hepática dá em resultado o excesso da bí- 
lis. O doente sente-se incommodado ; tem dor de cabeça e enjoos e a lín- 
gua saburrosa e amarellada; o pulso conserva-se febril; umas vezes ha 
dores na região gastro-hepatica, outras faltam completamente. Durante 
algumas horas o doente passa incommodado ; está anciado e muito in- 
quieto ; apparecem os vómitos no meio de grandes afflicções ; a bilis é ex- 
pulsada quasi pura; depois dos vómitos o doente sente algum allivio. 
Quando este estado se demora por dois ou três dias, as conjunctivas in- 
jectam-se de ama rei lo. 

Esta doença dura de três a cinco dias, e muitas vezes desapparece no 
segundo dia. 

Os emeto-catharticos são applicados com vantagem. Se ha dores de 
cabeça, os sinapismos aos pés e nos gemellos tríumpham quasi sempre. 

É necessária a dieta e o repouso. 

A febre biliosa ephemera pôde ser o prenuncio da perturbação pro- 
funda do fígado ; exige por isso muito cuidado. 

Os doentes n'estas circumstancias devem procurar no interior da ilha 
os logares que passam por mais salubres. Os banhos frios sao indicados, 
a alimentação deve constar de vegetaes, e se o individuo for obrigado a 
vir á cidade, ou a permanecer n'ella, precisa de acautelar-se contra o pe- 
rigo resultante de uma complicação paludosa grave. 

Nio se descobriu ainda meio especifico para regular a funcção do fi- 
gado, que tende a perturbar-se constantemente sob a acção dos climas 
dos trópicos ; a bilis é a causa, não só de muitas doenças biliosas graves, 
mas de gravíssimas complicações na febre typhoide, na febre paludosa, 
na dysenteria, na diarrhéa, na febre gástrica, etc. 

As doenças biliosas em S. Thomé não se transmittem, nem na mesma 
localidade, nem fora d'ella á . É importante esta circumstancia sob o ponto 
de vista da saúde publica e do commercio. 



1 A natureza das doenças biliosas n'esta cidade faz desapparecer a idéa de conta- 
gio. Corroboram também esta asserção os seguintes factos, que tenho por importantes, 
e que apresento com toda a simplicidade, porque de per si são prova evidentíssima 
de que não ha contagio em similhantes doenças, que têem sido mencionadas em algu- 
mas cartas de saúde como febre amarellaí 

Quando algum europeu adoece é raro que os seus amigos se assustem se a doença 



DOENÇAS 23i 

Não pode negar-se que n'esta ilha, depois do ihiasma paludoso que 
produz no organismo graves perturbações, se deve collocar a perversão 
da funcção hepática como causa de novas moléstias, e como complicação 
de muitas outras. A biUs derramada no organismo pôde causar a morte 
por intoxicação, como o miasnla paludoso. 

Assim como se tem levantado guerra de destruição contra o miasma 
que produz a febre amarella, e contra os que geram o çholera, a dysente- 
ria, a peste, o tyjiho, etc, assim se devem empregar todos os meios para 
regular a secreçãp da bilis, impedindo por todos os moçlos que ella seja 
levada á torrente circulatória, onde pôde causar tanto damnp como os 
miasmas que se formam em certos e determinados logares, e geram enti- 
dades mórbidas independentes e fataes. 

O ileo-typho, que se observa em S. Thomé, é as mais das vezes com- 
plicado pela bilis. Será o typho icteroide dos inglezes ? 

A typhoide biliosa de Griesinger, ou a febre biliosa inflammatoria, pa- 
rece não existir entre as moléstias endémicas de S. Thomé. 

A febre paludosa torna-se perniciosa sob a acção da bilis, não sendo 
por sua natureza perniciosa. 

A febre perniciosa ictérica, como já dissemos, é endémica na cidade 
de S. Thomé e na do Príncipe. Para se demonstrar que entre esta grave 



não vem revestida de certos symptpmas, que, segundo elles, nem sempre são prenuncio 
de terminação funesta, e que differem segundo as moléstias. 

Em geral confiam plenamente na acção do sulphato de quinina, mas descrêem d'elle 
se no fim de algum tempo o doente está amarello ! 

PTesse caso a anciedade publica é geral. Correm todos pressurosos a informar-se 
do estado dò doente. 

Já apparece sangue nas urinas, já se declararam os soluços, os cáusticos pegaram 
bem? São perguntas que dirigem todos uns aos outros. 

Os amigos do doente tornam-se enfermeiros; as bacias para se receberem os vó- 
mitos são sustentadas por europeus, a mudança da roupa da cama faz-se na presença 
de um outro amigo, que se acha no quarto ; são muitos os que respiram n'aquella 
atmosphera. 

N'um grande numero de casos, um enfermeiro europeu cura os cáusticos, pfle as 
ventosas sarjadas e os sinapismos, faz as fricções e dá clysteres, etc. 

Quando se declaram os soluços, a tristeza e desanimação é geral; os amigos do 
doente não se retiram um instante de ao pé d'elle. 

Succumbe o doente. O corpo fortemente carregado de um amarello escuro impres- 
siona muito os espectadores, mas não adoece nenhum dos europeus que estiveram 
junto d^lle. Foi um caso único, isolado e característico. 

As doenças biliosas declaram- se apenas desde o meado de outubro, pouco mais ou 
menos, até ao meado de junho. São limites constantes em relação á estação chuvosa 
e secca. Não se observa caso algum d'esta doença na estacão secca. 

A observação d'estes factos leva-me a não admittir o contagio das doenças bi- 
liosas. (Nota do relator.) 



231 CAPÍTULO YIII 

doença e a febre amarella não ba pontos de contacto, transcrevemos c 
seguinte notável tabeliã symptomatica. 



Caracteres d ifl e rei íciaeg entre a íftbre pernicioea ictérica 

e a lebre amarella l 



Flèvre pendclMiM ictériqoA 

Symptômes Symptômes 

/cíér^ — Apparait tout d'abord lctère. — Apparait seulement vers 

avec le premier accès ; ne manque le troísième jour ; manque si la gué- 

jamais d'être prononcé. rison est prompte. 

Céphalalgie. — Totale; va crois- Céphalalgie. — Sus-orbitaire. in- 

santjusqu'à la finde 1'accès; man- tense gravative, cédant prompte- 

que quelquefois. ment aux premiers moyens de trai- 

tement. 

Douleurs. — Dans les hypochon- Douleurs. — Des membres, dans, 

dres se prolongeant en arrière, fai- les mollets surtout, douleur parti- 

sant ceinture, peu intenses. culíère des reins (coup de barre). 

Vomissements.— Bilieuxconstants, Vomissement. — lis ne survien- 

pendant presque toute la durée de nent que si la maladie est grave, 

chaque accès. après le troísième jour, dabord gris, 

puis bruns, puis noirs comme de la 
suie. 

Diarrhée. — Bilieuse, três-ordi- Constipation. — Derègle. 
nairement. 

Langue. — Humide ; enduit blan- Langue. — Humide et chargée, 

châtre; n'est rouge ni à sa pointe ni rouge sur ses bords. 
sur ses bords. 

tTrww.— Rouges, brunes, couleur Urines. — Rouges, rares, c'est-à- 

malaga, caractéristique, très-abon- dire,émisesentrès-petitesquantités. 
dantes. 

Pouls.— Petit et fréquent pendant Pouls. — Plein, régulier ; pendant 

le premier stade ; plein pendant le la première période, 108, mou, dé- 

stade de chaleur. pressible; sans fréquence, pendant 

la seconde. 



1 NouveUes annales de la marine et des cohnies, revue mensuelle, 9 e année, Décem- 
bre 1857, n.° i2, pag. 346 : «Cinq années d'observation médicale, dans les établisse- 
raente français de Madagáscar (cote O.)», par Mr. Dominique J. Daullé, chirurgien de 
la marine, chevalier de la Légion d'Honneur. 



DOENÇAS 



233 



Marche. — Accès intermittents 
avec apyrexie bien prononcée ou re- 
mittents, très-rarement continus; 
Paccès dure au plus dix-huit heures ; 
après 1'apyrexie réapparittôn des 
symptômes semblables aux pre- 
miers. 

Traitement. — Curable par les 
préparations de quinquina, méthode 
générale de traitement; jamais d'an- 
tiphlogestiques, ni au début ni dans 
le cours. 

Acclimatement. — Cause prédis- 
posante la plus patente. 

Recidives.— Três communes, d'au- 
tant plus imminentes que la maladie 
s'est montrée plus souvent. 



Marche. — Continue, et dure au 
moins trois jours si la maladie bar- 
rete. Nouvelle période, si elle.suit 
son cours ; abaissement de la tem- 
pérature; apparition de Fictère. 



Traitement. — Antiphlogestique 
au début. Les préparations de quin- 
quina ne sont employées que dans 
les íièvres jaunes avec complication 
de íièvre paludéenne. 

Acclimatement. — Donne la sécu- 
rité. 

Recidives. — Exception extraordi- 
nairement rare. 



A leitura attenta d'este quadro symptomatico mostra evidentemente 
que a febre amarella não se pode confundir com a febre perniciosa ictérica f . 

Os phenomenos typhoides que complicam as doenças biliosas dão-lhes 
muita gravidade, -e deve haver todo o cuidado em fazer o diagnostico dif- 
ferencial entre a febre typhoide da Europa e as doenças biliosas de forma 
typhoide. 

A febre biliosa grave ou a febre perniciosa ictérica são muitas vezes 
acompanhadas de profundas alterações nervosas e adynamicas ; nota-se 
stupor e perturbação das faculdades intellectuaes ; os soluços apparecem 
e ha exanthema nos pontos correspondentes ás fossas ilíacas, sendo mais 
abundante esta erupção na fossa iliaca direita. Este exanthema estendesse 
ao ventre e á parte interna das coxas. 

Ha médicos que diagnosticam a febre biliosa grave de um modo sin- 
gular; desdobram a moléstia em duas moléstias distinctas, fazendo-as 
correr a par e ter evolução parallela. O que uns chamam febre biliosa 
grave denominam elles febre r eminente e icterícia 2 . 

Examinámos as papeletas do hospital de S. Thomé, observámos alguns 
casos de doenças biliosas na cidade d'esta ilha, e escrevemos depois 
as considerações que se acabam de ler. 



1 A febre perniciosa ictérica deve ser collocada no grupo das doenças biliosas, 
por isso que os phenomenos biliosos predominam quasi sempre sobre os paludosos. 

2 Dr. José Correia Nunes, hospital de S. Thomé; Félix Jacquot, citado por A. Du- 
troulau, pag. 216. 



*34 CAPITULO VHI 

Lemos também attentamente o que escreveram os médicos francezes 
e inglezes a respeito das doenças biliosas e paludosas que grassam nas 
suas colónias. Nos relatórios de Gestin e de Daullé, nos livros de Dutrou- 
lau, Tbomás Hutcbinson e Jacques Lind, acham-se descriptas estas doen- 
ças com minuciosidade ; não deve todavia 'esquecer-se* que Woillez, no 
seu excellente diccionario de diagnostico medico, disse : 

«II est peut de questions aussi obscures que la distinction des maladies 
febriles des pays intertropicaux.» 

Este erudito e sábio escriptor tem justificada rasão ; e se isto se diz 
em França, onde ba litteratura medica colonial, que se poderá dizer em 
Portugal, onde ella não existe? 

É ainda desconhecido um agente therapeutico que se possa empregar 
como especifico das doenças biliosas, isto é, das doenças em que a bilis 
é a causa principal ou uma grave complicação. 

Para se regularem as funcções do fígado e da pelle, que n'esta pro- 
víncia predominam sobre todas as outras, estão indicados os banhos frios 
do mar ou de rio, cujas margens não sejam lodosas nem orladas por man- 
gues. Um ou dois banhos por semana, não havendo contra-indicação, são 
úteis. 

Nas praias de S. Thomé apparecem os tubarões, e é por isso necessá- 
ria toda a cautela quando se tomam banhos do mar 1 . Aos governos cum- 
pre mandar preparar logar seguro onde os soldados e addidos ao batalhão 
de caçadores n.° 2 tomem banho todos os domingos, pelo menos. 

A demora na agua deve ser pequena. Os banhos quanto mais rápidos 
tanto mais úteis se tornam. O individuo deve entrar para elle depois de 
ter descansado na praia. Procurem-se dias claros, evitando-se entrar na 
agua em occasião de trovoada. 

Se houver alguma ferida, incommodo geral, ou mal estar — r prenun- 
cio de febre — se a língua accusar a existência de embaraço gástrico, se 
a digestão não estiver completa, se houver alguma doença do coração, 
não se tomará banho sem conselho medico. 

A melhor hora para o banho é de manhã cedo ; também alguns mé- 
dicos o julgam conveniente de tarde. 

A alimentação pôde concorrer para a exacerbação da funcção hepática, 
e por isso é preciso conservar uma alimentação tónica moderada, em que 
não faltem os vegetaes. 

Ha quem proponha os fonticulos, e quem recommende os cáusticos 
sobre a região hepática, como de muita utilidade, quando os prodromos 

1 Em S. Thomé nâo houve, nos últimos annos, caso algum de morte a lamentar, 
causada pelos tubarões ; não aconteceu o mesmo na ilha do Príncipe, onde elles téem 
feito muitas victimas. 



DOENÇAS *3Ò 

das doenças biliosas graves se declaram. Podem taes meios não ser úteis, 
mas não serão prejudiciaes ; têem contra elles apenas o incommodo. 

A respeito dos preventivos das doenças biliosas, e em geral das doen- 
ças graves dos trópicos, citaremos o seguinte trecho : 

«Bertin rapport que les personnes qui s'entretiennent des cautères et 
des vésicatoires ne sont que rarement atteintes des flèvres bilieuses à 
moins que la suppuration ne s'arrête. 

«Notre collegue, M. Chassaniol, qui a longtemps séjourné à Madagás- 
car, nous a appris que les caboteurs de Maurice et de Bourbon qui fré- 
quentent les cotes de Madagáscar ont Thabitude de s'entretenir, pendant 
leur séjour dans ces parages, un vesicatoire à chaque bras et qu'ils bra- 
vent impunement, pour ce moin populaire et d'une efficacité reconnue 
par eux, les mnestes émanations des marais du littoral *.» 



Terceira arvore pathologica 



Caohexias 

i 



Cachexia tropical. — Esta moléstia não é rara na ilha de S. Thomé e na 
do Príncipe, declarando-se mais ou menos rapidamente, segundo o tem- 
peramento do individuo, e as circumstancias em que se acha ; tem por 
causa determinante os suores excessivos e a acção deprimente do clima 
a que o europeu está constantemente exposto. A differença entre a assi- 
milação e desassimilação torna-se sensível no fim de poucos mezes. A na- 
tureza procura contrabalançar este desequilíbrio, e o individuo passa por 
muito tempo mais ou menos incommodado. 

É evidente que se devem considerar antes da cachexia duas moléstias 
importantes, a anemia e a chlorose. 

A cachexia tropical nunca se declara senão no individuo anemico. 
Fonssagrives a este respeito escreveu o seguinte : 

«Depois de alguns mezes de permanência nos paizes quentes, todas 
as constituições estão mais ou menos atacadas pela anemia 2 .» 

Declarada a cachexia tropical a ràorte é certa 3 . É vulgar entre os eu- 



i De rinfluence des cliinats chauds sur 1'européens, par M. fí. H. Gentin, chirur- 
gten de la marine de premier classe, chevalier de la Légion dllonneur; Septembre, 
Í858, n.° 9, pag. 141. 

2 Fonssagrives, loc. cit., pag. 276. 

3 Observei um caso d'esta natureza cm um europeu de vinte e dois annos, cuja 
morte previ, dois mezes antes d'ella se realisar. Não se sentia mal, e por isso nao via o 
perigo. Emmagrecia rapidamente, mas não lbe dava cuidado. Náo queria tomar preven- 



236 CAPITULO VID 

ropeus pobres e n'aquelles que são obrigados a residir na cidade com- 
plicar-se com a cachexia paludosa. 

A diarrbéa, a dysenteria,[a febre paludosa grave, etc., põe geralmente 
termo a esta doença, e são ellas que figuram nas estatísticas do hospital 
de S. Tbomé. 

À cachexia tropical evita-se pelo uso dos tónicos, analepticos, banhos 
frios, etc. Reclama muita attenção da parte do medico, e urgentemente 
a retirada do doente d'estas ilhas. 



Quarta arvore pathologica 
Dysenteria endémica 

Toat Ie monde est d*accord sor les eaases occasionnelles les rnieux ac- 
casées et lei pios habítaettes de U dystnterie endémiqne; mais personoe 
ne roe parait s'ètra soffijainment soucié de rélémenl étiologie anqael elle 
doit soo endémicitó et ne s*est mis serieosemeol à sa recherque. 

(Dotronlao, toe. ciL, pag. 596.) 

A dysenteria é uma doença grave, que tem causado e causa muitas vi- 
ctimas entre os habitantes (Testa ilha, sendo mais frequente entre os sol- 
dados do batalhão de caçadores n.° 2, e em geral entre os trabalhadores 
da ilha, pretos e brancos, do que nos habitantes abastados. 

Referimo-nos á frequência e até á gravidade (Testa moléstia. 

Conhecemos alguns europeus de ha muito atacados de diarrhéa chro- 
nica. Um (Telles padece ha mais de seis annos, sendo notável não ter sido 
acommettido por outras doenças endémicas graves, que tão frequentes 
téem sido iTesta ilha. 

Na população do hospital apparecem muitas diarrhéas asthenicas, sym- 
ptomaticas ou consecutivas. Entre a dysenteria e esta classe de doenças 
não pôde haver a menor confusão 1 . 

A dysenteria considera-se como symptomatica e como elemento de 
complicação; é endémica, e n'este caso classifica-se entre as doenças in- 
fectuosas. 



tivos, confiando' na sua juventude e na immunidade de trinta mezes de residência em 

S. Thomé. Tristíssima illusão ! 

Este infeliz não recorreu á medicina, senão em ultimo caso. Comia com appetite, 

dormia regularmente. Que importava o resto? 

Declarou-se a cachexia e a morte não tardou. (Nota do relator.) 

1 Nos mappas nosologicos e necrojogicos do hospital de S. Thomé, reunimos sob 

a mesma numeração a diarrhéa e a dysenteria; as circumstancias em que se procedeu 

á coordenação d'este relatório, justificam estes e outros meios de simplificação. 



DOENÇAS 237 

A dysenteria endémica, particular á cidade de S. Thomé, é uma doença 
continua, que apparece no estado agudo e chronico, acommettendo o 
mesmo individuo por muitas vezes, com muita gravidade e com pheno- 
menos quasi idênticos, e predisposição imminente para a gangrena do 
intestino grosso. 

Os casos de dysenteria tratados n'este hospital dão a relação de mor- 
talidade de 1:9,6 ou de 10 por cento proximamente; mas este resultado 
não é muito rigoroso, porque lhe faltam alguns elementos estatísticos 
que o tornem a expressão dos factos clínicos bem observados. 

Não podemos demonstrar se o miasma gerador da dysenteria é ve- 
getal ou animal, ou se esta grave doença é devida á acção simultânea 
destes dois agentes morbificos. 

Para lançar alguma luz n'este importante ponto etiológico, convém 
tomar em consideração a procedência dos doentes que entram no hospi- 
tal d'esta cidade e o diagnostico differencial. 

O tratamento activo que se emprega contra tão grave moléstia fica 
consignado nas papeletas do hospital, e n'ellas se pôde fazer o estudo e o 
exame da therapeutica seguida e dos symptomas da doença ; mas não 
acontece assim a respeito das causas predisponentes, das condições dos 
logares e das circumstancias em que estava o doente, pois faltam as de- 
clarações a tal respeito dos médicos que exercem clinica no hospital 4 . 

A clinica geral da cidade não fornece os menores dados para este tra- 
balho, porque poucos são os doentes que se tratam com os médicos. 

A dysenteria é mais grave na cidade do que nos logares elevados da 
ilha, e, o que é digno de attenção, fora da cidade cede mais facilmente ao 
tratamento, e não tem os symptomas assustadores que são vulgares nos 
doentes que vivem na cidade, e são obrigados a tratarem-se aqui. 

A má influencia da cidade de S. Thomé sobre as doenças, a sua con- 
dição palustre, a falta de hygiene publica, são circumstancias geraes que 
actuam desfavoravelmente na evolução da dysenteria endémica, e aggra- 
vam todas as formas com que ella se apresenta. Não é raro que na mesma 
casa esteja um individuo com dysenteria, outro com febre paludosa grave 
e outro com furúnculos e febre ephemera 2 . 



1 Os doentes acommettidos de diarrhéa ou de dysenteria, náo procuram o medico 
nem entram no hospital sem que as dores sejam muito intensas e as dejecções muito 
dolorosas. O seu estado é ás vezes tão grave, que exige promptos e immediatos soc- 
côrros. 

2 N'uma casa da cidade adoeceu uma pessoa com febre paludosa delirante, e outra 
com dysenteria complicada de febre paludosa. A febre paludosa cedeu, mas a dysente- 
ria poz em perigo imminente o doente, e só terminou depois do doente ter ido residir 
fora da cidade, em logar elevado e bem arejado. 



888 capítulo vra 

No mesmo foco commum existirá o miasma paludoso e dysenterico ? 

São pontos etiológicos que observações bem feitas devem esclarecer 
posteriormente. 

As dysenterias tratadas n'este hospital não se complicaram de hepa- 
tite. Por muitas vezes a dysenteria irrompe durante a evolução de uma 
doença paludosa ou biliosa, e n'este caso considera-se como complicação 
d'aquella doença, e não figura nos mappas estatísticos; quando, pelo con- 
trario, uma doença paludosa ou biliosa é complicação da dysenteria, tor- 
na-se esta grave, difficulta-se o seu tratamento, e é a dysenteria que figura 
nos mappas estatísticos. 

As bebidas alcoólicas são muito prejudiciaes ; se a dysenteria sobre- 
vem em resultado do abuso d' estas bebidas," apparecem symptomas gra- 
víssimos, e a morte realisa-se depois de tormentos atrozes. A gangrena e 
a perfuração intestinal terminam quasi sempre as dysenterias, cuja causa 
occasional foi o abuso das bebidas alcoólicas. 

Os soldados do batalhão de caçadores n.° 2, aquartelados no barra- 
cão junto ao pântano de S. Sebastião, offerecem o maior contingente de 
doentes dysentericos; o que parece devido á má qualidade da agua que 
bebem, ao seu modo de alimentação e ás suas más condições de vida. 
Estas causas occasionaes e predisponentes não determinam a gravidade 
da doença, cuja especificidade e gravidade são consequências da infecção 
e da idiosyncracias individuaes. 

Uma affecção moral pode ser n'esta cidade causa occasional da diar- 
rhéa ou da dysenteria ; torna o seu tratamento demorado, e em muitos 
casos tem levado os doentes á sepultura ! 

A medicina preventiva n'esta doença não tem applicação. A dysente- 
ria endémica, cujos symptomas não dão occasião a duvidas acerca do dia* 
gnóstico differencial, tem um tratamento variado, e que só um medico 
muito pratico pôde applicar com vantagem. 

Se o doente se acha atormentado por dores intensas e as dejecções são 
sanguinolentas, está indicada a applicação de ventosas sarjadas sobre o 
ventre. Em seguida applica-se sobre os logares das ventosas óleo de amên- 
doas doces com laudanum liquido de Sydenham, ou cobre-se o ventre 
com uma cataplasma de linhaça, e dá-se um laxante de óleo de rícino. O 
tratamento dirige-se segundo os symptomas que se forem observando, os • 
quaes exigem os tónicos, os adstringentes, os emollientes, os opiados, etc. 

Se as dejecções são biliosas, estão indicados os calomelanos, como 
base do tratamento. 

A ipecacuanha é o anti-dysenterico por excellencia; o ópio e o subni- 
trato de bismutho são óptimos agentes contra a dysenteria. Pertence este 
estudo á therapeutica, e por isso não o desenvolvemos aqui, pois apenas 
desejámos fallar dos preventivos* 



DOENÇAS 239 



Epilogo 



' É necessário distinguir as doenças verdadeiramente infectuosas das 
que provém da aclimação, e d'aquellas que tanto acommettem o euro- 
peu n'um clima temperado como n'um paiz tropical. 

A. Dutroulau considerou endémicas a febre paludosa, a dysenteria, a 
hepatite, a cólica 1 , o cholera e a febre amarella. São estas as doenças 
endémicas que se observam nas colónias francezas, modificando-se se- 
gundo as differentes localidades, ou apparecendo n'umas e faltando n'ou- 
tras. O cholera grassa em colónias onde falta a febre amarella, e esta só 
se encontra em localidades determinadas, como se pode ver na seguinte 
enumeração das colónias francezas. 

— No Senegal reinam dysenterias, febres paludosas, hepatites e a có- 
lica ; a febre amarella só ali apparece accidentalmente. 

O Senegal fica ao norte do equador a 12° 41' de latitude. São logares 
príncipaes S. Luiz e a Gorée, aquelle a 6 kilomelros da foz do Senegal e 
este a 3 kilometros de Cabo Verde. 

A mortalidade das febres é de 31,75 por cento da mortalidade geral; 
a da dysenteria é de 37, 16 por cento; a hepatite, companheira inseparável 
da dysenteria endémica, apparece na rasão de 1 : 4; a cólica não é grave. 

— A Guyana franceza, na America meridional, começa a 2 o , e tem pôr 
capital Cayena a 4 o 51' ao norte do equador. 

Na Cayena, cidade, são endémicas as febres paludosas, a dysenteria, 
a cólica, e apparece ás vezes a febre amarella, mas não se deve rçputar 
endémica. 

Quando não existe a febre amarella, as febres elevam a mortalidade 
a um terço da mortalidade geral ; a dysenteria representa 26,78 por cento 
de toda a mortalidade observada ; falta completamente a hepatite. 

— As Antilhas são um grupo das pequenas Antilhas (archipelago da 
America) afastadas do equador 14° 52' e estendendo-se até 16° 40'. «To- 
mam-se para termo de comparação Martinica e Guadalupe. 

As febres endémicas da Martinica são as febres paludosas, a dyseote* 
ria, a hepatite e a cólica ; a febre amarella é epidemica, as mais das vezes. 

As febres endémicas de Guadalupe são exactamente as mesmas que 
as da Martinica. 

A dysenteria e a hepatite toem perdido a sua intensidade nos ultimas 
doze annos. São muito insalubres estas colónias. 

— A Cochinchina, assim denominada pelos portuguezes, está afastada 
do equador 10° 5', e collocada no parallelo de Pondichery. Tanto uma 
como outra representam a índia franceza. 

i No hospital de S. Thomé não tem apparecido doença alguma a que se possa dar 
similhante denominação. 



240 



CAPITULO VM 



As suas moléstias endémicas s$o a febre paludosa, a dysenteria, a he- 
patite e a cholera. Tem melhorado o estado sanitário d'esta colónia, e é 
a menos insalubre das colónias palustres. 

— Em Mayotta, na Africa oriental, ao norte do canal de Moçambique, 
afastada do equador 12° 31' ao sul, grassam as febres paludosas 1 e a có- 
lica ; a dysenteria e a hepatite são quasi desconhecidas t 

— A Bourbon, Bonaparte ou Reunião fica ao sul do equador, a 20° 51 ; , 
a 80 léguas de Madagáscar, próxima da costa oriental de Africa. 

É ali muito rara a febre paludosa e existe a dysenteria; a hepatite é 
benigna, assim como a cólica. 

— O Taiti ou Otahiti, ao sul, afastada 17° 31' do equador, é uma das 
maiores ilhas da Polynesia austral, na Oceania. 

As doenças endémicas * são a cólica e a tísica, única doença verdadei- 
ramente mortífera n'esta colónia ! ! 

— Na Nova Caledónia 3 na parte média da Oceania, ao sul do equa- 
dor 20° 10', as doenças endémicas são propriamente a dysenteria, com 
falta quasi completa da hepatite de coincidência. 



Mappa nosologico e necrologico da Nova Caledónia, referido ao anno de 1864 



Moléstias 



Órgãos da respiração 



Órgãos da digestão.. 



Febre typhoide 
Febre intermittente, 
Febre ephemera . . . 



Tísica 

Bronchite 

Pneumonia 

Pleurisia 

Dysenteria 

Diarrhéa 

Embaraço gástrico. 
Hepatite 



BSS 



Total. 

saaai 



Casos 



52 

133 

9 

20 

174 

134 

134 

11 

53 

15 

74 



809 



Mortes 



15 

4 
1 

11 
1 

6 
26 



64 



H 



1 f Personne n'y échappe et si les pertes ne sont pas plus nombreuses, c'est qu'on 
a reconnu la necessite de renouveler la garnison tous les ans.» Dulroulau, loc. cit., 
pag. 69. 

* A. Dutroulau, loc. cit., pag. 89. 

3 «Si les maladies du sol sont rares, celles du climat sideral le sont moins.» Du- 
troulau, loc. cit, pag. 87. 



DOENÇAS 24i 

A relação de mortalidade foi de 1 ,03 por cento, emquanto aos doen- 
tes, e emquanto ao numero effectivo dos europeus foi de 0,97 por cento. 

As colónias francezas salubres são Taiti, Reunião e Nova Caledónia. 

As colónias insalubres, a contar da mais doentia , são, Senegal, Anti- 
lhas, Cayena e a Cochinchina ; Mayotta é das colónias palustres a mais 
favorável para a saúde. 

• Entre as colónias salubres ha umas que não têem moléstias que gras- 
sam em outras, assim como nas quatro colónias insalubres ha logares re- 
lativamente salubres. 

A. Dutroulau fez um exame comparativo de pathologia colonial fran- 
ceza, e d'este modo prestou relevantes serviços aos seus compatriotas 1 . 

Na ilha de S. Thomé são endémicas as doenças paludosas, as doenças 
biliosas, a cachexia tropical e a dysenteria. Alem d'esta& consideram-se 
graves algumas moléstias, que fora (Testa ilha não teriam a mesma gra- 
vidade. A tísica é rápida na sua evolução e verdadeiramente destruidora. 

As doenças infectuosas ou miasmaticas, em geral, são as paludosas, a 
febre amarella, a febre typhoide, o cholera, a dysenteria, o typho exan- 
thematico, a typhoide biliosa, a peste, a febre recurrente e a hepatite. 

W. Griesinger fez um estudo notável d'estas moléstias. Em S. Thomé 
não consta ter apparecido a febre amarella, a peste, o cholera nem o typho 
exanthematico ; e só pôde haver duvida acerca da existência da typhoide 
biliosa, da febre recurrente, da febre typhoide, que não parece ter sido bem 
diagnosticada, e da hepatite, admittida por Dutroulau como miasmatica. 

Por falta absoluta de informações não enumerámos as doenças dos in- 
dígenas nem tornámos mais completo este trabalho, que no futuro deve 
ser corroborado, augmentado, modificado ou corrigido, se as observações 
medicas se tornarem mais rigorosas, e se proceder a analyses e a auto- 
psias. 

VIII 

Therapeutica 

La thérapeutique est vraiment la science des indications, pour s'abste- 
nir ou agir et provoqner des reactions salalaires aa moyen d'imprcssions 
caratives. 

(E. Bouchut, Nouveaux èléments de pathologie gènérale, pag. 351.) 

Depois das instrucções praticas, que archivámos no capitulo VI, 
não prolongaremos as considerações que exige tão importante assumpto, 
nem é fácil desenvolver com precisão e clareza, nos estreitos limites de 

i Nous connaisons le lableau de huit climats partíeis seulement, et sur ce nom- 
bre il y a trois ou ne naít pas la fiévre paludéenne. I/analogie permet de penser que 

16 



m CAPITULO VIII 

mu relatório, a tberapeutica correspondente a uma pathotogia complicada, 
sui generis e variadíssima, como a que se observa em S. Thomé. 

Doenças paludosas. — As doenças paludosas, quando não se definem 
bem, e saem fora do typo ordinário, desde a febre intermittente até ao 
accesso pernicioso algido, comatoso ou diaphoretico, apresentam tal varie- 
dade que torna impossível marcar o tratamento modelo, e que se possa 
seguir racionalmente. 

Em alguns casos é o elemento bilioso que se deve combater, n'outros 
manifesta-se a doença paludosa por meio de uma nevralgia continua ou 
intermittente, e que não tem os menores pontos de contacto com a evo- 
lução da febre intermittente, em qualquer das suas manifestações. 

Aconselhar o sulpbato de quinina, quando a intermittencia indica pre- 

■ 

ctsamente a infecção miasmatica, não é difficil, mas conhecer a mesma in- 
fecção por entre phenomenos afastados da evolução intermittente, é im- 
portante, e não se pôde fazer sem haver intelligencia esclarecida e traba- 
lho aturado. 

O veneno miasmatico, introduzido na economia, perturba as funcçoes 
vitaes, e dá causa a reacções, que duram por mais ou por menos tempo. 
O frio mostra a natureza depressiva do veneno ; é este o seu effeito im- 
mediato ; o calor, intermediário entre a acção immediata do veneno e a 
reacção vital do organismo, é, por assim dizer, o signai que indica a vi* 
ctoria do organismo sobre o seu terrível inimigo. 

Quando o frio é intenso e se prolonga por muito tempo, o medico 
deve intervir para dominar o accesso. 

Coltocam-se junto aos pés, aos lados das pernas e dos braços, botijas 
de agua quente, emquanto não chega o calor. São convenientes fricções 
de álcool camphorado com sulphato de quinina, e internamente dá-se uma 
ou duas colheres de vinho bom do Porto, uma chávena de chá da índia, 
ou de folhas de laranjeira. Sustentam-se sinapismos nas plantas dos pés 
e nos gemellos, havendo dores de cabeça ; os sinapismos volantes são 
úteis n'estes accessos. 

O sulphato de quinina applica-se em fricções nos sobacos, aos lados da 
eepk&a dorsal, e na parte interna das coxas ; applica-se em clysteres, 
quando se não pôde administrar pela boca. 

Na febre perniciosa algida é notável a exageração do frio, que se mani- 



cette propriété peut s'éteudre à beaucoup (Tautres lieux. Nous avons vu qu'on rencon- 
tre dans un môme climat, quelque restrein qu'il soit, aux Ántilles par exemple, des 
points rapprochés dont les uns sont des foyers très-intenses de fièvre, tandis que dou- 
tros en sont exempts, du tnoins comine foyers endémiques. Dutroulau, loc. cit., 
pag. m 



DOENÇAS m 

festa mais ou menos claramente em todos os accessos intermittentes. Se 
n'um accesso com evolução mórbida regular, é regra geral à não inter- 
venção da sciencia, quando se exagerar qualquer das soas phases o me- 
dico deve intervir com promptidão^rocurando auxiliar a natureza, a vis 
medicatriz, a fim de se chegar a um feliz resultado. 

O período do suor torna-se pernicioso, quando se prolonga por mais 
tempo do que è usual. 

Não se pôde fixar o termo médio da duração do frio, do calor e do 
suor em cada accesso, mas vê-se claramente pela expressão geral sympto- 
matica, se o accesso caminha para boa ou má terminação. 

O sal de quinina deve ser dado em dose conveniente, a fim de se pre- 
venir o segundo accesso, que pôde ser fatal. No hospital militar, em 1869, 
não se observou caso algum de febres perniciosas algidas ; mas na clinica 
civil appareceram alguns casos perniciosos fataes, que se devem capitular 
de febre perniciosa algida. * 

A dysenteria e a diarrhéa terão o devido tratamento, segundo as in- 
dicações do memento, que podem excluir o emprego do ópio e exigir o 
dos adstringentes. 

O sulphato de quinina applica-se por differentes modos, que não men- 
cionámos, por serem muito conhecidos. À dose em que deve ser dado não 
se aprende facilmente. 

N'esta ilha dá-se para uma febre, reconhecidamente paludosa, 4 a 
2 grammas de sal de quinina, puro ou associado ao ópio, ao ferro ou 
á genciana, segundo as diversas indicações tiradas do estado do doente, 
ou da sua pouca tolerância para este sai tão amargo. É boa a forma pilular, 
e o melhor adjuvante é a limonada sulphurica, que se torna indispensável. 

As pessoas de certa ordem preferem remédios agradáveis, e é do de- 
ver do medico ter sempre em consideração os haveres dos doentes. 

A limonada taitarica, por exemplo, pôde acompanhar as pílulas que 
se receitam em casa de uma família abastada, formulando-se também limo- 
nada de citrato de magnesia, etc. 

Em casa de um pobre, o cozimento de linhaça, de grama ou de gen- 
ciana e o sal amargo é mais económico e pode-se satisfazer ao mesmo fim. 

Quando as urinas são grossas ou sedimentosas, emprega-se no hos- 
pital de S. Thomé o tratamento seguinte : 

i. a Formula 

Grama í . . .. 

n . . . } aa 2 oitavas 

Panetana \ 

Agua , 2 libras 

Ferva para ficar em 1 libra, coe e ajunte : 

Nitro purificado , */* oitava 

Xarope aperiente i onça 



244 CAPITULO Vm 



2.* Formula 



Sulphato de quinina . . ) _ . . 

„ / . , ^ . } aa 1 escropulo 

Extracto de genciana . . \ r 

F. S. A. seis pilalas. 

Tomam-se três pílulas á noite e três de manha cedo, quando o accesso 
se manifesta no meio do dia. 

O embaraço gástrico e as saburras dificultam a absorpçao do sal de 
quinina, e por isso na maioria dos casos receita-se a seguinte formula : 

Folhas de senne 1 oitava 

Manná 1 onça 

Sulphato de magnesia l 1 /* onça 

Agua fervendo 1 libra 

F. S. A. 

Toma-se por duas vezes, com intervallo de dez minutos a um quarto 
de hora. 

Este tratamento é efficaz, quando faltam as complicações, e quando a 
intermittencia é plena. As modificações que elle deve ter provém das 
idiosyncrasias dos doentes, poisque alguns não toleram as pílulas e ou- 
tros vomitam com o purgante. N'esta parte não se dão regras nem con- 
selhos ; o medico procede segundo a sua sciencia e consciência. 

A doença paludosa deve considerar-se essencial, e é sempre contra 
ella que se applica o sulphato de quinina dissolvido em limonada sulphu- 
rica, ou em café, ou mesmo envolvido em um pedaço de hóstia molhada 
em agua fria, para se adaptar facilmente á forma que se lhe quizer dar. 

Aos indivíduos nervosos, ou facilmente impressionáveis, dá-se o va- 
lerianato de quinina. 

N'um e n'outro caso a limonada sulphurica auxilia a absorpçao do 
medicamento e não é conveniente substituil-a. 

A febre paludosa não é perniciosa só porque a sua gravidade é instan- 
tânea ; o desenvolvimento de um symptoma ou de um grupo de sympto- 
mas pode fazer prever a gravidade immediata ou a perniciosidade da 
febre. O temperamento do individuo faz apparecer muitas vezes um ele- 
mento pernicioso ; sem intermittencia de symptomas é difficil conhecer a 
evolução das manifestações paludosas. 

A tendência ao somno e á somnolencia não precede o coma ; apre- 
senta-se isolada. O coma é symptoma grave, e põe a vida do doente em 
imminente perigo. 

A causa determinante do coma não é bem conhecida, aindaque se 
tenham figurado diversas hypotheses. 



DOENÇAS 245 

Entre três mil e quinhentos casos de febres paludosas puras com inter- 
mittencia perfeita (durante um período de cinco annos) não se obser- 
vou no hospital de S. Thomé um único caso de coma. A infecção miasma- 
tica produzia uma febre essencial, com evolução regular, ficando os doen- 
tes em plena apyrexia. Os doentes saíam dos mesmos logares d'onde vi- 
nham aquelles em que o coma apparecia, e determinava quasi sempre 
a morte. A observação destes factos leva-nos a reputar o miasma palu- 
doso com idêntica acção mórbida na máxima parte dos casos, variando 
somente os seus effeitos segundo as predisposições do individuo, o seu 
temperamento, modo de vida e occasião em que a infecção miasmatica se 
verificou; não traz a intensidade da sua origem. 

O tratamento do coma é symptomatico e preventivo. 
O tratamento symptomatico tem por fim combater o coma, modiíi- 
cando-o ou destruindo-o ; o preventivo dirige-se contra a infecção palu- 
dosa, a fim de se não verificar novo accesso comatoso. 

Os revulsivos nas extremidades, clysteres medicamentosos, refrige- 
rantes na cabeça, fricções geraes, ventosas sarjadas aos lados da espi- 
nha dorsal, sangrias locaes por meio de sanguesugas, representam o cam- 
po em que o medico tem de escolher os seus agentes contra tão grave 
moléstia. Precisam de trabalho prompto e bem dirigido, que são as con- 
dições geraes quando se trata de cortar um accesso comatoso. Se o me- 
dico triumphar do primeiro, e não prevenir com exactidão o segundo, os 
seus cuidados serão inúteis. 

A remittencia nas doenças paludosas depende de varias causas, que 
o medico só pôde descobrir á cabeceira do doente, e depois de ter pratica 
esclarecida. 

A evolução da doença paludosa é modificada pela natureza do indivi- 
duo, e apresenta-se com a forma remittente ou continua bem pronunciada 
em muitos casos graves. 

Observam-se no hospital febres sinochas ou continuas, cuja duração 
não excede três a cinco dias ; também ha casos de febres ephemeras. Dis- 
tinguir os phenomenos iniciaes d'estas doenças, e os de uma doença palu- 
dosa remittente, ou continua, é muito difficil. 

A prudência exige que se prepare o doente, dando-lhe o purgante que 
for indicado, segundo as indicações da occasião, mas o medico não deve 
esquecer a localidade em que exerce a medicina. Uma segunda visita pôde 
dissipar algumas duvidas, e auctorisar a applicação do sulphato de quini- 
na, porque debaixo d'estes symptomas de benignidade, quando menos se 
espera, está o principio infectuoso, irrompendo em uma febre paludosa 
grave. 

A continuidade da febre paludosa representa o seu alto grau de gra- 
vidade, e exige grande presteza na applicação dos remédios ; a remitten* 



Jtt CAFRTLO TIU 

cia é sempre acompanhada âe ineommoâos graves, a que o medico deve 
prestar attenção. 

A base do tratamento rfestas formas da febre pahtdosa è symptoma-» 
tiea, activa e preventiva. 

Prescreve-se a dose do sulphato de quinina necessária para destruir a 
acção miasmatica ; combatem-se os symptomas pelos meios apropriados ; 
repetem-se as doses do sal de quinina, a fim de se prevenir a continua- 
ção da febre. 

Nas doenças paludosas que se revelam por uma nevralgia qualquer, 
intermittente ou continua, convém o mesmo tratamento fundamental, e 
sâo indicados os opiados e calmantes. 

Nas febres palustres que foram tratadas no hospital desta cida- 
de n3o houve um único caso fatal I É importante e significativo este 
facto. 

Entre 580 doentes, appareceram 358 casos com intermittencia plena 
e accessos quotidianos, 53 com intermittencia plena e accessos terçfos, 
169 com remittencia, sendo diárias as exacerbações que a evolução mor* 
bida manifestava. 

Quando não ha intermittencia perfeita, não se pôde saber com exacti- 
dão com que phenomenos se apresenta a infecção paludosa, e quaes sâo 
os que lhe não pertencem. 

Deve finalmente ter um prognostico favorável a pouca gravidade da 
evolução mórbida palustre, quando n'ella não ha complicações, ou quando 
acommette os doentes pelas primeiras vezes. 

Às doenças consecutivas, os desarranjos orgânicos, e as complicações 
causadas pela infecção repetida e desmarcada dão ás endemias (Testa ilha 
a máxima gravidade. 

Doenças biliosas. — Se ha difficuldade no diagnostico differencial das 
espécies paludosas, no prognostico e no tratamento que ellas exigem na 
cidade de S. Thomè, não é muito menor aquella que offereceroas doenças 
biliosas. 

Distinguir bem uma doença biliosa, conhecer a sua evolução, tradu- 
zindo dos symptomas a sua gravidade e os órgãos mais lesados, e, espe- 
cialmente avaliar até onde chega a evolução paludosa, e onde começa a 
biliosa, ou se desenvolvem parallelamente ; descriminar uns symptomas 
dos outros, só a pratica esclarecida e o estudo constante d'e$tas doenças 
endémicas podem ensinar. 

Em que occasião se dominam por meio de um cáustico sobre o figado 
os phenomenos biliosos? 

Quando é prejudicial o sulphato de quinina e qual a dose conve- 
niente? 

Isto somente se aprende á cabeceira dos doentes. 



DOENÇAS 247 

Os purgantes são variados, e a sua escolha não pôde ser indiffe- 
rente. 

Quando é mais útil dar os calomelanos { ou um emeto-cathartico? 

A limonada de citrato de magnesia com 2 grãos de tártaro emético, 
ás vezes dá um excellente resultado na febre biliosa grave, e a ipeca- 
cuanha é de um effeito seguro e salutar, quando está bem indicada. 

Em que circumstancia se deve preferir um ou outro? 

O tratamento das doenças biliosas necessita de muita attenção. Galos 
symptomas são o signal provável do termo funesto da doença, e o me- 
dico não deve com os seus medicamentos provocar o apparecimento 
d'elles. 

A febre perniciosa ictérica é uma doença endémica gravíssima, em 
que o medico deve intervir com rapidez. 

A ipecacuanha presta bons serviços n'esta forma da infecção palustre; 
as limonadas sulphurica, tartarica e nítrica, as bebidas diuréticas, os 
anti-spasmodicos, os revulsivos, os tónicos, etc, offerecem bons agentes, 
que o medico pôde applicar com vantagem, mas não é n'este ponto que 
está a difficuldade ou a particularidade do tratamento. 

Declarada a febre perniciosa ictérica, e sendo o medico chamado para 
a debellar, cumpre-lhe examinar immediatamente o doente, avaliar a evo- 
lução mórbida, por entre os symptomas actuaes, e descobrir a tendência 
da doença, porque os phenomenos hemorrhagicos, typhoides, adynami- 
cos, etc, etc. podem apresentar-se de um momento para o outro, e pôr 
a vida do doente em risco imminente. 

As localisações devem ser procuradas com escrúpulo. 

Por mais attenção que o medico lhe preste não lhe é fácil obter uma 
indicação segura, a fim de o decidir em favor de uma medicação útil e ef- 
ficaz. 

Deve dar um purgante, um vomitório, ou um emeto-cathartico? % 

Entre estes agentes therapeuticos, qual é o mais inoflfensivo e o mais 
profícuo? 

A constante excreção da bilis e as dores da região hepática levaram 
alguns médicos a tratar esta moléstia, empregando por todo o tempo pos- 
sível calomelanos em dose fraccionada, e successivos purgantes de sal 
amargo; applicaram cáusticos sobre a região hepática, sinapismos volan- 
tes e ventosas sarjadas, e em muitos casos recorreram somente aos pur- 
gantes de sal amargo. 



1 A facilidade com que os calomelanos se transformam em veneno, ou por effeito 
de uma alta temperatura ou na presença de diíferentes ácidos, e a gravidade da sali- 
vação, que este medicamento produz, reclamam moita prudência na app)ieaç£od'aquelle 
medicamento; os perigos a que expõe. não equivalem aos seus benefícios. 



2*8 CAPITULO VIU 

A particularidade do tratamento revela-se na continuada applicação 
de e vacilantes; os calomelanos destinavam-se a regular a funcção hepática, 
o sulpbato de magnesia a expulsar a bílis, mas os doentes morreram 
extenuados ! ! 

N'esta gravíssima doença, a primeira condição para o medico obter 
um resultado favorável, é conservar todas as forças do doente, animal-as 
e empenhar-se em dirigir a evolução mórbida, sem se esforçar em a cor- 
tar violentamente. A escolha dos remédios é portanto da máxima impor- 
tância. 

A limonada de citrato de magnesia, que se gradua segundo as forças 
do doente, ou aquella a que se junta um a dois grãos de tartaro-emetico, 
exerce acção profícua no tubo intestinal facilitando a excreção da bilis. e 
a sua explosão pela boca ou pelo anus; a natureza das urinas exigem be- 
bidas diuréticas; a infusão de grama e o nitrato de potassa estão bem in- 
dicados, e também a infusão de linhaça, a de paríetaria; a de cevada e 
grama, etc. ; os vómitos constantes exigem bebidas nevadas, o emprego 
do chloroformio, e com especialidade a infusão de ipecacuanha ; a diarrhéa 
biliosa reclama a applicação dos adstringentes. 

A limonada sulphuríca com sulphato de quinina forma a base do tra- 
tamento, se predominam manifestações mórbidas da acção do miasma pa- 
lustre; debellar a infecção miasmatica, diminuir a intensidade dos sympto- 
mas, sustentar as forças do doente, prevenir novas complicações é o 
dever do medico em presença de uma febre perniciosa ictérica. 

Os sinapismos volantes, os cáusticos, as fricções com vinho do Porto, 
sulphato de quinina, as ventosas sarjadas, as sanguesugas, os clysteres 
medicamentosos e alimentares e outros remédios serão aconselhados se- 
gundo as differentes indicações. 

As formulas seguintes são muito usadas n'este hospital quando ha ten- 
dência para o estado adynamico. 

l. a 

Sulphato de quinina 12 grãos 

Gamphora em pó 6 grãos 

Extracto de genciana q. b. 

F. S. A. 

2. a 
Almíscar) _ tl 

Nitro.. .j aa «/«escropulo 

Xarope commum q. b. 

F. S. A. 

A primeira formula suppõe a existência da infecção palustre, e a se- 
gunda applica-se quando se julgam dominados os seus effeitos. 



DOENÇAS 249 

Quizemos somente mostrar a importância e attençao que se tem dado 
ás moléstias endémicas (festa cidade, mas não desejámos dar como mo- 
delo o tratamento seguido em taes doenças. 

Os médicos que exercem a clinica n'esta cidade não têem tempo para 
descrever os symptomas, os diagnósticos e tratamento das doenças que 
examinam. Importa que o seu formulário seja variado e seguro, que re- 
jeitem as substancias medicamentosas incertas, e procedam com energia 
a tempo. 

Presta ordem de doenças o dr. J. C. Nunes reputa a profunda côr 
ictérica, como symptoma de bom agouro, distingue 4 a evolução da icterí- 
cia e a da febre paludosa, que pode ser continua, remittente ou inter- 
mittente, desenvolvendo-se estas doenças parallelamente ; o tratamente é 
n'este caso mixto. 

Anemias e ccwheocias. — À anemia tropical e a paludosa precisam de 
um tratamentd activo e regular, e não devem ser desprezadas, pois con- 
correm para a gravidade de todas as outras doenças, e são complicações 
permanentes ; raras vezes se observam desacompanhadas de outras ma- 
nifestações mórbidas. A relação de mortalidade d'este grupo de idoenças 
no hospital de S. Thomé foi de 1 : 5,5. 

Nos mappas do hospital não figuram todos os casos, nem se pôde 
fazer idéa approximada da gravidade d'estas complicações nas moléstias 
endémicas, senão observando-as. 

O tratamento mais vantajoso compõe-se dos tónicos, estimulantes e 
analepticos*. É notável que a quina obtenha maiores vantagens que o sul- 
phato de quinina. A composição da quina justifica esta differença. 

São indicados os preparados de ferro, o vinho dó Porto e algumas ve- 
zes os banhos frios. 

É muito usada a seguinte formula em certos estados anemicos palu- 
dosos : 

Sulphato de quinina 1 escropulo 

Carbonato de ferro 12 grãos 

Camphora em pó 12 grãos 

Extracto de genciana q. b. 

F. S. A. dezeseis pílulas. 

1 As doenças endémicas das colónias merecem ser ensinadas nas escolas medico- 
cirúrgicas, havendo para isso uma cadeira especial, em que deve tomar assento um 
dos chefes do serviço de saúde do ultramar, que tivesse dado provas de saber e in- 
telligencia. Os alumnos antes de defenderem these devem ir exercer clinica nos hos- 
pitaes das suas colónias durante um anno, sendo as suas theses sobre assumptos espe- 
ciaes ás colónias. (Nota do relator,) 

1 Os analepticos téem boa applicação nas anemias tropicaes; os ovos quentes, 
leite, chocolate, óleo de fígados de bacalhau, etc, são de grande utilidade. 



ISO CAPITULO vin 

Tomam-se oito por dia ou quatro, segundo as circumstancias, M'esta 
formula entra o ópio quando está indicado ; tira-se uma» vezes a campho- 
ra, augmentam-se neutras os preparados de ferro, e diminue-se a dose do 
sal de quinina. 

vinho quinado tem indicação nos estados anemkos, assim como os 
banhos aromáticos, etc. 

Emquanto não apparecem edemas, diarrhéas, nevralgias e hydropi- 
sias, deve haver esperança de cura na mesma localidade ; mas quando 
apparecem estes symptomas, o único meio de salvação é a retirada do 
logar onde se adquiriu a doença. 

O ferro solúvel de Leras não nos merece confiança ; o lactato, o car- 
bonato e o iodureto de ferro são os preparados a que se deve recor- 
rer. 

O ferro reduzido pelo hydrogenio não se avantaja aos preparados que 
temos indicado. 

Todos .estes medicamentos produzem algumas vezes dores e constipa- 
ção de ventre, que reclamam a suppressão (Telles por alguns dias. 

O iodureto de ferro em pílulas deve tomar-se ao almoço e ao jan- 
tar. 

As complicações e symptomas mais ou menos graves T que se apresen- 
tam no curso d'estas doenças, exigem cuidados especiaes. 

Nas diarrhéas demoradas estão indicados os adstringentes e os tóni- 
cos. Obtem-se alguma vantagem das seguintes formulas 



Cato 1 escropulo 

Alúmen i_ _ 

Extracto gommoso de ópio j ° 

Xarope commum q. b. 

F. S. A. seis pílulas 

2. a 

Casca de simaruba 2 oitavas 

Agua fervendo 1 libra 

Infunda e coe. 

Este tratamento não deve fazer cessar o das affecções primitivas, 
e deve combinar-se com o das complicações. 

Os edemas e a anasarca que se seguem ás enemias e cachexias, pre- 
cisam de um tratamento enérgico. As seguintes formulas são de frequente 
uso n'este hospital. 



POKKCAS m 

Quina em pò grosso . . . , « 4 oitavas 

Agua 16 onças 

Ferva para flear 1 libra, e infunda 

Raiz de serpentária de Virgínia 2 oitavas 

Coe ainda quente, e ajunte depois de frio 

Álcool de canella 4 oitavas 

Para tomar em três porções por dia. 

2. a . 

Álcool camphorado I onça 

Sulphato de quinina I escropulo 

F. S. A. para fricções . 

Em vez d'esta formula pôde empregar-se esta : 

Álcool camphorado . . 1 onça ' 

Tintura de quina composta 1 onça 

F. S. A. 

É impossível fazer a enumeração perfeita das indicações e da corres* 
pondente medicação para se debellarem as cachexias que se manifestam 
n'esta ilha. 

Dysenteria endémica 4 . — Para se atacar a dysenteria ha vários medi* 
camentos a que o medico deve recorrer ; os principaes são : a ipecacuanha, 
o ópio e os calomelanos. No hospital de S. Thomé empregam-se, segundo 
os casos, variadas formulas em que entram associados estes três agentes 
anti-dysentericos. O cozimento branco como bebida, os semicupios, os 
clysteres emolientes são também aconselhados com vantagem. 

Os casos communs de dysenteria cedem ao seguinte tratamento : 

1 ,° Purgante de óleo de rícinos. 

2.° Clysteres de laudanum de Sydenham em agua tépida. 

3.° Cataplasmas emolientes sobre o ventre, depois de um semicupio. 

4.° Cozimento branco para bebida. 

Depois de um clyster de agua morna dá-se um com laudanum, e de- 
mora-se por todo o tempo possível. 

Repetem-se os clysteres e os banhos, segundo as indicações que se 
apresentarem. 

1 O tratamento da dysenteria endémica é complexo; nSo o descrevo n'este rela- 
tório, porque não pude tirar os apontamentos necessários das papeletas do hospital, 
nas quaes se acham classificadas as disenterias em communs, sanguíneas e maiigaas 
ou endémicas. (Nota d» relatpr.) 



Í5J CAPITULO VIU 

Nos casos ordinários este tratamento faz mudar a natureza das maté- 
rias das dejecções, o que determina ou obsta a que se continue. 

Na dysenteria e na diarrhéa, quando passa o período agudo, é útil a 
seguinte formula, muito usada n'este hospital. 

Agua distillada de alface 4 onças 

Extracto de ratanhia 18 grãos 

Xarope de morphina 1 onça 

F. S. A. 

Toma-se ás colheres de sopa de hora em hora, as mais das vezes. 

A ipecacuanha dá-se por diflferentes modos na dysenteria, sendo bem 
applicada em infusão. A dieta deve ser rigorosa no estado agudo, de- 
vendo dar-se, por bebida ordinária, agua de arroz, cozimento de cevada 
e grama, etc. 

As formulas para o tratamento da dysenteria são variadas, e algumas 
são de médicos afamados, como Boudin, e Delioux ; mas todas téem por 
base a ipecacuanha, os calomelanos e o ópio 1 . 

Bronchitese pneumonias. — Asaffecções das vias respiratórias, acom- 
mettem mais os indígenas que os europeus, sem comtudo se poder dizer 
que estes sejam isentos de taes affecções. 

Os remédios que mais frequentemente se applicam n'este hospital, 
para debellar as bronchites, são variados e mais ou menos activos se* 
gundo a doença se apresenta no estado agudo ou ôhronico. 

A bronchite aguda exige um tratamento activo , mas sem se applicar 
a sangria geral, como se pratica nos climas temperados. O tártaro emético 
presta bons serviços n'esta moléstia. O tratamento auxiliar não tem nada 
de especial, e por isso não nos demorámos em considerações a seu res- 
peito. 

A bronchite chronica n'esta ilha é quasi sempre incurável. O recei- 
tuário mais frequente compõe-se das seguintes formulas : 

l. a 

Kermes mineral 6 grãos 

Qpio purificado 2 grãos 

Extracto de alcaçuz 1 escropulo 

F. S. A. seis pílulas 

é 

1 Acerca do tratamento da dysenteria escreveu Dutroulau o mais perfeito artigo 
que temos lido. Falia este notável pathologista do petit-lait mannê, considerandos 
como um remédio especial da diarrhéa endémica. Não tivemos occasiáo de applicar 
este preparado na clinica do hospital nem na civil, e não nos consta qu£ se tenha feito 
uso d'elle n'esta provinda. (Nota do refator.J 



DOENÇAS 253 

2. a 

Raiz de althéa % 4 oitavas 

Raiz de alcaçuz 3 oitavas 

Agua a ferver 2 libras 

Infunda por duas horas e coe 

Tomam-se duas pílulas pela manha, e um copo d'esta infusão, repete- 
se ao meio dia e á noite ; também se dão três pílulas á noite e três de 
manhã. 

Dá-se o kermes por diflferentes modos e os opiados ; empregam-se 
emplastros na região do estômago, e applicam-se revulsivos segundo a 
gravidade da doença. 

A farinha de salepo, o musgo islandico, as pílulas de cynoglossa, o bál- 
samo de Tolú, são medicamentos que o medico emprega constantemente 
na clinica hospitalar, mais para modificar os symptomas, do que para 
obter uma cura radical ; as pílulas balsâmicas de Morton e os cozimentos 
de althéa têem grande applicação ; o julepo gommoso a que se reúne al- 
gum preparado activo ou calmante, também se tem dado aos doentes ata- 
cados de bronchites chronicas. 

Não falíamos da dieta nem dos meios que a hygiene aconselha, por- 
que nos restringimos ao que se passa na clinica, e damos conta do seu 
estado actual, em 1869. Não apresentámos n'este logar a nossa opinião nem 
a de nenhum medico em particular ; temos diante de nós as papeletas, e . 
enumerámos os diversos medicamentos de que se tem lançado mão para 
debellar estas e outras doenças, segundo o formulário adoptado em 1869 1 . 

Nas pneumonias applicam-se as seguintes formulas : 

l. a 

Agua distillada de flor de larangeira . . . ' 8 onças 

Tártaro emético 12 grãos 

Xarope de morphina 1 onça 

Dissolva s. artem. 
Para tomar ás colheres de sopa, de meia em meia hora. 

1 Os médicos aqui são obrigados, em geral, a circumscrever o seu receituário aos 
limites do formulário do hospital. Podem reunir differentes formulas, e até modifi- 
cai -as em caso de necessidade reconhecida, assim como lhes é licito formular qual- 
quer medicamento da sua confiança; mas estas concessões são sempre objecto de re- 
paro. 

Julgámos necessária a introducção de algumas formulas no respectivo formulário, 
6 supprimir-lhe aquellas que são inúteis, ou mal combinadas. A sciencia tem progre- 
dido muito, as moléstias endémicas vão-se conhecendo, assim como o tratamento cor- 
respondente ; os formulários hospitalares devem, portanto, receber a benéfica influencia 
do progresso scientifico t^as colónias. 



m GApmiLo viu 

2.» 

Massa cáustica i onça 

Estenda sobre panno adhesivado. 

Os cáusticos são maiores ou menores, segundo a superfície cutânea 
que se quer cobrir. 

Em poucos casos actualmente se applica a sangria geral, cujos fre- 
quentes maus resultados n5o compensam os seus raros benefícios. 

O tratamento da pneumonia varia muito de individuo para individuo; 
tomam-se em consideração as suas complicações, a extensSo dos órgãos- 
lesados, o seu caracter adynamico, etc. ; mas seja qual for o tratamento 
indicado, a sangria geral é quasi sempre contra-indicada*. 

Os antímoniaes, os opiados e os revulsivos fornecem ao medico ópti- 
mos agentes para debellar esta gravíssima doença dos indígenas. 

Não empregámos tratamento especial na tísica nem na hepatite, que 
è pouco frequente \ e por isso não fazemos considerações a este respeito. 

Rheumatismo. — Os indígenas são acommettídos por doenças rheu- 
maticas sob differentes formas 8 . Os lumbagos, as pleurodinias, o rheu- 
matismo articular constituem as formas principaes d'esta moléstia, muito 
frequente nos indígenas. 

Às ventosas sarjadas no lumbago e na pleurodynia são de grande utili- 
dade ; o bálsamo opodeldoch, as fricções calmantes e o iodoreto de po- 
tássio constituem o tratamento principal, que é ampliado por outros re- 
médios mais ou menos activos, segundo as respectivas indicações. 

Ulceras. — O tratamento das ulceras é hygíenico em geral, mas em- 
pregam-se, segundo as indicações, cáusticos, substancias adstringentes, 
dissec.cantes ou emollientes, e um tratamento interno conveniente, mas sem 
o menor resultado 4 ; o doente sáe curado, mas no fim de pouco tempo 



1 Téem sido proclamados differentes methodos para se debellar a pneumonia, fi- 
gurando entre elles o -metbodo expectante. O methodo de Sydenham, recommendado 
por fioillaud, e combatido por Chomel e Grisolle, baseia-se nas sangrias geraes; o me- 
thodo de Rosari que se deve considerar mixto como o de Laennec, parece ter maior 
rojj&ero de sectários. Espoado o modo por que n'este hospital se combatem as pneu- 
monias, Dão podemos alargar -.nos em considerações, para justificar o que se prática na 
ilfa* de S, Thom4, onde os methodos que se seguem na Europa téem muitos e profun- 
dos iocojmflweoites. 

2 Veja-se o mappa n.° i. 

3 Veja-se o mappa n.° i. 

* Nem pelos meios hygienicos nem pelos agentes activos ou therapeuticos se chega 
a obter a cicatrização regular das ulceras que acommettem os indigenas de um modo 
exJmordiaarioi Ha ulceras que obrigam os doentes a permanecer no hospital por me- 
zes consecutivos, sendo infructiferos todos os esforços da medicina. 



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volta ao hospital com a mesma ulcera aberta e aggravada, e ás vezes com 
muitas outras! 

Moléstias de aclimação. — Entre as moléstias próprias do clima ha 
algumas que causam padecimentos atrozes. O lichen europeu não é grave, 
mas ê assas incommodo. 

O tratamento d'esta affecção cutânea é simples. As loções de agua 
fresca com aguardente causam allivio momentâneo; estão no mesmo 
caso as de agua fresca, contendo amido e claras de ovos muito batidas. 

O mais regular é trazer o ventre livre, usar de alimentação vegetal e 
fresca, tomar banhos frios, ou fazer lavagens de agua fria e polvilhar de- 
pois com pó de arroz, com amido, lycopodio, etc. 

O eczema, que se apresenta entre as superfícies contíguas, incommoda 
muito. O uso de pós inertes, o emprego de loç5es emollientes e o de qual- 
quer pomada disseccante vence a doença em quarenta e oito horas as mais 
das vezes. 

O tratamento da anemia tropical, doenças biliosas, díarrhéa bíliosa, 
etc, fica indicado em dífferentes logares d'este capitulo. As doenças de 
aclimação, quer internas quer externas, devem ser tratadas radicalmente. 
Uma daá melhores condições para se conservar a saúde é attender com 
cuidado a todos os incommodos, ainda os mais leves, e não abusar de 
remédios empyrieos, que tão facilmente são aconselhados n'esta ilha. 

Gengitrite. — As gengivas têem grande tendência a sangrar, tomam-se 
fungosas, o collo dos dentes cobre-se de elementos destruidores, amarei- 
lados ou negros. 

É prejudicial a pratica de queimar as gengivas onde a carne se des- 
pega dos dentes, tornando-se fungosa e sangrenta. 

A hygiene da boca deve occupar seriamente a attençSo dos europeus. 
De manhã, depois do almoço e do jantar, os dentes devem ser bem lim- 
pos com pó de carvão vegetal e lavados com agua morna. Á noite tonifl- 
cam-se as gengivas com bom vinho do Porto ou com tintura de quina e 
álcool eamphorado. 

Empregando-se este methogo não será fácil apparecer o incommodo 
das gengivas, tão frequente n'esta ilha, e se por acaso se declarar uma 
gengivite é preciso consultar o medico, a fim de elle indicar o tratamento 
geral e local, porque pôde haver algum symptoma de escorbuto oa de 
caehexia tropical, e até embaraço gástrico. 

A falta de attenção com a boca pôde acarretar a perda dos dentes, 
e até a morte como infelizmente se tem observado n'esta ilha ! 



Merece muita attenção dos médicos esta notável predisposição dos indiganas para 
a ulceração das extremidades inferiores. 



256 CAPITULO VIU 

Deixámos de enumerar um grande numero de moléstias, assim como 
não falíamos dos respectivos tratamentos, porque umas não figuram nos 
mappas do hospital e outras não têem tratamento conhecido ; está n'este 
caso o maculo ; a elephantiasis dos árabes ; a doença do somno ; as ca- 
chexias dos pretos e as suas hydropisias; as doenças vermiculares ; o 
pian de Alibert; as ulceras, que são tão rebeldes como frequentes; o 
pemphygus; o ectima; a sarna, que, segundo alguns facultativos, é 
muito vulgar; o vitiligo, que tanto apparece nos brancos como nos pre- 
tos ; as frequentíssimas doenças de bexiga ; a frequente constipação intes- 
tinal 4 , que dura em alguns pretos quarenta dias. 

A arte de curar é difficil e muito complexa, seja qual for a localidade 
onde o medico a exerça ; mas ifesta ilha a difficuldade cresce na rasão di- 
recta da rapidez com que as doenças endémicas matam os europeus, e no 
modo incógnito com que fazem a sua evolução muitas doenças entre os 
indígenas. 

É preciso diagnosticar precisamente e formular uma receita que possa 
actuar com promptidão ; passadas doze horas o auxilio da medicina pode 
ser inútil t ! 

. A esta circumstancia reune-se a da occasião em que se manda chamar 
um medico, sendo mais opportuna algumas vezes a presença do padre 
para tratar da alma, porque o corpo já não tem salvação possível 2 . 

O tratamento das doenças endémicas no hospital é receitado, como 
dissemos, segundo um formulário feito em 1856, ao qual se addicionou 
um complemento em 1865. Este formulário contém quatrocentas e trinta 
e oito formulas, mas precisa de ser modificado. 

No hospital ha direcção scientifica no tratamento das doenças ; mas 
entre os habitantes da cidade e os naturaes de toda a ilha dá-se pouca im- 
portância aos conselhos médicos ; ha vícios gravíssimos no tratamento, e 
commettem-se abusos inclassificáveis. 

Em cada fazenda ha boticas e enfermarias dirigidas por enfermeiros 
inhabeis, que não dão conta alguma do que fazem ; os pretos têem os 
seus jnedicos, os seus sábios, o seu manipanso, quando são cabindas, e 
não procuram os médicos. 

As casas de saúde para os convalescentes e para todos aquelles que 
adoecem na cidade seriam um grande e fecundo meio de economia, e a 
realisação de uma idéa humanitária, porque serviriam para os desfavo- 
recidos de fortuna, que não podem sair d'esta ilha. 



1 Observámos alguns casos de morte por effeito da constipação pertinaz de ventre, 
e attribuimol-a á alimentação que predispõe para esta moléstia, e ao abuso que n'esta 
ilha se faz de purgantes. 

2 Veja-se no primeiro capitulo d'este relatório a pag. 119, nota !.• 



CAPITULO IX 



as medicinares próprias do paiz * 



£ como embaraços análogos aos qoe acabo de mencionar se oppoem 
aos Tiajantes scientificos em qnasi todas as terras da Africa tropical, 
não é para admirar qoe tanto a Flora como a Fauna, e bem assim a es* 
tructura geológica deste mysterioso continente, sejam até agora apenas 
conhecidas em fragmentos, e mesmo estes restringidos aos países situa- 
dos na costa, emqnanto qoe a maior parte do vastíssimo interior, e mor- 
mente as terras elevadas e montanhosas, os altos planos e serranias con- 
tinuavam a ficar, apesar de moitas e enérgicas tentativas e de numerosas 
victimas de assignalados naturalistas, nma terra incógnita. 

(Apontamentos phyto-geograpkicos sobre a flora ia provinda de Angola, 
pelodr. F.Wehritsch.) 



O estudo da flora de Angola está encetado n'aquella província. Às pa- 
lavras que adoptámos para epigraphe são de um explorador que apre- 
sentou vários escriptos a tal respeito 2 . 

Não nos consta que se tenha procedido a alguns estudos nas ilhas de 
S. Thomé e Príncipe, e, como as divagações não têem vantagem alguma, 
quando falta o conhecimento exacto da especialidade, contentámo-nos com 
dizer que se deve começar a estudar a rica e variada flora d'estas ilhas. 

A respeito da flora de S. Thomé, sob o ponto de vista de therapeu- 
tica, escreveu o dr. José Correia Nunes: 

«Pelo que toca a plantas medicinaes próprias do paiz, estou persua- 
dido que esta ilha não é desfavorecida pela natureza, e julgo que um es- 
tudo especial sobre este ramo de historia natural não seria sem bom re- 
sultado, porquanto tenho noticia de que os indígenas empregam em seus 
curativos algumas plantas do paiz com virtudes especiaes, que elles co- 
nhecem, mas cujas propriedades elles se recusam divulgar. Não compor- 



1 Pertence este capitulo á historia natural, e ahi o deveríamos incluir senão qui- 
séssemos significar que a botânica medica se deve separar do estudo botânico em 
geral. 

2 Annaes do conselho ultramarino, parte não official, serie i.% dezembro de 1858, 
n. 55; idem, parte nâo official, serie 3.*, setembro, outubro e novembro de 1862. 

17 



258 CAPITULO IX 

tando porém o serviço clinico com investigações (Testa ordem, que de- 
mandam habilitações especiaes, que só pôde exhibir um individuo que se 
dedica a essa especialidade, entendo que o nosso governo lucraria muito 
enviando á ilha de S. Thomé uma pessoa habilitada, como enviou para 
Angola. » 

Desde ha muito tempo que se pede para se começar o exame da flora 
d'esta ilha. 

Lopes de Lima, em 1844, apresentou uma lista de algumas pro.duc- 
ções vegetaes, e acabou confessando que nada mais podia dizer sobre a 
botânica de S. Thomé, única possessão portugueza do ultramar que nunca 
visitou *. 

Pedimos instantemente para que tão importante estudo não seja vo- 
tado ao esquecimento, como até hoje ; perde com isto a sciencia e a agri- 
cultura, e nada ganha a salubridade, ponto principal que se deve ter sem- 
pre em vista. 

As drogas medicinaes mais vulgares n'esta ilha são o alcaçuz, a arte- 
mísia, a liamba (diamba ou riamba, cânhamo), o bálsamo de S. Thomé, 
empregado sobre as feridas, aloés (aloés cabaíino), cannafistula, a palma 
christi, os tamarindos, as malvas, o mil-homens, o gengibre, a cola, a 
canna doce, a mostarda, o libo, que os naturaes dão nas febres, o gue- 
gue, d'onde se tiram folhas para cobrir contusões, edemas e até feridas ; 
o quime, cujas folhas se empregam em cozimentos, o amido, a alfavaca 
de cobra, a herva de Santa Maria, que os indígenas empregam no trata- 
mento do maculo, o tapa olho, d'onde se extrahe um liquido branco que, 
caindo sobre os olhos, produz ardor e inflammação, muitas folhas adstrin- 
gentes, assim como a entrecasca de algumas arvores, que se dão em co- 
zimento na diarrhéa, e se applicam em banhos chamados aromáticos. 

Não augmentámos a lista das drogas medicinaes, porque não pode ter 
grande importância exposta d'este modo. 

O que deixámos enumerado mostra com clareza a necessidade de se 
proceder ao exame de drogas tão úteis e tão abundantes, e de que a me- 
dectna pôde tirar bom proveito. 

A pharmacia do estado não se fornece de nenhum dos vegetaes que 
abundam na flora medica d'esta ilha, e mandam-se buscar à metrópole 
aquelles que se podiam colher aqui ! 

Nem os médicos nem os pharmaceuticos têem procedido ao estudo e 
classificação dos vegetaes da ilha de S. Thomé, porque similhante traba- 
lho exige repetidas e demoradas visitas ao interior da ilha, em que se gas- 
taria muito tempo. 



Lopes de Lima, loc. cit., 4.» parte, pag. 42 e 46, e additaraento. 



DROGAS MEDICINAES PRÓPRIAS DO PAIZ Í59 

i 

Angola, Benguella e Mossamedes têem sido explorados pelo distincto 
botânico, dr. F. Welwitsch* e pelo incansável zoologo Anchietta*. Estes 
abalisados naturalistas são subsidiados pelo governo, e applicam-se ao 
exame da flora e da fauna angolense. Devem divulgar-se os resultados dos 
seus trabalhos e indagações scientificas, a fim de serem conhecidas tanto 
nas colónias como na metrópole. 

Procedendo-sc assim, os médicos poderiam facilmente escolher, estu- 
dar e indicar as substancias que fossem úteis em medicina. 

Pôde por inducçao ou por analogia ser descripta e classificada a flora 
de S. Thomé, quer sobre o ponto de vista therapeutico, quer sobre qual- 
quer outro? 

É certo que alguns pontos da costa Occidental de Africa, ao sul e ao 
norte do equador, téem sido explorados; mas deve notar-se que a ilha de 
S. Thomé está debaixo da linha equinoccial até trinta minutos ao norte 
d'esta linha. A stia flora deve forçosamente diffcrençar-se da flora de An- 
gola ou dos Camarões, de Fernão do Pó ou de Benim, do cabo das Palmas, 
etc., etc. Independentemente d'esta importante consideração ha muitas 
outras de grande peso. 

Os adstringentes, por exemplo, abundam aqui nas folhas de muitos 
vegetaes e na entrecasca de muitas arvores. A medicina, que tantas vezes 
recorre a medicamentos d'esta ordem, ignora os recursos do paiz, e pede 
os vegetaes de um clima temperado sem attençao á economia, á utilidade 
publica e até ao bom resultado das substancias medicamentosas. 



1 O dr. Frederico Welwitsch fez os seus estudos em Angola, tomou diferentes 
apontamentos, e foi-lhe concedido fazer excursões scientificas aos museus de Londres, 
a fim de escrever o resultado das suas observações. 

É muito sensível a falta de um livro, onde se descreva com minuciosidade a flora 
de S. Thomé. Os apontamentos phyto-geographicos sobre a flora de Angola, publica- 
dos em jornaes scientrficos, só offerecem utilidade a poucas pessoas. A respeito d'estes 
trabalhos escreveu Welwitsch o seguinte : 

«Não é nem podia ser do meu intento n'estas paginas, o entrar em mais especia- 
lidades acerca dos numerosos vegetaes d'esta província; porque uma exposição de- 
scriptiva de todos os géneros e espécies de plantas n'ella observados deve formar o as- 
sumpto de uma flora do paiz, cuja elaboração aqui na Africa e na falta de todos os 
meios litterarios, que um trabalho d'esta natureza exige, por ora não se torna exequí- 
vel.» Estas palavras de um especialista, unicamente entregue ao estudo da flora de An- 
gola, são uma cabal justificação dos facultativos que têem exercido clinica na ilha de 
S. Thomé até 1869. 

2 O naturalista Anchietta foi encarregado da exploração zoológica da província de 
Angola, como se vê do seu contrato publicado no Boletim oficial d'esta província. Re- 
cebe 100$000 réis mensaes. 

Os trabalhos d'estes naturalistas deviam ser impressos, pelo menos, de seis em seis 
mezes. De outro modo só tira proveito d'estas suas explorações um ou outro individuo 
que possa estudar as collecções remettídas para Lisboa I 



260 CAPITULO IX— DROGAS MEDICINAES PRÓPRIAS DO PAIZ 

Para que se hão de importar de Lisboa malvas, parietaria, estramo- 
nio, mostarda, etc, se é fácil obter aqui estas e outras substancias the- 
rapeuticas? 

Os vegetaes deteríoram-se facilmente sob a acção húmida e quente 
(Teste paiz, e por isso não se devem mandar importar aquelles que n'elle 
'se poderem colher. 

A respeito da flora medica das nossas colónias lê-se no livro de Ma- 
téria medica, que se adopta nas escolas medicas, o seguinte trecho : 

cGom os domínios que possue a coroa de Portugal na Africa, na Ásia 
e na Oceania, os escriptos de sciencias naturaes de Portugal deveriam 
ser de um interesse immenso, se porventura essas possessões estivessem 
exploradas; mas infelizmente não o estão, e o que ha feito n'este sentido 
é mais trabalho de estrangeiros do que de nacionaes! Dormimos o sômno 
vergonhoso da indolência e da ignorância á sombra dos frondosos louros 
que coroaram a fronte orgulhosa e nobre de nossos avós! » 

Não acrescentámos considerações algumas ás palavras do notável 
professor de matéria medica e de therapeutica na escola medico-cirurgica 
de Lisboa. Referimo-nos ao seu compendio publicado em 1862, introduc- 
ção, pag. xxi. 



CAPITULO X 

Historia natural 1 



Elevons-nous par la pense* hors des limites terrestres ou notre frèle 
humanité se troave emprisonaée et planant dans Tespace, considéroni 
cette terre, notre demeare, dassez haat poar qao soa uailó seale noas 
soit pereeptible. 

(M. d'Àvezac, esqaisse gcoérale de 1'Afrique, pag. 3. — Univers pUto* 
risque.) 



Reino animal 

Para salubridade da ilha pouco importa o conhecimento da fauna de 
S. Thomé. Dutroulau, examinando com muita precisão as doenças endé- 
micas de cada uma das colónias francezas, apresentou idéas geraes acerca 
do reino animal. 



1 Transcrevemos as perguntas que acompanharam uma circular de José da Silva 
Mendes Leal, para os governadores das províncias ultramarinas, a fim de se responder 
o que fosse possivel. 

Não conseguimos obter as respostas que se deram a respeito dos animaes e vege- 
taes que são peculiares a esta ilha, e foi por isso que tocámos n'este assumpto, que se 
nos afigura muito importante. 

Porque não foram publicadas, no Boletim official da província, as respostas que se 
deram ás perguntas feitas com tanto empenho? 

Temos encontrado muitas circulares recommendando o estudo da historia natu- 
ral, e até hoje não se nos deparou nenhuma memoria ou escripto a respeito de tal es- 
pecialidade; obvio é o motivo. 

As portarias ou circulares são enviadas ao governador de S. Thomé, mas não se 
trata do modo seguro e efficaz de pôr em pratica as suas recommendaçóes. 

Ha n'esta ilha animaes que lhe são próprios, e nos vegetaes encontram-se indiví- 
duos notáveis; mas para se colher, descrever e classificar os animaes e vegetaes é pre- 
ciso mais alguma cousa do que palavras. 

Quem se encarrega de preparar productos zoológicos, gasta tempo e faz despezas 
que lhe devem ser abonadas. Para ir ao interior da ilha deve haver conducção forne- 
cida pela auctoridade. Quando se recommendam officialmente exames d'esta importân- 
cia, cumpre que se faça responsável aquelle que acceitar o trabalho, obrigando-o a 
escrever um relatório circumstanciado para # ser submettido á approvação de pessoas 
competentes em Lisboa. 

Desde 1836 a 1869 encetaram-se muitas tentativas para se fazer prosperar esta 
ilha, e recommendou-se que se attentasse na sua flora e na sua fauna; mas pôde di- 
zer-se que nada se tem adiantado. Se ella fosse pobre e precisasse da protecção da 



262 CAPITULO X 

Nao seriam sem utilidade alguns trabalhos a este respeito. Não os fi- 
zemos por falta absoluta de tempo, e por isso transcrevmos o que lemos 
em Lopes de Lima. 

cDo reino animal, ainda menos noticias se encontram que a do vege- 
tal. A única espécie do género Mamalia que se achou tfesta ilha, aõ 
tempo do descobrimento, eram macacos de differentes castas, e muitos 
ratos assas damninhos. Os portuguezes ali introduziram logo gado vaccum, 
lanígero, cabrum e cavallar, o qual propagou suficientemente, e mais que 
tudo as cabras. Todo este gado se assimilha ao das ilhas de Cabo Verde, 
mas n5o é aqui t3o grande a sua quantidade, nem tal a sua barateza, que 
convide a fazer das carnes salgadas um artigo de exportação, como o 
pôde ser n'aquellas ilhas: ha coratudo bastante para o consumo dos ha- 
bitantes^ refrescos dos navios; tem grande creação de porcos, cuja carne 
é saborosa, mas já não tão delicada como era no tempo dos engenhos de 



metrópole ninguém se poderia queixar, mas a sua enorme producção e riqueza natu- 
ral auctorisa as queixas dos que vêem e conhecem o abandono em que ella está! 

As perguntas que se vão ler são importantes; e temos por muito conveniente 
que se mandem publicar as respostas, se existem, e que, no caso contrario, se lhes res- 
ponda, dando-se todo o auxilio a quem for encarregado de as estudar, e exigindo- se 
. a responsabilidade que for precisa para assegurar um bom resultado sem prejuízo para 
quem trabalha e com utilidade para esta colónia e para a metrópole. 

Perguntas 

i. a Haverá algum quadrúpede indígena ou introduzido no paiz onde reside, o 
qual (attendendo á definição do objecto em vista) mereça attenção com respeito á Gran - 
Bretanha, ou só alguma de suas dependências? Havendo, diga, se se pôde obter por 
preço rasoavel, e se é provável que possa correr o risco de transporte. 

2." Haverá alguma ave nas supraditas condições ? 

3." Haverá algum peixe nas ditas condições? 

4." Haverá algum insecto, etc? 

5.» Haverá alguma arvore de madeira? 

6.* Haverá alguma planta medicinal? 

7.* Haverá alguma planta fibrosa em que haja probabilidade de se tornar útil 
para fins manufactureiros ? 

8. a Haverá algum vegetal próprio para alimento do homem, para pasto, ou para 
outro qualquer fim útil? 

9.* Tem conhecimento de algum quadrúpede, ave, peixe, insecto, arvore ou planta, 
existente em outra qualquer parte, cuja introducçáo no paiz em que reside, daria um 
resultado proveitoso? Um dos fins da sociedade de aclimação é tornar recíprocos os 
benefícios que recebe de outros paizes. 

10.* Existe alguma organisação, ou* seria fácil creal-a, capaz de se encarregar do 
trabalho de introducçáo? 

Quaesquer observações fundadas em conhecimentos especiaes, ou informação lo- 
cai, que se possam tornar úteis ao progresso, de aclimação, são muito para desejar. 



HISTORIA NATURAL m 

» 

assucar, em que grandes manadas d'esses animaes se sustentavam dos 
resíduos das cannas, depois de machucadas. Os carneiros são poucos e ca- 
ros. Tem grande abundância de gallinbas domesticas das da Europa, e 
também das gallinbas de Guiné, ou gallinhas do mato, ha bem grande 
quantidade. De perus e patos não ha tamanha creação, mas não faltam a 
apparecer no mercado, em proporção da procura. As outras aves de que 
tenho lido ali toparem, são as seguintes : 

«Abutre, albatrós, andorinha, codorniz, coruja, corvo, estorninho, 
francelho, gaivota, garça, gavião, gralha, maçarico, melro, milhafre, mo- 
cho, morcego, pardal (ha-os de uma espécie mui linda, como canários, 
e com canto), pardelha, papagaio (são pardos), periquito (são verdes), 
pica-peixe, pombos, de varias espécies, rabo de junco, rola. 

« Nos matos não me consta haver feras, mas habita nos do oeste da 
ilha de S. Thomé, a terrível serpente denominada a cobra negra, de que 
a mordedura produz a morte immediata 1 ; chega a ter 12 a 15 pal- 
mos de comprimento ; é veloz em extremo e brilha como um espelho ; a 
cabeça é similhante á do pato com certas excrescências vermelhas como 
cristas, e tem o pescoço amarello. 

« Varias viverras se acoutam também n'essas matas, entre ellas uma 
espécie de gato de algalia ou viverra civella. Lagartos, lagartixas, sapos, 
acham-se por toda a parte ; e dos amphibios a rã, e o kagado, e nas praias 
d'esta ilha saem muitas tartarugas de que a casca se aproveita para o 
commercio, por ser de melhor qualidade. 

« Ha ali as mesmas qualidades de insectos, que se encontram em toda 
a Africa e na mesma abundância ; igualmente importunos são os mosquitos, 
meigas, e moscas, etc, e igualmente damninhas as formigas e as baratas, 
e mais que todos o termes destruidor, que no Brazil chamam cupim. 
Nos montes ha caranguejos da terra, que se comem por iguaria, e também 
os chamados bixos de pau, de que se nutrem ás vezes os vagabundos nos 
matos 2 .» 

A descripção de Lopes de Lima dá uma idéa approximada do reino 
animal de S. Thomé. 

Parece que a classificação zoológica tem certa importância, e os natu- 



1 Quer a respeito (Testas cobras, quer a respeito dos peixes e de muitas aves, 
nada podemos adiantar senão por informações, que pouca confiança podem merecer. 
A existência de pardaes, como canários, e com canto, não nos parece verdadeira. 

A descripção que Lopes de Lima fez da cobra preta, é extrahida da Chorographia 
de Cunha Matos; de um exemplar que o hospital militar possuiu, não foram tirados os 
signaes exteriores. Devem existir algumas no museu de Lisboa, para onde se remetteu 
este anno o exemplar que se achava n'este hospital. 

2 Lopes de Lima, parte i. a , pag. i$ e 13. 



264 CAPITULO X 

ralistas que se occupam d'este estudo em Angola, por conta do governo, 
deviam passar alguns mezes em S. Thomé. 

N'esta ilha não ha espécies notáveis, mas este trabalho não seria sem 
vantagem para a sciencia, e para o commercio e saúde publica, no que 
se torna necessário cuidar com toda a seriedade*. 



Reino mineral 

O estudo das cordilheiras que atravessam a ilha de S. Thomé, da sua 
vegetação, a natureza dos terrenos e da composição das aguas são traba- 
lhos importantíssimos. Reconhecemos a sua alta importância sob o ponto de 
vista da hygiene publica e da climatologia ; entendemos até que não é pos- 
sível escrever um relatório útil e verdadeiro acerca da salubridade ou da 
insalubridade d'esta. ilha, sem que se possa avaliar cada um dos elemen- 
tos acima referidos. É por esta rasão que mencionámos as noções seguin- 
tes, que são as mais approximadas da verdade no estado actual dos estu- 
dos feitos a respeito d'esta ilha. 

Ao estudo das montanhas deve acrescentar-se b estudo da natureza 
do solo e dos pântanos (nem todos são miasmaticos). 

A respeito de composição do solo da ilha de S. Thomé escreveu Lo- 
pes de Lima : 

tNo solo da ilha de S. Thomé predomina a argilla em parte combi- 
nada .com sílica, areia ou cal; mas por toda a parte extremamente fecunda 
e adaptada ás producçoes equatoriaes, até mesmo nas inaccessiveis mon- 
tanhas que formam a parte do sul d'esta ilha importante 2 .» 

Para verificarmos a opinião de Lopes de Lima devíamos ter feito a 
classificação dos principaes mineraes componentes das rochas que podes- 
semos observar, quer pelo que respeita á exploração de minas, quer ao 
solo arável. 

Sabido é que a crusta da terra se compõe, emquanto ao seu aspecto, 
de duas partes distinctas : rochas plutonicas ou de fusão ígnea, por aggre- 
gação e crystallisadas na maior parte, e rochas sedimentosas ou de depo- 
sito marinho fluviatico ou lacustre, estratificadas e com fosseis. Repeti- 



1 As differentes circulares do governo em que se tem recommendado o estudo 
da zoologia, não deram o resultado que se esperava, ou se o deram, é certo que pouco 
se acha publicado. 

A circular de 1863 (Boletim officialj n.° 28 de 5 de dezembro, coll. de 1863) do 
sr.v Mendes Leal, recommenda que se collijam, preparem e remettam para o museu de 
Lisboa alguns exemplares dos productos zoológicos que houver d'esta ilha. 

Quem os havia de preparar? 

2 Lopes de Lima, loc. cit., parte l. a , pag. 8. 



HISTORIA NATURAL 268 

mos o que é corrente em geognosia, mas não queremos aqui tratar de 
pontos geraes de sciencia, que para este caso nada adiantam. 

Do solo da ilha de S. Thomé é urgente conhecer a composição, 
exige-o o estudo das causas da sua reconhecida e incontestável insalubri- 
dade, e muito especialmente o exacto conhecimento das moléstias en- 
démicas e das endemo-epidemias, que tão fataes têem sido para os eu- 
ropeus. 

Os princípios constituintes do solo são, em geral, a argilla, a areia, a 
cal e o húmus. D'estes princípios resultam os terrenos argillosos, que, se- 
gundo se diz, são os mais favoráveis ao desenvolvimento das febres inter- 
mitentes, os arenosos, calcareos e humosos, sendo este ultimo o que mais 
convém modificar na ilha de S. Thomé, pois n'elle residem infinitos fo- 
cos de infecção, que podem desapparecer por meio dos diversos melho- 
ramentos da agricultura convenientemente adoptados. 

Analysando-se, segundo qualquer dos processos chimicos, um certo 
numero de logares, estudando a composição do solo em' cada um d'elles 
e a sua respectiva vegetação, ter-se-ía a base para a resolução do proble- 
ma,^ por inducção rigorosa chegar-se-ía a conhecer a incógnita, que dei- 
xámos por dejterminar, assim como fica por descrever a flora de S. Thomé, 
. tão variada como digna de ser estudada, nos montes mais accessiveis, 
pelo menos. 

A exploração da ilha de S. Thomé deve dar bom resultado, tanto para 
a colónia como para a metrópole. 

Falla-se no apparecimento de um jazigo, que se julga ser de óleo mi- 
nçral, e remetteram-se duas garrafas d'elle para Lisboa*. 

Das aguas mineraes não temos conhecimento, nem se fizeram indaga- 
ções a tal respeito. Diz-se que existe na roça denominada Rodia uma nas- 
cente de agua férrea 2 . 

Proceda-se á analyse d'estas aguas, porque talvez convenha aconse- 
lhal-a na convalescença das febres em que se tornam as aguas férreas re- 
commendadas. Os preparados de ferro são geralmente bem cabidos de- 
pois de algum tempo de residência n'esta ilha, onde é raro encontrar uma 
pessoa que não esteja mais ou menos anemica! 



1 Fizeram-se na secretaria do governo e na camará municipal as competentes de- 
clarações por parte do interessado, e o governo provincial nomeou uma commissáo 
para dirigir e regular os trabalhos. A commissáo não chegou ainda a reunir-se, e é de 
suppor que pouco possa fazer n'este sentido. 

2 No Jornal de pharmacia, etc, de Lisboa, 2." serie, tomo m, pag. 104, Í854, 
vem descripta a composição de uma agua mineral de S. Thomé, analysada em Nova 
York. Não se declara o logar em que foi colhida. 

Contém differentes saes, tem pouco ferro e não apresenta acido carbónico. 



CAPITULO X 

A natureza vulcânica da ilha, as suas rochas calcareas, os seus terre- 
nos fertilissímos, e as soas planuras salobres e relativamente frescas e 
agradáveis devem ser classificadas e tidas em consideração por aquelles 
que desejam estabelecer uma colooisação regular, sacrificando o menor 
numero de indivíduos que for possível. 

Reino vegetal 

Parece que alguns estrangeiros pretenderam fazer o estudo da vege- 
tação das montanhas desta ilha ; é o que se conclue da leitura do seguinte 
trecho: 

«Em agosto de 1861 o sr. Mann desembarcou em S. Thomé, e a 13 
d'esse mez começou a sua ascensão das montanhas, attingindo o pico mais 
elevado a 22, e abandonando-o passados quatro dias. Segundo elle, a 
parte mais alta da ilha consta de uma estreita cumeada accessivel, mas 
com grande dificuldade, pelo lado do leste 1 .» 

O que dissemos a respeito das montanhas de S. Thomé e da sua di- 
recção é suficiente para se julgar que o sr. Mann não fez a ascensão do 
pico de 8. Thomé, mas sim a dos montes de Guadelupe, da cordilheira 
do monte Café e outras d'esta ordem. 

Para se fazer idéa do pico de S. Thomé copiámos a seguinte descri- 
pção, tirada do relatório do dr. José Correia Nunes, que a transcreveu da 
obra de escriptor notável : 

«N'esta ilha ha um monte grandíssimo e quasi ao meio d'ella, o qual 
sobe com a sua extremidade a muitas milhas de altura; todo vestido de 
arvores altíssimas, muito viçosas e todas direitas ; e são tão espessas e den- 
sas e o caminho tão alcantilado, que com mui grande dificuldade se poderá 
ali subir ; á roda do cume d'este monte e dentro d'aquella espessura se 
vé continuamente como uma névoa, e, ou esteja o sol na linha ou no tró- 
pico, em qualquer hora, sempre ali se conserva sem se dissipar, quer de 
dia quer de noite ; não de outro modo do que nós vemos em os montes 



1 É copiado do opúsculo Cultura das plantas que dão a quina, publicado em Lis- 
boa, em 1865, pag. 97, lin. 13. Ali se dá o sr. Mann por feliz explorador das ilhas de 
S. Thomé e do Príncipe. Não duvidámos da vinda do sr. Mann a S. Thomé, mas não 
podemos acreditar que elle subisse a qualquer dos seus picos. 

Acerca da vinda do sr. Mann a S. Thomé, lemos o seguinte em o n.° 94 do Bole- 
tim e Annaes do conselho ultramarino: 

«No dia 5 de agosto chegou a S. Thomé, ido pelo vapor de guerra francez D. Es- 
tang, procedente do Gabáo, o naturalista inglez, mr. Gustavo Mann, que, estando no 
desempenho de uma commissáo scientifica em Fernão do Pó, por conta do governo 
inglez, dirigiu-se a S. Thomé para ali fazer as mesmas investigações de que estava en- 
carregado.» 



HISTORIA NATURAL . Jt7 

altíssimos estarem continuamente as neves. Esta névoa se está sempre 
resolvendo em agua sobre as folhas e ramos das ditas arvores em tanta 
quantidade, que de cada lado do monte descem rios delia, uns maiores 
outros menores, conforme tomam o seu curso mais por uma banda do 
que pela outra, e é com esta agua que os negros regam os campos onde 
estão as cannas de assucar. » 

Em presença d'esta descripção, vc-se facilmente que o dr. Mann não 
podia fazer a ascensão do pico de S. Tbomé em cinco a oito dias, que se 
demorou n'esta ilha. A descripção do monte mais elevado de S. Tbomé 
pode applicar-se a todos os outros montes. O mato é tão cerrado, que 
torna impossível o transito sem se proceder a derrubadas. 

O mez de agosto é próprio para as explorações scientificas d'esta or- 
dem ; devem porém os exploradores levar boas barracas de campanha, a 
fim de n'ellas descansarem e comerem. As noites não se podem passar ao 
ar livre, e em poucos dias apenas se conseguirá visitar as roças abertas. 

O sr. Mann, o dr. Welwitsch, Anchietta e outros pouco tempo se têem 
demorado n'esta ilha, a fim de procederem ao estudo da geologia, da bo- 
tânica ç da zoologia. É certo que por analogia se pôde attribuir aos mon- 
tes de S. Thomé e ás suas planícies as espécies vegetaes que se encontram 
pelo£ montes de Fernão do Pó, dos Camarões e dos montes e regiões pró- 
ximas á costa occidental de Africa, entre os trópicos; mas similhantes con- 
clusões não merecem inteiro credito. 

As localidades fazem variar os productos da natureza, modificam-nos 
ou acrescentam-lhes novas propriedades ; é o que se observa nas aguas, 
nos vegetaes, no reino animal e até no reino hominal. A necessidade de 
se proceder ao exame da historia natural na ilha de S. Thomé é portanto 
incontestável. 

Julgámos de alguma utilidade apontar a existência de alguns vegetaes 
que se tornam mais notáveis, e a cujo respeito se falia em alguns escriptos 
e relatórios 1 . 

Glumaceas (ix classe de Welwitsch), monocotyledoneas. — Fresta classe 
conta-se a cultura do milho (Zea MaysJ que produz duas vezes por anno. 



1 No Boletim oficial da província, n, 33, de 26 de outubro, coll. de 1863, en- 
contra-se a enumeração das principaes madeiras d'esta ilha e de muitos vegetaes com 
a indicação dos seus differentes usos; são trabalhos deficientes, mais estatísticos que 
descriptivos. Existe também a enumeração de madeiras publicada no livro de Lopes 
de Lima, e reproduzida n'outros logares, mas tem pouca importância. 

Os apontamentos phyto-geographicos do naturalista Welwitsch são o único tra- 
balho scientifico que conhecemos a respeito da flora das regiões portuguezas da costa 
occidental de Africa. Foi por elle que aferimos as informações que tivemos acerca dos 
vegetaes que povoam a ilha de S. Thomé. Annaes do conselho ultramarino, parte não 
official, serie l. a , dezembro de 1858. 



168 CAPITULO X 

A canna doce dá-se bem nos terrenos de S. Thomé, como temos dito. Ha 
extensas planícies cobertas de capim. O trigo e o arroz não se cultivam 
n'esta ilha. As gramíneas arborescentes fornecem paus para as tipoyas e 
para as redes de conducção ; são leves e fortes. 

Espadanas (xiv classe deWelwitsch), monocotyledoneas. — N'esta classe 
enumerámos o ananaz de S. Thomé. Poucas roças ha onde não se cultive 
esta bromeliacea. Na fazenda Rio d'Ouro existem ruas de ananazes. 

Discanthas (classe xxxvi de Welwitscb), dicotyledoneas. — A videira 
(vitis vinifera) existe em algumas fazendas. Tivemos occasião de ver al- 
guns cachos em perfeita maturação. 

Rhoeades (xxxix classe deWelwitsch), dicotyledoneas. — As couves, 
os repolhos, os nabos, sendo cultivados, dão-se bem. Os agriões nascem 
espontaneamente e em grande abundância. Em algumas roças ha óptimos 
repolhos, e são muito estimados. 

Hesperideas (classe xlvii deWelwitsch), dicotyledoneas. — Ha grande 
abundância de limões, laranjas e limas. As laranjas de algumas roças são 
de qualidade superior. 

Calicifloras (classe liv deWelwitsch), dicotyledoneas. Rhizopher as. -*- 
Acerca do mangue lê-se o seguinte no livro de Thomás Hutchinson : 

«The inangrove is a tree of very peculiar growth, and is a very noti- 
ceable feature at the mouths of ali the African rivers. The swamps in the 
Bight of Biafra nurture it, so far as there is sall water from the ocean, im- 
pelled by tidal action to make the currants of the stream brackish. The 
name which botanists give it Rizophora (a word derived from the Greek 
and signifying root-bearing) is very applicable ; for the most remarkable 
appearance in its growth is the number of spicula or appendicles that spring 
from the branches, downward to the mud, and, there taking new roots 
generate new trees, thus forming a series of arborescence ad infinitum 

«In his natural history of Jamaica dr. Brown says : 

«It grows on the borders of the sea, and there only in such places 
as have a soft and yielding bottom. 

«The soft and yielding bottom is certainly essencial toits growth in 
the African rivers ; but it is not confmed to the borders of the sea, on their 
banks. The arched branches of the appendicles form a kind of network, 
that serves to stop the mould which is continually being washed down by 
current, and thus in time forms rich and fertile soil out of what otherwise 
might be useless ponds or creeks. Perhaps its growing on the borders of 
the sea may be a peculiarity of its condition in Jamaica ; for I have seen it 
growing likewise at the mouth of a river in the island of Fernão Pó 4 . » 



1 Thomás Hutchinson, loc. cit, pag. 411. 



HISTORIA NATURAL 269 

Thomás Hutchinson e Dutroulau dão grande importância aos mangues 
que orlam as margens de alguns rios nos paizes tropicaes. 

O dr. Frederico Welwitsch, nos seus apontamentos phyto-geographi- 
cos a respeito da flora de Angola, escreveu o seguinte : 

«O mangue (Rhizophora mangle, Lin.) é muito vulgar -em toda a costa 
da província, formando em logares pantanosos da praia e á borda dos 
rios de agua salobra densíssimas e sempre verdes espessuras, ou mes- 
mo matas de grande altura 1 .» 

Dutroulau, tratando do mesmo vegetal, escreveu as seguintes notá- 
veis palavras : 

«Cette limitation (a das colónias francezas) basée sur la distribution 
du règne vegetal, a cela de remarquable que les localités équatoriales 
sont toutesbordées de palétuviers (Rhizophora mangle), arbre qui nait sur 
les plages mari times, de 1'Amérique et de V Afrique intertropicales et sur 
les bords de leurs iles et que celles qui sont plus prés des tropiques et 
éloignés des continents en sont souvent dépourvues. Sans prétendre rap- 
porter uniquement à la présence ou à Tabsence des palétuviers les dif- 
férences de salubrité des climats sòus les tropiques, on est autorisé à 
leur attribuer une grande part dans Pintensité d'influence du sol palus- 
tre 2 .» 

Os mangues revestem as margens de alguns rios n'esta ilha, mas não 
nos parece que sejam signal evidente de localidades doentias ; existem e 
crescem nos logares abandonados pela cultura, nas margens húmidas e 
incultas de alguns rios, em logares lamacentos e humosos. A sua existên- 
cia pôde coincidir com a insalubridade dos logares, mas da sua falta não 
se segue que taes logares sejam salubres. 

Pepom feras (xch classe de Welwitsch), dicotyledoneas. — Asmelan- 
. cias, melões e abóboras não degeneram sob a acção do clima de S. Tho- 
mé ; os pepinos abundam e também a abóbora do mato. 

Palmeiras (xix classe de Welwitsch), monocotyledoneas. — Na ilha de 
S. Thomé ha abundância de coqueiros e de palmeiras de azeite ! Os co- 
queiros são arvores de bonito aspecto e de uma tal utilidade como não se 
encontra nenhuma arvore na Europa. 

Leguminosas (lvii classe de Welwitsch), dicotyledoneas. — N'estailha 
cultiva-se o feijão, que produz com abundância ; a ginguba dá-se bem. 



1 «Este mangue, a que dão o nome de mangue da praia ou mangue vermelho, nâo 
se deve confundir com o chamado mangue do monte ou paço, o qual forma um novo 
género das rubiaceas, fornecendo uma das mais estimadas madeiras que produzem as 
matas virgens da segunda região, em Angola (corgnanthe, Welwitsch).» Annaes do con- 
selho ultramarino, parte não official, i,« serie, dezembro de 1858, pag. 568. 

2 Dutroulau, loc. cit., pag. 98. 



*50 CAPITULO X 

O anil nasce espontaneamente em muitos togares, e deve ser apro- 
veitado. 

Entre as caesalpinas conta-se o tamarindeiro. 

Tubiflores (xxxm classe de Welwitsch), dicotyledoneas. — Ha diffe- 
rentes espécies de batatas, e abundância de batata doce ; a batata ordi- 
nária tem-se aclimado. 

O tomateiro dá-se bem, mas os tomates são redondos e pequenos. 

O tabaco vae-se generalisando, fazendo-se bons charutos e fumando-se 
também em folha picada. 

Ha pimentões, e empregam-se em conservas. 

Tricocca* (li classe de Welwitsch), dicotyledoneas. — A mandioca, 
que constitue um ramo notável de agricultura, vae sendo abundante em 
toda a ilha ; o rícino e a purgueira representam indivíduos vegetaes tão 
úteis á s ciência como ao commercio. 

IheretritUhinas (lii classe de Welwitsch), dicotyledoneas. — Contam-se 
n'esta ilha a mangueira e o cajueiro, cujos fructos os naturaes apreciam 

muito* 

Myrtifloras (lv classe de Welwitsch), dicotyledoneas. — A guiabeira 
existe aqui em grande abundância. 

Parietal es (xli classe de Welwitsch), dicotyledoneas. — O mamoeiro 
encontra-se em muitas fazendas, e em algumas hortas cercam os passeios 
ou as ruas principaes. 

Enumerámos, não descrevemos ; a nossa enumeração é limitadíssima 
e íó contém indivíduos vegetaes muito conhecidos. Para haver rigor e 
mínuciosidade são precisos trabalhos prévios a que não podemos proce- 
der. 

Abunda a ilha de S. Thomé em vegetaes tão úteis' á sciencia como ao 
commercio e á agricultura. Estão por estudar as matas virgens próprias 
ao seu solo. 

Ha n'esta ilha o celebre pau-fede, cujo cheiro desagradável incom- 
moda muito, quer os naturaes se sirvam d'elle para obras, quer o quei- 
mem; exhala um cheiro forte, intenso e que se propaga a grande dis- 
tancia. 

O tapa olho merece attenção. É espontâneo n'esta ilha ; pega bem de 
estaca. Se se quebrar uma folha nas mãos e se chegar qualquer das mãos 
aos olhos sente-se grande ardor, e dentro em poucas horas os olhos es- 
tão inflammados. É preciso haver cuidado quando os pretos se occupam 
em cortar os paus do tapa olho. Saltando qualquer porção de uma espé- 
cie de leite branco que abunda n'este vegetal, o preto não pode trabalhar 
sem lavar immediatamente os olhos e descansar por algum tempo. 

Como estes dois vegetaes poderíamos citar muitos outros que se apre- 
sentam em condições dignas de menção. Não o fazemos, porque augmen- 



HISTORIA NATURAL 271 

taríamos este capitulo sem utilidade alguma. Para se conhecer a impor- 
tância do estudo da flora de S. Thomé temos dito o suficiente. Não pre- 
tendemos n'este relatório alcançar outra cousa. 

Antes de terminarmos as nossas considerações a respeito da flora 
S. Thomense, damos por copia um notável artigo do annuario scfentifico 
de Luiz Figuier, referido ao anno de 1868. 

Parece-nos muito importante, apesar da opinião do dr. Beirão a simi- 
lhante respeito ', escrípta em 1862. 

O artigo a que nos referimos é do teor seguinte : 

A cultura do girasol. — «Dans une mémoire presente á la société de 
fhérapeutique de France, M. Martin a signalé des observations desquelles 
il résulterait que le tournesol (heliantus annuus) cultive en grand* absorbe 
les miasmes paludéens et assainit les contrées ou régnent les fièvres. Des 
experiences ont été faites en France, notamment à Rochefort-sur-Mer, et, 
au dire de plusieurs médecins de cette localité, la présence du tournesol 
aurait annulé 1'influence fiévreuse. Les miasmes paludéens auraient de- 
puis longtemps cesse d'infecter cette ville, si les cultivateurs, qui ne com- 
prenaient pas Putilité de cette plante, ne Pavaient arraché avec persis- 
tance. Cependant, les essais qui ont été faits à Rochefort pour Passainis- 
sement au moyen du tournesol n'ont pas été steriles, car aujourd'hui la 
fièvre ne fait quepeu de ravages dans cette localité. 

«M. Martin ne parle pas des essais faits en France ; il se borne à con- 
stater que les propriétés du tournesol sont admises sans contestation par 
les hollandais, et que Pobservatoire de Washington est délivré des fièvres 
intermittentes depuis qu'on y renouvelle tous les ans des plantations de 
tournesoj. 

«Comment agirait le tournesol pour produire Passainissement des 
lieux infectes par les miasmes paludéens ? 

« Agirait-il simplement comme toute plante à croissance rapide ou pos- 
sèderait-il une propriété spécial contre les miasmes ? 

«D'après les idées que tendent à s'introduire dans la science, les mias- 
mes puludéens seraient dus á ces microphytes et microzoaires, que Pon 
rencontre partout, mais, qui ne donnent à Pair des propriétés redouta- 
bles que lorsque leur proportion s'élève áu dela d'une certaine mesure. 
Or ces êtres périssent sous Pinfluence de certaines émanations ou dans un 
air fortement ozone. 



1 « O nosso girasol, helianthus annuus 9 reputou-se ha tempos como meio prophy- 
latico contra as sesões, destruindo a influencia dos miasmas pantanosos sobre õ ho- 
mem. Com este fim fizeram-se vastas plantações de girasol n'algumas terras sesonati- 
cas, como na Povoa, mas o resultado não correspondeu». G. M. F. da Silva Beirão, Ma- 
teria medica, 1862, tomo 2.°, pag. 382. 



272 CAPITULO X 

«La culture du tournesol produit peut-être alors, de même que celle 
des arbres conifères, beaucoup d'ozone, et cette circonstance expliquerait 
ses propriétés salutaires * . » 

A cultura do girasol deve ser ensaiada em differentes logares da ci- 
dade de S.Thomé; convém na parte já aterrada do pântano da fortaleza 
de S. Sebastião, e a sementeira deve ser feita com semente renovada to- 
dos os annos. Em alguns quintaes da cidade e no pântano Arraial é tam- 
bém conveniente o girasol. As cannas que cercam as margens do rio Agua 
Grande (arundo phragmites, canna commum) devem ser cortadas, e em 
seu logar deve ficar o girasol. 

Esta cultura deve tornar-se geral se a salubridade da cidade de S.Tho- 
mé melhorar, o que se verificará facilmente por meios de rigorosas esta- 
tísticas. Em questão de factos não vale a pena fazer longos discursos ; ex- 
perimente-se com methodo, eis o meio de achar a verdade. 

O estado actual da cidade de S. Thomé é péssimo ; as tentativas feitas 
em beneficio da sua salubridade parecem-nos dignas de louvor. Livrar os 
habitantes da ilha da nefasta acção dos miasmas é o primeiro dever dos 
poderes públicos. 

Reino hominal 

Homo sapiens, creatorum operam perfectissimam, ultimam et sammam. 
(Lioneock.) 

I 

A historia natural estuda os animaes, os mineraes, os vegetaes e o 
homem. É importante este estudo, e, postoque não seja compatível com 
a extensão de um relatório, julgamos necessário mencionar o que a scien- 
cia tem ensinado a seu respeito. 

De todos os problemas da sciencia humana, aquelles que têem o ho- 
mem por objecto, são os que em todos os tempos offerecem grande e im- 
portantíssimo interesse. 

Para uns, o homem é um reino da historia natural, e para outros, 
uma classe. Ha quem o considere uma ordem dos mammiferos, um gé- 
nero e até uma espécie do mesmo género, na qual entram outras espé- 
cies de animaes 1 1 

La Methérie disse : 

«O homem é a primeira espécie do macaco, e, sendo organisado como 
elle, tem os mesmos costumes, os dos frugiveros.» 

1 VAnnêe scientifique, par Louis Figuier, 13* année, pag. 400, 1868. 



HISTORIA NATURAL 273 

A consciência própria falia mais alto do que taes discursos e pala- 
vras. 

A dignidade de cada um repelle immediatamente comparações, que, 
nem brincando, se podem admittir. Se em tal assumpto, fosse necessário 
invocar a opinião de homens auctorísados, recorreríamos á de quem con- 
siderou o homem sem igual ouviríamos Linneu : 

O homem é uma intelligencia, servida por órgãos, movidos poj um 
agente dynamico ; não está n'este caso nenhum outro ser da natureza. 

As descobertas a respeito da natureza e das suas leis, e o conhecimento 
dos seres que ella contém, levam e dirigem naturalmente as investigações 
para o homem, o mais perfeito ser de toda a creação, e marcam-Ihe, por 
assim dizer, o seu logar, o seu principio e o seu fim. 

O homem está collocado na grande e extensíssima cadeia dos seres 
organisados. Carus fez d'elle uma só classe ; considerou-o a synthese de 
todo o seu quadro zoológico. Daubenton considerou-o o rei dos três rei- 
nos da natureza, por não achar n'estes logar para elle. 

Entre humanidade e animalidade está um abysmo ; não ha meio termo 
que possa fazer a transição. 

O orangotango, reputado o ser mais perfeito das famílias dos macacos, 
está tão afastado da espécie humana, quão próximo ás outras espécies da 
mesma família. Assim o escreve com muita rasão Macedo Pinto, hygie- 
nista portuguez. 

Os homens, pela sua estructura, pela força que os anima e vivifica, 
são inteiramente differentes de todos os outros seres; constituem um 
grupo com caracteres distinctos e exclusivos, devendo por isso formar 
um reino á parte, reino ho minai. 

O reino hominal não tem entre os seres creados, nem espécie vizinha, 
nem consanguínea, verdade luminosa e bem assente inoculada no espirito 
de cada pessoa. Só a lembrança de consanguinidade entre um homem e 
um animal, um cão por exemplo, surprehenderia a imaginação mais fe- 
cunda em hypotheses,porque o sentimento de que o homem constitue um 
reino exclusivo, independente, com leis próprias, com ordem, harmonia, 
e unidade, é natural, profundo, innato no coração de todos; é sentimento 
universal e absoluto. 

Esta simples, mas poderosa consideração, não é a principal. 

A espécie propriamente animal foi, é, e será sempre a mesma ; não é 
susceptível de perfectibilidade, nem de progresso, e de per si sô não é 
capaz de cousa alguma. Não queremos dizer com isto que os animaes se- 
jam irracionaes. 

O homem é um animal racional, mas um cão, por exemplo, não é um 
animal irracional ; é erro que deve ser banido da sciencia. 

Qualquer animal é susceptível de se aperfeiçoar ; a espécie, não. 

18 



174 CAPITULO X 

Se um animal pôde individualmente aprendera receber certa instruc- 
ção, não é capaz de a transmittir aos outros. % 

Se assim não fosse, o que seria do homem ? 

Poderia acaso resistir a uma alliança de todos os animaes contra si ? 

Deus disse : 

«Façamos o bomem á nossa imagem e similhança, e senhoreie sobre 
os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre o gado e sobre todo o 
reptil que se move sobre a terra. » 

Da palavra sagrada se conclue que os animaes não podem ligar-se 
contra o homem ; pelo contrario, servem-lhe de pasto. 

Dos animaes pode dizer-se : a geração de hoje será a de amanhã. 

homem é capaz de progresso, tem reflexão, essa suprema facul- 
dade, que não é mais do que a acção do espirito sobre o espirito ; e note- 
se, possuo um completo e perfeito meio de transmissão. 

Do estudo do espirito sobre o espirito nasce o methodo ou arte que 
elle dá a si mesmo para se conduzir, variando-o de infinitas maneiras, 
segundo as circumstancias e necessidades. 

O methodo é incontestavelmente o instrumento do espirito, que o ani- 
mal não tem e desconhece absolutamente, e por elle é que o homem pôde 
descobrir, inventar, comparar, imitar e progredir t 

O espirito de todos os homens é um só espirito universal e único, que 
se continua de geração em geração e não acaba ; teve principio e não tem 
fim. E na verdade o espirito é único em todos os homens e em todos os 
lenpos. 

Âpresenta-se esplendido em Homero, em Virgílio, em Camões, etc., etc. 

Quatrocentos annos antes de Jesus Christo fallou Hippocrates, ocrea- 
dof da medicina. A palavra do sábio de Cós, pronunciada ha dois mil du- 
zentos sessenta e nove annos, passou através dos séculos e chegou até 
nós, revelando-nos muitos princípios da sciencia medica, que se acceitam 
eomo se fossem escriptos em nossos dias 1 1 

E não provará isto a nossa asserção ? 

Uma geração faz uma descoberta ; a nova geração continua, engran- 
dece* e aperfeiçoa essa descoberta. Porque ? . . . 

Porque o espirito é um e único em todos os homens e em todos os 
tempos. ' 

Pela sua natureza própria e exclusiva, pelo conhecimento do espirito 
pelo espirito, da rasão pela rasão, tendo por base a consciência, o ho- 
mem eleva-se ao intellectual, á rasão primitiva de tudo — a Deus. 

E que se passa de similhante entre os animaes ? 

A natureza humana é formada por uma dualidade — matéria e espirito, 
bememal,attracçãoerepulsão, saúde e doença, geração e destruição, corru- 
pção e vida t A natureza humana é composta, finalmente, de corpo e alma. 



■ 



HISTORIA NATURAL 175 

Ora o espirito é único e indivisível, e está em toda a parte, assistindo 
igualmente ao que se passa, e fica-lhe depois o dir ( eito de julgar. 

Para o espirito não ba limites ; a intélligencia do homem não se en- 
cerra, como a dos animaes, nos limites d'este globo ; deixa o visivel pelo 
invisível, e, despindo-se da matéria, vae perder-se nas contemplações do 
infinito. N'um só ponto reúne o homem as maravilhas da natureza e as 
profundidades do abysmo ; n'esse ponto, e ao mesmo tempo, vê retinido 
o que ha de grande, immenso e real ; ha ali um pequeno mundo, um 
microcosmo f Tal é o poder da imaginação. 

E será esta faculdade uma secreção do cérebro, como querem alguns? 

Não, com certeza. 

Não ba em nós quem contradiga e condemne os pensamento» e as 
paixões más ? 

É ou não real a consciência ? 

Gomo pôde ser propriedade da matéria o sentimento do infinito, qm 
nem o tempo nem o espaço contém? 

Gomo pôde ser propriedade ou secreção do ctrebroo seniifiaento do 
beUo, que não tem modelo no mundo? 

Gomo se pôde comparar ás correntes eléctricas, o sentimento moral 
que combate as nossas paixões ? 

Quem explicará a natureza intima da consciência, que tos condem** 
ou absolve ? I 

O coração e o cérebro são o theatro de grandes maravilhas. Gomo 
explicar pelas propriedades da matéria cousas tão oppostas e diversas — 
prazer e dõr, amor e ódio, amisade e desprezo ? 

Gomo se podem admittir para tão variados productos os mesmos fa- 
ctores? 

Se os elementos da substancia cerebral dão, n'um instante, amor, 
como é que esses mesmos elementos, n'esse mesmo instante, produzem 
rancor e ódio ? 

Gomo se poderá explicar pelo numero dos elementos materiaes do cé- 
rebro e pelas suas propriedades, a existência d'essa potencia que me leva, 
por meio do meu braço, a reproduzir n'este papel o que se passa dentro 
em mim, coordenando os conhecimentos adquiridos na leitura dos mes- 
tres da sciencia ? 

Bem demonstrado fica que o homem deve ser estudado physiea e mo- 
ralmente. 

Para ser moralisado apresentam-se os exemplos do bello, da verdade, 
da virtude e do bom. O homem inclinado á imitação eleva-se, e segue com 
passo firme na senda do progresso e da civilisação. 

O homem physico, porém, para se purificar e aperfeiçoar, tem de 
attender á acção combinada do ar, das aguas, dos togares, das sabei* 



276 CAPITULO X 

tendas e de mil outras circumstancias, que deve conhecer para as saber 
aproveitar ou para saber fugir d'ellas. 

Pertence esta parte á hygiene, e aquella á physiologia moral. 



II 

Tem-se escripto muito acerca do importante assumpto — unidade ou 
multiplicidade das espécies no género humano. Não discutimos este ponto 
para defender os textos bíblicos, nem para repetir a ultima palavra da 
sciencia. Apresentámos as nossas observações, unindo-nos áquelles que 
proclamam a unidade das espécies no reino hominal. 

Os usos e os costumes modificam muito as formas do corpo humano, 
de pães a filhos, de filhos a netos, e assim por diante se vão transmit- 
tindo essas modificações. Não é preciso fazer uma historia ethnographica 
minuciosa para se conhecer que entre as famílias que povoam a terra não 
ha differenças profundas, absolutas e exclusivas. 

Os pés, as cadeiras, os beiços, o nariz e a forma da cabeça variam 
muito dos brancos para os pretos e até de pretos para pretos. São cara- 
cteres exteriores e accidentaes. 

As articulações podem modificar-se á maneira que a creança cresce. 
É pela educação que o arlequim faz ás pernas e aos braços o que não faria 
sem risco de os quebrar quem não estivesse educado. 

A tracção constante das orelhas e dos beiços torna-os maiores ; a falta 
de cuidado com a cabeça torna-a defeituosa e até desastrada ; o mesmo 
acontece com os pés. Sabe-se que ha povos que tornam os pés das mu- 
lheres tão pequenos que ellas mal se podem conservar em posição ver- 
tical ! 

A côr da pelle varia do preto ao branco por differentes gradações de 
cores, segundo as latitudes. Os phenomenos meteorológicos e geológi- 
cos reunidos actuam sobre o homem fazendo dominar mais uns elemen- 
tos do que outros. Entre os europeus encontram-se casos bem distin- 
ctos, não só na côr, mas até no systema nervoso, no sangue, músculos, 
etc, etc. O que dizemos das partes physicas, verifica-se nas qualidades 
moraes. 

Na ilha de S. Thomé deparam-se pretos bem apessoados e pretas 
formosas ; os nativos de Gabo Verde são mais claros que os da ilha de 
S. Thomé. 

A classificação dos indivíduos que constituem o reino hominal, as- 
senta portanto em caracteres exteriores, muito variáveis. Não são exclu- 
sivos de um povo ; são o resultado das modificações dos climas, que 
actua constantemente e de um modo muito enérgico sobre as funcções 
da pelle e sobre alguns dos órgãos essençiaes á vida; e o resultado 



HISTORIA NATURAL S77 

da educação, dos usos e dos costumes, modificadores poderosos da for- 
ma de muitos órgãos. 

Os negros occupam uma grande parte da Africa. A sua côr não é igual- 
mente negra, os lábios não são grossos, e salientes em todos os povos d'esta 
região ; o nariz se é muito chato n'uns, n'outros apresenta uma forma re- 
gular, etc, etc. 

Se pelos caracteres exteriores provenientes da acção dos climas e dos 
usos e costumes das famílias, querem alguns naturalistas classificar diffe- 
rentes raças de indivíduos com origem própria, independentes, hão de 
forçosatíiente admittir que a própria raça negra teve origens múltiplas, 
e tantas quantas as differenças exteriores que se notam na cabeça, nos 
cabellos, na côr, no rosto, nos pés, nas bacias, que são enormemente lar- 
gas, em algumas pretas. 

Transplantem os negros para os climas temperados, e os brancos 
para os climas da Africa, e observarão no fim de alguns séculos um qua- 
dro inverso d'aquelle que se observa no século actual. 

Os factos que auctorisam estas asserções sobresairão muito com o 
progresso e civilisação de Africa, estreitando-se as relações entre os po- 
vos de Angola e Moçambique e a nação portugueza. 

Com o andar dos tempos veremos os brancos estabelecerem-se em 
muitos logares dos trópicos e os negros nos climas temperados ; o que 
hoje parecerá utopia, será então realidade. O estudo comparado dos dif- 
ferentes climas inter e extra tropicaes, está pouco adiantado ; mas é já 
incontestável que as febres paludosas faltam n'um grande numero dei- 
les, e que a aclimação é realisavel nas localidades não palustres. 

A unidade da origem de todo o género humano, a sua existência abso- 
luta, independente de todos os seres creados, animaes, mineraes e vege- 
taes, e a sua creação divina constituem problemas importantes que se es- 
tudam em zoologia, anatomia comparada, physiologia e ethnographia 
Não cabe nos limites de um relatório a discussão ampla a respeito des- 
tes assumptos e ainda menos o seu desenvolvimento scientifico. O co- 
nhecimento que temos dos homens pretos e brancos, as idéas que se ad- 
vogaram n'este paiz suppondo o preto como um animal, determinaram- 
nos a fazer algumas considerações acerca da natureza do homem, do seu 
logar na terra e da sua missão. Não resolvemos, indicámos ! . 

espirito humano tem poder para realisar grandes descobertas úteis 
á perfeição do homem, tanto individualmente como em commum ; é um 
só em todos os homens, em todos os tempos e em todos os logares. A 
origem foi a mesma para todos. Conserva-se o espirito em gérmen quando 

1 Trago entre máos uma memoria em que combato o materialismo e o organismo. 
jS ali o logar próprio para similhàntes discussões. (Nota do relatar.) 



17* CAPITUU) X~ HISTORIA HATURAL 

Ibe falia a educação, a comparação e a imitação ; três poderosas alavan- 
cas que arrancam do esquecimento o filho do pobre humilde ou fazem 
universalmente conhecido quem nasceu ignorado. 

O que se dá entre os brancos vae acontecendo entre os pretos, e pôde 
verificar-se n'um homem de qualquer paiz. 

É impossível admittir origens diversas do homem, dando-se um es? 
pinto susceptível de se educar e de produzir maravilhosas descobertas, 
podendo ser continuadas, aperfeiçoadas por differentes homens, em diffe* 
rentes tempos e em diversas regiões do mundo. 

A origem do reino hominal não pôde de modo algum ser múltipla. O 
homem pelo pensamento pode livrar-se por momentos da matéria, e ele- 
var-se a outras regiões e observar do alto o que se passa na terra que 
elle vê, notando em todas as suas diversas partes a harmonia e a unidade 
que se enlaça e domina. Reconhecem esta faculdade do espirito todos os 
materialistas. O auctor da força e matéria ministra os principaes argu- 
mentos em favor das nossas asserções. É o que demonstraremos em tra- 
balho especial. 



CAPITULO XI 

Meteorologia e climatologia 



Toas les óléments de la météorologie se prêtent nn matael seconrs 
poar constitaer les climats chauds. La pression, la chalear, rhamidité, 
et 1'électricité, dont Taction est si paissante dans les afflnités chimiques, 
et qui sont portóes ici à nn très-haut degré, déterminent très-probable- 
ment dans les príncipes constitnants de 1'air et dans les émanatíons 
ótrangères dont se charge 1'atmosphère, des modifications, des combi- 
naisons et des décompositions qui doivent exercer une grande influence 
snr 1'homme physiologique comme snr 1'homme pathologique. 

(Datroolau., loc. át. y pag. 101.) 

M 

I 

Chegamos ao ultimo capitulo, e temos de dizer simplesmente — pouco 
se ha estudado I 

Nas instrucções que temos presentes para determinar a natureza das 
matérias d'este capitulo lê-se o seguinte : 

«Incluir os mappas das observações meteorológicas, comprehendendo 
as do barómetro, thermometro, hygrometro, pluvimetro, anemómetro, 
mencionando os ventos dominantes, o estado da atmosphera, electricidade 
e magnetismo, e os phenomenos extraordinários ou próprios do paiz.» 

É este o objecto da meteorologia, que serve de base ao estudp da cli- 
matologia. 

A leitura dos instrumentos é uma espécie de analyse que serve a de- 
terminar os elementos do problema da meteorologia ; depois o estudo 
dos effeitos manifestados no organismo completa as observações medi- 
cas que se desejam conhecer. S3o estes dois trabalhos differentes o com- 
plemento um do outro ; requerem muita attenção, e em pathologia não se 
podem dispensar. Faltando a primeira parte, a segunda não se pôde re- 
solver. 

Distinguir a acção dos agentes meteorológicos sobre o organismo, sem 
ter conhecimento d'esses agentes, seria escrever generalidades, que de 
pouco valem em sciencia que está divulgada, e que só carece de ser co- 
nhecida na especialidade. 

Convém que se faça um observatório meteorológico, no que muito 
deve ganhar o progresso da ilha, onde nada ha conhecido, como temos de- 
monstrado. 

Quando azemos a divisão das matérias d'este relatório em doze ca- 
pítulos, bem sabíamos que alguns d'elles nao podiam ser desenvolvidos; 



280 CAPITULO XI 

mas o nosso fim foi apresentar com toda a verdade o estado das cousas 
em 1869, sob o ponto de vista da salubridade (festa ilha, e com tal in- 
tento deixámos escripto este capitulo, chamando a attenção das respecti- 
vas auctoridades para tal assumpto. 

— Não ha observatório meteorológico; convém mandal-o construir 
com toda a urgência, a fim de se poder avaliar a acção dos agentes natu- 
raes sobre o homem physiologico e pathologico ao clima de S.Thomé. 



n 



As nossas obsenraçBes meteorológicas dnraote o espaço de doto me- 
ses, de abril de 4858 a janeiro de 1859, comprebeodendo orna estação 
seeca inteira e parte da das chovas, e depois a continaaçSo das mesmas 
observações, aindaqae nlo regulares e registadas, serrem de prova ao 
que avançámos. Os ventos da lado do sol, na cidade de S. Thomé, são 
muito mais frequentei do que os do norte. 

(Dr. Lacio Aogosto da Silva.) 



O distincto facultativo dr. Lúcio Augusto da Silva escreveu uma me- 
moria acerca do cemitério da cidade de S.Thomé, á qual nos temos re- 
ferido n'este relatório por muitas vezes. 

Presta memoria apresentou o dr. Lúcio as suas observações a res- 
peito dos dezeseis ventos principaes que passam sobre esta cidade. 

Eis-ahi o mappa relativo a essas observações desde abril de 1858 a 
janeiro # de 1859. Não comprehendem um anno completo, mas as que exis- 
tem são muito importantes. 



Mappa dos principaes ventos que passam 
sobre a cidade de S. Thomé 



NNE 38 

N 32 

NE 20 

NNO 13 

ENE 10 

NO 5 

5 

0N0 2 



S 257 

SSO 181 

SSE 168 

SE 98 

SO 97 

E 35 

ESE 23 

OSO 17 



Dos ventos que correm de oeste para a cidade de S. Thomé nSo ha 
nada a receiar, não só porque chegam do alto mar á ilha, mas porque 
entre a cidade e a costa do oeste existem grandes montanhas (de 2:000 a 



METEOROLOGIA E CLIMATOLOGIA 281 

3:200 metros de altura); alem disto, estes ventos apparecem poucas ve- 
zes, como se vé pelo mappa acima exarado. 

Os ventos que immediatamente prejudicam a cidade são os que vem 
de sueste e les-sueste, porque correm por cima do grande pântano que 
se estende desde a fortaleza de S. Sebastião na direcção do sul da ilha. 
Sopram estes ventos com bastante frequência, e entre a cidade e o pân- 
tano nem existem matas nem outeiros. 

Os ventos que vem á ilha pelo noroeste e nor-noroeste devem ter pas- 
sado pelo delta do Níger, assim como os do norte, sueste, les-sueste per- 
correm as vastas regiões do continente africano. Os ventos que passam 
sobre as margens do rio Zaire, Gabão, Camarões e sobre as planícies ad- 
jacentes sopram do quadrante norte-éste, ou, para sermos bem rigorosos, 
começam por oes-noròeste, norte, este e acabam em sueste. São estes 
os ventos que caem sobre a ilha depois de varrerem as terras pantanosas 
do continente de Africa. 

Este exame dos ventos não se acha completo, e falta também observar 
se ha ou não ha aggravação das moléstias, segundo o predomínio dos 
ventos do sul, do este, ou do oes-noroeste e norte que vem de sobre o 
delta do Níger. 

As endemo-epidemias apparecem em novembro, e são mais ou me- 
nos graves, segundo a abundância das chuvas. As chuvas continuam em 
novembro e dezembro. As endemo-epidemias tornam-se mais graves, e 
esta gravidade ainda se nota em janeiro. 

Na impossibilidade de estabelecer regras fundadas no conhecimento 
da evolução meteorológica, passámos a dar a seguinte estatística, que au- 
ctorisa a divisão das estações feita n'este relatório. 



Observações meteorológicas do dr. L. A. da Silva 

Dias chuvosos 5 

ku -i / n- i/*j- \ j Noites chuvosas 4 

Abril (últimos 10 dias). ( ^ , , ~ ,. , 

v ' A Relâmpagos e tro- 1 De dia 4 

voadas. ..•*..{ De noite ... 5 

í Dias chuvosos 5 

Noites chuvosas 4 ! 

Relâmpagos e tro- 1 De dia 5 

voadas (De noite ... 5 

* u /*%t\ a- \ I Nem chuva, nem trovoada, durante j 

Junho (30 daas) | o ^ Q ^ 

J lho c\\ d* O í ^ 3o k° uve viuvas, nem trovoada, 

^ ' durante os 31 dias. I 



Maio (31 dias). 



W2 CAPITULO XI 

. A /nl - v ( Chuva somente nos seus dois ulti- 

Agosto(31 dias) { ,. 

° v ; \ mos dias. 

o * u /OA a- \ ( Dias chuvosos 2 

Setembro (30 dias) — { XT . , , ~ 

v y | Noites chuvosas .2 

Dias chuvosos 4 

/v . . /o . v x i Noites chuvosas 2 

Outubro (31 dias) {„ , _ 4 , , . , , 

v y ) Relâmpagos e tro- ( 3 dias dos ul- 

voadas í timos 10. 

Dias chuvosos 5 

*t u /™ v \ i Noites chuvosas 3 

Novembro (30 dias) ...{,,, . » 

v ' ) Relâmpagos e tro- j .. . ,. 

1 * & Vários dias. 

voadas ) 

A evolução meteorológica não fica rigosamente determinada ; os oito 
mezes observados indicam o principio e o fim da estação secca ou das 
ventanias. A relação entre o desenvolvimento das doenças e dos pheno- 
menos meteorológicos precisa de provas e de contraprovas, repetidas 
por três annos consecutivos pelo menos. 

O calor domina toda a meteorologia dos climas quentes, a humi- 
dade aqui é uma causa poderosa de doença. O ozone passa por enérgico 
desinfectante. 

São assumptos dignos de muita attenção. 

Temperatura na cidade de S. Thomé (graus oent.) 

Sombra Sol 

Abril (10 últimos dias) media 26°,6 28°,9 

l. a Década 26°,2 28°,8 

Maio { 2. a Década ' 27°,5 30°,5 

3.» Década 27°,3 29°,9 

Media em maio 27° 29°, 7 

I.» Década 26°,3- 29°,5 

Junho., . . .{ 2. a Década 25°,7 29°,4 

3. a Década 24°,9 28°,3 

Media em junho 25°,6 26°,8 

l. a Década 24°,7 27°,2 

Agosto { 2. a Década . •• 24°,7 27°,3 

3. a Década 24°,9 27M 

Media em agosto 24°,7 25°,2 

(l. a Década 25°,2 27°,2 

Setembro ..{ 2. a Década 25°,7 27°,6 

3. a Década 26°,3 -28°,4 

Media em setembro ... . 25°,7 27°,7 



METEOROLOGIA E CLIMATOLOGIA «83 

1.* Década 25°,6 2B°,8 

Outubro ...{ 2. a Década '. . 27°,2 29» 

3.*Decada 27 ,3 29M 

Media em outubro 27° 28°,9 

Comparando estes resultados, embora limitados, com os 524 logares 
que Boudin inscreveu no seu notável livro de estatística medica ! , vê-se 
que a ilha de S. Thomé é um dos climas mais quentes do mundo. 

A ilha de S. Thomé, erguendo-se no meio do mar, sáe á flor da agua 
por uma área de 272 milhas quadradas, collocada parallelamente á sua su- 
perfície e elevando-se na sua parte mais alta a uns 3:200 metros; tem 
localidades em condições meteorológicas muito diversas. 

Na cidade o clima é marítimo e muito mais quente do que no inte- 
rior ; todos os climas parciaes da ilha são insulares, mas nem todos tão 
insalubres como o da cidade, em consequência da sua composição geoló- 
gica e pantanosa, nem tãp quentes. Estas differenças são muito importan- 
tes, sob o ponto de vista da saúde publica e da salubridade geral da ilha. 

As observações feitas a 100 metros de distancia ao mar, em latitude 
de 23' e 20" norte e 6 o , 41', 50" este, Greenwich, devem estender-se 
aos logares mais altos da ilha, áquelles que se acharem a 300 metros de 
altura, a 600 e a 1:000. 

As medias mensaes e annuaes relativas á temperatura, á humidade e 
á quantidade do ozone servirão para escolher as localidades em que se 
devem abrir quaesquer estabelecimentos sob a direcção ou indicação dos 
governos. 

Entre os estudos meteorológicos e geológicos, com respeito á deter- 
minação da natureza de qualquer clima, ha grandes differenças a estabe- 
lecer e é preciso distinguir com exactidão a influencia que os elementos 
meteorológicos e geológicos têem na saúde publica, e na salubridade ab- 
soluta de um paiz. 

É incontestável que as observações meteorológicas tornar-se-hão sem- 
pre infecundas, se não se lhes ajuntar o exame das aguas pantanosas (nem 
todas são febriferas), e o estudo da geologia b o da flora. Attente-se bem 
nas seguintes considerações de pessoa competente : 

«Sous les tropiques, les seules propriétés physiques de Tair ne sont 
pas des causes d'insalubrité; 1'homme semble posséder la faculte »atq- 
rçlle de reagir contre leur influence ; 1'aclimatement météorologique est 
un fait qui est prouve par la salubrité des régions exemptes de maladies 



1 Traité de géographie et de statistique medicais et de* maladiet endèmiques, 
tom. i, pag. 246 a 254. 



284 CAPITULO XI 

endémiques et qu'on peut en bénéficier sans aucune préparation et sous 
Ia reserve d'une hygiène convenable 1 .» 

O estudo meteorológico de alguns logares do interior d'esta ilha é es- 
sencial para se estabelecerem regras praticas de aclimação e colonisa- 
ç3o. Para se formar idéa da necessidade e vantagem d'estes trabalhos, 
mencionámos o seguinte resultado obtido pelo dr. Lúcio Augusto da 
Silva, em relação ao Monte Café. 



Excursão meteorológica ao Monte Café * 

Elevação 

Altura da casa acima do nivel do mar 681 metros ou 2:063 pés 

Altura do morro acima da casa 199 metros ou 603 pés 

Altura do morro acima do nivel do mar 880 melros ou 2:666 pés 

Temperatura média 

Cidade 25°,6 

Monte Café 20°,3 

Differença 5°,3 

O Monte Café dista da cidade cerca de três léguas. Encontra-se n'elle 
uma das principaes fazendas da ilha, e um dos logares mais salubres. 

O exame do solo e da vegetação, como dissemos, devem completar 
as observações, e n'estas circumstancias, pôde indicar-se com exactidão 
quaes os logares mais salubres, onde se devem estabelecer as casas de 
saúde, as habitações dos fazendeiros, etc, etc. 

N'esta ilha ha grandes e extensas planícies, collocadas a 600 metros 
acima do nivel do mar. A temperatura media que se observa n'ellas, é 
muito inferior á da cidade, e approxima-se da que se encontra no estio 
em Lisboa, e ainda mais baixa. 

A differença da temperatura da cidade de S. Thomé para a do Monte 
Café é de 5 o , 3, correspondendo a 900 metros de altura; em alguns mon- 
tes susceptíveis de cultura, e que abundam n'esta ilha, pôde encontrar-se 
a temperatura de 18°,7, quasi igual á do Funchal. Se o pico de S. Tho- 
mé, o de Anna de Chaves e as cordilheiras annexas, que se elevam de 

* Dutroulau, loc. cii, pag. 173. 

1 Boletim official da província, n.° 28, coll. de 1858, 



METEOROLOGIA E CLIMATOLOGIA 285 

2:000 a 3:200 metros, não podem ser agricultadas, os montes inferiores 
a 2:000 metros, as superfícies adjacentes a estes montes, as encostas e as 
cumeadas, offerecem terrenos onde os governos devem collocar as coló- 
nias penaes, e todos os estabelecimentos, que dependem da sua iniciativa, 
construindo-se boas estradas que os ponham em communicação entre si 
e com a cidado. 

Os rios que retalham a ilha devem ter pontes de madeira ; os cami- 
nhos por entre as matas serão largos e estarão sempre bem conservados ; 
a repartição das obras publicas precisa de estender a sua acção alem da 
cidade, e de dar bons exemplos de actividade e de interesse pela viação 

publica. 

Para serem habitados os logares interiores da ilha são precisos mais 

de vinte mil trabalhadores, que pelo systema actualmente adoptado, pre- 
cisam de dois mil navios, e nem em dois séculos teriam entrado aqui! ! 

Os colonos europeus não podem entregar-se aos trabalhos que a agri- 
cultura exige; podem apenas dirigil-os. É portanto muito conveniente 
examinar as leis que actualmente regulam a introducção de braços n'esta 
ilha e modifical-as ou revogal-as. A escravidão já não existe nos domí- 
nios portuguezes ; deve ser livre a passagem de colonos e trabalhadores 
de umas para outras das nossas possessões ultramarinas. 

É esta a primeira necessidade da colonisação regular da ilha de S.Tho- 
mé, a qual recompensará largamente quem se interessar pelo seu pro- 
gresso e civilisação. 



CAPITULO xn 

Resumo das providencias higiénicas 



Ás jantas de saúde compre, entre muitos outros deveres, o de propor 
ás anctoridades competentes as providencias adetjuadaí para extinguir 
ou attenuar as eausas locaes e geraes de msakibridad». 

(Decreto de 2 de dezembro de 1869, artigo 38.°, § 10.°) 



A providencias hygienicas que julgámos de instante necessidade de- 
duzem-se do que fica escripto, e podem resumir-se nas seguintes: 

1 . a Estudar a constituição do solo da ilha de S. Thomé e Príncipe com 
o intuito de se saber quaes são as culturas que se devem preferir para 
beneficiar os logares mais doentios. Reputámos excellente a cultura do 
café, assim como a do cacau e a do algodão; entendemos que não devem 
ser substituídas pela das cannas de assucar, que é menos saudável, e con- 
siderámos prejudicial a cultura do arroz. 

2. a Determinar que os terrenos do estado sejam cultivados, e que se 
formem algumas granjas-modelos, sendo o seu rendimento destinado aos 
hospitaes, 'casas de saúde e á santa casa da misericórdia. 

3. a Não enviar degradados, empregados e colonos, desde o raez de 
outubro até ao fim de maio, nem para S. Tbomé nem para o Príncipe. 

4. a Fazer-se a canalisação, até ás proximidades de Água Bobó, da ri- 
beira, que atravessa a cidade, tornando as suas margens em passeios, e 
construir fontes, tanques e lavadouros públicos. 

5. a Melhorar o hospital da cidade de S. Thomé y ou, o que é preferí- 
vel, construir outro com todas as condições hygienicas, tendo nos terrenos 
adjacentes, jardim, pomar ou horta. Convém que o hospital permanente 
esteja fora da cidade, e que a casa do actual hospital sirva de hospício. 
A ilha de S. Thomé precisa de dois hospitaes para a sua população de 
16:000 almas; é o menor numero que pode ter, sendo devidamente pro- 
tegida a agricultura. 

6. a Incitar de algum modo os proprietários d'esta ilha a construírem 
um hospital commum, onde sejam tratados somente os libertos, acaban- 
do assim com os hospitaes e boticas das roças, e com os curandeiros* que 
são tão prejudiciaes á saúde publica, como as carneivadas. 

7. a Determinar que a limpeza publica da cidade esteja a cargo de uma 
companhia, composta de cincoenta indígenas validos, que trabalhem assi- 
duamente; publicar regulamentos hygienicos e policiaes, a fim de que. 
seja profícua a limpeza publica. 



288 CAPITULO XH 

8.* Mandar preparar, na prpiá próxima da fortaleza de S. Sebastião, 
togares onde não possa entrar o tubarão, a fim de se tomarem ali ba- 
nhos do mar. 

9. a Fazer conduzir a Agua Bobó para a cidade, distribuindo-a no hos- 
pital e em tanques nas duas praças principaes. 

10. a Aconselhar a camará municipal a ter um medico de partido para 
dar consultas gratuitas aos pobres, examinar a qualidade de carne que se 
vende ao publico, etc, etc. 

11. a Não consentir que se façam canos de esgoto na cidade, nem ge- 
raes nem parciaes; seriam um foco permanente de infecção miasmatica. 

12. a Determinar que se façam montureiras, e seja obrigatória a des- 
infecção, formando-se para esse fim regulamentos especiaes, e impondo 
rigorosas multas aos contraventores. 

13. a Prohibir que nos trabalhos agrícolas, propriamente ditos, se em- 
preguem europeus, para evitar que, sem necessidade, arrisquem a vida. 

14. a Construir um bairro novo em logar conveniente, tendo casas 
saudáveis e económicas, onde os empregados, colonos, e quaesquer ou- 
tras pessoas que queiram residir na ilha, possam encontrar íneios de re- 
sistirem ás constantes e fortíssimas trovoadas, chuvas e ventanias, que 
tanto incommodo e prejuizo causam á saúde. 

15. a Não permittir que nos quintaes haja bananeiras e hervas ruins, e 
determinar que as matas próximas da cidade sejam totalmente destruídas. 

16. a Regular o serviço medico-militar de modo que os facultativos 
tenham tempo para organisar trabalhos estatísticos sobre meteorologia, 
pathologia e historia natural. 

17. a Melhorar a botica do estado conformemente ao que a civilisação 
indica, a humanidade exige e a sciencia merece, porfie de taes melho- 
ramentos resultarão muitas vantagens, sendo uma d'ellas o desappareci- 
mento de um foco de infecção muito prejudicial á salubridade da ilha. 

18. a Completar o quadro de saúde da província, porque o serviço sa- 
nitário do porto, os frequentíssimos corpos de delictos e exames de sa- 
nidade, roubam precioso tempo ao medico, e o serviço do hospital oc- 
cupa diariamente dois facultativos, dando-lhes muito trabalho. 

19. a Organisar, quanto antes, uma companhia de saúde, composta 
de enfermeiros e de outros empregados menores dos hospitaes e enferma- 
rias militares. 

20. a Permittir que os empregados, principalmente os que tenham 
dado provas de aptidão e zelo, possam ir ao reino, no fim de cada três 
annos de serviço, e ahi se demorem seis mezes, para se tratarem, pois 
não pôde um europeu viver três annos consecutivos sob um clima tão 
deprimente, e em uma atmosphera viciada sem adquirir moléstias gra- 
ves, incommodas e perigosas. 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



289 



n: i 

MOLÉSTIAS OBSERVADAS NO HOSPITAL IILITAR DA ILHA DE S. THOMÉ 

NO ANNO DE 1869 



Anemia e diarrhéa 

Adenite 

Ataques epileptiformes. 

Anasarca , 

Anemia 

Abcessos , 

Amygdalites 

Asthma 

Anasarca e diarrhéa . . 
Anemia e chlorose 
Arthrite traumática . . 



Blennorhagia e bubão 

Bronchite aguda 

Bronchite chronica 

Blennorrhagia 

Bronchite chronica e hemoptyses 
Balanite e cancro syphilitico 
Balanite .* 



C 



Contusões e feridas contusas . 

Cachexia paludosa 

Cachexia paludosa e diarrhéa 

Cancros syphiliticos 

Corysa 



Cancro e dores osteocopas 

Cephalalgia 

Coxalgia 

Cachexia e ulceras phagedenicas 

Cancro e bubao 

Cystite aguda 



Noroero 

de 

casos 


Mortes 


7 


1 


29 


- 


i 


- 


14 


4 


2 


- 


10 


— 


2 


- 


2 


— 


2 


2 


6 


1 


2 


— 


11 


_ 


61 


- 


49 


5 


37 


- 


12 


3 


1 


- 


2 


— 


87 


_ 


4 


i 


2 




2 


- 


4 


- 


1 


- 


1 


— 


1 


- 


1 


1 


2 


- 


1 4 


- 


19 





290 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



r> 



Diarrhéa 

Dysentería 

Dores osteocopas e syphilide granulosa 

Dores rheumatismaes 

Diarrhéa colliquativa 



E 



Embaraço gástrico 

Entorse do pé esquerdo 

Erysipela dos pés 

Edema das extremidades inferiores. 



Enterite 



Enteralgia , 

Escorbuto 

Estomatite simples 
Erysipela phlegmonosa 
Estomatite ulcerosa . . . 
Eczema das pernas.. ... 



E 

Febres intermittentes quotidianas . 

Febres intermittentes terçãs 

Febres remittentes . . . , 

Feridas incisas e penetrantes 

Fistulas urinarias T 

Furúnculos 

Ferimentos por arma de fogo 



Cr 



Gastralgia ...♦.* 

Gastrite , 

Gastro-enterite typhoide, 



Hepatite aguda. * 

Hérnia inguinal * 

Hemorrhoidas % 

Hematúria 

Hematocéle e gangrena ãp escroto 



Numero 

de 

casos 


Mortes 


30 


7 


48 


8 


i 


— 


122 


— 


5 


2 


19 


^ 


i 


- 


10 


- 


17 


— 


8 


— 


10 


. - 


3 


- 


2 


— 


5 


- 


4 


- 


3 


— 


358 


. 


53 


— 


169 


- 


38 


- 


2 


- 


7 


- 


4 


- 


1 


^ 


2 


- 


4 


3 


2 


i 


3 


- 


2 


- 


8 


* 


3 


*• 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



291 



Hypertrophia do coração 



Icterícia 



Keratite, 



Lumbago 

Lichen europeu 

Leucophlemasia e diàrrhéa 
Leucorrhéa 



M 



Metrite chronica 
Metroperitonite. , 



N 



Nephrite chronica, 



O 



Ophthalmia 
Odontalgia. 
Otorrhéa . . 



Otite 

Otite e dores osteocopas 

Orchite 

Otite e odontalgia 



Pleurodynia. 

Pleurisia é é . * 

Pian d'Alibert 

Phlegmâo diffuso , 

Palpitação do coração . . . . , 

Plenro-pneumonia . . . . é 

Panarício • . . „ 

Paralysia geral 

Pericardite ; 

Perítonite (ferimento de arma de fogo) 
Pneumonia * 



•> <• 



* m 



Queimaduras de 1." e 2.* grau. 



Q 



Nnmero 

de 

casos 



i 



14 
2 
1 

2 

* 

i 
1 

1 

29 
10 
1 
6 
i 
i 
i 

124 
35 

2 
3 
8 
9 
4 
1 
2 
1 
8 



Mortes 



1 
1 



292 



QUADROS ESTÁTISTICOS 



Rheumatismo articular chronico, 



S 



Sarnas 

Syphilide granulosa , 

Splenite 

Splenite chronica 

Syphilide e blennorrhagia 
Syphilide e edema das pernas. 



Numero 

de 

casos 



Tubérculos pulmonares 
Tétano traumático .... 
Tumores escrofulosos. . 



\ 



XJ 



Ulcera syphilitica . 
Ulceras das pernas 
Urethrite 



20 

45 
9 
4 
2 
3 
i 

10 
5 
1 

i 
97 
ii 



Mortes 



6 
i 



Observações 

Pelo presente mappa se vê que grassam na cidade de S. Thomé febres conti- 
nuas e miasma ticas, sendo o numero d'aquellas muito limitado. Não figuram ali 
doenças por excesso de sangue, parece que não podem existir aqui temperamen- 
tos sanguíneos; pelo contrario torna-se sensível a falta dos elementos constituin- 
tes do sangue, sendo frequentes as doenças provenientes do vicio na proporção em 
que elles o deviam compor. 

As inflammaçoes são representadas por grande numero de espécies; mas é di- 
minuta a sua mortalidade. A dysenteria endémica não é uma simples inflammação 
do intestino. 

Das hemorrhagias apenas se contam treze espécies, sem haver caso algum fatal* 
As secreções mórbidas mostram-se nas anasarcas, nos edemas e na diarrhéa, 
subindo a quatorze os casos fataes. 

Não appareceu um único caso de envenenamento, a não ser o que resulta das 
matérias pútridas c do vinis syphilitico. 

Conta-se um caso único de lesão de nutrição, emquanto os tubérculos pul- 
monares são frequentes. A sarna existe, segundo o diagnostico de alguns faculta- 
tivos. 

Na classe das nevroses figuram as dores, algumas lesões do movimento e 
nevroses complexas. 

O embaraço gástrico, a constipação do ventre, a icterícia e o rheumatismo 
são as espécies com que A. Grisolle forma a 10.» classe da sua pathologia, e que 
são muito frequentes no hospital de S. Thomé. 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



293 



n: 2 

RESUMO DAS MOLÉSTIAS OBSERVADAS NO HOSPITAL DE S. THOMÉ EM 1869 



Doenças palustres 

Cachexia 

Anasarca . . . .- 

Dysenteria. . .'. 

Febre typhoide 

Hepatite 

Bronchite chronica 

Tubérculos pulmonares 

Pneumonia 

Rbeumatismo 

Ulceras das pernas 

Moléstias diversas 

Total 



Numero 

de 
casos 



1:849 



Mortes 



580 


— 


22 


4 


17 


7 


83 


14 


4 


3 


2 


1 


61 


8 


10 


6 


17 


2 


340 


— 


97 


- 


616 


3 



48 



38,52 : 1 



Observações 

Sob a denominação doenças palustres incluímos os casos de febres inter- 
mittentes sob todas as formas. 

Febres quartas não téem apparecido. É notável não se apresentar um único 
caso fatal entre as doenças palustres propriamente ditas í í 

Sob a designação dysenteria reunimos os casos de diarrhéa, para simplici- 
dade da comparação. 

Em 1869, no hospital, não houve doente algum de febres perniciosas ictéri- 
cas nem de perniciosas! ! 

A mortalidade foi de 2,60 por cento no hospital de S. Thomé, dando o 
maior contingente os doentes affectados de dysenteria. Seguem-se as bronchi- 
tes, sendo muito frequentes não só nos addidos e soldados pretos, mas também 
nosfindigenas. É notável a mortalidade nos doentes affectados de tubérculos pul- 
monares. Dos 10 doentes que se observaram no hospital morreram 6 em poucos 
dias! Entraram no ultimo período da moléstia a maior parte. O tratamento foi o 
que A. Grisolle e Valleix aconselham em taes casos. Minoraram-se os sofrimentos 
dos doentes; saem do hospital apenas alliviados, se o mal não está muito adian- 
tado. A anasarca e a cachexia são o resultado da intoxicação miasmatica. 

Um tratamento racional pôde triumphar das febres palustres, mas a ruina 
orgânica cedo se faz annunciar ; provam-no os anemicos, os cacheticos e os hy- 
dropicos. 

O termo médio da mortalidade foi de 3,64 por cento, o que está muito longe 
do que se observa em Nova Caledónia, onde se notam 1,03 por cento. 



394 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



n: 5 

MAPPA NEGROLOGICO DO HOSPITAL MILITAR DA ÍLIA H S. TBOMÉ EH 1869 



Moléstias obserradas 



!•• 



Anemia 

Anemia e diarrhéa 

Chlorose e anemia 

Cachexia e ulceras phagedenicas. 

Cachexia paludosa • 

Cachexia paludosa e diarrhéa 

Total (A) 

A relação da mortalidade n'este grupo foi de 



».« 



Anasarca 

Lucophlegmasia e diarrhéa 

Anasarca e diarrhéa 

Total (B) 

 relação de mortalidade n'este grupo foi de 

3.o 



Diarrhéa 

Diarrhéa colliquativa 

Dysenteria 

Total(C) 

A relação da mortalidade n'este grupo foi de 



I 



Bronchite chronica e hemoptyse 

Bronchite chronica 

Tubérculos pulmonares 

Total (D) 

A relação da mortalidade n'este grupo foi de 



Casos 



2 
7 
6 
i 
4 
2 



22 



Mortes 



i 
1 
i 
i 



5,5:1 



14 
i 

2 



17 



4 
i 
2 



2,42 : i 



30 

5 

48 



83 



7 
2 
5 



14 



5,92 : i 



12 

49 
ÍO 



71 



3 
5 

6 



14 



5,06:1 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



295 



■B 



Molftstiag obsemdas 



Gastro-enterite typhoide (E) 

Pneumonia 

Pleuro-pneumonia (F) 

Hepatite aguda (G) 

Peritonite (ferimento por arma de fogo), 

Paralysia geral • 

Tétano traumático 

Somma ........ 



Casos 



8 
9 



2 



i 
1 



222 



Morteê 



i 
i 



i 
1 
1 



48 



4,62 : i 



21,60 por cento sobre as doenças mais graves. 



Observações 

(A) — Reunimos n'este grupo as moléstias constituídas por vicio na propor- 
ção do sangue. J. E. Woillez, no seu excellente livro de diagnostico medico, disse : 
o estado cachetico, ao principio, offerece os mesmos phenomenos, geraes e lo- 
caes, que a anemia. 

A diferença entre anemia e chlorose para alguns pathologistas (A. Grisolle, 
por exemplo) não existe, sendo esta uma variedade d'aquella ; em ambas o em- 
pobrecimento de sangue, resultante da diminuição do seu elemento globular. Ainda 
assim á chlorose associa-se uma idéa, que se não pôde exprimir com a palavra 
anemia. E n'este sentido é que hoje se emprega geralmente em clinica. 

As denominações anemia, chlorose e cachexia designam doenças que se podem 
tornar mortaes, senão por ellas mesmas, por muitas complicações que as acompa- 
nham. A. Grisolle não falia da cachexia como doença independente. Tratando da 
anemia diz que esteve por muitos annos confundida com a cachexia, termo ge- 
nérico por que se designavam certas lesões orgânicas. Descreve a cachexia mercu- 
rial, e não se occupa da cachexia paludosa nem da tropical. 

(£)— A. Grisolle toma como synonymas as duas palavras anasarca e leu- 
cophlegmasia, apresentando a sua etymologia grega. Fazemos esta observação 
para afastar qualquer outra idéa, e declarar que nãoquizemos mudar as desi- 



*96 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



■* 



gnações com que os facultativos fizeram os seus diagnósticos. Nato escrevemos 
uma dissertação clinica, mostrámos o estado do serviço de saúde, no hospital de 
S. Thomé, em 1869. Nada mais. 

(C) — O epitheto «colliquativa» junto á diarrhéa, não ó desnecessário; designa 
um symptoma. A. Grisolle, na quinta classe das moléstias, secreções mórbidas 
(2.° género), descreve apenas a diarrhéa catarrhal. £. J. Woillez, diz com muita ra- 
são no seu diccionario medico, artigo diarrhéa, que esta moléstia é as mais das ve- 
zes um symptoma. De propósito copiámos as seguintes palavras : «Une forme de 
diarrhée est caractérisée par tous les symptomes locaux et généraux de 1'interite, 
et je ne puis que renvoyer à cette dernière maladie ; car, en pareil cas, il est 
vraiment impossihle de distinguer les deux affections, ce qui explique que Barther 
et Rilliet les avaient confondues sous le titre de catarrhes, et phlegmasie câtarrha- 
les aigties des intestins». 

A diarrhéa, moléstia muito frequente no hospital militar de S. Thomé, foi 
considerada symptoma na máxima parte dos casos. Reunimol-a á dysenteria, sua 
congénere, para mais simplicidade de exposição, aindaque para a therapeutica a 
diferença é essencial. 

(D) -—As hronchites chronicas são quasi sempre fataes aos pretos que fre- 
quentam o hospital de S. Thomé. Os tubérculos seguem a mesma evolução que se 
observa no hospital de Santo António, no Porto, mas os dois últimos períodos 
são de curta duração. O clima de S. Thomé favorece muito os tubérculos que se 
apresentam com frequência e tenacidade. 

(C) — A. Grisolle dividiu as febres em cinco géneros. É artificial decerto a 
classificação do sábio pathologista francez, mas esta ou qualquer outra é indis- 
pensável. Se uma classificação parece boje perfeita, não o pôde ser amanhã ; é o 
effeito do progresso da sciencia, é a condição do espirito humano. 

Aquelle escriptor admittiu febres continuas, eruptivas, intertnittentes, remit- 
temei ou pseudo-continuas e febre hectica; descreveu entre as continuas a febre 
biliosa dos climas quentes e collocou nas secreções mórbidas o cholera asiático. 
Não adoptou taes idéas F.Valleix, e nós não temos a febre biliosa dos paizes 
quentes, como espécie pathologica definida, nem reputamos as febres remittentes 
como classe distincta, e estudámos a febre puerperal como uma febre continua e 
não como uma inflammação. 

Os casos de gastro-interite typhoide observados no hospital de S. Thomé 
não foram verificados pela autopse. 

A febre hectica é frequente nos indigenas e apparece nos doentes do hospi- 
tal ; foi considerada symptoma. A respeito d'esta doença escreveu R. J. Woillez : 

« Si la fièbre hectique est presque toujours symptomatique, elle peut aussi 
apparaitre sous le nom de r eminente, comme conséquence d'une intoxication pa- 
ludéenne, soit dans les pays marécageux de nos contrées, soit dans les régions tro- 
picales ou elle constitue une forme de la fièvre remittente des pays chauds.» 

(E) — As pneumonias são raras nos europeus, e seriam menos frequentes nos 
indigenas se elles seguissem os conselhos que os médicos lhes dão. 

(G) — A hepatite aqui náo está em relação com a dysenteria; não se pôde 
dizer o que A. Dutroulau disse da hepatite no Senegal : «L'hépatite, cette com- 
pagne inséparable de la dysenterie endémique grave, suit celle-ci dans ses évolu- 
tions annuelles, et forme du quart au huitième, en nombre, de ses cas et de ses 
décès.» 



m 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



MAPM BTJTUT1C0 «IR HtEGUEZIAS Dl POTOUÇÍO DA U»J DE S. THOMI | 



Noasa Soohorn deGnadelupefregiaa d 
■ Dorlu, interior, policio elevada). . . 
San lo Amaro (regilo do norte, interior 



Ml 


995 


15 


440 


309 


m 


171 


109 


57 


1:444 




481 


74 


13 


i-.m 




558 


561 


180 


78 


3:605 




89S 


47 


6 


1:983 


366 


663 


-397 


835 


956 


(393 




1» 


IO 


1 


«17 


305 


37 


u 


999 


87 


990 




IÕ9 


li 


1 


171 


111 


390 


Tf 


117 


58 


1:059 




lia 


a 


' 


5S4 


739 


601 


303 


150 


104 


1:458 





Ha nellas 16:000 limai. Esta populaclo e diminuta pira i anperncia da ilha, e pira a toa fertí- 
Jidadf a abundância em muito! género» do eiporlaflo próprios dot climas tropicais. 

A relaçlo da mortalidade em Ioda a ilha foi do 1 : 33, tS, mis «tia relaflo só pôde representar 
a media, se iltentarmon ao modo por qna M fai a estatística da população qna ha na ilha, merecen- 
do-noa ponea fé as laballaa norlaariu qna ea publicam no Boletim oflkiol. 

Tonu-ae nrgentiuimo estabelecer este aemço da sande da modo qna aa possam faiar ai estatís- 
ticas rigorosas para ae avaliar a mortalidade absoluta d'aila ilba. Nao ha presentemente dados alguns 
colligidos, nam se trata por emqoanto da regalar esta ordem da trabalhos. 

A mortalidade dos europeus foi de 1 : 14,06, 

Na ilha de S.Thomé ha doenças q o e apparecem deade oolnbro a junho, e faltam na estacSo daa 



Convém qoe se dirolgue entre os bar 
o modo mais racional de aa atacar | 
■ia, s os que dos temos observado, jnstiticam a 
i liila dos governadoras qna morreram, em oi 



ia de tnas moles- 



298 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



N.°5 

MAPPA DOS ÓBITOS QDK SE DERAM DURANTE O ANNO DE 1868 

NAS FREGDEZUS ABAIXO MENCIONADAS 

PERTENCENTES AO CONCELHO DESTA ILHA DE S. THOMÉ 



Freguesias 



I|íossa Senhora da Graça 

Nossa Senhora da Conceição. . 

Santíssima Trindade 

Nossa Senhora de Guadelupe . 

Santo Amaro 

Santa Anna 

Nossa Senhora das Neves 
Santa Cruz dos Angolares. . . . 
Magdalena 

Somma 



Óbitos' 


Sexos 


Masculino 


Feminino 


46 


41 


40 


26 


91 


72 


7 


12 


42 


28 


32 


90 


4 


1 


10 


10 


i 


- 



273 



220 



493 



1 morto por 33,48 habitantes em toda a ilha; 1 por 16,14 habitantes europeus. 



Observações 

Este mappa enumera todos os óbitos que houve na ilha, entrando os de 27 
europeus. O mappa n.° 2, referido ao anno de 1868, dá em toda a ilha 16:510 
almas. A mortalidade geral d'este paiz foi em 1869 de 3 por cento, e a dos euro- 
peus foi de 6,6 por cento. A mortalidade na relação de 1 : 33,48 não ó grande em 
presença da mortalidade de muitos reinos da Europa ; em França foi de 1 : 40,92 
ou 2,40 por cento, pelos annos de 1853, segundo o mappa que temos presente 
(Hygiene publica de Macedo Pinto) ; na Rússia de 3,70 por cento. A diferença 
não é muita; mas para darmos toda a fé aos mappas que apresentámos, deyiamos 
ter examinado com todo o rigor os papeis obituários que estão a cargo da admi- 
nistração do concelho, por onde são ministrados os dados estatísticos que foram 
publicados no Boletim oficial 

Devemos também notar que o movimento da população n'esta ilha não é fá- 
cil de calcular. A mortalidade dos europeus, 1 : 16,14, não representa a ver- 
I dade, poisque no fim do anno de 1868, a que se refere a estatística geral, entra- | 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



wmmmmem 



ram muitos europeus para esta ilha, e saíram muitos. N£o se deve esquecer os 
que morrem por desastre. As estatísticas sem muito escrúpulo téem pouca van- 
tagem. 

As moléstias endémicas mais graves sSo a febre perniciosa ictérica, a dysen- 
teria e a febre perniciosa; as mais frequentes são as febres intermittentes entre 
os europeus, e o rheumatismo e as bronchites nos indígenas. 

Convém por todos os modos possíveis tornar bem conhecidas as causas de 
insalubridade, demonstrando por meio de rigorosos trabalhos quaes ellas são, e 
com estatísticas mensaes e annuaes provar o augmento de salubridade que se vae 
obtendo, á maneira que as causas de insalubridade forem modificadas ou destruí- 
das segundo as indicações da scienciá 



Bi 



^^^^ 



300 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



N.°6 

RESUMO DAS MOLÉSTIAS OBSERVADAS NO HOSPITAL DE S. TBOMÉ El 4865 



Doenças palustres 

Febre typhoide 

Anemia , . . 

Cachexia 

Bronchite 

Pneumonia 

Dysenteria 

Rheumatismo 

Moléstias diversas 

Total 



1:345 



NlUMfO 

de 
easot 


Mortos 


279 


2 


5 


3 


2 


— 


3 


1 


91 

• 


1 


38 


8 


74 


30 


88 


- 


765 


37 



82 



16,40 : 1 



Pozemos debaixo do nome de doenças palustres o grupo das febres prove- 
nientes da intoxicação miasmatica sob todas as suas formas. 



I 



Na dysenteria accumulâmos os casos de diarrbéa. Imitámos n'esta parte o 
sábio Dutroulau. 

Devemos notar que em 1865 ainda houve alguns casos de bexigas. A mor- 
talidade foi de 6,1 por cento, em 1867 de 5,5, em 1868 de 4,1. Pelo mappa seguinte 
se reconhece o estado pathologico do hospital de S. Thomé, em relação ao anno 
de 1869. Figura n'este anno maior mortalidade na dysenteria. A rasSo parece-nos 
provir da má qualidade da agua da ribeira, que se emprega em todos os usos da 
vida. Emquanto nato se destruir similbante causa de insalubridade, veremos figu- 
rar sempre as dysenterias como moléstias mais graves, pelo menos entre os sol- 
dados da bateria que apanham a agua quasi ao pé da foz do rio Agua Grande, e 
levam-na em barris para o quartel; ó assim bebida e serve para preparar o 
rancho!! 

As pneumonias são as que figuram depois da dysenteria, e, em presença 
do mappa, o que nos causa menos impressão são as febres paludosas, cuja mor- 
talidade parece insignificante! Os casos fataes (Testas moléstias n&o dão idéa da 
ruina que ellas causam, e das moléstias consecutivas que se apresentam. 

As febres intermittentes quotidianas e terças, sem complicação, durante cinco 
annos não causaram uma única morte ! 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



301 



N.° 7 



MAPPAS DO MOVIMENTO DO HOSPITAL MILITAR DE S.THOME 

PORMEZES 



Designações 



Janeiro (influencia da epidemia das bexigas), 

Fevereiro (idem) 

Março (idem) • 

Abril (idem) 

Maio (mez das chuvas) 

Junho (mez doentio) 

Julho (idem) 

Agosto 

Setembro 

Outubro (mez das chuvas) 

Novembro (mez doentio) 

Dezembro (idem) 

Somma 



Casos 



167 

136 

126 

115 

125 

110 

98 

87 

95 

100 

86 

100 



FaDecidos 



1:345 



9 

13 

13 

7 

6 

10 

5 

4 

3 

5 

3 

4 



82 



16,40 : 1 



6,1 por cento ao anno. 

Observações 

N'este anno houve alguns casos de bexigas. A epidemia durou de 1864 a 
1865, comprehendendo esta ilha. e a do Príncipe. Atacou a raça preta somente. 



DesignaçQes 



Janeiro , 

Fevereiro 

Março 

Abril 

Somma, 



Casos 



99 
72 
68 
63 



302 



Fallecidos 



3 
9 
3 
4 



19 



302 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



Designtçfes 



Transporte 

Maio (mez das chuvas)* 

Junho (i.° mez depois das chuvas. Mes doentio) . • . 

Julho (mez doentio) 

Agosto 

Setembro 

Outubro (mez das chuvas) 

Novembro (1.° mez depois das chuvas. Mez doentio) 
Dezembro (mez insalubre) 

Somma. • •••• 



Casos 



302 
88 

109 
75 
72 
71 
90 

123 

100 



1:030 



Falleddos 



17,75 : 1 



19 
3 
9 
3 
3 
5 
6 
6 
4 



58 



5,5 por cento ao anno. 



Observações 



A população do hospital nos primeiros mezes d'este anno é muito menor 
que a do anno anterior. 



Designações 

Janeiro 

Fevereiro , 

Março 

Abril 

Maio » i 

Junho 

Julho 

Agosto , 

Setembro 

Outubro , 

Novembro * , 

Dezembro . * . . • • < 

Somma • 



Casos 



101 

97 

96 

75 

114 

103 

101 

108 

115 

87 

107 

109 



1:213 



Falleeidos 



•vt" 



6 
6 
5 
6 
2 

10 
8 

'7 
6 
6 
4 
2 



68 



17,83 : 1 



5,60 por cento ao anno. 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



303 



\ 



1868 


Designações 


Casos 


Fallecidos 




107 
121 
136 
161 
176 
. .137 
128 
106 
105 
107 
110 
113 


3 
2 
6 
1 

13 
4 
6 
6 
3 

10 
5 
3 






Abril * . . . i 


Maio - 


«lUlUiQ •-• ••*•••«••••••••••«••*•••••••• *.»• •-«-«• • m. »i> • ♦ 






\ 






* 


1:507 


62 




24,30 : 1 


4,1 por cento ao anno. 

Observações 

Pelo movimento da população do hospital não se pôde concluir com rigor as 
epochas pathologicas mais doentias da ilha, nem se pôde ajuizar da sua insalu- 
bridade absoluta; notam-se, porém, os seguintes números decrescentes emquanto 
á mortalidade do hospital, 6,1; 5,6; 5,5; 4,1; 2,6. A salubridade da cidade tem 
melhorado muito desde 1865 até 1869. Estes resultados mostram com toda a evi- 
dencia que a cidade pôde mudar quanto ao seu estado actual logoque se reali- 
sem os melhoramentos materiaes e moraes que temos indicado. 

1869 


Designações 


Casos 


Fallecidos 




143 
147 
160 
178 
153 
173 
145 
131 


6 
3 
4 
2 
1 
4 
3 
7 








• 




OOfftffttttlé 4l«ÍSl<ltÍ«ié<«iÍÍiÍS« 


1:230 


30 



304 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



Designações 



Transporte 

Setembro 

Outubro (mez das chuvas) 

Novembro (mez doentio) 

Dezembro (idem) 

Somma. . • . 



Casos 



1:230 
119 
162 
162 
176 



1:849 



Fallecidos 



38,52 : 1 



30 
6 

7 
3 

2 



48 



5,60 por cento ao anno. 

ObserraçSes 

O movimento do hospital está em relação com o tempo das chuvas e das 
ventanias. Nos mezes da mudança da estaç&o affluem mais doentes ao hospital, e 
com especialidade nos que se seguem immediatamente ás chuvas as doenças são 
muito graves e excessiva a mortalidade. 



1 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



305 



N.° 8 

HAPPAS DO MOVIMENTO DO HOSPITAL MILITAR DE S. THOMÉ, 

POR TRIMESTRES 

1866 


Detignaçlo 


Casos 


Fal tecidos 


Europeus 
fallecidos 

em 
toda a ilha 




^ 


429 
350 
280 
286 


35 
23 
12 
12 


46 












1:345 


82 




6,1 por cento 
1866 


Designação 


Casos 


Fallecidos 


Eoropeas 
fallecidos 

em 
toda a ilha 




239 
260 
218 
313 


15 
16 
11 
16 


27 




• 






V 




1:030 


58 










5,6 por cento 
1867 








Designação 


Casos 


Fallecidos 


Epropens 
fallecidos 

em 
toda a ilha 






294 
292 
324 
303 


17 
18 
21 
12 


30 




3.° Trimestre 






* 


1:213 


68 










5,5 por cento 









20 



306 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



Designação 



i.° Trimestre • 

2.° Trimestre 

3.° Trimestre 

4.° Trimestre • 

Somma . — 



Gatos 


Faliecidof 


364 


11 


474 


18 


339 


15 


330 


18 


1:507 


62 



Korooeos 
fallecidos 



toda a ilha 



31 



4,1 por cento 



Designação 



1.° Trimestre , 

2.° Trimestre 

3.° Trimestre 

4.° Trimestre 

Somma 



Caso» 


FaHeeidos 


450 


13 


504 


7 


395 


16 


500 


12 


1:849 


48 



Europeus 
fallecidos 



toda a ilha 



27 



2,6 por cento 



Observações 

3 

No hospital militar de S.Thomé, no 1.° trimestre do anno houve 13 mortos. 
Os mezes de janeiro, fevereiro e março não foram os peiores. A mortalidade do 
hospital mio pôde servir de termo de comparação para a mortalidade geral. Em 1 
1865 houve 35 mortos; em 1866, 15; em 1867, 17; em 1868, 11, e em 1869 foi a 
mortalidade um pouco maior. A média d'estes cinco annos é de 18,2. N'estes três 
mezes apparecem alguns casos de febre perniciosa ictérica, moléstia mortífera que 
ataca os europeus sem distineção de classe. 

Os mezes em que aqui se passa melhor são os de julho (fim), agosto e setem- 
bro, e talvez princípios de outubro. Corresponde este período ao 3.° trimestre. 
Note-se que a população do hospital diminue n'esta quadra. Em 1869 houve 395 
doentes; em 1868, 339, mais 9 que na seguinte quadra; se a mudança da estação 
varia, a constituição medica do ar varia também. Em 1866 a população foi me- 
nor, assim como em 1865. Se no anno de 1867 se apresentam n'cste trimestre 
mais doentes e maior mortalidade que nas outras quadras, depende isso de causas 
que não vem a propósito indicar aqui. 






QUADROS ESTATÍSTICOS 



307 



Na pag. 269 do livro de Fonssagrives, traducçâo de João Francisco Barreiros, 
lé-se o seguinte : «Nos golfos de Benim e de Biafára (dos Mafras) são mais dele- 
térias as febres nos mezes de maio, junho e julho, e depois em novembro e de- 
zembro (Raul, Guia medica da costa de África, citação do traductor referido)». 
É verdade. O mez peior é o de novembro. Desde 15 de outubro, pouco mais ou 
menos, a 15 de janeiro, o tempo é péssimo. Desde 15 de maio, pouco mais ou me- 
nos, até meado de julho, ha outra quadra mortífera. As outras duas são soffiriveis, 
parecendo-nos melhor a que abrange o mez de agosto, setembro e principio de 
outubro. O primeiro mez consecutiVo ás chuvas marca o typo da insalubridade. 
As terras impregnadas de aguas e de immundicies são expostas a um sol arden- 
tíssimo; a evolução miasmatica e tão abundante e activa, quanto está apto o or- 
ganismo para receber a impressão morbifica. m 



BE 



308 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



N.°9 

MAPPA ESTATÍSTICO E NECROLOGICO 

DA MAIOR PARTE DOS GOVERNADORES DE S. 1B0MÉ E PRÍNCIPE 

DURANTE 283 ANNOS, DE 4886 A 1869 



Século J&.VJL (ultimo* 14 annos) 



Governadores.,.. 



Effectivos 6 

Interinos 1 



Total 7 

Em pouco tempo 2 

Falleceram { Em poucos mezes 1 

Depois de um aono 1 

Saíram da ilha 1 

Ignora-se o destino de 1 



Governadores.... 



Século xvn 

! Effectivos 27 

Interinos 14 

Total 41 



Em pouco tempo • • 4 

Falleceram { Em poucos mezes 5 

Depois de um anno 5 

Retiraram-se 5* 

Ignora-se o destino de 8 



' ( Effectivos. 
Governadores... J . 

( Interinos., 



17 



Total 



39 

Durante a viagem 1 

Ao desembarcar 1 

Falleceram { Em pouco tempo. • • • 2 

Em poucos mezes 5 

Depois de um anno • 1 

Retiraram-se da ilha • 5 

Ignora-se o destino de, 7 



QUADROS ESTATÍSTICOS 



309 



1 



■a 



BBHBBE 



Governadores.... 



í Eflfectivos 26 

( Interinos 12 



Observações 

Os governadores interinos eram umas vezes o bispo, outras a camará ou pes- 
soa por ella nomeada, etc. ; por esta rasão não é fácil averiguar a mortalidade 
dos governadores interinos, sem se gastar muito tempo na secretaria do governo 
d'esta ilha, e nos registos da camará. O nosso fim é mostrar que uma grande parte 
dos governadores faUeceram poucos mezes depois de chegarem á ilha, e nunca se 
tratou de indagar as causas das graves moléstias a que succumbiram, para as 
destruir ou attenuar. 

PPestes séculos os governadores téem-se retirado quasi todos logoque a sua 

vida periga, e a humanidade chega a ponto de alguns governadores trazerem em 

seu poder portarias que os auctorisam a retirar-se apenas a sua saúde esteja em 

risco. 

Ha muitas mortes a lamentar, apesar de alguns governadores se retirarem 

no mesmo navio em que chegaram ! 

Desde 1860 até 1869 não morreu governador algum n'esta província. É prova 

do progresso que se nota na ilha, devido ás communicações regulares e rápidas 

estabelecidas entre Portugal e a colónia da ilha de S. Thomé, e ao augmento da 

agricultura que tem muita influencia na salubridade absoluta da ilha. 



FIM 



»V^ .'—"'-V -W '. 



ERRATAS 



Paginas 


Unhas 


Onde se lê 


Dero ler-se 


4 


42 


earopéenes 


eoropéens 


40 


8 


citam 


citam-se 


49 


44 


rem completar 


rêem completar 


SI 


30 


Tendo de assistir 


Para assistir 


13 


7 


digno de ser 


digna de ser 


3t 


2 


en réenappa 1 ( 


en récbappa»(( () 


34 


7 


que denx t ! • 


qoe deox»(f !) 


32 


23 


percorrer de mais 


percorrer mais 


33 


29 


Guadalupe 


Guadelope 


47 


42 


Salubridade 


Salubridade 


54 


44 


e os netos 


os fados 


99 


4 


Foi esta 


Éesta 


104 


22 


rem á praia 


vtemá praia 


4» 


22 


e qn'arec 


et qn'arec 


496 


25 


Os alimentos 


— Os alimentos 


434 


9 


6,5° 


6 o 30" 


437 


45 


hassall 


hasaU 


454 


4 


00,30 


30 grammas 


454 


5 


290,880 


29k,880 


485 


48 


s6 


só 


485 


37 


porque não 


peloqnenSo 


SOO 


34 


de aqailio 


diachylao 


Z2D 


40 


Raonl 


Raul 


244 


24 


no capitulo ti 


n'este capitulo (ti) 


249 


42 


tratamento , 


tratamento 


255 


44 


disseccantê 


deseeeante 


273 


6 


semigoal 


semegnal; 


278 


44 


se enlaça 


as enlaça 


284 


3 


querem 


qoe rêem 


284 


8 


querem 


qne roem 


288 


34 


de dalictos 


de dalicto 



N.B. Podem encontrar-se 
ndicam-se as priodpaes. 



mais algumas (altas qne a brevidade da impressão nio permittia emendar ; 



r 

u 



']